El Sistema de Precedentes Judiciales: un análisis frente el derecho procesal civil, em el ámbito de la Improcedencia Liminar de la Solicitud.
Autora: Tauane Sasso – Graduada em Direito pela Faculdade CNEC Santo Ângelo; Especialista em Direito Processual Civil pela rede de ensino LFG/Anhanguera. Advogada. E-mail: sassotauane@gmail.com.
Resumo: O presente trabalho versa acerca da viabilidade da aplicação do Sistema de Precedentes Judiciais no âmbito da improcedência liminar do pedido, no contexto do atual CPC. Seu objetivo foi demonstrar, por meio da análise do sistema normativo pátrio à luz dos princípios constitucionais, a legalidade da aplicação dos precedentes nos julgamentos prima facie frente uma possível violação ao direito de ação, sendo que os resultados do trabalho apontam para a possibilidade de aplicação do instituto no Brasil. Na metodologia, utilizou-se a pesquisa bibliográfica numa abordagem qualitativa, por meio do método hipotético-dedutivo, abrangendo leitura e análise de obras doutrinárias, teses, artigos.
Palavras-chave: Precedentes judiciais. Improcedência liminar. Direito de ação.
Resumen: El presente trabajo versa sobre la viabilidad de la aplicación del Sistema de Precedentes Judiciales en la improcedencia liminar del pedido, en el contexto del actual CPC. Su objetivo fue demostrar, a través del análisis del sistema normativo patrio a la luz de los principios constitucionales, la legalidad de la aplicación de los precedentes en los juicios prima facie, siendo que los resultados del trabajo apuntan la posibilidad de aplicación del instituto en Brasil. En la metodología, se utilizó la investigación bibliográfica en un abordaje cualitativo, por medio del método hipotético-deductivo, abarcando lectura y análisis de obras doctrinales, tesis, artículos.
Palabras clave: Precedentes judiciales. Improcedencia liminar. Derecho de acción.
Sumário: Introdução. 1. O Sistema de Precedentes Judiciais e sua aplicação no processo civil brasileiro. 1.1 Civil Law e Common Law: aproximação dos sistemas jurídicos por meio da aplicação dos precedentes judiciais. 2. Os precedentes vinculantes e o julgamento prima facie: colisão entre o direito de acesso à justiça e os princípios da economia e celeridade processuais. 3. a aplicação dos precedentes judiciais, no âmbito da improcedência liminar do pedido e sua (im) possibilidade de aplicação no direito processual civil brasileiro. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade discorrer sobre a (im) possibilidade de aplicação do sistema de precedentes judiciais no âmbito da improcedência liminar do pedido, frente o direito constitucional de ação e aos princípios do contraditório e devido processo legal. Apresenta o conceito e a base legal dos referidos institutos, bem como expõe os argumentos contrários à validade dos mesmos no ordenamento jurídico pátrio.
Assim sendo, o presente artigo será dividido em 03 capítulos. O primeiro capítulo alude sobre a inserção dos precedentes obrigatórios no direito brasileiro, vez que o país aderiu à tradição jurídica do Civil Law, e como se dá sua aplicação na prática forense. O segundo capítulo apresenta a improcedência liminar do pedido de acordo com a sistemática do NCPC e o terceiro capítulo encerra versando sobre os argumentos favoráveis ao emprego dos institutos estudados frente os princípios e normas que fundamentam o novo diploma processual civil.
Quanto à metodologia, para atingir os objetivos propostos e responder ao problema apresentado, fez-se uso de pesquisas bibliográficas em obras de autores como Nelson Nery Junior, Elpídio Donizetti, Marcus Vinicuis Rios Gonçalves, bem como foi realizada a leitura e a análise de teses, artigos, e publicações em revistas da área, bem como material da internet.
Por fim, destaca-se que se trata de um tema complexo e ainda pouco conhecido na sociedade brasileira, merecendo especial destaque por sua relevância social e jurídica, tendo em vista que versa sobre o conflito de direitos fundamentais protegidos pelo atual Código de Processo Civil e pela Constituição Federal.
Ao longo dos anos, uma série de fatores ocasionou um crescente número de demandas ingressando no Poder Judiciário, muitas delas com fundamentação legal deficiente ou embasadas em teses contrárias ao entendimento dos tribunais superiores, o que, somado a falta de estrutura e de servidores qualificados do referido órgão, impede uma maior eficácia da prestação jurisdicional, que acaba se tornando morosa e pouco efetiva.
Não raras vezes, em razão do longo período de tempo ao qual as ações são submetidas até serem apreciadas pelos magistrados, situações como a perda do objeto litigioso ou mesmo do interesse de agir passaram a fazer parte do dia-a-dia forense, o que trouxe ao judiciário a necessidade de se buscar medidas capazes de mudar o cenário jurídico brasileiro, garantindo uma maior celeridade e eficiência para as decisões.
Como sugere Samantha de Araújo Carvalho, nesse quadro “em que há excesso de processos que permanece sem resolução durante muitos anos no Poder Judiciário, é inegável que mecanismos de abreviação e aceleração dos julgamentos são medidas que se impõem” (2019, p. 01), de modo a sanar, ou ao menos minimizar, o abarrotamento das vias judiciais de resolução de conflitos.
Neste contexto, surgiu no direito pátrio a figura de um instituto fortemente ligado ao sistema jurídico do Common Law, o Sistema de Precedentes Judiciais, que tem como principal finalidade garantir que a ordem jurídica possua o máximo de coerência e harmonia possíveis, de modo a permitir que princípios constitucionais como a segurança jurídica e a isonomia sejam preservados.
Consoante Ivan Ferreira Gomes Neto, a Teoria dos Precedentes Judiciais tem como objetivo criar decisões que, por meio do seu uso reiterado, servirão de fundamento para futuros julgamentos de casos que sejam semelhantes, visando a uniformização dos julgados (2015, s.p.). Por tais razões, “os precedentes serão formatados pelos Tribunais, vinculando os demais órgãos, obstando recursos, ou persuadindo em um sentido pré-estabelecido, com vistas, principalmente, à segurança jurídica e a previsibilidade do resultado perseguido” (NETO, 2015).
Ainda, de acordo com os ensinamentos de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, os precedentes judiciais são utilizados quando há “uma situação especial em que, recebida a inicial, o juiz passará de imediato ao julgamento, sem a citação” (2018, p. 453), sendo empregados como fundamento para o julgamento liminar de improcedência do pedido quando este for contrário a entendimentos consolidados pelos tribunais superiores.
Destaca-se ainda que, conforme preconiza Elpídio Donizetti, o Sistema de Precedentes Vinculantes, aqui compreendido como uma norma criada a partir de um caso concreto que deu origem a uma decisão judicial e que deve ser obrigatoriamente observada em casos futuros semelhantes, tem sua existência vinculada à atividade constitutiva e declaratória, sendo aquela realizada no momento em que a referida norma é criada, e esta quando essa norma é aplicada a outros casos concretos (2019, s.p.).
Ocorre que ainda existem argumentos desfavoráveis a aplicação da teoria dos precedentes judiciais no atual ordenamento brasileiro que, apesar de ter aderido a uma série de princípios e direitos fundamentais, principalmente com o advento do Novo Código de Processo Civil, que asseguram ao jurisdicionado diversas garantias que visam à efetividade da prestação ofertada pelo Poder Judiciário, a tradição jurídica utilizada no país dá especial primazia a lei, e não aos julgados proferidos pelos magistrados com base nessas leis.
Nas palavras de Donizetti:
“A igualdade, a coerência, a isonomia, a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais constituem as principais justificativas para a adoção do sistema do stare decisis ou em bom Português, o sistema da força obrigatória dos precedentes. Se por um lado não se pode negar a quebra dos princípios acima arrolados pelo fato de que situações juridicamente idênticas sejam julgadas de maneira distintas por órgãos de um mesmo tribunal, também não se pode fechar os olhos à constatação de que também a pura e simples adoção do precedente e principalmente a abrupta mudança da orientação jurisprudencial é capaz de causar grave insegurança jurídica (2019, p. 5)”.
Destarte, fica evidente a preocupação da doutrina com o uso desenfreado dos precedentes judiciais, que pode acarretar não somente o enrijecimento das decisões como também a insegurança jurídica nos casos em que ocorrerem demasiadas mudanças no entendimento jurisprudencial. Ademais, questões como uma possível violação a autonomia dos magistrados em seus julgamentos, bem como ao direito constitucional dos jurisdicionados ao contraditório e ao próprio direito de ação também estão sendo assinaladas como óbices da validade do sistema de precedentes vinculantes no ordenamento normativo pátrio.
1.1 CIVIL LAW E COMMON LAW: APROXIMAÇÃO DOS SISTEMAS JURÍDICOS POR MEIO DA APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS.
Como os demais países que foram influenciados pelo sistema jurídico denominado Civil Law, de origem romana, a principal fonte do direito no ordenamento brasileiro é a lei, sendo que, segundo ensinamentos de Elpídio Donizetti:
“As jurisdições dos países que adotam o sistema da Civil law são estruturadas preponderantemente com a finalidade de aplicar o direito escrito, positivado. Em outras palavras, os adeptos da Civil law consideram que o juiz é o intérprete e aplicador da lei, não lhe reconhecendo os poderes de criador do Direito. Exatamente em razão das balizas legais, a faculdade criadora dos juízes que laboram no sistema da Civil law é bem mais restrita do que ocorre no sistema da Common Law (2019, p. 3)”.
Ainda segundo o autor, “no Civil law o ordenamento consubstancia-se principalmente em leis, abrangendo os atos normativos em geral, como decretos, resoluções, medidas provisórias” (DONIZETTI, 2019), e, na tradição jurídica do Common law “os juízes e tribunais se espelham principalmente nos costumes e, com base no direito consuetudinário, julgam o caso concreto, cuja decisão, por sua vez, poderá constituir-se em precedente para julgamento de casos futuros” (DONIZETTI, 2019).
Importante frisar que a própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso II, que dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, comprova que o Brasil é signatário da tradição jurídica romano-germâmica.
Deste modo, é possível afirmar que, no que concerne ao uso dos precedentes judiciais no Brasil, houve uma fusão entre os sistemas jurídicos do Civil Law e do Common Law contemporâneo, sendo que neste, conforme ensina Jerônimo Aparecido Grangeiro Dutra, “prevalece uma construção jurídica fundada em normas e regras não escritas, mas sancionadas pelo costume e jurisprudência, as quais são dotadas de efeitos normativos” (DUTRA, 2017). Por tais razões, defende-se que a evolução desses sistemas “fica evidente quando é assegurado ao juiz da Civil Law o dever-poder de controlar a constitucionalidade da lei no caso concreto, a função exercida aproxima o juiz brasileiro dos juízes atuantes em países vocacionados ao Common Law” (DUTRA, 2017).
Desta forma, apesar de a lei continuar sendo a principal fonte de direito no ordenamento jurídico brasileiro, não há mais espaço para um Estado no qual apenas a lei positivada pode ser aplicada. Do mesmo modo, um Estado que desconsidera a segurança jurídica outorgada pela legislação escrita também não se mostra mais suficiente. Por tais razões, a evolução das tradições jurídicas do Civil Law, de origem romano-germânica, e do Common Law, dos países de cultura anglo-saxônica, acabou por aproximar os dois sistemas, de modo que os países adeptos ao positivismo passaram a ceder espaço aos precedentes judiciais (DONIZETTI, 2019).
Importante ainda mencionar que o Brasil vem fazendo uso do sistema de precedentes obrigatórios há pelo menos duas décadas, tendo início com a Lei n. 8.038/90, que:
“permitiu ao relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, decidir monocraticamente o pedido ou o recurso que tiver perdido o objeto, bem como negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente, ou ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal (art. 38) (DONIZETTI, p. 15)”.
Ademais, a aplicação desses precedentes vinculantes ganhou força após 2004, com a promulgação da Emenda Constitucional nº. 45/2004, por meio da qual o sistema jurídico brasileiro passou a adotar as súmulas vinculantes que fossem elaboradas no âmbito do STF e inseriu a necessidade de haver repercussão geral nas matérias atinentes ao recurso extraordinário, oportunizando uma verdadeira reforma no judiciário pátrio (DONIZETTI, p. 15/16).
Como destaca Rafael Calheiros Bertão, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, essa evolução se intensificou, principalmente em razão da valoração dada pelo referido diploma legal ao sistema de precedentes vinculantes, que não apenas positivou o instituto como também passou a compreendê-lo como um meio de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional (2016, p. 11). Assim, salienta-se que:
“a principal novidade, sem dúvida, é a trazida pelo art. 926 e seguintes do novo diploma processual, ao instituir os precedentes de aplicação obrigatória. Nesse sentido, o artigo determina, em seu caput: “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (BERTÃO, 2016)”.
No mesmo sentido, “o art. 927 apresenta um rol de decisões que deverão ser seguidas nos julgamentos posteriores acerca da mesma matéria” (BERTÃO, 2016), ou seja, o artigo de lei elenca à quais decisões os magistrados de 1º grau e os tribunais deverão se submeter.
Consoante Luiz Carlos Souza Vasconcelos e Ricardo Mauricio Freire Soares, um dos principais progressos trazidos pelo CPC/2015 foi justamente dar enfoque ao sistema de precedentes obrigatórios, sendo que “a igualdade, a coesão, a segurança jurídica e a previsibilidade dos decisórios jurisdicionais revelam as principais motivações para a implementação desse sistema” (2018, s.p.).
Por fim, insta ressaltar o conteúdo do artigo 332 do Código de Processo Civil, objeto do presente trabalho, que trata da improcedência liminar do pedido com base em determinados precedentes ou súmulas.
O mencionado dispositivo, desde a entrada em vigor do atual CPC, passou a ser alvo de inúmeras críticas, vez que se questiona se a improcedência prima facie seria capaz de violar as garantias constitucionais do contraditório, devido processo legal e do acesso à justiça, bem como o direito do juiz de julgar de acordo com seu convencimento motivado (art. 371 do CPC), o qual será melhor analisado a seguir.
O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 332, dispõe sobre as “causas que dispensem a fase instrutória”, nas quais “o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido” nos casos em que o mesmo contrarie “enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça”, “acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos”, “entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência”, “enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local”.
Assim, como ressalta Eduardo Talamini:
“O dispositivo congrega dois diferentes grupos de hipóteses. Por um lado, prevêem-se casos em que o cerne da disputa reside unicamente em uma questão jurídica que já foi resolvida, em julgamento precedente ao qual o ordenamento confere especial valor, contrariamente à pretensão do autor (art. 332, I a IV). Por outro lado, admite-se a rejeição da demanda em seu mérito quando for possível, de plano, constatar-se haver prescrição ou decadência (art. 332, § 1º) (2016, s.p.)”.
Em ambas as hipóteses a decisão somente pode ser contrária ao pedido do autor, nunca favorável a ele, e sempre será dispensada a produção de provas para que seja proferido esse julgamento liminar, sendo que, quando existem questões que dependem de dilação probatória, o referido instituto não deve ser empregado (TALAMINI, 2016).
Insta ressaltar que em todas as hipóteses de improcedência liminar do pedido é necessário “que a solução adotada no precedente oponha-se de modo frontal e inequívoco à tese veiculada na ação” (TALAMINI, 2016), ou seja, as decisões prima facie só serão utilizadas se a tese adotada pelo autor da ação em sua petição inicial for diametralmente oposta à solução dada pelo precedente, pois, se servirem apenas de argumento contrário a tese firmada pelo demandante, o caso não poderá ser julgado de forma liminar (TALAMINI, 2016).
O instituto da improcedência liminar do pedido, assim como a sistemática dos precedentes vinculantes, tem por objetivo garantir a celeridade e economia processuais, sendo que, segundo André Vasconcelos Roque:
“sua finalidade não é apenas preservar recursos da máquina judiciária, evitando a prática de inúmeros atos processuais desnecessários, mas também impedir que o réu venha a ser importunado na fruição de seus direitos por pleitos que, mesmo sem qualquer dilação probatória, revelam-se manifestamente improcedentes (2016, s.p.)”.
Ainda, é importante ressaltar que a “improcedência liminar do pedido ou liminar prima facie consubstancia-se no julgamento em que o magistrado rejeita, de plano, o pedido do autor, sem sequer proceder à citação do réu em virtude do preenchimento de determinados requisitos legais” (CARVALHO, 2019). Sendo que, para que tal instituto seja aplicado, é necessário que ocorra a “improcedência total da demanda, que é aplicável pela sistemática dos precedentes judiciais, já que são casos de demandas repetitivas e que podem ser indeferidas ab initio, dispensando-se o prolongamento do feito” (CARVALHO, 2019), o que contribui com a economia e celeridade processuais, vez que será dispensada toda a produção probatória dos casos em questão.
Ressalta-se que o mencionado instituto já era previsto no Código de Processo Civil anterior, em seu art. 485-A, não se tratando de uma novidade trazida pela legislação atual, sendo que, “no código anterior, tratava-se de instituto voltado à resolução de demandas repetitivas e improcedentes de plano em determinado juízo” (ROQUE, 2016).
Jorge Amaury Maia Nunes e Guilherme Pupe da Nóbrega salientam que o diploma legal anterior apresentava falhas técnicas que foram sanadas pelo NCPC, em especial ao fazer menção a termos como “matéria controvertida”, sendo que, para haver controvérsia a parte contrária deveria, necessariamente, se manifestar em desacordo com o que foi alegado pelo autor da demanda; “casos idênticos”, sendo que não se exige que todos os elementos da ação sejam idênticos para que os precedentes sejam aplicados; e quando dispõe que o juiz deveria reproduzir o conteúdo da sentença anterior, o que é inviável em relação ao relatório das decisões (2015, s.p.).
Tais expressões não foram reproduzidas pelo NCPC, havendo ainda um “ganho com a objetivação das hipóteses em que seja possível a improcedência liminar” (NUNES; NÓBREGA, 2015), tendo em vista que “o CPC/2015 delimita, restritivamente, quando o instituto será possível” (NUNES; NÓBREGA, 2015).
Adailton Alves de Souza destaca que “o CPC/2015 ratificou o instituto do julgamento de improcedência liminar do pedido, mas promoveu ajustes” (2018, s.p.), sendo que a principal mudança promovida foi que “as hipóteses de julgamento de improcedência liminar estão agora vinculadas à jurisprudência pacificada dos órgãos superiores (com ressalva dos casos de prescrição e decadência), promovendo a estabilidade e uniformidade da jurisprudência” (SOUZA, 2018).
Ocorre que, mesmo com as mudanças oriundas da evolução no direito processual civil, a doutrina não pacificou o seu entendimento a respeito do tema. Ao ser realizado um julgamento antes mesmo da citação do réu, e com base em outras decisões proferidas pelos tribunais superiores em casos semelhantes ao pedido do autor, uma série de questões devem ser consideradas para se verificar a real validade do instituto.
Uma das principais discussões existentes diz respeito a um possível enrijecimento das decisões judiciais, tendo em vista que os precedentes existentes vinculariam o julgamento dos juízes de instâncias inferiores, sem que para isso fosse feita uma análise pormenorizada do caso, acarretando uma limitação ao direito de ação dos indivíduos que possuam pretensões semelhantes.
Consoante os ensinamentos de Eduardo Talamani, “houve quem aventasse de violação à garantia da ação, nela compreendido o direito do autor de influir sobre o convencimento do juiz” (2016, s.p.).
Sobre a inconstitucionalidade do tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de A. Nery defendem que o art. 332 do atual CPC, da mesma forma que o CPC/1973 em seu art. 485-A,
“é inconstitucional por ferir as garantias da isonomia (CF 5.º caput e I), da legalidade (CF 5.º II), do devido processo legal (CF 5.º caput e LIV), do direito de ação (CF 5.º XXXV) e do contraditório e ampla defesa (CF 5.º LV), bem como o princípio dispositivo, entre outros fundamentos, porque o autor tem o direito de ver efetivada a citação do réu, que pode abrir mão de seu direito e submeter-se à pretensão, independentemente do precedente jurídico de tribunal superior ou de qualquer outro tribunal, ou mesmo do próprio juízo (2015, p. 695)”.
Os autores mencionam ainda que “relativamente ao autor, o contraditório significa o direito de demandar e fazer-se ouvir, inclusive produzindo provas e argumentos jurídicos e não pode ser cerceado nesse direito fundamental” (2015, p. 695), razão pela qual um julgamento prima facie com base em precedentes vinculantes estaria violando a referida garantia constitucional. Ademais, “o sistema constitucional não autoriza a existência de ‘súmula vinculante’ do STJ nem dos TJs ou TRFs, menos ainda do juízo de primeiro grau, impeditiva da discussão do mérito” (NERY; NERY, 2015), sendo tal argumento usado pelos autores para defender que tais precedentes advindos de outros órgãos que não sejam o STF estariam violando a ordem constitucional vigente.
No mesmo sentido, Nelson Nery Junior enfatiza a existência de ofensa à legalidade no momento em que o texto de lei vincula o julgador ao julgamento de improcedência liminar nos casos elencados no art. 332 do CPC:
“Como pode o juiz julgar improcedente liminarmente o pedido do autor, com base em “entendimento” jurisprudencial, coarctando o exercício legítimo da garantia constitucional fundamental de ação sem a observância do due process? O receio de todos é a instalação da ditadura da jurisprudência, notadamente dos tribunais superiores, como mecanismo de diminuição do acervo de autos de processo que se encontram nos escaninhos do Poder Judiciário. Não se pode violentar garantia constitucional para diminuir acervo de autos (2015, p. 696)”.
Deste modo, é possível afirmar que a aplicação dos precedentes vinculantes, no âmbito da improcedência liminar do pedido, fomentou o surgimento de um conflito entre o direito constitucional de ação do indivíduo que propõe uma demanda, e os princípios basilares do Código de Processo Civil de 2015, que são a economia e celeridade processuais.
Como bem lembra Maria Clara Góis Campos Ottoni, “o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, consagrado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, e no art. 3º do novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, impede que seja excluída da apreciação jurisdicional a ameaça ou lesão a direito” (2016, s.p.), tendo por finalidade “não apenas o acesso à justiça, mas também a prestação de uma tutela célere, efetiva e adequada” (OTTONI, 2016).
Insta ainda ressaltar que o próprio CPC de 2015, que por um lado visa a celeridade e a economia da prestação jurisdicional, por outro, consagrou o princípio supramencionado ao instituir a facilitação do acesso à justiça como uma de suas diretrizes (OTTONI, 2016), sendo que a finalidade desse princípio:
“é a de contribuir para facilitação do acesso à justiça, pois o seu objetivo principal é garantir que as pessoas que possuem pretensões em relação a um determinado bem jurídico possam ingressar em juízo, ter seus argumentos e pedidos apreciados e corretamente julgados de maneira célere, efetiva e adequada, permitindo, assim, o alcance da justiça do ponto de vista social (OTTONI, 2016)”.
Isto é, para que o direito de ação seja satisfeito em sua amplitude, não basta que o sujeito tenha a prerrogativa pura e simples de ajuizar uma demanda. Pelo contrário, é necessário que a pretensão levada ao Poder Judiciário por ele seja efetivamente avaliada, sendo seus argumentos levados em consideração pelo julgador no momento em que for proferida a decisão.
Carmem Geórgia Rebouças de Oliveira Jorge ensina que, preenchidos os requisitos necessários, “o direito de acesso à Justiça não significa apenas o ingresso em juízo, mas sim o acesso a uma completa prestação jurisdicional, em todas as fases do processo, tanto nas instâncias ordinárias, quanto nas extraordinárias” (2017, p. 27).
Dessa forma, a problemática da aplicação dos precedentes obrigatórios em sede de improcedência prima facie da ação se intensifica, vez que o uso liminar de tal instituto poderia acarretar óbice ao efetivo direito de ação do demandante, que teria a sua pretensão negada sem que houvesse qualquer debate a respeito de sua viabilidade, o que tornaria inconstitucional o referido instituto.
Ainda que encontre amparo em princípios como a celeridade e economia processuais, no atual Código de Processo Civil e em decisões jurisprudenciais, a aplicação dos precedentes obrigatórios nos julgamentos prima facie ainda fomenta o surgimento de inúmeras discussões sobre a real possibilidade de aplicação do instituto no direito processual civil pátrio.
As inúmeras peculiaridades inerentes à matéria, a importância dos direitos e interesses envolvidos, bem como o dissenso doutrinatário sobre a validade ou não do instituto frente uma possível violação ao direito de ação dificultam o efetivo emprego dos precedentes na prática, impedindo a disseminação do tema pela sociedade.
Por tais razões é importante mencionar que, consoante Elpídio Donizetti:
“o que se pretende, então, com a adoção de um sistema de precedentes, é oferecer soluções idênticas para casos idênticos e decisões semelhantes para demandas que possuam o mesmo fundamento jurídico, evitando, assim, a utilização excessiva de recursos e o aumento na quantidade de demandas (2019, p.6)”.
Deste modo, é possível perceber que a motivação para a criação de um sistema de precedentes é justamente minimizar o efeito que a morosidade e a falta de efetividade causam aos litigantes, vez que passaram a fazer parte do Poder Judiciário em razão do crescente número de demandas propostas diariamente.
Ressalta-se que um dos principais argumentos contrários a aplicação liminar dos precedentes obrigatórios nos julgamentos é um possível óbice ao direito de ação dos jurisdicionados, que veem seus pedidos serem julgados improcedentes sem que para isso seja feita uma análise pormenorizada do caso.
Contudo, é importante mencionar que o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional “não impõe aos órgãos judiciais a obrigatoriedade da análise do mérito de todas as questões que lhes sejam deduzidas ou a apreciação de pretensões que não alberguem interesses legítimos e reais, afigurando-se, portanto, relativo” (OTTONI, 2016). Da mesma forma, o direito constitucional de ação não deve ser compreendido como sendo irrestrito e absoluto, vez que não há razão para que matérias que já foram pacificadas pelos tribunais superiores passem por todo o processo de conhecimento para, ao final, obterem o mesmo resultado (CARVALHO, 2019).
No mesmo sentido, no tocante a alegação de que o instituto estudado estaria violando o direito ao contraditório dos litigantes, como bem refere Samantha de Araújo Carvalho,
“não há qualquer violação ao princípio do contraditório, tendo em vista que é possível que ele apresente recurso de apelação e o magistrado poderá retratar-se nos termos dos §3° e §4° do art. 332. Até porque seus argumentos efetivamente já foram analisados pelo juiz, por tratar-se de demandas repetitivas, cujo entendimento já é firmado e consolidado pela improcedência (2019, p. 6)”.
Deste modo, “não será necessária a abertura de oportunidade de contraditório ao autor, pois não se estará trazendo para o processo uma questão nova, um fato novo, ou uma qualificação jurídica diversa daquela já posta nos autos” (TALAMINI, 2016), ou seja, “haverá a simples e direta negativa da tese sustentada pelo autor” (TALAMINI, 2016).
Contudo, os precedentes obrigatórios também devem ser empregados de acordo com alguns requisitos, de modo que o aparato judicial não seja enrijecido e que as decisões proferidas não sejam injustas. Em função disso, foram criadas algumas técnicas e dispositivos legais com o objetivo de evitar o surgimento de decisões desarrazoadas, que se utilizam dos institutos estudados apenas para desafogar o judiciário, sem o devido cuidado com as peculiaridades de cada caso.
Para tanto, “deve-se evitar a jurisprudência titubeante ou a elaboração de precedentes ou enunciados ambíguos ou, ainda, amparados em fundamentos diferentes de cada um dos julgadores” (ROQUE, 2016), tendo em vista que a ausência de debate sobre a matéria ou da análise das peculiaridades de cada caso acabaria impossibilitando a utilização de tais precedentes em outros casos de improcedência liminar (ROQUE, 2016).
Por tais razões, o CPC de 2015, em seu art. 926, caput, dispõe que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”, sendo que, um dos mecanismos empregados para isso é o dever de fundamentação analítica imposto aos julgadores, “especialmente quanto ao enquadramento do caso concreto ao precedente ou enunciado de súmula invocado como fundamento para a extinção de plano do processo” (ROQUE, 2016).
No mesmo sentido, tem sido empregada a técnica denominada “distinção”, que consiste na comparação analítica entre o precedente judicial de observância obrigatória e o caso concreto a ser judicializado. Ou seja, “é preciso, em poucas palavras, considerar as particularidades de cada situação submetida à apreciação judicial e, assim, verificar se o caso paradigma possui alguma semelhança com aquele que será analisado” (DONIZETTI, 2019).
Assim, “se o advogado do autor percebe que há o risco de se considerar presente hipótese que possa conduzir à improcedência liminar do pedido, deverá dizer por qual razão seu processo deverá prosseguir” (ROQUE, 2016), “não podendo simplesmente ignorar o precedente ou alegar genericamente que a tese jurídica está equivocada” (ROQUE, 2016).
Isto é, ao ingressar com uma ação judicial, o advogado deve analisar se no caso em tela é passível de ser aplicado algum precedente obrigatório que importe na improcedência prima facie do pedido e, se for o caso, demonstrar, de forma detalhada os motivos pelos quais a ação proposta difere da decisão paradigma, pois “até mesmo nas hipóteses em que se está diante de um precedente vinculante o julgador poderá fazer o distinguished do caso que lhe é submetido, buscando, assim, a individualização do direito” (DONIZETTI, 2019).
Por meio de tal técnica, “percebe-se que a aplicação dos precedentes não é automática, mas depende de uma análise técnica do julgador” (BERTÃO, 2016), o que impede o enrijecimento das decisões judiciais, tendo em vista que “possibilita-se o desenvolvimento do direito, ao se definir que a análise acerca da adoção do precedente, ou não, perceba as nuances do caso concreto” (BERTÃO, 2016).
Sobre o tema, Donizetti refere que:
“Se não houver coincidência entre os fatos discutidos na demanda e a tese jurídica que subsidiou o precedente, ou, ainda, se houver alguma peculiaridade no caso que afaste a aplicação da ratio decidendi daquele precedente, o magistrado poderá se ater a hipótese sub judice sem se vincular ao julgamento anterior (2019, p. 10)”.
Isso demonstra que a obrigatoriedade da aplicação dos precedentes apenas se justifica nos casos em que não seja possível distingui-lo da ação proposta pelo demandante, devendo o pedido ser julgado liminarmente improcedente por já existir decisão pacífica a respeito do tema. Assim, não há que se falar em violação ao direito de ação, vez que cabe ao jurisdicionado demonstrar que seu litígio difere do entendimento firmado pelos tribunais.
Destarte, segundo Ruth Helena Silva Vasconcelos Pereira é possível entender que “a jurisprudência determinante não só permite como exige do magistrado a restrição de sua aplicação ou completo afastamento dela diante do caso concreto que, pelas características que lhe são inerentes, requer análise e fundamentação particular” (2017, s.p.), sendo perfeitamente viável que ocorra a superação de precedentes que não mais se amoldam a realidade vivenciada pela sociedade.
Assim, torna-se incontestável que a aplicação dos precedentes judiciais em sede de improcedência liminar do pedido é perfeitamente válida no âmbito do direito processual civil brasileiro, desde que observadas as peculiaridades de cada caso e que a decisão do julgador observe o dever de fundamentação analítica previsto no art. 489, §1º, do CPC, de modo a evitar que o direito de ação do demandante seja violado.
Desta forma se garante, ao menos em parte, a efetividade dos princípios da economia e celeridade processuais, que são fundamentos do Código de Processo Civil atual, tendo em vista que o instituto estudado colaborará para que um menor número de demandas fadadas ao fracasso tramite no Poder Judiciário.
Por fim, insta ainda destacar que o sopesamento entre as normas jurídicas que colidem no presente caso somente poderá ocorrer se for feito em conformidade com o princípio da proporcionalidade, de modo a evitar decisões injustas ou inconstitucionais.
CONCLUSÃO
Por fim, salienta-se que a presente pesquisa não pretende exaurir o estudo do tema, mas sim contribuir para a análise e a reflexão acerca da temática proposta, a qual merece maior aprofundamento pela importância jurídico-social que possui.
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