Resumo: Atualmente, a União Européia é um dos principais atores no cenário internacional, sendo tal instituição um exemplo bem sucedido de integração internacional. Esta integração ocorre entre países democráticos europeus que possuem o objetivo comum de alcançar a paz e a prosperidade.De acordo com Andrew Moravcsik (1993)[1] “the European Community is the most successful example of institutionalized international policy co-ordination in the modern world.” Assim, a União Européia não é uma instituição internacional que visa substituir os Estados europeus que a compõe, nem se limita a ser uma organização de cooperação internacional. Na realidade, a UE é um sistema político sui generis. Os Estados membros criaram instituições comuns a que delegam parte da sua soberania para que, desta forma, decisões sobre questões específicas de interesse comum possam ser tomadas democraticamente no âmbito europeu. Com efeito, busco, através do presente artigo, discutir o caráter de sistema político da União Européia.
Abstract: Currently, the European Union is one of the main actors in the international arena, and this institution is a successful example of international integration. This integration occurs between democratic European countries that have the common goal of achieving peace and prosperity. According to Andrew Moravcsik (1993) “the European Community is the most successful example of institutionalized international policy co-ordination in the modern world.” Thus, the European Union is not an international institution to replace the European States that compose, or merely be a organization to cooperate internationally. Actually, the EU is a political system sui generis. The member states that created common institutions to delegate some of their sovereignty to that in this way, decisions on specific issues of common interest can be made democratically within Europe. Indeed, search, through this article, discussing the character of the political system of the European Union.
Sumário: 1. Aspectos históricos da União Européia. 2. Principais instituições da União Européia. 3. Análise do sistema político democrático de Direito da União Européia. 4. A importância dos cidadãos e associações intermediárias no funcionamento do sistema político democrático de direito da União Européia. 5. A influência dos atores e instituições integrantes do sistema político da União Européia no processo decisório europeu.
1.Aspectos históricos da União Européia
A União Européia (UE) foi constituída, originalmente, a partir de três Comunidades separadas, cada qual com diferentes poderes, características e domínios de policy[2] complementadas por outros pilares organizados de cooperação.
A idéia de integração européia foi, formalmente, realizada no dia 9 de Maio de 1950[3] quando o Ministro francês de Negócios Estrangeiros, Robert Schuman, propôs a integração das indústrias do aço e do carvão na Europa Ocidental. Tal idéia foi concretizada através da assinatura do Tratado de Paris em 1951 que estabelecia a Comunidade Européia do Aço e do Carvão (CECA) composta por seis Estados membros: Alemanha Ocidental, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos. O grande êxito no desempenho das atividades realizadas pela CECA possibilitou que, em 1957, com a assinatura do Tratado de Roma, os seis países membros integrassem outros setores das suas economias. Assim, surgiu a Comunidade Européia da Energia Atômica (EURATOM) e a Comunidade Econômica Européia (CEE). Tais comunidades emergiram, formalmente, em 1967. Os direitos aduaneiros entre estes seis países foram totalmente supridos no dia 1º de Julho de 1968. Outra conseqüência importante que resultou do sucesso da CECA na condução de suas políticas foi o aumento do número de países integrantes, tendo a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido aderido em 1973 a essas três Comunidades, época em que houve uma expansão das competências das mesmas e introdução de novas políticas sociais, regionais e ambientais. Para a execução das políticas regionais, em 1975, foi criado o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. A união dessas três Comunidades, deu origem a Comunidade Européia, conhecida, hoje, como União Européia.
Em 1979, foi instituído o Sistema Monetário Europeu com o objetivo de estabilizar as taxas de câmbio e disciplinar as economias dos Estados membros. A criação de tal sistema foi uma resposta positiva às crises monetárias mundiais originárias do fim da convertibilidade do ouro em dólar em 1972 devido ao fim do Sistema de Bretton Woods e aos choques no preço do petróleo em 1973 e 1979.
A recessão econômica mundial do início da década de 80 provocou um pessimismo na Europa em relação à viabilidade do desenvolvimento da integração entre seus países, tal fenômeno ficou conhecido como europessimismo. Em 1985, tal pessimismo cessou quando a Comissão Européia, sob a presidência de Jacques Delors, publicou um livro branco que estabelecia um calendário para concluir a realização do Mercado Comum Europeu. As Comunidades adotaram os objetivos deste livro branco e consagraram-no no Ato Único Europeu, assinado em Fevereiro de 1986.
Em 1992, foi assinado o Tratado de Maastricht[4] que entrou em vigor no ano de 1993 e estabeleceu a formação da União Econômica e Monetária (UEM). A formação da UEM ensejou na introdução de uma moeda européia única gerida por um Banco Central Europeu. Esta moeda única, o euro, entrou em circulação em 2002, quando as notas e moedas em euros substituíram as moedas nacionais em doze dos quinze países membros da União Européia naquela época: Bélgica, Alemanha, Grécia, Espanha, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Áustria, Portugal e Finlândia. Atualmente, o euro assume o status de grande moeda mundial ao lado do dólar.
Em 1993, foram definidas, na cúpula de Copenhague, quais seriam as condições políticas e econômicas para que um país europeu pudesse se tornar membro da União Européia. Dentre as condições definidas estavam a de ter estabilidade democrática e institucional, ou seja, ser um Estado de Democrático de Direito, possuir sistema pluripartidário, respeitar os direitos humanos e proteger as minorias; possuir uma economia de mercado fortemente capaz de lidar com a pressão da concorrência no Mercado Único Europeu; ter capacidade de assumir os direitos e obrigações decorrentes da legislação comunitária e aderir aos objetivos da união política, econômica e monetária.
A possibilidade de uma integração econômica e política entre os Estados membros da União Européia implicou, também, a capacidade de tais países em tomar decisões em conjunto sobre inúmeras questões. A partir de tal necessidade, houve o desenvolvimento de políticas comuns desde a questão agrícola à questão cultural, jurídica e de segurança européia[5]. Atualmente, nota-se que os países membros da UE, além de terem aprimorado suas relações políticas, econômicas e comerciais, passaram a tratar de assuntos de importância direta na vida cotidiana dos cidadãos resultantes da integração entre os países europeus como, por exemplo, a criação de empregos, o desenvolvimento regional, a defesa do meio ambiente e a garantia de liberdade.
Em 2004, a União Européia ganhou dez novos países: Chipre, República Checa, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, Eslováquia e Eslovênia. Após todas essas adesões, para que a UE pudesse continuar a funcionar de forma eficaz, tornou-se necessária uma reformulação do sistema decisional adotado até então. Por isto, através do Tratado de Nice, que entrou em vigor em 1º de Fevereiro de 2003, foram estabelecidas novas regras definidoras das dimensões e do funcionamento das instituições da União Européia.
Atualmente, são 27 os Estados membros da EU, quais sejam, Bulgária (Balgarija), Bélgica (Belgique), República Checa (Ceská Republika), Dinamarca (Danmark), Alemanha (Deutschland), Estónia (Eesti), Grécia (Ellas), Espanha (España) França (France), Irlanda (Ireland), Itália (Italia), Chipre (Kypros-Kibris), Letónia (Latvija), Lituânia (Lietuva), Luxemburgo(Luxembourg), Hungria (Magyarország), Malta (Malta), Países Baixos (Nederland), Áustria (Österreich), Polónia (Polska), Portugal (Portugal), Roménia (România), Eslovénia (Slovenija), Eslováquia (Slovensko), Finlândia (Suomi), Suécia (Sverige), Reino Unido (United Kingdom).[6]
A União Européia pode ser considerada, hoje, como a forma mais avançada de integração, reunindo quase todos os países da Europa ocidental num mercado unificado[7].
2.Principais instituições da União Européia
Em relação à forma como esta estruturada a instituição da União Européia[8], pode-se dizer que esta é constituída por várias outras instituições, cada qual com funções específicas. Tais instituições que compõem a UE são responsáveis pelo funcionamento harmônico do sistema político europeu.
Uma destas instituições é o Parlamento Europeu (PE) cujas sedes estão localizadas na França, na Bélgica e em Luxemburgo. As principais funções do Parlamento Europeu são partilhar com o Conselho Europeu o poder legislativo, exercer um controle democrático de todas as instituições da UE, especialmente da Comissão Européia, e partilhar com o Conselho a autoridade sobre o orçamento da UE, o que significa que o Parlamento pode influenciar nas despesas da UE. No final do processo orçamental, incumbe ao Parlamento Europeu adotar ou rejeitar a totalidade do orçamento.
Inicialmente, os membros do Parlamento Europeu eram escolhidos pelos Parlamentos nacionais, mas em 1979 foram realizadas as primeiras eleições diretas. Desde então, as eleições para o Parlamento Europeu são de cinco em cinco anos. Todos os cidadãos da União Européia que estejam recenseados como eleitores têm direito a voto na escolha dos membros do PE. O fato de o Parlamento Europeu ser um órgão diretamente eleito garante a legitimidade democrática da legislação européia.
Outra relevante instituição à estrutura da União Européia é o Conselho da União Européia, conhecido anteriormente como Conselho de Ministros. Este é o principal órgão legislativo da UE, reunindo representantes de todos os Estados membros. Juntamente com o Parlamento Europeu, o Conselho possui a função de determinar regras direcionadoras das atividades da União Européia como, por exemplo, regras que visam garantir e preservar a liberdade de circulação de bens, pessoas, serviços e capitais.[9]
As principais funções executivas do Conselho são estabelecer rumos e objetivos para a Comissão Européia, monitorar os trabalhos e atividades realizadas pela Comissão, executar a política comum externa e de segurança e adotar novas competências para a União Européia.
O Conselho é um órgão único dividido em vários diretórios, cada qual responsável por uma determinada área. São elas as de Assuntos Gerais e Relações Externas; Assuntos Econômicos e Financeiros (ECOFIN); Justiça e Assuntos Internos; Emprego, Política Social, Saúde e Proteção dos Consumidores; Competitividade (Mercado Interno, Indústria e Investigação); Transportes, Telecomunicações e Energia; Agricultura e Pescas; Ambiente; Educação, Cultura e Juventude.[10]
No Conselho, cada ministro tem competência para vincular o seu governo, isto significa que, as decisões tomadas por um ministro comprometem todo o governo do país que ele representa. Além disso, cada ministro também é responsável perante o seu Parlamento nacional e perante os cidadãos que esse Parlamento representa. Com tais medidas, a legitimidade democrática das decisões do Conselho é garantida.
As principais funções do Conselho Europeu são: adotar os atos legislativos europeus[11]; coordenar as políticas econômicas dos Estados membros; celebrar acordos internacionais entre a União Européia e um ou mais Estados ou organizações internacionais; aprovar, conjuntamente com o Parlamento Europeu, o orçamento da UE; desenvolver a Política Externa e de Segurança Comum da União Européia (PESC) e coordenar a cooperação entre os tribunais e as forças policiais nacionais dos Estados membros em matéria penal.
Como se pode notar, a maior parte das responsabilidades do Conselho são relacionadas às áreas de atuação em que os Estados membros decidiram delegar, conjuntamente, parte de suas respectivas soberanias conferindo poderes de decisão às instituições da União Européia. Este é o denominado primeiro pilar da União Européia.[12]
No entanto, é interessante observar que, as duas últimas funções das acima dispostas, quais sejam desenvolver a Política Externa e de Segurança Comum da União Européia (PESC) e coordenar a cooperação entre os tribunais e as forças policiais nacionais dos Estados membros em matéria penal, estão relacionadas com domínios de atuação em que os Estados membros não delegaram os seus poderes, mas apenas se comprometeram com uma cooperação mútua. Tal cooperação pode ser definida como intergovernamental. Tal fenômeno representa o segundo e o terceiro pilares da União Européia.[13]
Outra importante instituição para a estrutura da União Européia e que configura um dos principais objetos de estudo deste trabalho cientifico é a Comissão Européia. A Comissão pode ser definida como uma instituição politicamente independente que representa a força impulsionadora do sistema institucional da União Européia.
Algumas das principais atividades desempenhadas pela Comissão Européia são: propositura de legislação, de políticas sociais, regionais, culturais, ambientais, dentre outras, monitoramento da implementação de tais políticas adotadas e de programas de ação. Além das atividades supracitadas, a Comissão também é responsável pela execução das decisões do Parlamento e do Conselho.[14]
Pode-se dizer que a Comissão é o principal órgão executivo da União Européia. Já o Conselho Europeu possui tanto a prerrogativa de órgão executivo como de órgão legislativo, sendo responsável pela agenda política de longo e médio prazo.[15]
Outra notável instituição da União Européia é o Tribunal de Justiça das Comunidades. Este órgão foi criado, em 1952, pelo Tratado de Paris. A principal função do Tribunal é a de garantir a interpretação e aplicação uniforme da legislação da União Européia, que é conhecida tecnicamente por direito comunitário, em todos os Estados membros da União Européia. Assim, é função do Tribunal garantir que a legislação aplicada no âmbito dos Estados membros da União Européia seja idêntica para todas as partes e em todas as circunstâncias. O Tribunal é competente para se pronunciar sobre os litígios entre os Estados membros, entre as instituições da UE e entre as pessoas físicas e jurídicas. Além disso, é também função do Tribunal esclarecer dúvidas a respeito da interpretação de Tratados e da legislação comum européia.[16]
Em relação à composição do Tribunal, este é composto por um juiz de cada Estado membro, sendo assistido por advogados-gerais que possuem o dever de apresentar, publicamente e com imparcialidade, pareceres fundamentados sobre os processos submetidos ao Tribunal.
Os juizes e os advogados-gerais que farão parte da estrutura do Tribunal serão escolhidos entre magistrados dos tribunais superiores nacionais ou advogados de reconhecida competência e que ofereçam todas as garantias de imparcialidade. Os membros desta instância são nomeados de comum acordo pelos governos dos Estados membros por um período de seis anos, renovável por um ou dois períodos de três anos cada. [17]
Há também a instituição do Tribunal de Contas criado em 1977. Tal órgão é totalmente independente dos demais órgãos da União Européia e sua sede está localizada em Luxemburgo.
A principal função do Tribunal de Contas é a de controlar a totalidade das receitas e despesas da União e verifica se o orçamento da UE está sendo bem gerido. O Tribunal é composto por quinze representantes, um de cada Estado membro da União Européia. Estes representantes que compõem o Tribunal de Contas são nomeados pelo Conselho por um período renovável de seis anos. Os membros do Tribunal devem ser pessoas que, em seus países de origem, tenham exercido funções em instituições de fiscalização externa ou possuam qualificações específicas para essa função. Tais pessoas deverão trabalhar exclusivamente para o Tribunal de Contas. [18]
Assim, conclui-se que o Tribunal tem como missão precípua verificar a boa execução do orçamento da UE, ou seja, examinar a legalidade e a regularidade das despesas e receitas e garantir a boa gestão financeira dos recursos da União Européia.
As instituições descritas acima são complementados por cinco outros órgãos importantes para a composição estrutural da União Européia. Estes órgãos são o Comitê Econômico e Social Europeu, o Comitê das Regiões, o Banco Central Europeu, o Procurador Europeu, o Banco Europeu de Investimento.[19]
Ainda há outras agências que integram o corpo da União Européia como o Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Européias, Serviço de Seleção do Pessoal das Comunidades Européias, Agências da Comunidade Européia como as de Política Externa e de Segurança Comum e a de Cooperação policial e judiciária em matéria penal. [20]
Paul Pierson (1996)[21] descreve a União Européia como um sistema institucional bastante complexo, que estabelece um sutil equilíbrio entre as necessárias transferências de soberania para instituições supranacionais e a conservação do poder pelos Estados nacionais.
Conforme analisa Simon Hix (1990), a União Européia pode ser considerada como um sistema político, apesar de não configurar um tradicional Estado Democrático de Direito, visto que possui os quatros elementos caracterizadores de um sistema político democrático. [22]
A caracterização de sistemas políticos democráticos pode ser feita a partir de quatro elementos principais. Numa análise da estrutura política da União Européia, percebe-se claramente a presença de todos estes elementos constituintes de sistemas políticos democráticos[23].
O primeiro desses elementos seria ter um estável e bem definido conjunto de instituições para as tomadas de decisões coletivas e para regulamentação das relações governamentais entre e dentro destas instituições.[24]
No âmbito da UE, o nível de estabilidade institucional e complexidade é, sem dúvida, um dos maiores entre os regimes internacionais existentes atualmente.
O quadro institucional básico da União Européia, já descrito anteriormente, após sucessivos tratados e reformas de tais tratados, sofreu uma ampliação do arranjo de poder executivo, legislativo e judicial. Reformas institucionais produziram um sistema de regras e procedimentos de governança altamente envolvidos em relação as formas como tais poderes são exercidos pelas instituições da UE. Provavelmente, a União Européia possui um dos mais formais e complexos conjuntos de regras de tomada de decisão de sistema político do mundo.
O segundo elemento caracterizador de um sistema político é o fato de cidadãos e grupos sociais procurar alcançar os seus objetivos políticos diretamente através do sistema político ou por intermédio das organizações como grupos de interesse ou partidos políticos.[25]
Na União Européia, à medida que as instituições passaram a ter poderes de governo, um número crescente de grupos passou a demandar de tal sistema político a realização de seus interesses. Tais grupos demandantes caracterizam-se por serem desde corporações individuais e associações de negócios, a uniões de comércio, grupos de consumidores e meio ambientalistas e partidos políticos. Os grupos que possuem a posição mais institucionalizada e forte no sistema político da União Européia são os governos dos Estados membros da UE e os partidos políticos que compõem majoritariamente tais governos. Analisando de forma valorativa, a centralidade de tais governos no sistema faz com que a União Européia seja semelhante a qualquer outra organização internacional como, por exemplo, as Nações Unidas com a diferença de que na União Européia os governos dos Estados membros não possuem o monopólio das demandas políticas.
Assim, como em todos os sistemas políticos democráticos, as demandas na União Européia surgem a partir de uma rede complexa de grupos públicos e privados, cada qual competindo para influenciar o processo político da União Européia visando promover ou proteger seus próprios interesses.
O terceiro elemento caracterizador de um sistema político democrático é o fato de as decisões coletivas no sistema político terem um impacto significativo na distribuição dos recursos econômicos e na alocação de valores políticos e sociais por todo o sistema.[26]
As decisões na União Européia são altamente significantes. As políticas da UE cobrem virtualmente todas as políticas públicas, incluindo regulamentação do mercado, políticas sociais, de meio ambiente, agricultura, regionais, de pesquisa e desenvolvimento, comércio internacional, política externa, de defesa, transporte, saúde publica, educação e cultura. É importante ressaltar, também, que as leis formuladas no âmbito da União Européia são supremas em relação às leis nacionais. As políticas regulatórias da União Européia e da União Econômica e Monetária possuem um poderoso impacto indireto na distribuição de poder e de fontes entre indivíduos, grupos e nações na Europa. Em resumo, os outputs da UE afetam a alocação de valores e influenciam no que cada um ganha, quando e como, na sociedade européia.
O quarto elemento é que para haver um sistema político democrático deve existir uma interação contínua entre os outputs políticos, as novas demandas no sistema e as novas decisões.[27]
O processo político no sistema da União Européia é uma característica constante da vida política européia. É importante ressaltar que a União Européia não possui a legitimidade do monopólio no uso da força. O poder de coerção, pela polícia e pelas forças de segurança, permanecem como prerrogativas exclusivas dos governos nacionais dos Estados membros da União Européia.
De acordo com as primeiras teorias sobre sistema político não seria possível haver um sistema político sem a formação de um Estado. Para tais teorias, o Estado é simplesmente produto de uma estrutura particular de relações políticas, econômicas e sociais em que o alto nível de centralização, diferenciação, universalidade e institucionalização é necessário para a efetividade do governo.
O sistema político da União Européia é altamente descentralizado, atomizado e baseado no compromisso voluntário dos Estados membros e de seus cidadãos. A integração Européia produziu uma nova e complexa forma de sistema político. Isso, certamente, provocou uma redefinição da idéia de Estado na Europa.
4.A importância dos cidadãos e associações intermediárias no funcionamento do sistema político democrático de direito da União Européia
Na base do sistema político da União Europeu estão os cidadãos. Os cidadãos da UE formulam demandas através de vários canais. Nas eleições nacionais, cidadãos escolhem governos que, subseqüentemente, representarão tais cidadãos no Conselho. Ademais, os cidadãos escolhem os partidos políticos de onde sairão os membros que farão parte do Parlamento Europeu.
Através da junção dos partidos políticos e dos grupos de interesse, os cidadãos europeus promovem formas de organizações intermediárias que estarão envolvidas diretamente com as políticas da União Européia, promovem ações jurídicas nas cortes nacionais e influenciam o desenvolvimento e o cumprimento da lei no âmbito da UE, tendo um papel de grande relevância no desenvolvimento de políticas.
Há dois tipos principais de associações intermediárias conectando os indivíduos ao processo político da União Européia. O primeiro são os partidos políticos que podem ser caracterizados como organizações políticas centrais nos sistemas políticos democráticos modernos. Tais partidos têm influência em cada uma das instituições da União Européia. Os partidos nacionais competem por cargos governamentais nacionais, e os ganhadores dessa competição são representados no Conselho Europeu. Os Comissários europeus também são participantes políticos visto que possuem carreiras políticas no partido nacional dos seus respectivos Estados antes de se tornarem Comissários. Assim, devem sua participação e apoio na Comissão aos lideres dos partidos políticos dos quais faziam parte e, comumente, tais Comissários visam retornar ao cenário político nacional quando não forem mais Comissários. Já os membros do Parlamento Europeu são eleitos nas plataformas políticas nacionais e formam grupos de partidos para estruturar a organização e o comportamento político no PE.[28]
O segundo tipo de associação intermediaria são os grupos de interesses que são associações voluntárias de cidadãos ou de atores privados como, por exemplo, as uniões comerciais, as associações de negócios, grupos de consumidores e grupos de ambientalistas. Essas organizações são formadas para promover ou proteger os interesses de seus membros no processo político. Isso ocorre da mesma forma em qualquer sistema democrático. Grupos nacionais de interesse pressionam governos nacionais ou se aproximam diretamente das instituições da UE e de grupos similares de interesse em diferentes Estados membros unindo-se para pressionar a Comissão, os grupos de trabalho do Conselho e o Parlamento Europeu visando a concretização de seus objetivos. Grupos de interesse também doam fundos para os partidos políticos para que estes representem seus interesses tanto no âmbito político nacional como na União Européia.[29]
5. A influência dos atores e instituições integrantes do sistema político da União Européia no processo decisório europeu
O sistema político decisório pode ser entendido a partir da análise tanto dos outcomes políticos sob a ótica dos interesses, motivos e ações dos atores políticos como pela ótica do poder das instituições e estruturas políticas européias.
A partir da ótica dos atores políticos, há nas teorias políticas uma premissa em comum de que os atores são racionais. Isso significa que estes possuem um claro conjunto de preferências sobre quais resultados esperam obter a partir do processo político. Por exemplo, líderes de partidos políticos querem ser reeleitos, burocratas querem aumentar seus rendimentos ou maximizar sua independência da interferência política, juízes querem aumentar seus poderes de revisão do processo judicial e grupos de interesse querem assegurar políticas que aumente o bem estar de seus membros. Assim, atores agem de acordo com suas preferências, de forma racional, aderindo a estratégias que são mais adequadas a obtenção dos resultados esperados por eles. Desta forma, líderes de partidos políticos vão se posicionar o mais próximo possível dos seus eleitores, burocratas irão tentar aumentar o tamanho do seu setor publico, juizes irão pressionar para a elaboração de regras que aumente seu poder de direito e grupos de interesses irão pressionar as pessoas ou instituições mais decisivas na barganha do processo decisional. É importante lembrar que atores não formam suas preferências e escolhem suas estratégias de forma isolada. Eles levam em consideração os interesses e expectativas de ação dos outros atores. Teorias rígidas da escolha racional afirmam que atores têm perfeita informação sobre a ordem de preferência dos outros atores no sistema e, conseqüentemente, esses atores podem predizer de forma acurada o resultado de uma estratégia particular. Apesar disso, a suposição de perfeita informação é freqüentemente relapsa, o que permite conseqüências inesperadas de ações e políticas decisionais. [30]
Nestas duas abordagens, os resultados políticos são vistos como resultados de estratégias interativas entre os atores competidores. Algumas vezes, tal estratégia de interação resulta em outcomes que são os melhores possíveis para os atores envolvidos. Isso é chamado de um resultado ótimo. Todavia, muito freqüentemente, atores são forçados a adotar estratégias que não os levam a conquistar os melhores resultados. Quando isso ocorre, se diz que o resultado é sub-ótimo.
A partir de uma perspectiva institucional, a qual inclui tanto instituições formais como, por exemplo, constituições e regras de procedimento, assim como instituições informais como normas de comportamento e ideologias tanto pessoais como coletivas, pode-se considerar que as instituições são mecanismos constrangedores do comportamento dos atores.
Instituições determinam os custos aceitáveis para ações particulares dos atores e quais são as melhores estratégias para alcançar determinados objetivos. Como conseqüência, as instituições podem produzir resultados particulares que não ocorreriam caso a instituição não participasse do cenário em questão ou fosse trocada por outro mecanismo ou instituição. Quando isso ocorre, o resultado é chamado de equilíbrio estruturalmente induzido.
De toda forma, se os atores acharem que alcançarão melhores resultados através de um conjunto formado por diferentes instituições, eles irão procurar mudar os arranjos institucionais. Como resultado, atores possuem preferências sobre todo o arranjo político institucional e agem de acordo com suas preferências institucionais da mesma forma que fazem com seus objetivos políticos primários. O processo de escolha institucional não é diferente do processo da estratégia de interação sobre outcomes políticos. Nas duas situações, existe uma estrutura de preferência e instituições. Contudo, no jogo de escolha institucional, o resultado é conseqüência mais de um equilíbrio institucional que de um equilíbrio político.
Assim, as bases das suposições teóricas da moderna ciência política pode ser expressa através do resultado obtido pelo jogo de preferências versus instituições.
Preferências podem ser definidas como a escolha da melhor opção para se obter a concretização dos interesses dos atores políticos; instituições podem ser definidas como regras formais e informais que determinam como as decisões coletivas são feitas; e outcomes são o resultado da interação entre as preferências e as instituições. Assim, se as preferências mudarem, os outcomes também irão mudar ainda que as instituições não se modifiquem; mas, se as instituições mudarem, os outcomes também mudarão mesmo que as preferências não se alterem.[31]
Atores escolhem realizar ações para maximizar suas preferências de acordo com um conjunto particular de limitações impostas institucionalmente e através de uma estrutura particular de estratégias para atingir determinados interesses, mas, atores mudam suas preferências quando, por exemplo, novos políticos assumem o poder. Ou atores podem, coletivamente, decidir mudar instituições. Em ambos os casos, atores assumem novas formas de agir as quais os levam para um novo equilíbrio institucional e político que resultará novamente no surgimento de novas preferências e assim por diante.[32]
Tais suposições podem ser amplamente aplicadas à União Européia visto que esta possui um variado número de atores que participam do seu sistema político: governos nacionais, instituições supranacionais, partidos políticos no nível nacional e no nível europeu, burocratas tanto no nível nacional como na administração da UE, grupos de interesses, eleitores.
Mestre em Direito Internacional pela PUC Minas. Analista internacional graduada em Relações Internacionais pela PUC Minas. Especialista lato sensu em Direito Público pela PUC Minas. Advogada.
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