O Supremo Tribunal Federal e a Ação Declaratória de Constitucionalidade: análise sobre a desnecessidade de se citar o Advogado Geral da União

Resumo: Procurarei, neste manuscrito, apresentar algumas reflexões acerca do posicionamento atual, do Supremo Tribunal Federal – STF, no sentido de dispensar a citação do Advogado-Geral da União no âmbito do procedimento da Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC. 

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Advogado Geral da União. Citação.

Abstract: In this manuscript, I will try to present some reflections on the current position of the Federal Supreme Court (STF), in order to dismiss the Advocate General of the Union in the context of the Constitutional Declaratory Action (ADC).

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Keywords: Supreme Court. Declaration of Constitutionality. Attorney General of the Union. Quote.

Sumário: 1. Introdução. 2. ADI genérica x ADC. 2.1. Os procedimentos da ADI genérica e da ADC e o conceito de direito contemporâneo. 3. Considerações finais. 4. Referências.

1. Introdução

O controle abstrato de constitucionalidade é exercido, pelo Supremo Tribunal Federal, por meio do processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica (ADIN/ADI); da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADIN por omissão/ADO); da Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva ou representação interventiva (ADIN Interventiva); da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON/ADC) e; da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

Cada uma dessas ações possui finalidade e objeto próprios. Todavia, pelas naturezas da ADI genérica e da ADC, são consideradas ações dúplices, ambivalentes ou de sinais trocados.

Não se pode ignorar, inclusive, a legislação infraconstitucional específica regulamentou, praticamente, o mesmo procedimento para ambas, com pouquíssimas ressalvas. Uma delas, se refere à consideração, pelo STF, da desnecessidade de se citar o Advogado-Geral da União no âmbito do procedimento da ADC devido ao “silêncio” legislativo ordinário a respeito.

Por meio deste texto, a partir de uma análise constitucional sistemática, legislativa infraconstitucional, de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais relativos à matéria e do conceito de direito contemporâneo, procurarei expor os motivos pelos quais sou contrário ao referido posicionamento do Pretório Excelso.

2. ADI genérica x ADC

Tanto a ADI genérica quanto a ADC encontram previsão constitucional na alínea a do inciso I do art. 102 da Constituição Federal de 1988.

A inteligência do dispositivo revela competir ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, em caráter originário, ADI genérica que tenha como objeto lei ou ato normativo federal ou estadual contrários à Carta Magna[1], e, ADC que diga respeito à lei ou ato normativo federal.

Os legitimados de ambas as ações são os mesmos e encontram previsão constitucional nos incisos do art. 103, sendo: o Presidente da República (I); a Mesa do Senado Federal (II); a Mesa da Câmara dos Deputados (III); a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal (IV); o Governador de Estado ou do Distrito Federal (V); o Procurador-Geral da República (VI); o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (VII); partido político com representação no Congresso Nacional (VIII) e; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (IX).

Em obediência, conforme o caso, à pertinência temática, em ingressando um desses legitimados, perante o Supremo Tribunal Federal, com uma ADI genérica, pretenderá obter a declaração de inconstitucionalidade da norma e, assim, caso tenha sucesso, ter-se-á sua retirada do ordenamento jurídico. Em entendendo o STF que a norma em nada viola a Constituição Federal, formal ou materialmente, o insucesso do pleiteante resultará na consideração de sua constitucionalidade (mesmo efeito de uma ADC provida).

Do mesmo modo, caso algum dos referidos legitimados venha a interpelar o STF por meio da ADC, sua pretensão será a consideração da constitucionalidade absoluta de uma norma federal, rompendo com sua presunção relativa de constitucionalidade. Logo, em havendo controvérsia judicial sobre a constitucionalidade de uma norma dessa natureza, o efeito vinculante da decisão aos demais órgãos do Poder Judiciário, no âmbito da ADC, encerrará a discórdia, nos termos do § 2º do art. 102 da Constituição Federal:

“Art. 102. § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal” (BRASIL, 1988, p. s.n.).

Por outro lado, em havendo insucesso na empreitada, a norma federal será considerada inconstitucional (como se uma ADI genérica fosse provida).

Para corroborar o raciocínio em caráter legislativo infraconstitucional, veja-se o art. 24 da Lei nº 9.868/1999: “[…] Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória” (BRASIL, 1999, p. s.n.).

2.1. Os procedimentos da ADI genérica e da ADC e o conceito de direito contemporâneo

Os procedimentos das ações em estudo encontram-se previstos na Lei nº 9.868 de 1999, apesar de a Constituição Federal estabelecer certas exigências a seu respeito, as quais, indubitavelmente, deverão ser observadas. Pontuarei, primeiramente, os “passos” da ADI genérica, para, depois, apontar as diferenças constantes no da ADC.

A petição inicial da ADI deverá indicar o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações; o pedido, com suas especificações e; acompanhada de instrumento de procuração, quando subscrita por advogado, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias da lei ou do ato normativo impugnado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação (art. 3º da Lei 9.868/1999).

A peça exordial inepta, não fundamentada e a manifestamente improcedente será liminarmente indeferida pelo relator. Cabe recurso de agravo ao plenário do STF da decisão que indeferir a petição inicial sob tais fundamentos (art. 4º da Lei 9.868/1999).

Em sendo a inicial recebida ou provido o recurso de agravo, caberá ao Ministro relator pedir informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado no prazo de trinta dias, a contar do recebimento do pedido (art. 6º da Lei 9.868/1999).

Após, serão ouvidos, pelo Ministro supracitado, sucessivamente, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, que deverão manifestar-se, cada qual, no prazo de quinze dias (art. 6º da Lei 9.868/1999).

Aqui, importa frisar a regulamentação constitucional relativa à matéria, já que o § 3º do art. 103 da Constituição Federal prevê: “[…] quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado” (BRASIL, 1988, p. s.n.), enquanto o § 1º do mesmo dispositivo constitucional estabelece que o: “[…] Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal” (BRASIL, 1988, p. s.n.).

Sobre a função a ser exercida pelo Advogado-Geral da União[2] no procedimento objetivo da ADI genérica, o STF firmou o seguinte entendimento:

“A função processual do advogado-geral da União, nos processos de controle de constitucionalidade por via de ação, é eminentemente defensiva. Ocupa, dentro da estrutura formal desse processo objetivo, a posição de órgão agente, posto que lhe não compete opinar e nem exercer a função fiscalizadora já atribuída ao PGR. Atuando como verdadeiro curador (defensor legis) das normas infraconstitucionais, inclusive daquelas de origem estadual, e velando pela preservação de sua presunção de constitucionalidade e de sua integridade e validez jurídicas no âmbito do sistema de direito, positivo, não cabe ao advogado-geral da União, em sede de controle normativo abstrato, ostentar posição processual contrária ao ato estatal impugnado, sob pena de frontal descumprimento do múnus indisponível que lhe foi imposto pela própria Constituição da República. [ADI 1.254 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 14-8-1996, P, DJ de 19-9-1997.] = ADI 3.413, rel. min. Marco Aurélio, j. 1º-6-2011, P, DJE de 1º-8-2011” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 1020).

Entretanto, a obrigação será dispensada quando o próprio STF já houver decidido por sua inconstitucionalidade:

“O múnus a que se refere o imperativo constitucional (CF, art. 103, § 3º) deve ser entendido com temperamentos. O advogado-geral da União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade. [ADI 1.616, rel. min. Maurício Corrêa, j. 24-5-2001, P, DJ de 24-8-2001.] vide ADI 3.916, rel. min. Eros Grau, j. 3-2-2010, P, DJE de 14-5-2010” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, p. 1020).  

Percorridos os caminhos citados, o Ministro relator poderá, ainda, no prazo de trinta dias, com fulcro no art. 9º da Lei nº 9.868/1999:

a) Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

b) Solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição.

Impele frisar, apesar da intervenção de terceiros não ser admitida no âmbito do procedimento da ADIN genérica, o Ministro relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades, ou seja, do amicus curiae, a fim de contribuir para uma maior legitimação da futura decisão pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade (art. 7º da Lei 9.868/1999).

Feito tudo isso, o Ministro relator lançará o relatório, com cópia aos demais Ministros do STF, e pedirá dia para julgamento (art. 9º da Lei 9.868/1999).

A decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros (art. 22 da Lei 9.868/1999).

Efetuado o julgamento, proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros, quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade. Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido (art. 23 da Lei 9.868/1999).

Apesar de ter citado noutro ponto deste texto, reitere-se, proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória (art. 24 da Lei 9.868/1999).

Julgada a ação, far-se-á a comunicação à autoridade ou ao órgão responsável pela expedição do ato (art. 25 da Lei 9.868/1999).

Conforme afirmei outrora, o procedimento da ADC é praticamente o mesmo da ADI, com algumas distinções. Por essa razão e para os fins pretendidos, concentrarei atenções às mesmas.

No que se refere à petição inicial, além do dispositivo da lei ou do ato normativo questionado e os fundamentos jurídicos do pedido, e, o pedido com suas especificações, deverá o legitimado-autor apresentar a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória (art. 14 da Lei 9.868/1999).

Essa comprovação é de suma importância, eis que a ADC:

“[…] possui um escopo claro e inconfundível: banir o estado de incerteza e insegurança provindo de interpretações maliciosas ou traumatizantes ao texto da Lex Mater, ratificando a presunção de que uma dada norma jurídica é constitucional. Nisso, procura conferir orientação homogênea às controvérsias, evitando que pronunciamentos díspares das câmaras, turmas, grupos ou seções de um mesmo tribunal, proferidos em sede de controle difuso de normas, gerem polêmicas intermináveis, em detrimento da justiça. Na defesa da ordem jurídica, cumpre à declaratória de constitucionalidade criar uma atmosfera de certeza e segurança nas ralações jurídicas, transformando a presunção relativa (juris tantum) de constitucionalidade em absoluta (juris et juris). É que a declaratória parte do princípio de que toda lei ou ato normativo é constitucional até que se prove o contrário. Noutras palavras, existe uma presunção relativa (juris tantum) de que os atos legislativos são constitucionais. Essa presunção é relativa, contudo, admite prova em contrário. Desde que se comprove que uma lei ou ato normativo federal estão gerando incerteza e insegurança torna-se possível o seu ajuizamento, precisamente para se obter um pronunciamento definitivo do Supremo acerca da compatibilidade de determinada norma perante a Carta da República. Resultado: a ação declaratória de constitucionalidade vincula os Poderes Públicos, impedindo que determinado assunto, já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, volte a ser reexaminado em sede de controle difuso, procrastinando a solução dos feitos. O mesmo se diga quanto ao Executivo, que não poderá deixar de cumprir lei ou ato normativo por reputá-lo inconstitucional” (BULOS, 2014, p. 317).

A segunda distinção se refere ao “silêncio” da Lei nº 9.868 de 1999 acerca da necessidade, ou não, de citação do Advogado-Geral da União, o que levou o Supremo Tribunal Federal a afastar a obrigatoriedade de sua “convocação”:

“[…] entendendo que nessa ação, porquanto se esteja buscando exatamente a preservação da presunção de constitucionalidade do ato que é seu objeto, não há razão para que este órgão atue como defensor dessa mesma presunção (a ação não visa a atacar o ato, mas sim a defendê-lo). Assim, não se aplica à ação declaratória de constitucionalidade o art. 103, § 3.º, da Constituição” (VICENTE; ALEXANDRINO, 2017, p. 851).

Nesse quadrante, Pedro Lenza (2016) ressalta que embora a doutrina tenha entendido, a princípio, não ser justificável a citação do chefe da Advocacia-Geral da União por inexistir texto impugnado em sede de ADC, é preciso refletir, pois:

“[…] em sendo ADI e ADC ações dúplices ou ambivalentes, ações com sinais trocados, em caso de improcedência do pedido na ADC, os efeitos, se assim decidido pelo STF, serão os mesmos da hipótese de deferimento da ADI, qual seja, a inconstitucionalidade da lei. Por esse motivo, parece razoável afirmar que o AGU tenha de ser sempre citado na ADC para não se desrespeitar o art. 103, § 3.º (matéria pendente). […]” (LENZA, 2016, p. 454).

Muito oportunas as palavras de Pedro Lenza, pois o paradigma constitucional contemporâneo merece maiores atenções, principalmente, sob dois nortes: a força normativa e a supremacia da Constituição.

Poderia levantar, aqui, como cerne epistemológico, nesse horizonte, a experiência norte-americana que desde o ano 1803, com o famoso caso Marbury x Madison, adota a ideia de tratar-se a Constituição de uma norma superior e deve ser aplicada diretamente pelo Poder Judiciário (força normativa da Constituição), bem como os escritos de Hans Kelsen acerca da pirâmide hierárquica das normas, na qual a Constituição ocupa o topo, condicionando a criação e o conteúdo das demais (supremacia da Constituição) para expor minhas ideias, mas não será preciso, pois todos sabemos, apesar de alguns ignorarem, principalmente, no plano prático, a Constituição é norma jurídica superior às demais e condiciona sua interpretação.

De todo modo, peço desculpas pela extensão, porém, para prosseguir, farei uso das precisas palavras de Luís Roberto Barroso sobre o assunto:

“O poder constituinte cria ou refunda o Estado, por meio de uma Constituição. Com a promulgação da Constituição, a soberania popular se converte em supremacia constitucional. Do ponto de vista jurídico, este é o principal traço distintivo da Constituição: sua posição hierárquica superior às demais normas do sistema. A Constituição é dotada de supremacia e prevalece sobre o processo político majoritário – isto é, sobre a vontade do poder constituído e sobre as leis em geral – porque fruto de uma manifestação especial da vontade popular, em uma conjuntura própria, em um momento constitucional (v. supra). A supremacia da Constituição é um dos pilares do modelo constitucional contemporâneo, que se tornou dominante em relação ao modelo de supremacia do Parlamento, residualmente praticado em alguns Estados democráticos, como o Reino Unido e a Nova Zelândia. Note-se que o princípio não tem um conteúdo material próprio: ele apenas impõe a primazia da norma constitucional qualquer que seja ela. Como consequência do princípio da supremacia constitucional nenhuma lei ou ato normativo – a rigor, nenhum ato jurídico – poderá subsistir validamente se for incompatível com a Constituição. Para assegurar essa superioridade, a ordem jurídica concebeu um conjunto de mecanismos destinados a invalidar e/ou paralisar a eficácia dos atos que contravenham a Constituição, conhecidos como controle de constitucionalidade. Assim, associado à superlegalidade da Carta Constitucional. existe um sistema de fiscalização judicial da validade das leis e atos normativos em geral. No Brasil, esse controle é desempenhado por meio de dois ritos diversos: a) a via incidental, pela qual a inconstitucionalidade de uma norma pode ser suscitada em qualquer processo judicial, perante qualquer juízo ou tribunal, cabendo ao órgão judicial deixar de aplicar a norma indigitada ao caso concreto, se considerar fundada a arguição; b) a via principal, pela qual algumas pessoas, órgãos ou entidades, constantes do art. 103 da Constituição Federal. podem propor uma ação direta perante o Supremo Tribunal Federal. na qual se discutirá a constitucionalidade ou inconstitucionalidade, em tese, de determinada lei ou ato normativo. Em síntese: a especificidade da interpretação constitucional decorre, em primeiro lugar. da supremacia da Constituição, cujas normas condicionam a validade e o sentido de todo o ordenamento jurídico” (BARROSO, 2015, p. 334-335). 

Veja-se, a Constituição impõe sua força normativa sobre o ordenamento jurídico como um todo, devendo sua supremacia ser cuidadosamente verificada, sobremaneira, no exercício do controle de constitucionalidade, tanto na versão concreta (controle difuso) como na abstrata (controle concentrado).

Resta claro, o que predomina, contemporaneamente, é a norma constitucional, devendo sua aplicação direta suprir omissões legislativas e executivas, bem como servir de instrumento/finalidade para sanar eventuais vícios praticados por aqueles Poderes e pelo Poder Judiciário.

A propósito, no âmbito do controle aberto, os Ministros Marco Aurélio e Luís Roberto Barroso lembraram, recentemente, relativamente à atividade exercida pelo STF, quando do julgamento do agravo regimental no recurso extraordinário nº 881.864 – Distrito Federal que:

“O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (PRESIDENTE) – […] Aqui dessa cadeira – como todos nós sabemos – não há amigos, nem inimigos; nem Flamengo, nem Fluminense. Aqui tem certo ou errado. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – O processo não tem capa, tem conteúdo!” (BRASIL, 2017, p. 11). 

Nesse quadrante, não há dúvidas, o STF, enquanto verdadeira Corte Constitucional (guardião da Constituição) sob a égide do caput do seu art. 102 da Carta da República, deverá pautar sua atividade judicante no conceito de direito atual, o qual encontra destaque no entendimento de Robert Alexy:

El derecho es un sistema de normas que (1) formula una pretensión de corrección, (2) consiste en la totalidad de las normas que pertenecen a una Constitución en general eficaz y no son extremadamente injustas, como así también en la totalidad de las normas promulgadas de acuerdo con esta Constitución y que poseen un mínimo de eficacia social o de probabilidad de eficacia y no son extremadamente injustas y al que (3) pertenecen los principios y los otros argumentos normativos en los que se apoya el procedmiento de la aplicación del derecho y/o tiene que apoyarse a fin de satisfacer la pretensión de corrección[3]” (ALEXY, 2004, p. 123).

A passagem revela que Alexy se preocupa com a correção do direito, pois um sistema jurídico desprovido desta não pode ser legítimo[4].

3. Considerações finais

A título de considerações finais sugiro a análise de um exemplo. Suponha que dado legitimado constitucional ingresse com uma ADC perante o STF a qual possui como objeto a Lei Federal “A”. Em sede de decisão meritória final, o Pretório Excelso entende que a presunção de constitucionalidade da norma sucumbiu à prova em contrário. Em outras palavras, o guardião da Constituição não deu provimento ao pedido e, como se sabe, a norma será retirada do ordenamento jurídico em virtude da declaração de sua inconstitucionalidade.

Levando em consideração tudo o que desenvolvi aqui com relação à ADI genérica e à ADC; que o Advogado-Geral da União é o curador da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos (Bulos) no âmbito da primeira ação; que este não foi citado para se pronunciar sobre a constitucionalidade ou não da Lei Federal “A” tendo vista o “silêncio” da Lei 9.869/1999 e a posição jurisprudencial atual do STF e; que o efeito da decisão é o mesmo de uma ADI genérica improvida, haveria violação ao § 3º do art. 103 da Constituição Federal?

Antes de responder, é salutar recordar, tanto o ato de criação quanto o de aplicação do direito devem levar em conta a coerência do sistema jurídico, ou, noutras palavras, suas conexões lógicas, as quais venham, objetivamente, atender às necessidades coletivas e individuais de dada sociedade. De tal maneira, fazendo uso dos dizeres de Paulo Bonavides (2006), temos que a interpretação lógico-sistemática é um instrumento poderosíssimo já que:

“[…] Sua atenção recai sobre a norma jurídica, tomando em conta, como já evidenciara Enneccerus, “a íntima conexão do preceito, do lugar em que se acha e da sua relação com os demais preceitos”, até alcançar “o laço que une todas as regras e instituições num todo coerente” (BONAVIDES, 2006, p. 445).

Ora, o dispositivo constitucional citado não é taxativo no sentido de requisitar ao STF que, quando apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União?

No exemplo narrado acima, o STF julgou a ADC improcedente (não deu provimento) retirando a norma do ordenamento jurídico. Portanto, apreciou a inconstitucionalidade de norma federal em tese sem citar o Advogado-Geral da União?

A resposta a todas essas perguntas se resume ao mesmo entendimento! Sem sombra de dúvidas o STF teria que citar o Advogado-Geral da União não somente nesse exemplo fictício, mas terá que “convoca-lo” a se pronunciar, nos termos aqui trabalhados, também, em todas as ADI’s genéricas e ADC’s, pois apesar das finalidades de ambas ações serem distintas, a procedência de uma gera a improcedência da outra, logo, a inconstitucionalidade, em tese, é apreciada!

Enfim, variados podem ser os argumentos para o “silêncio” da Lei nº 9.868/1999 sobre a temática, porém, não há questionamentos plausíveis noutro sentido, há norma constitucional específica sobre o tema, o § 3º, art. 103 da Constituição Federal, o qual deverá incidir diretamente sobre o procedimento da ADC em nome da correção material.

Nesse sentido, devido ao papel exercido pelo Advogado-Geral da União no âmbito das ações em estudo, o correto, à luz do sistema constitucional, é que este seja citado tanto no procedimento da ADI genérica quanto no da ADC.

   

Referências
BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: nov. 2017.
BRASIL. Lei 9868 de 10 de novembro de 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9868.htm. Acesso em: nov. 2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 881.864/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. Decisão em 18/04/2017.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
DUARTE, Hugo Garcez. O conceito de direito no pós-positivismo jurídico: o que esperar dos tempos vindouros?. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XX, n. 166, nov 2017. Disponível em: <
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=19762>. Acesso em nov 2017.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). A Constituição e o Supremo [recurso eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. — 5. ed. atual. até a EC 90/2015. — Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016.
VICENTE, Paulo; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
Notas
[1] Vale lembrar, em conformidade com o § 1º do art. 32 da Constituição Federal, o Distrito Federal possui as mesmas competências legislativas dos Estados e Municípios. Assim, em legislando referido ente federado como se Estado fosse, caberá ADIN genérica perante o Supremo Tribunal com base na alínea a, do inciso I, do art. 102 da Lei Maior. Ao contrário, em fazendo uso da competência municipal, a ação em estudo não será cabível, por falta de previsão constitucional.
[2] Acerca dessa função, veja-se a passagem doutrinária: “Cumpre ao Advogado-Geral da União defender a norma, federal, distrital ou estadual, impugnada em ação direta de inconstitucionalidade. Sua tarefa é de natureza exclusivamente defensiva, pois a Carta de 1988 o impediu de se manifestar contrariamente à norma jurídica que se busque impugnar. Por isso, seus posicionamentos sempre devem ser no sentido de velar pela preservação da constitucionalidade dos atos normativos. Não poderá posicionar-se em desfavor da lei cuja inconstitucionalidade foi postulada pelo autor da ação direta, pois o munus indisponível que a Constituição lhe reservou impede-o de admitir a invalidade da norma impugnada. Isso porque o Advogado-Geral é o curador da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos. Sua função é estritamente vinculada, sendo ele defensor legis, investido do dever institucional de sempre defender a plena validade jurídica do ato estatal impugnado. Sua presença, no controle abstrato de normas, é compulsória é de ordem pública. Tanto o seu chamamento judicial como o seu pronunciamento defensivo em favor da norma impugnada possuem substrato constitucional (art. 103 § 3º) (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.  p. 289-290).
[3] Tradução livre do espanhol: O direito é um sistema de normas que (1) formula uma pretensão de correção, (2) consiste na totalidade das normas que pertencem a uma Constituição em geral e não são extremamente injustas, como assim também na totalidade das normas promulgadas de acordo com esta Constituição e que possuem um mínimo de eficácia social ou de probabilidade de eficácia e não são extremadamente injustas e ao que (3) pertencem aos princípios e a os outros argumentos normativos em que se sustenta o procedimento de aplicação do direito a fim de satisfazer a pretensão de correção.
[4] Apresentei essas ideias em: DUARTE, Hugo Garcez. O conceito de direito no pós-positivismo jurídico: o que esperar dos tempos vindouros?. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XX, n. 166, nov 2017.

Informações Sobre o Autor

Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE


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Equipe Âmbito Jurídico

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