Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar a discussão acerca da utilização do Testamento Vital como um instrumento jurídico garantidor da autonomia da vontade do indivíduo em assegurar o respeito às diretivas antecipadas de vontade por ele manifestada, enquanto paciento, em plena capacidade civil e em sã consciência para decidir por si próprio. A discussão envolve a análise do ordenamento jurídico brasileiro e a interpretação de princípios constitucionais garantidores de liberdades individuais e da dignidade da pessoa humana. Também, faz-se necessário apresentar o debate teórico e a análise de julgados que versem sobre o tema para melhor entender a complexidade e a extensão do instituto do Testamento Vital na vida jurídica e na realidade médica, de acordo com os princípios da Bioética profissional, bem como sua inter-relação com o Biodireito. Devem ser discutidos, ainda, aspectos como o papel do médico, da família e do indivíduo no processo de tomada de decisão quanto à aplicação, ou não, de diretivas antecipadas; as responsabilidades civis e os limites do indivíduo em manifestar-se, autonomamente, sobre a sua própria saúde e seus desejos quanto a procedimentos e técnicas que deseja ou recusa-se a ser submetido. [1]
Palavras-chave: Bioética. Autonomia da Vontade. Testamento Vital.
Abstract: The purpose of the present article is to analyze the discussion about the use of the Vital Testament as a legal instrument guaranteeing the autonomy of the will of the individual to ensure respect for the anticipated directives of will expressed by him as a patient, in full civil capacity and in S conscience to decide for themselves. The discussion involves the analysis of the Brazilian legal system and the interpretation of constitutional principles guaranteeing individual liberties and the dignity of the human person. Also, it is necessary to present the theoretical debate and the analysis of judges who deal with the subject to better understand the complexity and the extension of the institute of the Vital Testament in legal life and in the medical reality, according to the principles of professional bioethics, As well as its interrelation with the Bilaw. In addition, aspects such as the role of the doctor, the family and the individual should be discussed in the decision-making process regarding the application or not of advance directives; The civil responsibilities and the limits of the individual to manifest autonomously about their own health and their desires as to the procedures and techniques they desire or refuse to submit to.
Keywords: Bioethics. Autonomy of the Will. Living Will.
Sumário: 1 Introdução; 2 Os princípios da Bioética e autonomia da vontade; 3 O testamento vital em pauta: características e delimitações; 4 A possibilidade de aplicação do testamento vital à luz do ordenamento jurídico brasileiro; Conclusão
1 INTRODUÇÃO
O debate contemporâneo sobre a autonomia da vontade do indivíduo em decidir sobre assuntos importantes a respeito de sua própria vida ganha cada vez mais contorno e espaço no meio jurídico brasileiro. Com um Estado Democrático de Direito, baseado em princípios constitucionais que garantem uma séria de liberdades e a necessidade de respaldo legal para regular vontades individuais que venham trazer impactos significativos ao meio jurídico e social, faz-se necessário o pensar legalista a respeito de questões que envolvam o desejo do indivíduo em se manifestar favoravelmente ao encurtamento da sua vida diante de algumas situações peculiares.
Conforme abordado anteriormente em outro trabalho (RIDOLPHI; RANGEL, 2017), a partir de 1990 cresce significativamente as discussões, no meio científico e jurídico, a respeito das possibilidades e maneiras de encerramento da vida de forma voluntária por pessoas que estejam em condições de saúde específicas e que não existam mais expectativas de melhoras ou recuperação da saúde, bem como da qualidade de vida da pessoa. São discussões polémicas e conturbadas, pois envolvem aspectos políticos, religiosos, científicos, culturais dentre outros mais e que têm significativo reflexo no pensamento do coletivo social sobre como encarar a vida e a morte dentro de uma sociedade.
Existem discussões sobre o tema em diversos países, especialmente dentre os países ocidentalizados e democráticos e que influenciam os debates jurídicos e científicos no Brasil. Atualmente inexiste legislação específica que regule o direito de morrer ou mesmo o direito e as condições de como deve o indivíduo proceder para manifestar sua vontade em relação às possibilidades de encurtamento voluntário de sua vida. As únicas regulamentações vigentes, porém, infralegais, estão sob forma de Resoluções do Conselho Federal de Medicina – CFM, sendo elas: a Resolução nº. 1.805/2006 que “prevê a possibilidade de abreviamento do sofrimento de um paciente de morte certa e sem qualquer condição de cura ou melhora” (RIDOLPHI; RANGEL, 2017, s.p.), regulando o exercício da profissão médica diante do procedimento de Ortotanásia, mas sem respaldo legal específico, e a Resolução 1.995/2012, que dispõe sobre a consideração pelo médico das diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, mas que também não regulam a maneira da manifestação e os limites de tais manifestos, até mesmo porque tal instrumento normativo não teria poderes legais para tais pretensões.
O Testamento Vital, de acordo com o entendimento de Dadalto (2013), refere-se a um procedimento de diretiva antecipada de vontade que serve para uma pessoa declarar, em sã consciência, sua vontade em receber ou não determinados tratamentos de saúde quando esta vier a se encontrar em uma situação de estado terminal de vida e impossibilitada de se manifestar de forma consciente. Conforme a autora, trata de uma “declaração prévia de vontade” de um paciente sobre o seu entendimento, quando ainda lúcido, relativos às suas vontades caso venha a acontecer determinadas situações futuras em que este não puder mais decidir-se por si mesmo.
Ainda conforme Dadalto (2013), apesar da inexistência de normas legais reguladoras sobre a o testamento vital e as diretivas antecipadas da vontade do paciente no Brasil, não significa dizer que a utilização deste instrumento não poderia ter valor e garantir a efetivação de direitos individuais. Aos profissionais de saúde e operadores do Direito, diante da inexistência de norma legal regulamentadora sobre o assunto, devem seguir uma “interpretação integrativa das normas constitucionais e infraconstitucionais” ora vigentes, além das mencionadas Resoluções, na defesa da validade da declaração de vontade do paciente. Diante desta realidade interpretativa, princípios como os da Dignidade da pessoa humana; autonomia da Vontade; proibição de tratamentos desumanos; tortura; direito à saúde e à boa vida; dentre outros mais, devem ser observados.
Os avanços científicos nas áreas médica e biológica, mais precisamente, e os avanços nas relações de direitos humanos e liberdades individuais, associados à expansão do acesso e da produção de informações, contribuem significativamente para trazer à luz do debate público discussões sobre temas que são culturalmente e historicamente considerados polémicos e tabus. Na visão de Mallet (2015), com estes avanços se “criou novas situações limítrofes entre a vida e a morte, evidenciando os conceitos de eutanásia, ortotanásia, distanásia e suicídio assistido” e cria ainda um novo instituto jurídico, tal como o testamento vital que, na prática, se distancia dos conceitos tradicionais de testamento e do direito de sucessões, ideia esta também compartilhada por Dadalto (2013).
O que se discute a respeito deste tema é a capacidade de o indivíduo decidir por si próprio, ou autorizar a outorga para outrem decidir – em caso de incapacidade de consciência – sobre os limites de se aceitar ou recusar um determinado tratamento médico para o prolongamento de sua vida. Ainda, teria o indivíduo tal direito de sobrepor a autonomia da vontade e sua noção de dignidade sobre o direito à vida? De acordo com Silva e Gomes (2012, p. 205), “o prolongamento indeterminado da vida de pacientes terminais proporciona que estes indivíduos vivam a própria morte”, distanciando-se das intenções de manutenção da qualidade de vida e da dignidade da vida e da boa morte. Debater a regularização deste instrumento diretivo de vontade não significa a liberalização da morte, mas pelo contrário, é justamente encontrar limites para a aplicabilidade de tal instituto para que este não seja banalizado. É encontrar as lacunas possíveis para se garantir a dignidade através de um procedimento segmentado e não generalizado. O injusto é não permitir que alguns pacientes, em particular situação, não tenham seus desejos e sua dignidade garantida em detrimento do ideário geral ou da falta de regulamentação legal por parte do Estado brasileiro.
São estas questões, resumidamente, que geram significativo debate ético e profissional entre os meios de saúde e possuem na Bioética o seu campo de análise. De forma simbiótica, a justiça é provocada e assim o Biodireito influencia e é influenciado por tais assuntos, pois a bioética encontra seus limites nas normativas legais e a elas influência com suas reflexões. Conforme elucidado por Mallet:
“As diretrizes e conceitos da Bioética, entretanto, não são coercitivos para o Direito. É preciso que os procedimentos lícitos sejam regulamentados, estabelecendo delineamento constitucional, estabelecendo regras e balizas à atuação. O Direito deve intervir no campo das técnicas biomédicas, quer seja para legitimá-las, quer seja para regulamentar ou proibir outras, não podendo ficar inerte”. (MALLET, 2015, s.p.).
Neste artigo, serão apresentados pontos de vista, estudos e pesquisas referentes a possibilidade de utilização do testamento vital como forma de direito garantidor da autonomia da vontade do indivíduo, balizado pelo princípio da autonomia da vontade e pelos princípios que regem a bioética e a ética profissional médica. Também serão apresentadas algumas conceituações sobre o que é, de fato, e como se processa o testamento vital e as suas atuais possibilidades de aplicação no Brasil, bem como a análise de julgados sobre o assunto para melhor embasar a tendência jurídica moderna em admitir, em casos específicos, a possibilidade do testamento vital.
2 OS PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA E AUTONOMIA DA VONTADE
Apesar da falta de regulamentação legal sobre o testamento vital no Brasil, a comunidade médica e jurídica aceita algum teor de validade em tal documento, desde que, conforme salientado por Rosa et all (2014,s.p.), não fira “preceitos da ética médica”. Tal instrumento é reconhecido como um ato de autonomia da vontade do paciente em não se submeter a tratamentos desumanos e abusivos em fase terminal de vida. Tais vontades devem, inclusive, se sobrepor a vontade da família e dos médicos que cuidam deste paciente. Tal é a importância da autonomia da vontade que a interpretação deste princípio constitucional se materializa na Resolução 1.995/2012 do CFM reconhecendo o desejo do indivíduo e submetendo a ética médica a tal vontade.
O artigo 2º da referida Resolução prevê que o médico levará em consideração as diretivas antecipadas do paciente. Prevê, também, a possibilidade de o indivíduo nomear um terceiro, representante deste, em caso de o paciente não poder mais responder por si. Assim, este representante deve conhecer e manifestar a vontade declarada do outorgante desta autonomia, diz o parágrafo primeiro do mencionado Artigo: “Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levaras em consideração pelo médico” (CFM, 2012).
De acordo com Massaroli e Fabro (2017, s.p.), é importante considerar que o entendimento jurisprudencial no Brasil tende a seguir uma evolução social do tradicional para o contemporâneo refletindo a necessidade do direito de se adequar às “necessidades de cada pessoa” em um contexto social em que as partes envolvidas no processo (médicos, indivíduo e familiares), tomam cada vez mais consciência sobre a importância de se observar a manifestação de vontade de um paciente como forma de manter a dignidade deste.
Ainda, de acordo com os autores, não há que se falar na invalidade do testamento vital no ordenamento jurídico brasileiro, pois este se trata de “um negócio jurídico unilateral, personalíssimo, revogável, gratuito e informal, garantido por preceitos constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e autonomia da vontade” (MASSAROLI; FABRO, 2017, s.p.), resguardados sob a égide do Artigo 5º da Carta Magna. Refere-se ao direito de personalidade do indivíduo, tanto é que os autores entendem o fato de o suicídio não ser capitulado como crime na legislação brasileira, justamente por se tratar de um ato voluntário da pessoa. Assim, entende-se a autonomia da vontade do indivíduo sobre os limites de sua personalidade e também sobre a disposição de seu próprio corpo e consciência.
Entretanto, ao que se parece, existem alguns conflitos éticos e jurídicos na interpretação dos princípios constitucionais na prática da execução do Testamento Vital. A autonomia da vontade, assim como qualquer outro princípio ou norma jurídica, não é absoluta e tende a ser moderada em sua interpretação. Conforme elucidado por Rosa et all (2014, s.p.), a medicina moderna, com suas inovações técnicas e científicas, tende a todo custo prolongar a vida mediante procedimentos diversos, mesmo que estes não venham a trazer significativa melhora ou expectativa de vida. É justamente nesta seara que se exprime o conflito entre princípios: dignidade da pessoa humana, autonomia da vontade e direito à vida, mais precisamente. Até onde dar autonomia ao indivíduo sobre decidir o que é melhor para a sua saúde e a sua vida diante das possibilidades médicas e científicas para trata-lo? Até quando manter um indivíduo vivo sob um tratamento ineficaz? Qual é o momento em que o indivíduo pode decidir por pôr fim à sua vida, com o auxílio profissional de um médico? Quando um tratamento médico se transforma em algo indigno à vida humana? No entendimento de Borges (2001 apud ROSA et all, 2014, s.p.), “é assegurado o direito à vida (não o dever), mas não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento”. Para esta autora, não se trata de uma eutanásia, mas permitir ao indivíduo a possibilidade de interromper tratamentos inúteis sem qualquer resultado positivo.
Rosa et all (2014, s.p.) apresentam também a tendência doutrinária em assegurar a validade dos testamentos vitais sob a interpretação dos princípios da dignidade da pessoa humana e autonomia da vontade. Mallet (2015, s.p.) sustenta que, na garantia de tais princípios, não basta apenas o indivíduo estar vivo, é preciso que a este sejam garantidas condições que lhe assegurem o respeito, liberdade e outras condições humanitárias que possibilite a pessoa realizar-se de forma humana, conforme suas crenças e desejos. É a garantia efetiva à pessoa por decidir sobre seus desejos e objetivos pessoais.
É no campo dos limites da aplicação de tais princípios e no atendimento da vontade do paciente que se insere o papel do médico, respaldado e discutido no âmbito da Bioética e do Biodireito. O conhecer científico deve ser utilizado da melhor forma possível à satisfação das enfermidades e desejos de um indivíduo. Mallet (2015, s.p. ) ressalta que o indivíduo “não pode ter sua vontade interrompida e nem ser transformado em instrumento”. Não se trata de aplicar procedimentos médicos ilimitadamente, mas sim, analisando o caso de forma profissional, garantir que as atitudes e procedimentos médicos sejam aplicados conforme as diretrizes éticas que balizam a profissão médica. De acordo com Santos (2014), o conflito de princípios constitucionais em áreas do Biodireito é constante e, para solucioná-los, torna-se necessária a utilização da técnica hermenêutica da “ponderação sobre os valores buscados em cada direito fundamental, a fim de verificar qual deles deve prevalecer no caso concreto”.
Como abordado em trabalho anterior (RIDOLPHI; RANGEL, 2017) a bioética rege a profissão médica e científica norteada nos seguintes princípios: não maleficência, beneficência, respeito à autonomia e respeito à justiça. Assim, o profissional deve buscar sempre agir de forma a respeitar as vontades do indivíduo paciente e de seus representantes, agir de forma positiva em prol do benefício da pessoa e ter a obrigação de não causar danos ao paciente com práticas e métodos terapêuticos. Todos estes princípios em respeito ao princípio da justiça, pois “a ação do profissional não pode ultrapassar os limites legais” (RIDOLPHI; RANGEL, 2017, s.p.).
De acordo com o Conselho Federal de Medicina (2012), ao médico é vedado abreviar a vida, mesmo que a pedido do paciente ou de familiar. Todavia, o médico também deve ter um compromisso ético e humanitário em que dada situações de doença incurável e estado clínico irreversível e terminal, possa oferecer os cuidados paliativos necessários no acompanhamento de sua morte, “sem lançar mão de ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas” (CFM, 2012, s.p.). É, basicamente, o que dispõe a Resolução nº. 1.805/2006 sobre a Ortotanásia, em consonância com a Resolução 1.995/2012 sobre as diretivas antecipadas de vontade. Os avanços tecnológicos e científicos da área médica não podem ser usados de forma injustificada para o prolongamento do sofrimento da vida humana, simplesmente.
De acordo com pesquisa veiculada em publicação do CFM, um estudo feito em 2011 pela Universidade do Oeste de Santa Catarina entre profissionais e estudantes das áreas médica e jurídica, aponta que 61% dos entrevistados levariam em consideração o desejo expresso pelos pacientes, o que reflete de forma significativa a tendência modernizadora pela consideração e respeito às vontades individuais, tanto no meio médico-científico quanto no meio jurídico-legal. De acordo com Elcio Bonamigo (2011 apud CFM, 2012), “os médicos deixam de ser paternalistas e os pacientes a cada dia ganham voz nos consultórios. Ele deve ter sua autonomia também preservada no fim da vida”.
O liame entre o que deve ser um tratamento concedido ou rejeitado por vontade do paciente é muito subjetivo. Conforme abordado por Nunes (2009, p. 30), a prática profissional deve ser “digna, adequada e diligente, que é aquilo que se designa por Ortotanásia”. O indivíduo deve ser capaz de exercer controle, em alguns aspectos, na sua fase terminal de vida, mas, segundo o autor, o debate persiste na reflexão ética entre o “cuidar e tratar” e “suspensão e abstenção” de tratamentos. A discussão engloba definições e procedimentos éticos no que diz respeito a identificação do que seria um doente terminal e de quais seriam as condições para identificação e diagnóstico destes pacientes e, também, quais seriam os casos e procedimentos passíveis de suspensão ou de abstenção destes tratamentos.
A dimensão ética da aplicação do testamento vital transcende o apenas pensar do papel do médico neste processo, mas recai também sobre a sua responsabilização civil e criminal. Neste ponto há que se falar em uma responsabilização dúbia da figura do médico. Ele poderá ser responsabilizado por excessos na aplicação de diretivas antecipadas e também poderá ser responsabilizado por não atender o desejo expresso do paciente sobre seu testamento vital. Por tanto, torna-se imprescindível à profissão e exercício da medicina existir regulamentação sólida e legal que guie e dê respaldo à atuação do médico nestes casos. Conforme apresentado por Grippa; Bounicore e Feijó (2013, s.p.), “a mensuração do dano é muito complicada por se tratar da autonomia do paciente que não foi respeitada”.
Ainda neste sentido, os autores destacam que o entendimento atual é de que, em regra, a atuação do médico seja uma atitude meio, agindo dentro do que for possível para a obtenção de um resultado de cura e, caso não se chegue a esse resultado, não poderia o médico ser responsabilizado, a não ser que tenha agido por “negligência, imperícia ou imprudência” (GRIPPA; BOUNICORE; FEIJO, 2013, s.p.). Sendo assim, no lidar médico em geral, a responsabilidade civil do profissional é subjetiva, devendo haver culpa ou dolo em qualquer ato prejudicial ao paciente para que o médico venha a ser responsabilizado.
Porém, existem casos em que o médico pode ter responsabilidade objetiva, sendo sua conduta independente de dolo ou culpa, como é discutido nos casos de cirurgias plásticas, em que o médico celebra com o paciente a intenção de se atingir um objetivo, conforme apresentado por Grippa; Bounicore e Feijó (2013). Neste contexto, não há entendimento jurisprudencial, doutrinário nem tão pouco legal quanto ao papel do profissional de saúde na garantia, ou não, das diretivas antecipadas, não havendo, por exemplo, definição sobre a responsabilização objetiva ou subjetiva do médico quanto ao não atendimento, total ou parcial, dos desejos do paciente declarados no testamento vital. Da mesma forma, havendo o profissional decidido por aplicar as diretivas de vontade, mesmo que em seu entendimento, dentro do enquadrado nas resoluções do CFM, não se exime o médico de ser, eventualmente, responsabilizado por seus atos, inclusive penalmente, justamente pela ausência de norma regulamentadora de tais procedimentos no Brasil, conforme abordado por (RIDOLPHI; RANGEL, 2017).
3 O TESTAMENTO VITAL EM PAUTA: CARACTERÍSTICAS E DELIMITAÇÕES
O Testamento Vital está inserido no contexto da possibilidade, inclusive prevista no ordenamento jurídico, de o paciente se recusar a passar por determinado tratamento médico por meio de sua manifestação de vontade. É a primeira brecha legal para o aceite de tal instrumento. Em primeiro lugar, como bem destacado por Santos (2014) a manifestação da vontade do paciente deve ser feita de modo expressa e específica. Caso contrário, o médico disporá de todos os meios técnicos, terapêuticos e procedimentais disponíveis, desde que não inúteis, para a manutenção da vida do paciente sob o risco de o profissional praticar omissão de socorro se assim não fizer e também poderá ser punido por infração ética profissional.
Santos (2014) destaca, ainda, que este consentimento manifesto deve ser dado pela pessoa em plena capacidade de consciência, maior de idade e dotada de plena capacidade civil. Também não poderá esta manifestação ser verbal ou tácita, em regra, devendo ser expressa, como mencionado. No caso de manifestações de vontade não expressas, deverá haver testemunha e apreciada em juízo para configuração, ou não, da validade da diretiva de vontade do paciente. Ainda, de acordo com o autor, no caso de pessoas sem capacidade civil absoluta, não há que se considerar eventuais manifestações de vontade, nem tão pouco de seus representantes.
Há um detalhe interessante, pois a discussão da autonomia da vontade transcende o debate sobre o testamento vital em casos de doentes terminais, incuráveis e de tratamentos inúteis, mas insere a vontade do paciente em um âmbito mais corriqueiro que é o de ter a autonomia em decidir, inclusive, a de não ser submetido a determinados procedimentos médicos (como transplantes ou transfusão de sangue), medicamentos, cirurgias dentre outros, por vontade própria, seja por convicções religiosas ou por crenças pessoais.
Há que se considerar a conformidade direta desta ponderação com o Artigo 5º da Constituição Federal, Incisos II e III: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” e “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, respectivamente. Bem como relaciona-se com o Artigo 15 do Código Civil: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica” (BRASIL, 2002). Há ainda plena concordância com o princípio da autonomia da vontade, mas por outro lado, na ponderação hermenêutica há que se pensar também no conflito com os princípios da dignidade da pessoa humana, na garantia da vida e em outros dispositivos que poderiam assegurar a decisão da família e do médico quanto a seguir um determinado procedimento, mesmo contra a vontade do indivíduo, como forma de salvar-lhe a vida, não só na fase terminal, mas também mediante outros tipos de tratamentos, medicamentos e procedimentos que não envolvam, necessariamente, a fase terminal de vida.
Diante dessa discussão e da possibilidade de um paciente, consciente e plenamente capaz, se manifestar sobre quais procedimentos e tratamentos deseja ou não ser submetido, cabe apresentar de forma mais detalhada o que consiste o testamento vital, quais suas características, aplicabilidades, quais as formas de materializar esta vontade individual e como vem sendo aceito e aplicado na realidade médica e jurídica brasileira.
“Cuida-se de um documento escrito pelo qual a pessoa expressa sua vontade com relação ao tratamento e intervenção médica que deseja ou não se submeter, indicando, por exemplo, os tipos de doença que recusa ser tratado; se prefere que sua vida seja preservada a qualquer custo ou se dispensa os cuidados paliativos; sua negativa a determinadas intervenções cirúrgicas invasivas; sendo possível, ainda, designar um médico de confiança para o tratamento”. (SANTOS, 2014, s.p.)
Conforme a interpretação da conceituação dada por Santos, pode-se entender o testamento vital como um instrumento legal que atesta antecipadamente a vontade de um indivíduo referente às possibilidades de se submeter a tratamentos médicos quando incapacitado de responder por si próprio. Também seria, inclusive, utilizado para rejeitar tratamentos médicos em estado de saúde não necessariamente terminal, ou até mesmo, em sentido oposto, atestar que o seu desejo é de tentar manter-se a vida sob quaisquer circunstâncias. Na visão do autor, o testamento vital não é um instrumento, necessariamente, que autoriza ao médico a prosseguir com eutanásia ou Ortotanásia. Pode, também, ser utilizado para negar-se à submissão de outras técnicas terapêuticas ou dispor-se e confirmar a vontade do indivíduo em garantir-lhe todas as técnicas e meios de mantê-lo vivo enquanto for possível.
Dadalto (2013) destaca que o Testamento vital é uma declaração prévia da vontade do indivíduo, e que esta deve ser independente da interferência externa de pessoas como médicos e familiares. Tal declaração é a positivação do exercício do direito fundamental de liberdade do indivíduo e deve ser garantido por um Estado Democrático de Direito em que, mesmo não havendo norma legal reguladora específica, seja garantida através de uma “interpretação integrativa das noras constitucionais e infraconstitucionais” como forma de garantir a legalidade de tal instrumento.
Santos (2014) também ressalta que o testamento vital é o instrumento onde se apresentam as diretrizes antecipadas de vontade do paciente e que, apesar de não existir forma determinada em lei, recomenda-se que seja escrito e testemunhado. Também pode ser utilizada gravação em vídeo e manifestação lavrada por escritura pública. Seja qual for a forma utilizada, o importante é deixar o consentimento de forma mais expressa possível a fim de garantir as provas do fato e assegurar que o manifesto se deu de forma livre e consciente. Assim como na forma, não há regulamentação quanto ao momento da manifestação da vontade, podendo esta se dar em qualquer fase da vida adulta do indivíduo, desde que este esteja em capacidade civil e com plena capacidade mental.
O testamento vital pode ser revogado a qualquer momento, inclusive de forma não expressa. Mallet (2015) destaca que o documento por escrito e com reconhecimento de firma em cartório traduz-se na melhor garantia da confirmação da vontade do indivíduo. Tal documento, seja da forma que for produzido, deve ser anexado ao prontuário médico ou ainda, caso não haja documento, mas o paciente se encontre em condições de responder por si, deverá informar suas vontades ao médico para que sejam incluídas no prontuário do paciente.
Dadalto (2013) entende que o testamento vital deve ser diferenciado da simples manifestação de vontade do paciente. Para este autor, declarações a certa de recusa a tratamentos médicos, medicamentos e outras disposições de vontade que não tenham ligação com a fase terminal da vida, não devem ser consideradas como testamento Vital. Estas seriam meras manifestações da vontade do indivíduo. Para ele, o testamento vital só se refere à vontade do indivíduo quanto a situações de o paciente se encontrar em estado terminal de vida. Seria possível também incluir no rol de diretivas antecipadas atestadas no testamento vital o desejo do paciente quanto a doações de órgãos.
Como pode ser observado, além da inexistência da regulação legal deste instituto, também não há entendimento consolidado entre doutrinadores e estudiosos, justamente devido à amplitude de possibilidade de tal instrumento jurídico e as disparidades com as quais ele poderia ser utilizado. A própria nomenclatura “testamento vital”, não é consenso no meio jurídico e científico. Existem outras expressões, conforme destacado por Mallet (2015), como: testamento biológico, declaração prévia dos pacientes terminais, testamento do paciente, dentre outras. Mallet (2015) atenta para a importante distinção entre o testamento vital e o instituto do testamento, previsto no código Civil Brasileiro.
O Testamento, aqui falando do testamento civil, refere-se ao efeito da vontade do indivíduo, pós-morte, sobre a disposição da totalidade dos seus bens, ou de parte deles. Trata-se, segundo o autor, de um “negócio jurídico unilateral, personalíssimo, indelegável, gratuito, revogável, causa mortis e formal. Não se admite no testamento civil a manifestação da vontade do indivíduo por procuradores ou terceiros, nem tão pouco testamentos em associação de pessoas que venham a fugir aos interesses e vontades do indivíduo. Já o testamento vital, nada tem a ver com manifestação da vontade pela disposição de bens. Para o autor (2015, s.p.), o testamento vital é a “manifestação da vontade na qual o paciente dispõe acerca dos cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber, no momento em que estiver incapacidade de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”.
Apesar de o testamento vital também ser um instituto personalíssimo, unilateral e revogável, a produção de seus efeitos se dá em vida, e não após a morte como no testamento civil. De acordo com o entendimento do CFM (2012) pelo disposto em sua Resolução 1.995/2012, tal dispositivo versa sobre os critérios de utilização das diretivas antecipadas, comumente chamado de testamento vital, entre médicos e pacientes:
“(…) o paciente que optar pelo registro de sua diretiva antecipada de vontade poderá definir com a ajuda de seu médico, os procedimentos considerados pertinentes e aqueles aos quais não quer ser submetido em caso de terminalidade da vida, por doença crônico-degenerativa (…) Deste modo, poderá, por exemplo, expressar se não quer procedimentos de ventilação mecânica (uso de respirador artificial), tratamentos (medicamentoso ou cirúrgico) dolorosos ou extenuantes ou mesmo a reanimação na ocorrência de parada cardiorrespiratória. Esses detalhes serão estabelecidos na relação médico-paciente, com registro formal em prontuário. O testamento vital é facultativo, poderá ser feito em qualquer momento da vida (mesmo por aqueles que gozam de perfeita saúde) e pode ser modificado ou revogado a qualquer momento”. (CFM, 2012).
Ainda de acordo com o CFM (2012), os menores que sejam casados civilmente também podem realizar o testamento vital devido a sua condição de emancipação. Nos casos de crianças e adolescentes, os mesmos não podem manifestar sua diretiva antecipada de vontade e nem seus pais e responsáveis poderão decidir por eles. Quanto à forma da manifestação da vontade, poderá o testamento vital se dar pela declaração da vontade do paciente anotada pelo médico em seu prontuário, sem qualquer necessidade de testemunhas, tendo a assinatura do médico fé pública para a confirmação da validade. Além de poder ser utilizados outras formas de confirmação da vontade do indivíduo, conforme já apresentado neste trabalho.
4 A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO TESTAMENTO VITAL À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Com o objetivo de melhor apresentar a aplicação do Testamento Vital na realidade jurídica brasileira e o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o caso, cabe a análise das diretivas antecipadas de vontade em julgados nas cortes e tribunais brasileiros. Para Massaroli e Fabro (2017), no Brasil é possível proceder com a admissibilidade das diretivas antecipadas de vontade pelo testamento vital devido a interpretação do Artigo 1º, Inciso III da Constituição Federal Brasileira, que introduz a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do ordenamento jurídico brasileiro. Também se considera a interpretação dos já mencionados Incisos II e III do Artigo 5º da Carta Magna, garantindo o direito à vida, liberdade, autonomia da vontade e proibição a tratamentos desumanos e degradantes e, ainda, diante da interpretação dos Artigos 11 e 15 do Código Civil Brasileiro, que asseguram os direitos de personalidade e a garantia de não se submeter a tratamentos médicos indesejáveis, além das já citadas resoluções do CFM sobre Ortotanásia e diretivas antecipadas de vontade.
Como observado, trata-se de uma interpretação extensiva de princípios e normas constitucionais, legais e infralegais que buscam dar legitimidade à autonomia da vontade e dignidade do paciente diante de situações em que o legislador brasileiro ainda não se posicional, mas que existe possibilidade de aplicação mediata perante a análise em conjunto do ordenamento jurídico. O direito deve servir de aproximação entre a lei e a realidade e não de exclusão quanto ao contesto social em que está inserido. Conforme apresentado por Massaroli e Fabro (2017), tais interpretações refletem as preocupações atuais dos profissionais em garantir as vontades do indivíduo e de sua família, garantir também uma morte digna e respeito ao indivíduo. Deste modo, não há que questionar a autonomia do paciente diante das prerrogativas que lhe asseguram o poder de decidir por si próprio. Estes autores destacam também que no testamento vital só poderá constar procedimentos relacionados, no máximo, com a Ortotanásia. Não pode haver disposições do paciente quanto à prática da eutanásia, visto que esta não é permitida no Brasil.
Vários julgados dos tribunais Brasileiros têm refletido tal entendimento emancipador da vontade do indivíduo balizado pelos preceitos constitucionais e legais acima citados. Conforme apresentado em nosso trabalho anterior sobre a morte digna (RIDOLPHI; RANGEL, 2017), a Justiça Federal através do julgado proferido em sentença no Processo nº. 2007.34.00.014809-3, da seção judiciária da 14ª Vara Federal do Distrito Federal, já decidiu quanto à admissibilidade da prática da Ortotanásia no Brasil, quando houver casos de morte certa e inevitável, o médico pode deixar de intervir, garantido a morte natural e que já iria acontecer, porém de forma prolongada, desde que este procedimento fosse anteriormente consentido pelo paciente ou por responsável por ele designado.
A título de exemplificação vale também o caso citado por Rosa; Oliveira; Benevenute; Prucoli e Almeida (2014) referente a Apelação Cível nº 70054988266/RS sobre Ortotanásia e Testamento Vital no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Neste caso, o paciente com um dos pós necrosado que poderia leva-lo à morte por infecção generalizada, se negou a proceder com a amputação do membro, decidindo, se fosse necessário, morrer para aliviar seu sofrimento. O Ministério Público solicitou aval judicial a fim de suprimir a vontade do paciente. Porém, após laudos psiquiátricos verificou-se que o indivíduo estava em plenas condições mentais e lúcidas para poder decidir sobre suas vontades. Por fim, os desembargadores do tribunal entenderam na admissibilidade do paciente em não aceitar o tratamento, não podendo o Estado “invadir o corpo do paciente e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo interesse nobre de salvar sua vida” (RIO GRANDE DO SUL, 2014, apud ROSA, 2014 , ano).
Mallet (2015) apresenta ainda outro exemplo, a Ação Civil Pública nº. 1039-86.2013.4.01.3500, promovida pelo Ministério Público Federal do Estado de Goiás, em que o Ministério Público buscou contestar a mencionada Resolução 1.1995/2012 do CFM que versa sobre diretrizes antecipadas, quanto às capacidades deste instrumento normativo, procedimentos instaurados, omissões e ilegalidade. A sentença da justiça foi de indeferir a ação do Ministério Público, garantindo que o CFM atuou dentro de suas competências como concelho profissional e que a resolução está de acordo com princípios constitucionais como o da autonomia da vontade e dignidade da pessoa humana. Reforçou ainda que em nada a resolução retira direito das famílias, pois estando os integrantes desta em desacordo com a decisão ou com a capacidade de decisão do paciente, podem utilizar-se de outros mecanismos jurídicos para confrontar a diretiva de vontade.
Como destacado por Mallet (2015), o que existe de mais importante e significativo no ordenamento jurídico brasileiro atual, de forma explícita, quanto as diretivas antecipadas e o testamento vital é a Resolução 1.995/2012 do CFM, servindo de balize para qualquer decisão e procedimento a se tomar sobre o assunto, mesmo sem haver regulamentação legal específica. Segundo estudos apresentados pelo autor, a possibilidade de aplicação das diretivas antecipadas não se refere ao direito a morte, mas sim ao direito de dispor de sua própria vida e, tão pouco, refere-se a escolha entre a vida e a morte, mas sim sobre a escolha de como viver e como morrer.
“Em que pese a inexistência de norma jurídica específica acerca do testamento vital, a sua validade deve ser enfrentada por meio de uma interpretação ampla e integrativa dos princípios constitucionais e normas infraconstitucionais. A matéria é polêmica em nossa sociedade, pois, além da questão jurídica, envolve dilemas de cunho ético, religioso, social e cultural”. (MALLET, 2015, s.p.).
O tema é complexo e abrange-se muito além da mera autorização ou não da aplicação do testamento vital no Brasil. O que deve ser seriamente discutido são as minucias da regularização deste procedimento, tais como modalidades formais, possibilidades práticas de aplicação, o papel das famílias e dos representantes legais ou nominais, as liberalidades e responsabilidades dos profissionais de saúde e os limites da autonomia da vontade do paciente, dentre outras condições.
CONCLUSÃO
Como observado neste trabalho, o instituto do Testamento Vital como uma diretiva antecipada de vontade do indivíduo é mais uma das faces modernizadoras do direito contemporâneo que tende a balizar-se por princípios garantidores das vontades individuais e das condições de dignidade da pessoa humana. Entretanto, o processo legislativo estatal, que tem como um de seus pressupostos atender e discutir os anseios da sociedade e inovar a produção legal, ainda se vê distante de um processo regulatório mais específico para o caso do testamento vital. Não é de se esperar que discussões legalistas no âmbito da vida e da morte sejam de fácil lida, pois envolvem conceitos profundos e subjetivos sob diferentes aspectos da vida pessoal, tais como crenças religiosas e filosóficas.
Apesar da lacuna legal, a utilização de tal instituto já é uma realidade na sociedade brasileira e a tendência, com o avanço das informações sobre o assunto, bem como com a maior incidência de sua discussão na vida cotidiana, é que o testamento vital e outras formas de consideração das vontades individuais, venham a ser utilizada e aprimoradas, cada vez mais. No caso em voga, pautado em interpretações extensivas e integrativas dos princípios constitucionais e de normas legais, bem como infralegais, já é possível garantir que algumas diretivas de vontades de um paciente venham a ser atendidas com amparo da justiça e até mesmo com certo conforto quanto as responsabilidades dos profissionais da saúde envolvidos.
Entretanto, o vazio jurídico ainda pode ser considerado um risco para todas as partes envolvidas, seja para o paciente, para a família ou para o médico. Trata-se de um ambiente que já é por demasiado delicado por envolver a vida de um indivíduo e que se complica ainda mais por não haver um respaldo legal legítimo que defina e garanta o lidar da situação. Ao paciente é necessário garantir-lhe sua autonomia, dignidade e saúde; à família é necessário delimitar qual o seu papel no processo de tomada de decisão, seja quando capaz ou incapaz, consciente ou inconsciente esteja o indivíduo e ao médico é importante definir qual o seu papel durante a decisão e execução do processo, bem como quais as garantias de resguardar ao profissional da saúde qualquer responsabilização civil ou criminal quando este estiver agindo estritamente dentro do que a lei e a justiça permitirem diante da manutenção da vontade do indivíduo.
Por fim, faz-se matéria importante o debate amplo, consciente e realista do assunto, tendo em vista o contexto social em que a sociedade democrática brasileira está inserida e diante de tantas novidades científicas que envolvem as escolhas e a qualidade de vida de um indivíduo. A regularização legal de procedimentos de diretivas antecipadas de vontade, tal como o Testamento Vital, é uma necessidade contemporânea e que não pode se deixar resolver apenas nos tribunais. Justamente por envolver vida e morte o assunto deve ser abordado de forma prudente, porém sem delongas, pois a demora pode significar a perca de uma vida ou o prolongamento de um sofrimento.
Acadêmico de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos FAMESC Unidade de Bom Jesus do Itabapoana. Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Cândido Mendes UCAM. Membro do Grupo de Pesquisa: Faces e Interfaces do Direito: Sociedade Cultura e Interdisciplinaridade do Direito
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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