RESUMO: O presente estudo visa analisar a mudança na significação e no conceito do trabalho – desde a pré-história até a pós modernidade e o momento presente – e como isso tem refletido na construção de um novo ideal de labor na sociedade atual, bem como tem contribuído para a desidentificação do indivíduo com a execução das suas atividades laborativas e consequentemente com o aumento do sentimento de frustração. Para isso, entender como os valores e a forma de produção das sociedades se deu ao longo das décadas, como também, o que se entende por divisão social do trabalho, se faz necessário.
PALAVRAS – CHAVE: divisão do trabalho, conceitos de trabalho, alienação do trabalhador.
RESUMEN: El presente estudio pretende analizar el cambio en la significación y en el concepto del trabajo -desde la prehistoria hasta la posmodernidad y el momento presente- y cómo esto ha reflejado en la construcción de un nuevo ideal de trabajo en la sociedad actual, ha contribuido a la desidentificación del individuo con la ejecución de sus actividades laborativas y consecuentemente con el aumento del sentimiento de frustración. Para ello, entender cómo los valores y la forma de producción de las sociedades se dio a lo largo de las décadas, como también, lo que se entiende por división social del trabajo, se hace necesario.
PALABRAS – CLAVE: división del trabajo, conceptos de trabajo, alienación del trabajador.
SUMÁRIO: Introdução, 1. A Pré-história e o conceito de trabalho para os gregos, 2. Do tripalium à dignificação do homem através do trabalho: a mudança de paradigma, 3. O capitalismo e sua forma de produção e influência no conceito atual do trabalho: a alienação do trabalhador, Conclusão, Referências.
INTRODUÇÃO
Para que haja uma clara compreensão do momento atual e das imbricações do mundo do trabalho e a vida humana, necessário fazer uma imersão nos diversos acontecimentos e transformações ocorridas na humanidade. Desde o abandono do sentimento coletivo primitivo que unia os indivíduos, à construção da moral individualista e, novamente, a retomada por um ideal mais cooperativista e coletivo, pensado num bem estar social. Conforme se constatará a seguir, ao longo da história a relação do indivíduo com seu labor vem se modificando de acordo com os acontecimentos e valores cunhados por cada período social. Sobre essas transformações é que se dará a análise.
Quando se procura demonstrar a significação do trabalho ao longo dos períodos da história, é preciso levar em conta o sentido do trabalho como valor numa sociedade, numa determinada época. É o homem que atribui valor a determinada coisa. Assim, a compreensão da mutabilidade da significação e representação do trabalho para a humanidade é viés que faz-se necessário se compreender.
O ser humano tanto transforma o ambiente em que está imerso, como é transformado por esse ambiente, sendo um ser biopsicossocial e histórico. Nesta senda, significa dizer que há influências biológicas, psicológicas e sociais ao longo da historia para a formação do indivíduo dinâmico e mutável.
Na visão do homem primitivo, o trabalho por conta própria servia apenas para sua sobrevivência, com o fito de se autotutelar. A caça e a coleta foram os primeiros modos de subsistência do Homo sapiens que tinha como instinto retirar da natureza seu sustento, imersos numa rotina nômade.
Estes povos antigos andavam em bandos que migravam entre as regiões em busca de alimento. Internamente havia pouca diferenciação política, não havendo líderes permanentes. Havia pouca possibilidade de acumulação, pois os bens restringem-se ao que a pessoa conseguiria carregar.
Notava-se nessas sociedades a divisão do trabalho baseada no gênero e idade, geralmente com mulheres cuidando de coleta enquanto homens caçavam. Porém, esses papéis não eram rigidamente definidos. Aqui, o conhecimento tradicional e o aperfeiçoamento das ferramentas se davam pela interação do homem com o ambiente que o cercava e assim aprimorar o nível de suas habilidades.
Divide-se a pré-história em 3 períodos: o Paleolítico, ou idade da pedra lascada, que se estendeu por 2 milhões de anos; o Neolítico ou período da pedra polida, que teve início há mais de 10 mil anos e a Idade dos metais, por volta de 5.000 a.c. (Braick, Mota, 2007, pg. 28).
A coleta e a caça como meio de subsistência foi dando lugar ao sedentarismo. O ser agora passou a procurar moradia próxima aos rios e terras férteis para o plantio e com isso, não mais vagar em busca da subsistência. A consciência da transformação daquilo que se dispunha na natureza para a criação de utensílios de auxílio no dia a dia deu ao homem a percepção do seu poder de transformador do meio.
Da transformação entre o período da pedra lascada, o período da pedra polida e, da Idade dos metais nota-se a mudança dos materiais empregados na formação dos utensílios auxiliadores utilizados pelo homem do período. Tal situação estava relacionada ao acúmulo de experiências e percepções desenvolvidas por estes indivíduos no seu constante contato e alteração do meio.
Nos dizeres de Patrícia Ramos Braick e Myriam Becho Mota:
Os últimos 100 mil anos do período Paleolítico assistiram ao aperfeiçoamento dos artefatos, num processo de crescente elaboração cultural que deu origem ao arco, a flecha, às lanças e a utensílios variados de argila, osso e dentes. Além disso, as modificações dos ambiente terrestre se refletiam nos hábitos dos homens, contribuindo para a sedentarização de alguns grupos, isto é, sua fixação em determinadas regiões. (2007, pg. 29)
Com isso, esta primeira forma humana de organização social foi aumentando e se tornando complexa. Agora os homens poderiam dispor de conhecimento para domar animais para criação e entender da terra e do clima para produção de seus próprios alimentos. O homem aqui já não esperava pura e simplesmente a natureza, ele, aos poucos, aprendia a dominá-la, sendo trabalho no sentido de mudança do meio a que se estava situado.
O sedentarismo, as novas formas de conhecimento adquiridas, as experiências do contato com a natureza permite-se a validação da complexidade da nova forma de organização social agora em aldeias e pequeno comércio, ainda que sem moeda propriamente dita.
Nota-se o avanço da divisão no trabalho: no período inicial, quase inexistente, se dava apenas para diferenciar as tarefas atribuídas ao homem e aquelas atribuídas às mulheres, não havia, portanto, trabalhadores especializados e produção do excedente. Com a formação das aldeias já se abre para a especialização dos que deixaram de serem agricultores e passaram a serem artesãos, já sendo necessária uma visão de produção de excedente para o comércio.
Com o aumento da complexidade das relações humanas foi dando espaço a outras formas de identidade do trabalho, na medida em que os homens passaram a agrupar-se e a cambiar bens como a forma do que mais tarde se denominou “mercadoria”. A união de algumas aldeias, a formação de cidades, foi dando formação aos impérios e civilizações que se estenderam por todo o território do globo. Não foi diferente na Grécia Antiga.
Sob a perspectiva de trabalho na Grécia antiga, os escravos, devedores ou prisioneiros de guerras eram mão de obra e cada cidade-estado tinha sua própria forma político-administrativa de gerir-se. Nas palavras de Patrícia Ramos Braick e Myriam Becho Mota:
De acordo com o filósofo Aristóteles (que escreveu uma Constituição de Atenas, no século IV a.c.), a sociedade ateniense estava dividida em eupátridas ou “bem nascidos”, ou seja os membros da aristocracia que podiam reivindicar ancestrais prestigiosos, georgói, camponeses, e demiurgói, ou artesãos. Estes três grandes grupos comporiam a classe dos cidadãos. Para ter a cidadania, isto é, gozar de direitos políticos e possuir terras era preciso ter pais e mães atenienses. Os metecos (estrangeiros) e os escravos não eram considerados cidadãos. As mulheres e crianças tinham uma cidadania restrita, pois não podiam participar da vida política. (2007, pg. 76)
O tempo dedicado à pólis, à contemplação do homem considerado “livre” tinha posição mais digna que o labor, uma vez que somente as pessoas que não precisassem se ocupar das atividades ligadas ao campo das necessidades poderiam dar vazão ao que se entendia por ócio: o espaço para o pensamento político/racional.
Tratava-se de uma nítida separação entre o mundo do “labor”, ou o mundo da “necessidade” e o mundo regido pela “razão”. O trabalho para esta civilização desocupava o “físico” das atividades mentais e reflexivas. Logo, o ócio seria um estado do ser – o estado de estar livre da necessidade de trabalhar e ter a possibilidade de dedicar-se às ideias e ao espírito, na contemplação e busca da verdade, do bem e da beleza.
Para que isso pudesse ser feito, os gregos tinham que dispor de outros para fazer o trabalho braçal. Os escravos faziam essas vezes, portanto. Os trabalhos nos campos, nas minas de minérios, nas olarias, na construção civil, e os domésticos eram executados por escravos. Na Grécia Antiga uma pessoa tornava-se escrava de diversas formas podendo ser através da captura em guerras ou a escravidão por dívidas.
É próprio do povo grego esse processo de reflexão sobre si mesmo, sobre o espaço público e o privado e a importância da pólis, sobre suas características, sobre seu modo de vida e de fazer arte, com essa investigação histórica que se pode aferir a existência e de que maneira se via e se construía o papel do homem na Grécia antiga.
Nos dizeres de Mario Sergio Cortella, no livro intitulado “Qual a sua obra? Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética”, o filósofo aduz que:
“no campo da filosofia a noção mais forte em relação à definição de humano é dada por Aristóteles, que, no século V a.C, diz: “O homem é um animal racional”. Ou seja, o que define a humanidade de alguém – e, portanto, a sua dignidade – é a capacidade de dedicar-se ao pensamento e não às obras manuais. A tal ponto que, no mundo escravocrata da filosofia e da ciência gregas, não se faziam trabalhos manuais. Platão, um dos maiores pensadores da história, desprezava o trabalho manual. De tal modo que ele achava que, quando se estabelecessem os infernos, aqueles que deveriam ficar juntos com os escravos lá, eram os pintores, os escultores, todos aqueles que fossem da elite, mas que desenvolvessem alguma atividade com as mãos. O mundo da antiguidade, que é a base da nossa sociedade ocidental, coloca o trabalho como um castigo do ponto de vista moral-religioso ou uma concepção de castigo a partir da vontade dos deuses na cultura grega…”. (Cortella,2017, pg.19)
Nesta senda, importa apresentar as ideias de Aristóteles, no livro Política:
Devemos admitir que não podemos considerar como cidadãos todos aqueles que são necessários à existência da cidade; por exemplo, crianças não são cidadãos no mesmo sentido que um adulto; este é cidadão absolutamente, enquanto as crianças o são incompletamente. Com efeito, nos tempos antigos, entre algumas nações a classe dos artífices era constituída de escravos ou estrangeiros e é por essa razão que a maioria deles hoje tem essa origem. A melhor forma de cidade não deverá admitir os artífices como se fossem cidadãos; mas se forem admitidos, então nossa definição de virtude não se aplicará a todo cidadão e homem livre, mas apenas aos cidadãos isentos das atividades servis. Aqueles que prestam seus serviços nas necessidades da vida aos indivíduos são escravos, e os que trabalham para o público são artífices ou assalariados (Aristóteles, 2010, pg. 121).
Portanto, a disposição da sociedade grega, principalmente da utilização da mão de obra escrava proporcionou o pensamento filosófico de uma aristocracia que justificava em suas leis uma forma de dominação que validava a exploração de determinada parte da polis.
Nos dizeres de Hannah Arendt, na Grécia clássica, nem o labor, nem o trabalho eram tidos como suficientemente dignos para construir o bios politikos, além do mais:
“…o trabalho escravo pôde desempenhar papel tão importante nas sociedades antigas, e o seu desperdício e improdutividade passaram despercebidos, é que a antiga cidade-estado era basicamente um <<centro de consumo>>, ao contrário das cidades medievais, que eram principalmente centros de produção…”. (Arendt, 2009, pg. 132)
Portanto, neste ponto é possível perceber que o trabalho, já o influxo de valoração do trabalho humano ao longo das civilizações e da construção do papel do homem como ser social. Num período primitivo o trabalho visto como mecanismo de auto subsistência, longe de excedentes foi sendo valorado em outra significação à medida que as mudanças históricas no seio social se davam passando a ser, na ascensão grega, seara relegada àqueles que não estariam determinados ao pensamento e a reflexão.
A origem da palavra trabalho vem do latim tripalium, nome dado a um instrumento formado por três estacas de madeira, usado na Antiguidade pelos romanos para torturar escravos. Punição e suplício estavam intimamente ligados à ideia de trabalho que se estende do período antigo ao medievo.
O sistema escravista de produção do Império Romano foi dando lugar ao sistema servil de produção, que iria predominar na Europa feudal. O Feudalismo teve origem com a crise do Império Romano, em razão da insegurança gerada pelas invasões dos povos germânicos.
A sociedade medieval era estática, dividida em estamentos. Havia a camada da nobreza feudal, o clero, os servos e pequenos artesãos. Já aqui se constata uma divisão clara de quem trabalha sejam artesão ou servos, (patamar inferior da pirâmide social), quem faz parte de uma nobreza feudal (aqui se inclui os nobres cavaleiros).
A forma servil da idade média em nada tinha a ver com o sistema escravista. O servo detinha pedaço de terra e utensílios para dali tirar o sustento da sua família e não poderia ser vendido, estando ligado à gleba se esta fosse passada para outro senhor (servo da gleba) diferente dos vilões que podiam passar pra outros feudos em busca de trabalho ou lar.
Como forma de controle havia tributos: a corveia que consistia em trabalho compulsório e gratuito nas terras do senhor em dias determinados da semana. A talha, parte da produção do que eram produzidas no manso servil, as banalidades, o uso de ferramentas e utensílios.
Não se deve olvidar, porém, que embora a vida econômica se baseasse na produção agrícola, no período da baixa idade média, a ascensão dos burgos permitiam a produção e circulação de bens entre os domínios senhoris.
Também nesse período existia o referencial religioso católico do trabalho como castigo, sofrimento e penitência do homem, ou seja, dos servos, já que o nobre não deveria trabalhar, pois a sociedade estava dividida nos estamentos com funções bem definidas.
É com o Renascimento que surge a concepção de que o trabalho é inerente ao homem e a ideia de maestria, e perfeição do artesão, que se tornava um verdadeiro mestre ao dominar o ofício desponta. Houve mudanças no plano político, artístico, moral, no comércio e com isso a valorização do Homem (humanismo).
Dessas mudanças ocorridas ao longo deste período importa dizer que o Calvinismo valorizou o trabalho ao criar uma ética favorável ao lucro, ao trabalho árduo e ao enriquecimento pessoal, o que também foi significador para a nova visão do trabalho no seio social, a saber:
A reforma religiosa na Suíça representou, antes de tudo, uma necessidade burguesa. O país estava dividido em cidades-repúblicas, como Zurique, Basileia, Berna e Genebra, todas elas importantes centros comerciais. O poder político nessas cidades estava nas mãos de uma burguesia nascente, impedida de expandir seus negócios devido às fortes barreiras impostas pela Igreja Católica. O clero combatia a liberdade econômica e o crescente lucro dos setores mercantis. A burguesia necessitava, desse modo, de novos parâmetros morais, econômicos e religiosos que legitimassem a obtenção do lucro por meio do comércio e da exploração do trabalho assalariado. (Braick, Mota, 2007, pg.192).
O sociólogo alemão Max Weber aponta a religião como elemento fundamental no processo de valorização do trabalho. Em sua obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o autor aponta que os protestantes consideravam a dedicação ao trabalho como uma virtude e que essa visão ajudou o capitalismo a ter sucesso em países protestantes.
Ao contrário do sentido de castigo cristão atribuído ao trabalho, na ideologia protestante surgiam os conceitos de vocação e predestinação e o espírito capitalista. Nunca a riqueza tinha sido vista de forma tão positiva o que gerou individualismo e uma nova maneira de viver uma vida disciplinada, com apego ao trabalho e valorização da poupança.
A virada de percepção também ocorre quando o individuo tem a consciência que tem o poder de satisfazer suas necessidades com o fruto do seu trabalho, entendendo “necessidade” não só como sua subsistência, mas também seu lazer, sua satisfação pessoal, seus anseios, a parte subjetiva. O trabalho passou a designar-se como um ato de dignificação do homem e salvação perante Deus, que possibilitaria riqueza e posição social.
Neste sentido, o ser torna-se digno através do trabalho, sendo a dignidade a qualidade moral que impõe respeito; traz ao homem a consciência do seu próprio valor e nobreza de espírito.
Quanto a esta valoração, importa um mergulho na letra da música “Um homem também chora”, de Gonzaguinha. A construção de um imaginário a cerca da vida e dos anseios humanos e das suas fragilidades, suas conquistas diante das dificuldades e do que a própria sociedade espera deste homem, a saber:
“… Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho
E sem o seu trabalho
Um homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata
Não dá pra ser feliz…”. (Um homem também chora – Gonzaguinha)
A construção da ideia de dignificação do homem através do trabalho passa a ser um dos estigmas sociais mais pungentes. Esta dignificação se estenderá à família do indivíduo trabalhador, uma vez que, no seio daquela família, seus membros estão buscando o seu sustento através do seu trabalho, do seu esforço, de forma honrada e nobre.
A ideia de que todos precisam trabalhar dignamente advém da condição de suprir necessidades como a moradia, alimentação, vestuário, lazer, consumo, de uma maneira geral. É esta a dignidade que o trabalho permite através do dinheiro. A noção de vida digna é aquela de quem tem para suprir suas vontades e suas necessidades, com o produto do seu suor afastando-se os meios torpes e indignos de se conseguir o que se almeja.
Dissemina-se, portanto, a noção de que o trabalho é a condição preponderante (e socialmente aceita) do ser humano realizar-se, uma vez que, por essa ideia, um sujeito sem trabalho seria impedido de se realizar como homem e cidadão.
Com relação a isso, fazendo um adendo na história, ante esta visão do trabalho na vida do indivíduo, o que não se deve deixar de citar é que em um tempo, na sociedade brasileira, as figuras de controle social, como o Estado e o direito, passaram a se preocupar com essa ideia da dignificação do homem através do trabalho. Ascendia então o combate à vadiagem.
O Vadio era o vagante, e está ligado à ideia de espaço público, todo aquele que não tem ocupação, trabalho, ou que nada faz. Aqui, importa destacar, houve uma certa transvalorização do termo, pois o que seria para os gregos a ideia de ócio para produção do pensar, no século XX passou a incomodar a ponto de criminalizar e se tornar um termo pejorativo: Vadio.
O Código Penal Brasileiro de 1940 retirou o tipo penal da vadiagem do seu âmbito específico, remetendo-o ao disciplinamento pela Lei das Contravenções Penais. Este Código Penal é que introduziu no Brasil a classificação bipartida dos ilícitos penais em crimes e contravenções. Assim, o tipo passou então a ser disciplinado como contravenção e prevista no art. 59 da referida lei.
Vadiagem
Art. 59 – Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita:
Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses.
Parágrafo único – A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena.
O trabalho, portanto, para além da ideia de dignificação da pessoa humana, aqui estava atrelado a um meio de controle social, uma vez que sob essa ótica, aqueles que trabalham não teria tempo/necessidade de se utilizar de meios ilícitos para conseguir sua subsistência, não representando um perigo para a sociedade.
No Brasil, a preocupação com a vadiagem está intimamente correlacionada à abolição da escravatura, a imigração de trabalhadores livres, a falência de uma sociedade prioritariamente agrária e a emergência de uma sociedade com traços capitalistas.
O desenvolvimento capitalista e as novas forças sociais por ele criadas provocaram uma nova dinâmica na expansão das cidades e do mercado e na divisão da sociedade. O modo de produção feudal e a vida nos feudos foram perdendo lugar frente ao desenvolvimento das cidades, estes pontos efervescentes de trocas de mercadorias. Aos poucos se via, portanto, as mudanças na organização política e jurídica, nos modos de produzir e de comercializar, na lógica de acumulação e poupança e no trabalho, em si.
A ponte criada pelo renascimento cultural e do humanismo, das revoltas protestantes e do mercantilismo foram as bases para a construção e eclosão da indústria. O desenvolvimento industrial e a lógica fabril advinda com as revoluções industriais contribuíram para a formação e o fortalecimento de outro significado do trabalho atrelado à moral burguesa individualista. Ademais, o uso contínuo das máquinas fez com que os industriais passassem a buscar toda forma de mão de obra que pudesse baratear seus custos de produção.
Assim, o trabalho humano evoluiu da subsistência, à torpe escravidão, perpassando pelos servos da idade média. Da valorização do artífice no período renascentista, ao iluminismo da Idade moderna, desembocando na ideia de trabalho digno: aquele que enobrece o indivíduo que não estará mais relegado à vadiagem e aos vícios. Porém, as péssimas condições dos ambientes fabris não fazia jus a lógica de dignidade antes cunhada.
O sentido do trabalho como valor, nos dizeres de Gabriela Neves Delgado, em seu livro Direito Fundamental ao Trabalho Digno, revela-se tanto pelo sujeito trabalhador, como pelo momento histórico vivenciado. (DELGADO,2006, p.111). Acrescenta-se a esse entendimento também o modelo de sociedade a que se está referindo.
Como dito acima, a mudança da sociedade estamental feudal, para a burguesa fez desmoronar aos poucos as antigas classes dominantes como a aristocracia feudal e o clero, o sistema de vassalagem e o regime político monárquico para dar vazão às novas formas produção e de sociedade.
A formação de centros de trabalhadores que saíram do campo em busca de trabalho nas fábricas situadas nas cidades fez surgir então uma nova classe e uma nova relação entre os grupos sociais diferenciadas não só no ambiente de labor (operários e empresários), como também fora dele (acesso a lazer, a educação, à política).
Afinal, no inicio do século XVIII, com a modernização da agricultura as famílias que residiam nas zonas rurais acabaram migrando para as áreas urbanas, tornando-se mão de obra barata. A população então começa a experimentar um crescimento sem precedentes históricos, a precariedade das condições sanitárias e de moradias aliado aos baixos salários conseguidos no labor nas fábricas contribuía para a proliferação de doenças.
A Revolução Industrial foi o divisor de águas na história e quase todos os aspectos da época foram influenciados de alguma forma por esse processo. Uma das revoluções burguesas que enterrou o antigo regime. A revolução industrial, o capitalismo e o estado liberal que aos poucos emergia, propiciou a valorização do capital e o individualismo.
Com isso, quem detinha o controle dos meios de produção estava no polo oposto àqueles que tinham a força do trabalho a oferecer, surgindo a estrutura basilar, um dos elementos caracterizadores da relação de emprego: a subordinação. O empregado é aquele submisso aos comandos do empregador, o detentor dos meios de produção.
Por tanto, os operários nas fábricas não tinham o controle do processo produtivo, uma vez que passaram a trabalhar para um patrão (na qualidade de subordinados, empregados ou operários), perdendo a posse da matéria-prima, do produto final e do lucro e dos materiais de produção. A maquinofatura introduz uma forma que possibilita redução do tempo de trabalho necessário para a produção de uma determinado mercadoria. Ascendia as máquinas com motores a vapor.
Neste período de efervescência houve mudanças na política e na filosofia. Pensadores como Adam Smith surgia para validar as formas de vida individualista e liberal com menos intervenção possível do Estado na economia.
Com o capitalismo as decisões sobre oferta, demanda, preço, distribuição e investimentos no sistema capitalista não são feitos pelo governo e os lucros são distribuídos para os proprietários dos modos de produção e os salários são pagos aos trabalhadores. Portanto, o próprio trabalho (mão de obra) também vira mercadoria para “troca”.
Um sistema sócio-econômico baseado no reconhecimento dos direitos individuais, focado na propriedade privada, cunhado pelo acúmulo de dinheiro na mão de poucos faz surgir, então a abissal desigualdade social que impera até a atualidade.
O que se é produzido não era feito para consumo próprio, mas para o mercado. Assim, segundo Sérgio Lessa e Ivo Tonet, no livro Introdução à filosofia de Marx:
O que caracteriza a sociedade capitalista frente aos modos de produção anteriores é a redução da força de trabalho a mera mercadoria e, portanto, o desprezo absoluto das necessidades humanas. O resultado é um individualismo burguês: a redução da coletividade a mero instrumento para o enriquecimento privado dos indivíduos (Lessa, Tonet, 2008, p.71).
Ainda segundo Marx e sua teoria da “mais-valia”:
“… mais – valia é o valor acrescentado ao produto pela força de trabalho do operário e se expressa na diferença entre o valor da riqueza que o trabalhador produzia e o que ele recebia na forma de salário.
[…]
Toda riqueza é criada pelo trabalhador, e o valor de todos os bens é determinado pela quantidade de trabalho necessário para produzi-los. Mas o trabalhador não recebe o valor total do fruto do seu trabalho; ele recebe um salário que, na maioria das vezes, é suficiente apenas para sua subsistência e a de seus filhos, ou seja para a reposição de sua força de trabalho. Assim, o capitalista nunca remunera o trabalhador de acordo com a riqueza que ele produz”. (Braick e Mota, 2007,p.440)
No período escravista, segundo Sérgio Lessa e Ivo Tonet (2008) , aos escravos não interessava aumentar a produtividade, uma vez que esta pertencia aos seus senhores, e se os senhores quisessem mais resultados precisariam de mais escravos, agora pela visão atual trazida com o capitalismo nota-se a ruptura, uma vez que a força de trabalho virou mercadoria e esse trabalhador começa a se preocupar em dar resultados.
As relações produtivas eram marcadas por precária proteção legal. Essa situação, especialmente nos países nos quais a industrialização despontava e se consolidava, estimulou a associação da classe trabalhadora como verdadeiro contraponto aos abusos cotidianos da exploração do trabalho, como bem apregoa Gabriela Neves Delgado, em seu livro Direito Fundamental ao trabalho digno (DELGADO,2006, p.18).
A precariedade das condições de trabalho no início da revolução industrial traduzia também na baixa expectativa de vida dos operários das fabricas. Aqui, ainda se pode notar a perpetuação da ideia negativa do trabalho. Ambientes insalubre e periculoso, a falta de respeito e de resguardo aos direitos dos trabalhadores, abusos e explorações, trabalho infantil e da mulher em condições precárias, inexistência de descanso e jornadas extenuantes. Na época sequer se tinha noção de princípios atinentes ao meio ambiente do trabalho equilibrado.
O modo de produção advindo com a revolução industrial contribuiu por esta busca por mais resultados, mesmo que em péssimas condições de labor. A mortandade de operários denunciava, então, o inicio de uma outra revolução: a busca pela proteção trabalhista. No livro de Braick e Mota (2007), as autoras trazem o depoimento de Jhon Birley ao Jornal The Ashton Chronicle, publicado em 19 de maio de 1849 :
“Nosso turno era das cinco da manhã até nove ou dez da noite; e no sábado, até as onze, e frequentemente até as doze horas da noite; e ainda nos faziam vir aos domingos, para limpar a maquinaria. Não havia tempo para o café da manhã, não se podia sentar durante o jantar e não havia tempo para o chá. Nós chegávamos à fabrica às cinco horas da manhã e trabalhávamos até as oito ou nove, quando nos traziam o café da manhã, que consistia em mingau de aveia [preparado com água, e não com leite] com bolo e cebolas para dar sabor a comida. O jantar consistia em bolo […] e leite. Nós bebíamos o leite e com o bolo na mão voltávamos a trabalhar, sem sentar”.
A mobilização e a organização da classe trabalhadora foram determinantes para a luta por melhores condições de trabalho. Além das péssimas condições de trabalho, no plano social havia também as péssimas condições sanitárias, de moradia e de subsistência dos indivíduos, ante o total alheamento do estado liberal às causas e demandas do povo. A saber:
a segunda metade do século XIX –, a força de trabalho reagia à exploração extenuante, fundada na mais-valia absoluta, com extensão do tempo de trabalho, e também à exploração do trabalho de crianças, mulheres e idosos. A luta de classes irrompe contundente em todas as suas formas, expondo a questão social: a luta dos trabalhadores com greves e manifestações em torno da jornada de trabalho e também sobre o valor da força de trabalho […].
[…]
O estabelecimento da jornada normal de trabalho foi, desta forma, o resultado de uma luta “multissecular entre capitalista e trabalhador”, considerando aí também o tempo decorrido entre a subsunção dos trabalhadores “livres como os pássaros” ao capital e a Revolução Industrial, cuja dinâmica constitui a possibilidade de geração de uma consciência coletiva dos trabalhadores enquanto classe. (BEHRING, 2007, p.54 e 55).
As greves e as manifestações despontavam, aliadas a novas formas de pensar o ambiente social: o socialismo, o anarquismo. As condições miseráveis em que viviam e trabalhavam os trabalhadores urbanos deram suporte para o surgimento de tais movimentos.
Em primeiro momento surgiram pensadores que foram considerados socialistas utópicos. Tinham esse nome porque acreditavam na transformação da sociedade de forma pacifica, sem necessidade de revolução do proletariado. Nutriam ideias como uma busca da sociedade ideal, um trabalho coletivo, igualdade social. Já a segunda fase do socialismo, o científico, despontava as ideias de Marx e Engels.
Para estes pensadores, a história humana era resultado da luta de classes, o confronto entre setores antagônicos da sociedade, logo, a superação do capitalismo só poderia advir através de uma revolução conduzida pelos trabalhadores. O objetivo agora era a transformação da sociedade a partir de uma análise profunda de suas relações econômicas, políticas e sociais, nos dizeres de Hannah Arendt:
“ O vasto potencial de poder que estes movimentos adquiriram em tempo relativamente curto e muitas vezes nas circunstâncias mais adversas, deve-se ao fato de que, despeito de toda conversa e teoria, os operários foram o único grupo no cenário político que, além de defender seus interesses econômicos, travou uma batalha inteiramente política”. (ARENDT, 2009, p. 231)
Outro movimento que despontava era o anarquismo. Aqui ideais como regime comunitário, por meio da cooperação também predominavam. Os anarquistas rejeitavam qualquer autoridade: O Estado e sua burocracia, a Igreja, o Governo, Instituições, propriedade privada. Acreditavam na ideia de autogestão e de liberdade dos indivíduos. O anarco-sindicalismo também surgiu. De participação do operariado, acreditava que a transformação social adviria com uma greve geral dirigida pelos sindicatos com a união de todo o operariado.
Fato é que o descontentamento perante o que estava posto só aumentava, à medida que cresciam os conflitos que culminaram em uma revolução social. Surgiram as primeiras organizações dos trabalhadores visando organizar as lutas das classes operárias, mesmo que estas fossem tidas como organizações criminosas pelos industriais.
Para além das péssimas condições de labor, importa dizer também, neste período, o modo de produção passou a ser fragmentado. Houve aqui a fragmentação da participação do indivíduo na construção do produto, o aumento da carga horária inversamente proporcional ao bem estar dos trabalhadores, crescimento de doenças ocupacionais, acidentes de trabalho e precarização da mão de obra.
Com essa distanciamento da participação do trabalhador surge o que Marx cunhou como alienação: o sentimento de frustração/alienação e alheamento deste indivíduo a tudo aquilo que ele produz, uma vez que o trabalhador perde a visão global do processo de produção do produto. Portanto, passa-se a imperar “o valor da produção da força de trabalho como uma mercadoria e não como expressão produtiva de um indivíduo humano”. (LESSA, TONET, 2008, p.101)
Assim, há a perda do trabalhador sobre a natureza e produto do seu trabalho que deixa de ser genuíno e único, à medida que deve executar tarefas repetitivas e fragmentadas, tal qual máquina. Assim reforça a ideia de mitigação de desenvolvimento da potencialidade e da capacidade humana criativa e proativa, tornando o operário um ser passivo – repetitivo. O objeto produzido não lhe pertence, é apropriado pelo capitalista.
No fim do processo de produção, o produto feito se transforma em algo estranho, sem as caracteristicas do ser que o produziu. No trabalho, portanto não há identificação, não sendo do operário o produto do seu trabalho. Passa-se a reconhecer como uma propriedade de outro. É desse modo que se toma forma a propriedade privada.
Um objeto produzido pelo trabalhador não é concebido como propriedade sua, passando assim a ser uma vez consumido, com isso, a forma para se alienar este trabalhador é mexer com o imaginário inconsciente do consumismo. Aqui o ter passa-se a ser mais valorizado em detrimento do ser.
Na medida em que se trabalha de forma alienada, dá-se vazão, portanto, ao sentimento do ter, de suprir necessidades criadas e impostas a esse indivíduo gerando renda para os detentores dos meios de produção. Delgado faz referência à obra “Uma investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações” de Adam Smith (SMITH,1986,p.32) fazendo alusão ao seguinte trecho:
O trabalho foi o primeiro preço, a moeda de troca original, que pagava todas as coisas. Não era com ouro ou prata, mas pelo trabalho, que toda a riqueza do mundo foi originalmente adquirida; e este valor, para aqueles que o possuem, e que querem trocá-lo por alguma nova produção, é precisamente igual à quantidade de trabalho que lhes permite comprar ou comandar. (SMITH apud DELGADO)
A lógica capitalista, portanto, é aquela que se exprime da seguinte forma: O indivíduo trabalha produzindo algo que lhe é alheio, impedido de dar vazão as suas capacidades genuínas, preocupado em dar resultados, atingir metas mesmo não sendo reconhecido pelo que faz e fisgado pelos desejos frutos da criação de falsas necessidades do próprio sistema, o que faz gerar a produção de riquezas que serão apropriadas por poucos.
Neste diapasão importa citar Cortella (2017) novamente:
“Vejo meu filho como minha obra, vejo um jardim como minha obra. Tenho de ver o projeto que faço como minha obra. Do contrário ocorre o que Marx chamou de alienação: todas as vezes que olho o que fiz como não sendo eu ou não me pertencendo, eu me alieno. Fico alheio. Portanto, eu não tenho reconhecimento. Esse é um dos traumas mais fortes que se tem atualmente.
Todas as vezes que aquilo que você faz não permite que você se reconheça, seu trabalho se torna estranho a você. As pessoas costumam dizer “não estou me encontrando naquilo que faço”, porque o trabalho exige reconhecimento – conhecer de novo.
Hoje, quando penso em um trabalho de qualidade de vida numa empresa, estou pensando em um trabalho que não seja alienado. Trabalhar cansa, mas não necessariamente precisa gerar estresse…”.
Para além da alienação, a falta de incentivo e de valorização do profissional acaba por aumentar o sentimento de frustração desse indivíduo uma vez que para esse trabalhador é difícil compreender a sua importância quando se é mal pago ou mal valorizado. O reconhecimento, aliado a um salário que proporcione uma qualidade de vida a este trabalhador já é mola propulsora pra o alcance da satisfação de todos os atores deste processo.
Ainda citando Cortella (2017) é importante para um gestor, uma empresa entender que ninguém fica em um local apenas por conta do salário, sua permanência também é condicionada à percepção da importância daquilo que se desempenha dentro daquele nicho. A valorização, o incentivo, tem o condão de ser retorno positivo àquele que está ali dispondo de sua força de trabalho.
Com isso, o empregador passa a transmitir uma conotação muito maior à atividade desempenhada pelos colaboradores do que aquela de apenas estar trocando o seu tempo, esforço e conhecimento com uma importância monetária, que lhe será entregue no final do mês.
Pensamentos que ao longo da construção histórica do indivíduo ainda hoje influenciam o modo de ser e de trabalhar, uma vez que ainda se está numa sociedade capitalista. Fato é que de lá para cá muitas conquistas foram obtidas como a redução da carga horária, a criação de leis e instituições que regulamentem o trabalho, o estado mais fiscalizador e a preocupação com a saúde e o ambiente de trabalho daquele indivíduo.
A luta pela redução da jornada, por exemplo, esteve na pauta do debate sindical e de diversas greves desde o início do processo de industrialização até a formação coesa de movimentos sindicais, com a percepção, pelo proletariado, da necessidade de se associarem para tentarem negociar as suas condições de trabalho junto ao empregador e em constante luta por proteção legal.
Das primeiras revoltas se conseguiu a regulamentação do trabalho da mulher e a proibição do trabalho infantil e com o término da Primeira Guerra Mundial eclode o constitucionalismo social, a preocupação a nível constitucional. Assim, assuntos como previdência social, salário mínimo e outras questões de caráter social também foram paulatinamente ganhando espaço. A Organização Internacional do Trabalho é criada. O direito trabalhista surge e se fortifica.
Porém, a lógica capitalista ainda prevalece e se reinventa. Com a revolução tecnológica novas demandas foram sendo criadas. A velocidade da obsolescência e das informações exige hoje um individuo cada vez mais altamente qualificado. O lucro e o acúmulo de riqueza ainda são fatores inerentes à competição social.
Agora perpassando outras questões, a frustração e o estresse vão se relacionar às atividades produtivas e mais uma vez se dará a alteração da valoração do trabalho. Para o mundo do capitalismo, o indivíduo deve estar apto, atualizado e intelectualmente preparado para o ambiente de trabalho. O nível de competição se acirra e a crescente onda e busca do homem por seu lugar ao sol dá espaço ao descuido deste com sua saúde.
A separação do trabalho manual do intelectual, a necessidade deste novo trabalhador em aprimorar suas aptidões especiais permite-se incorporar novos participantes ao mercado de trabalho. Desponta aqui a noção de capital humano uma vez que quanto mais capacitado ou preparado estiver para desempenhar tarefas, melhores serão os resultados desta instituição.
Nesse panorama cresce o estresse ocupacional muitas vezes causado pela busca dos melhores empregos e salários, pela frustração do trabalhador com o seu trabalho, com o ambiente desagradável, com conflitos entre colegas e superiores, insegurança, falta de liberdade e autonomia, falta de reconhecimento, elevadas jornadas, monotonia da repetição do trabalho, percepção de que se é facilmente substituível, falta de prospecção de carreira, entre outras coisas.
As rápidas transformações sociais ocorridas na modernidade contribuíram para a criação de novas demandas e novos perfis de profissionais. Ademais, a ideia do consumismo e da rápida obsolescência dos produtos aliada a uma aceitação social faz com que o homem trabalhe para suprir agora não só suas necessidades básicas, mas seus desejos e ambições.
Essa lógica tanto vale para os capitalistas que utilizam da exploração da mão de obra para manutenção de sua riqueza, como para os trabalhadores, que se submetem a todo tipo de exploração e desgaste no ambiente de trabalho em troca do dinheiro que facilmente é sibstituído pela compra de objetos de desejos e felicidade, e assim nasce um novo estilo de vida.
CONCLUSÃO
Inquestionável o papel do trabalho na vida humana. Desde o surgimento do homem primitivo e a sua relação com o meio, na construção e apropriação do necessário para sobrevivência, até as atuais formas de se fazer trabalho ante a necessidade de acúmulo de bens para uso próprio. Aqui a palavra trabalho ganha o sentido de produção de algo externo ao indivíduo é o comportamento que sempre aparece nas sociedades, as mais diversas ao longo da existência humana.
A relação do homem com o meio que o cerca e a inter-relação de obtenção e retirada de recursos deste meio até então tida apenas como modo de suprir as necessidades imediatas e básicas, dá lugar a uma visão de mundo marcada pela pilhagem, acumulação e comercialização. Daí o aparecimento da polarização social, de um lado os que detém poder, influencia e que serão donos dos meios para produção, do outro lado, os que serão a força motriz para dar vazão a este acúmulo recebendo um determinado pagamento por esta mão de obra.
De forma diametralmente oposta, por outro lado, nas sociedades ditas primitivas (“não civilizadas”) a relação do homem com o trabalho não o apresenta-se como importância crucial a ser exercida todos os dias. Abnegação a este quadro imposto e característico do trabalho (suplicio, compulsoriedade, obrigação) rege estas sociedades. O que seria, portanto a dita “civilização” e qual será (ou está sendo) o preço pago para alcança-la e os reflexos disso no homem vital?
Pôde-se constatar no quadro alhures delineado, a influência dos anseios sociais de cada época na formação e no papel do indivíduo, cidadão ou não, na geração de progresso, lucro e renda que lhes são propriamente alheios.
Os valores impregnados na sociedade pós moderna ocidental consumista e individualista cria desejos inalcançáveis por entre vagos caminhos trilhados por seletas pessoas gerando, com isso, o ideário do trabalhar para obtenção do prazer no alcance desses desejos nem sempre alcansáveis.
Com isso, a frustração, a tristeza, a ausência de identificação do individuo com as atividades por ele desempenhadas no seu emprego gera sentimento de angustia e incerteza castrador que impera nesta nova geração de indivíduos.
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