Gabriella Tavares Yang – Bacharela em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã. Advogada. Pós-graduanda em Direito Constitucional e em Direito Previdenciário. (E-mail: gabriella_y@yahoo.com)
Resumo: Este artigo decorre da necessidade de uma maior abordagem em relação ao trabalho escravo contemporâneo na atual sociedade capitalista que tende a sobrepor o lucro à qualidade de vida humana. Esse novo modelo de escravidão foi analisado conjuntamente ao seu espaço laboral e suas frequentes vítimas com vistas à erradicação de tal prática. A presente pesquisa pretende contribuir para a formação de um melhor ambiente de trabalho aos funcionários residentes no Brasil, bem como a conscientização de consumidores que “patrocinam” empresas exploradoras ao consumir tais produtos. Vislumbra-se assim que a instigação ao conhecimento dos meios de produção de diversos produtos impacte na melhoria da qualidade de vida de trabalhadores responsáveis sua produção em meio indigno. Com esse objetivo foi observado conceitos importantes sobre o tema com casos reais nacionais. Para tanto, a pesquisa foi descritiva, de natureza qualitativa, método dedutivo e com análise bibliográfica e documental com o intuito de uma melhor compreensão sobre o tema.
Palavras-chave: Trabalho escravo contemporâneo. Monetização dos riscos. Bem-estar dos funcionários.
Abstract: This article arises from the need for a greater approach in relation to contemporary slave labor in today’s capitalist society, which tends to overlap profit with the quality of human life. This new model of slavery was analyzed together with its work space and its frequent victims with a view to eradicating such practice. The present research intends to contribute to the formation of a better working environment for employees resident in Brazil, as well as the awareness of consumers who “sponsor” exploiting companies when consuming such products. It is thus seen that instigating knowledge of the means of production of various products has an impact on improving the quality of life of workers responsible for their production in an unworthy environment. To this end, important concepts on the topic were observed with national real cases. For that, the research was descriptive, of qualitative nature, deductive method and with bibliographic and documentary analysis with the intention of a better understanding on the subject.
Keywords: Contemporary slave labor. Monetization of risks. Welfare of employees.
Sumário: Introdução. 1 Trabalho Escravo Contemporâneo. 2 Terceirização. 3 Monetização dos Riscos. 4 Estudo de Casos Nacionais. 4.1 Coca-Cola. 4.2 Animale. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
Diante da complexidade da sociedade contemporânea, observa-se o aprimoramento do capitalismo, buscando-se novos meios de aumentar a produção e diminuir seu custo. Essa versão do capitalismo está vinculada a sociedade de risco, não só ambiental, mas também arriscando o bem-estar e a saúde dos trabalhadores brasileiros.
Ultrapassada a escravidão diante da Lei Áurea, em 1888, ao menos legalmente, visto que tal abuso trabalhista ainda ocorre e atualmente é descrito como trabalho análogo ao de escravo, ou até escravidão contemporânea. É preciso estar atento, pois ao contrário do que muitos acreditam, essa exploração também está presente em grandes cidades.
Enquanto o empregador se empenha a encontrar maneiras de auferir lucro a qualquer custo, é função da sociedade, juntamente com órgãos públicos e ONGs prezar por um labor livre, digno, seguro e saudável, com o intuito de oferecer condições básicas a população. Dessa forma, o objetivo do trabalho é analisar a possibilidades de trabalho que não exponha o funcionário a acidentes ou doenças ocupacionais, o que nem sempre é a conduta das empresas, que por diversas vezes recorrem a terceirização, como meio de esquivar-se de suas responsabilidades.
Vale salientar que é comum, na busca incessante por melhor resultado financeiro, o esgotamento físico e psicológico do empregado, sendo ambas as formas de doenças preocupantes e desgastantes. Assim, é abordado casos de irregularidades trabalhistas nacionais, buscando demonstrar o modo de pensar da empresa, monetizando os riscos da saúde de seus funcionários.
Para tanto, a espécie da pesquisa é descritiva, com método dedutivo, natureza qualitativa e análise documental e bibliográfica por meio de livros, revistas e reportagens sobre o tema.
Ademais, procura-se meios de reduzir os perigos aos quais a população trabalhista está exposta, além de demonstrar os efeitos de medidas pensadas para melhorar o ambiente de trabalho.
1 Trabalho Escravo Contemporâneo
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), deve-se prezar por um labor decente, sendo assim livre, seguro e digno. Diante disso, observa-se que apesar de abolido o trabalho escravo, essa mazela ainda permeia em território nacional, agora sob a denominação de trabalho escravo contemporâneo, ou de análogo ao de escravo. Sobre o tema, Audi (2006, p. 76-77) explana:
“A escravidão contemporânea no Brasil então persistia e ainda insiste, de forma mais cruel e sutil que aquela abolida pela Princesa Isabel em 1888: os escravos modernos são pessoas descartáveis, sem valor agregado à produção-simplesmente não custam nada, não valem nada e por isso, não merecem segundo uma lógica puramente econômica, nenhum tipo de cuidado ou garantia de suas vidas”.
Observa-se que esse novo modelo de escravidão no Brasil aparenta ser menos custoso ao empregador, que não dispõe de recursos para “comprar” seu escravo, mas apenas compram suas horas por valores irrisórios e as utilizam sem nenhum cuidado ou apreço. Quando seu “funcionário” não mais o servir, estando esgotado física ou psicologicamente, podendo até, em casos mais graves, atingir o esgotamento psíquico, também conhecido como burnout, o empregador simplesmente o demite. Isso sem qualquer ajuda em relação às doenças contraídas, apesar de ter ciência de que o ex-funcionário raramente será novamente empregado, diante das atuais deficiências e restrições ao trabalho.
Outrossim, as pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dessa mão de obra ainda têm o costume de descontar de maneira ilegal tudo do empregado, fazendo assim com que o funcionário obtenha uma dívida impagável. Nesses casos é cobrado desde o transporte para a cidade em que o serviço será efetuado, como produtos de higiene, alimentação e, muitas vezes, até os materiais utilizados para o labor.
Essa ilícita realidade brasileira pode, de certo modo, ser padronizada. Na maioria dos casos as vítimas são homens, têm baixa escolaridade e são adultos. Pontua-se também que na maior parte dos casos, os que vão para a região rural normalmente serão empregados na pecuária bovina, em grandes latifúndios enquanto os que laborarão na região urbana atuam principalmente na construção civil ou no ramo de confecções.
Diante dessas informações é necessário perceber que o conceito de labor análogo ao de escravo é de complicada conceituação, visto ser importante analisar cada caso minuciosamente. Há, contudo, algumas características a serem observadas como a existência de condições degradantes de trabalho, a servidão por dívida, o trabalho forçado e até a jornada exaustiva.
O legislador brasileiro, conhecendo da necessidade da real extinção da exploração do labor em território nacional, tipificou tal conduta como crime no art. 149 do Código Penal Brasileiro:
“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
[…]”.
Atrelado a esse dispositivo, o art. 243 da CFRB/88, dispõe o seguinte:
“Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 81, de 2014)”.
Sendo assim, é perceptível a intenção de coibir tal prática e dessa forma proteger o profissional residente no Brasil. Ademais, os atos os quais o art. 149 do Código Penal Brasileiro proíbem também são condenados no âmbito internacional, a título de exemplo pela Convenção 105 da OIT sobre a Abolição do Trabalho Forçado, Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o Pacto de San Jose da Costa Rica, pelos Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos, pelo Protocolo de Palermo, pelas ONGs Free the Slaves e Walk Free Foundation, dentre tantas outras organizações Internacionais.
2 Terceirização
A terceirização pode ser considerada um modelo de funcionamento da empresa, sendo direito seu utilizar-se de tal mão de obra ou não. Esse modelo de prestação de serviços surgiu como técnica de melhor administração empresarial. Dessa forma, a empresa tomadora de serviços contrata outra empresa, também conhecida como prestadora de serviços, para exercer atividades que anteriormente faria, podendo até ser contratada sua atividade-fim, contanto que não haja pessoalidade e/ou subordinação da empresa tomadora em relação aos prestadores de serviços terceirizados.
Argumenta-se que esse modelo de trabalho proporciona a desconcentração das atividades, ajudando a empresa a focar em segmentos específicos, diante da possibilidade de delegar algumas funções. Ademais, cabe destacar que tais atitudes possibilitam melhorias na gestão, podendo haver mais agilidade e maior qualidade nos serviços efetuados, visto que há uma maior especialização e gerenciamento em cada área de trabalho, colaborando com uma maior lucratividade.
Em contrapartida, é imprescindível atentar-se às possíveis consequências aos trabalhadores terceirizados. Na prática, é notável a dificuldade de identificação do real empregador, até porque, muitas vezes a terceirização é ilícita, sendo esse um meio de grandes empresas fraudarem, desrespeitando normas trabalhistas. Outrossim, a terceirização de produtos e serviços atuam negativamente para a integração social do trabalhador. Isso porque ele não tem vínculo com a empresa que prestará serviços, sendo comum o ambiente de trabalho ser precário, perceber ínfimos salários e ser rara a possibilidade de interação entre colegas de trabalho, além de haver maior rotatividade.
Ressalta-se ainda a indispensável atenção que uma tomadora de serviços deve prestar antes de terceirizar suas atividades. É aconselhável um estudo anterior sobre o histórico da empresa a qual contratará, averiguando-se sua reputação, até porque a empresa que terceiriza responde subsidiariamente às obrigações trabalhistas, conforme a Lei 6.019/74, em seu art. 5º – A, § 5º, incluso de acordo com a Lei 13.467/17:
“Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017).
[…]
A responsabilização subsidiária mostra-se fundamental para a tutela do Princípio da Proteção no âmbito trabalhista, princípio valioso para a defesa do empregado hipossuficiente, que se encontra em condição de desvantagem em relação ao empregador, seja ele o tomador de serviços ou a empresa terceirizada.
Desse modo, pressupõe-se que a responsabilidade subsidiária foi adotada pelo legislador justamente para evitar a exploração da mão de obra trabalhadora. Assim, basta que a terceirizada não cumpra seus deveres trabalhistas para que o contratante tenha que arcar com esses créditos. Salienta-se ainda que para isso é necessário o conhecimento de quem é o tomador de serviços, informação essa muitas vezes ocultada pelas terceirizadas em relação a classe trabalhadora.
Desta feita, repara-se que por diversas vezes a terceirização serve de meio para o empresariado fraudar normas trabalhistas. Um exemplo de ramo com recorrentes descobertas de empresas tomadoras de serviço “famosas” que terceirizam suas fabricações e que essas terceirizadas não oferecem condições mínimas de trabalho é a indústria têxtil.
A indústria da moda aproveitou-se da terceirização para focar no processo criativo, promover sua marca e comercializar seus produtos. A confecção é delegada a outras empresas que se utilizam de empregados carentes que laboram em situações extremas, muitas vezes nas próprias casas as quais o empregador os mantém. Esses cômodos possuem pouca iluminação e não tem o mínimo de condições para a execução do trabalho, além de serem pequenos e dividirem com outras famílias. Destaca-se ainda que não raramente, quando esses trabalhadores são resgatados, nota-se que seus filhos, crianças e/ou adolescentes, também eram vítimas dessa exploração.
3 Monetização dos Riscos
A monetização do risco é justamente o ato do empregador pagar ao empregado um valor adicional em razão do trabalho em função perigosa, insalubre ou penosa à sua saúde, ou simplesmente colocar seu lucro acima da importância da execução de atividades com segurança. Almejava o legislador impor adicionais diante das referidas situações visando preservar o laborador, com o intuito de penalizar a classe empregadora que não protege adequadamente o ambiente de trabalho.
Contudo, na prática, é perceptível empregadores aproveitando-se da situação e calculando o quanto custaria correr o risco de seus funcionários eventualmente sofrerem acidentes e/ou doenças ocupacionais. E a realidade brasileira mostra que é mais vantajoso pecuniariamente aos empresários correrem o risco de seus empregados sofrerem alguma lesão em sua saúde.
Sobre o tema, leciona Sílvia Gabriele Corrêia Tavares (2014) que os adicionais pagos se tornaram bem menos custosos do que tornar o ambiente de trabalho em conformidade com as normas trabalhistas, dispondo condições mínimas de dignidade.
Nota-se dessa forma a real preocupação com o tema. Cabe ressaltar a necessidade de condutas seguras e saudáveis no trabalho, sendo essas dever do empregador. Atrelado a isso destaca-se o erro na mentalidade de diversos empregados brasileiros que buscam adicionais a todo custo (tal atitude está correta caso seja devido). Entretanto, o foco de sindicatos e funcionários deveria ser a erradicação de tais riscos, ou sua máxima redução, pressionando as empresas a adotarem as mudanças necessárias.
4 Estudo de Casos Nacionais
Diante das presentes informações sobre a importância de um ambiente de trabalho adequado, devendo ser seguro, saudável e decente, constata-se que essas características estão diretamente vinculadas a qualidade de vida dos laboradores.
Nessa senda, torna-se difícil evitar a reflexão sobre ser ou não usuário de produtos advindos da exploração de mão de obra humana. No Brasil, há diversas empresas que já foram autuadas por más condições de trabalho, seja em seu próprio ambiente laboral, ou em suas terceirizadas, tais quais: a Zara; a Renner; a Brasil Foods, dona da Perdigão, Elegê, Sadia e Batavo; a rede das Lojas Pernambucanas; M. Officer; Coca-Cola e Animale, dentre outras. A respeito delas, realça-se os seguintes casos.
4.1 Coca-Cola
A Spal Indústria Brasileira de Bebidas S.A., responsável pela fabricação e distribuição de grande parte da Cola-Cola no Brasil, começou a ser investigada diante da quantidade de demandas judiciais a respeito de irregularidades trabalhistas entre 2013 e 2014. Ainda, analisando processos contra a empresa, acredita-se que ela seria conivente com jornadas de trabalho exaustivas, ressaltando-se neste quesito que, como abordado anteriormente, o labor exaustivo é um dos requisitos para o trabalho análogo ao de escravo, como foi observado no caput do art. 149 do Código Penal Brasileiro (CAMPOS, 2016).
Perante o histórico de processos da Spal Indústria Brasileira de Bebidas S.A., foi realizada uma fiscalização nos locais de distribuição de produtos da marca e de acordo com a Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina – FECESC (2016): “[…] identificou 179 caminhoneiros e ajudantes de entrega sistematicamente submetidos a jornadas exaustivas que configuram, segundo os auditores responsáveis pela ação, condições análogas às de escravo”.
Tal operação foi realizada nos anos de 2015 e 2016 e foi averiguada grandes quantidades de hora extra, sendo esta prejudicial à saúde dos funcionários que não tinham condições de descansar. Pontua-se assim que o perigo não é apenas ao trabalhador e sua família, mas também à sociedade, pois esses funcionários da distribuição em sua maioria são caminhoneiros.
Enfatiza-se ainda situações extremas desse ambiente de trabalho, a exemplo de uma média de 140 horas extras mensais. Para que essa média seja possível, é preciso que o laborador trabalhe cerca de 14 horas por dia, usufruindo de 1 dia de descanso por semana, o qual não é suficiente para repor as energias, muito menos para que haja um saudável convívio familiar e social.
Há também relatos de desrespeito ao intervalo interjornada em que um motorista afirma ter encerrado trabalho às 0:30h, chegando em casa às 2h e tendo seu próximo turno às 6:30h. Segundo auditores do trabalho, ele teria dito que nem dormiu, apenas comeu e assistiu televisão, pois se dormisse não conseguiria acordar para o labor (CAMARGOS, 2018). Diante de tal prática ilícita, a Spal foi multada pelo Governo Federal segundo André Campos (2016). Dessa forma, não surpreende que funcionários dessa empresa regularmente busquem seus direitos na justiça.
Por fim, a Spal afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que segue seu acordo coletivo, informou ter ajustado as operações relacionadas aos caminhoneiros e negou o uso de mão de obra análoga a de escravo (CAMARGOS, 2018).
4.2 Animale
Conhecida como uma marca refinada e de luxo, costumeiramente com celebridades como garota-propaganda e estando presente nos melhores centros comerciais do País, a Animale vende cerca de 800 mil peças por ano e possui uma média de meio bilhão de faturamento anual (LAPORTA, 2017). Cabe destacar que a grife faz parte do grupo Soma, também possuidor de marcas renomadas como a Farm, A. Brand, FYI, Fábula, Cris Barros, Maria Filó, Off Premium e Foxton.
Contudo, apesar de todo o glamour atrelado às marcas do grupo Soma, fiscais do trabalho encontraram imigrantes bolivianos costurando peças da Animale e A. Brand em modo análogo ao de escravo. Segundo Laporta (2017), foi constatado que esses funcionários laboravam mais de 12 horas ao dia, percebendo uma média de R$ 5,00 (cinco reais) por peça que posteriormente era vendida por cerca de R$ 700,00 (setecentos reais) nas lojas.
Salienta-se a afirmação dos trabalhadores de que algumas peças demoram cerca de uma manhã inteira para serem fabricadas e que o ambiente de trabalho não era salubre. Isso porque apesar da longa e exaustiva jornada de trabalho praticada, segundo Locatelli (2017), o ambiente de trabalho era improvisado, sendo o mesmo espaço em que os trabalhadores e seus filhos moravam. Repara-se que o espaço era pequeno, fazendo com que as roupas fossem guardadas no chão; não havia água potável em nenhuma instalação fiscalizada; os botijões de gás localizavam-se no mesmo espaço que a oficina, possibilitando dessa forma o risco de incêndio em razão da grande quantidade de tecidos no pequeno espaço em que as peças eram fabricadas. Ademais, foi observado que as máquinas de costura eram posicionadas ao lado da cama, incentivando ainda mais a jornada extraordinária.
Ainda de acordo com o mesmo autor, na fiscalização realizada pela equipe da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo, com o auxílio de auditores da Receita Federal, foi constatado o uso de mão de obra análoga a de escravo em razão das péssimas condições de trabalho ofertadas.
Diante dos fatos, a Animale e a A. Brand afirmaram não pactuar com o uso de trabalho análogo ao de escravo na produção de seus produtos e que seus fornecedores assinam contratos comprometendo-se a não utilizar de tal mão de obra. As grifes ainda afirmaram ter prestado ajuda humanitária aos profissionais encontrados, além de lamentarem estarem sendo associadas a tais práticas ilícitas. Por fim, asseguram estarem tomando medidas necessárias para que haja uma melhor fiscalização de sua cadeia produtiva.
Em contrapartida, destaca-se que o auditor fiscal Luís Alexandre de Faria não acredita na possibilidade das marcas não terem ciência das condições de trabalho as quais seus produtos eram fabricados. Ele afirma que as grifes determinavam detalhes da produção e de seus prazos de entrega, além disso, ressalta que eles não podem simplesmente não saber as condições em que seu produto principal é produzido. Alega ainda que a preocupação com o ser humano que produz seu produto não pode ter menor importância que a imagem da marca, ou qualidade dos produtos (LOCATELLI, 2017). Tal lógica é concordante com a ideia abordada anteriormente de que não se pode simplesmente terceirizar a atividade principal e não se preocupar com o modo como seus produtos são fabricados.
Conclusão
O estudo teve como objetivo a reflexão sobre as formas de labor na sociedade contemporânea, em específico uma análise sobre o trabalho análogo ao de escravo no Brasil. Esse tipo de mão de obra apesar de ser proibida ainda persiste no território brasileiro, possuindo até padrões de vítimas.
Nesse sentido, mostra-se interessante destacar a terceirização, visto que é possível empresas terceirizarem até suas atividades principais. Todavia é preciso atenção das tomadoras de serviços pois sua imagem ficará relacionada a prestadora de serviços, como ocorre nos exemplos destacados da Coca-Cola e Animale. Essas renomadas empresas terceirizam suas atividades principais e tiveram seus nomes associados ao uso de trabalho análogo ao de escravo em sua distribuição e confecção respectivamente.
Isso posto, é preciso conscientização e atitudes ativas da sociedade buscando medidas para erradicar de vez essa nova modalidade de trabalho escravo no Brasil. Necessita-se que entidades e órgãos influenciem profissionais mais qualificados a dar preferência a empresas conhecidas por possuir uma ótima política de funcionamento.
Referências Bibliográficas
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