Beatriz Caputo Weiss Xavier
Resumo:
O presente artigo tem como objetivo fazer uma análise sobre o desenvolvimento do trabalho infantil no Brasil, e no mundo, incluindo tal tema como um verdadeiro problema social. Esta abordagem terá como referência a legislação nacional, internacional, e entendimentos jurisprudenciais, na busca de compreender e questionar as situações que envolvem a matéria.
Será abordado de forma geral o tema de trabalho infantil, tomando por base a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e Tratados e Convenções Internacionais, de maneira compreender as crianças e adolescentes como indivíduos em desenvolvimento e sujeitos de direitos.
Além de avaliar situações que possam contribuir para a erradicação da exploração infantil, e uma possível regulamentação das normas para que exista um compromisso verdadeiro em assegurar a tutela dos direitos sociais fundamentais aos menores. Sendo de responsabilidade do Estado e da sociedade como um todo garantir os direitos das crianças e adolescentes, e regulamentá-los enquanto trabalhadores, para que não haja prejuízo a sua formação individual e intelectual ao exercer tais funções.
Palavras-chave: TRABALHO. CRIANÇA. LEGISLAÇÃO. EXPLORAÇÃO. PROTEÇÃO.
Abstract:
The present work aims to analyze the development of child labor in Brazil, and in the world, including this theme as a true social problem. This approach will have as reference the national, international, and jurisprudential understandings, in the search to understand and question the situations that involve the matter.
The theme of child labor, based on the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988 (CRFB / 1988), the Consolidation of Labor Laws (CLT), the Child and Adolescent Statute (ECA) and Treaties and conventions in order to understand children and adolescents as developing individuals and subjects of rights.
In addition to assessing situations that may contribute to the eradication of child exploitation, and a possible regulation of norms so that there is a real commitment to ensure the protection of fundamental social rights for minors. It is the responsibility of the State and of society as a whole to guarantee the rights of children and adolescents, and to regulate them as workers, so that their individual and intellectual training can not be prejudiced in the exercise of such functions.
Keywords: WORK. KID. LEGISLATION. EXPLORATION. PROTECTION.
Sumário: Introdução. 1. A evolução do trabalho infantil. 1.1. Conceito de trabalho. 1.2. O trabalho infantil. 1.3. A evolução histórica do trabalho infantil. 1.4. Garantias sociais e a Justiça do Trabalho. 2. Da problemática do trabalho infantil e o ECA. 2.1. O Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.2. Os mitos que mascaram o trabalho infantil. 2.3. O trabalho na condição de aprendiz. 3. Fundamentos jurídicos de combate ao trabalho infantil. 3.1. Legislação no âmbito internacional. 3.2. Legislação no âmbito nacional. 4. O combate ao trabalho infantil no Brasil. 4.1. Por que ainda existe trabalho infantil em pleno século XXI? 4.2. Políticas públicas para erradicação do trabalho infantil, socialização e cidadania. Conclusão. Referências. Anexos.
Introdução
O trabalho infantil é um assunto de grande relevância no contexto atual, tem sido tratado ao longo do tempo, junto com a exploração, como um problema social, econômico e político no Brasil, ao qual o Estado e a sociedade são, de certo, responsáveis e vêm buscando sua erradicação por meio do sancionamento de leis.
Diretamente ligado à educação e aos programas sociais dos últimos governos no país, o trabalho infantil é um problema frequente e crescente em nosso país, que tem sido cada vez mais exposto, de modo que permita a consciência do dano psicológico e social causado aos menores trabalhadores, visando uma melhora nesta situação para um futuro próximo.
A educação, é uma das principais aliadas para o fim da exploração do trabalho de menores, tendo em vista que com o aumento do nível de escolaridade da população, mais difícil se torna a inserção precoce dessas crianças e adolescentes no mercado de trabalho. Portanto, percebe-se que com o aumento do nível educacional, ocorrerá uma superação da triste realidade do trabalho infantil no Brasil.
O presente trabalho, estruturado em quatro capítulos, abordará o tema de maneira mais detalhada e profunda. O primeiro capítulo aborda a evolução do trabalho infantil, por meio do conceito de trabalho, e o trabalho infantil, como é permitido na legislação, além de sua evolução histórica, as garantias sociais e a atuação da Justiça do Trabalho.
No segundo capítulo, será abordada a problemática do trabalho infantil, em congruência com o Estatuto da Criança e do Adolescente, os mitos que cerceiam o trabalho infantil, e o trabalho na condição de aprendiz. No capítulo seguinte, veremos os fundamentos jurídicos do combate ao trabalho infantil, a legislação no âmbito internacional, nacional e jurisprudências.
No último capítulo, serão demonstradas as formas de combate ao trabalho infantil no Brasil, com respostas a indagação de porque ainda existe trabalho infantil em pleno século XXI, e as políticas públicas para erradicação do problema social, socialização e cidadania.
1. A evolução do trabalho infantil
1.1. O conceito e trabalho
Seguindo o conceito de trabalho dentro do aspecto social, feito por Martins Filho (2002, p. 3): “O trabalho pode ser definido como toda ação humana realizada com dispêndio de energia física ou mental, acompanhada ou não de auxílio instrumental, dirigida a um fim determinado, que produz efeitos no próprio agente que a realiza, a par de contribuir para transformar o mundo em que se vive.”
Considerando os estudos e definições sobre o conceito de trabalho a partir da concepção jurídica, entende-se que a expressão “trabalho” diz respeito a aplicação da força humana, física ou intelectual, para alcançar determinada tarefa, serviço ou empreendimento. Ao se dizer trabalho, refere-se ao gênero, do qual emprego, trabalho autônomo e trabalho eventual, são espécies; essas e outras tantas formas de prestação de trabalho existentes no nosso Ordenamento Jurídico. E ainda complementa, que trabalho, se refere as relações jurídicas e sociais com prestações, em uma obrigação de fazer, consubstanciada em labor humano. (GODINHO, 2016, p. 295)
No que tange a Justiça do Trabalho, parafraseando Fernando Gama de Miranda Netto (2016), temos que, em cada país a Justiça do Trabalho surgiu em um momento diferente e nem sempre ela permaneceu ao Poder Judiciário. No Brasil, a Justiça do Trabalho se instaurou em 1941, no dia 1º de Maio (quando passou a ser reconhecido o Dia do Trabalho), com o objetivo de solucionar conflitos das relações trabalhistas.
1.2 O trabalho infantil
O trabalho infantil se tornou um verdadeiro problema social, econômico e político na sociedade em que vivemos, tendo em vista que surgiu e se mantém em virtude da ignorância, pobreza, miséria e subdesenvolvimento. Crianças entre 5 e 17 anos trabalham, muitas vezes como se adultos fossem tendo seu desenvolvimento prejudicado e sua infância deixada de lado em detrimento às necessidades de subsistência pessoal e de suas famílias.
É considerado trabalho infantil aquele realizado por menores de dezoito anos, como prevê nossa Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em seu artigo 402, caput: “Considera-se menor para os efeitos desta Consolidação o trabalhador de quatorze até dezoito anos”. Cumpre ressaltar que a EC nº 20/98 elevou a idade mínima para o trabalho de 14 anos para 16, sendo permitido o trabalho para os adolescentes entre 14 e 16 anos apenas na condição de aprendizes. A CLT é bem clara no que tange a condição de aprendiz, que é permitida aos adolescentes maiores de 14 anos, possui suas regulamentações específicas e bem rígidas, como veremos adiante neste trabalho. Prevista na CLT no caput e parágrafo único do artigo 403: “É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. Parágrafo único. O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola.”
Contudo nem toda forma de trabalho do menor é ilegal, tendo em vista que há a regulamentação do trabalho do menor de dezoito anos e maior de dezesseis, bem como do trabalho do aprendiz, maior de quatorze anos. Sempre regulamentadas pelo legislador, tendo em vista a preocupação do estado com a integridade física e moral do menor, criou-se por exemplo, a proibição do trabalho noturno, do trabalho em locais perigosos e insalubres ou mesmo aqueles prejudiciais à moralidade do menor, como especificou nos artigos 404 e 405 da mesma Consolidação.
Como determina a letra da lei (CLT): “Art. 404. Ao menor de 18 (dezoito) anos é vedado o trabalho noturno, considerado este o que for executado no período compreendido entre as 22 (vinte e duas) e as 5 (cinco) horas.
Art. 405. Ao menor não será permitido o trabalho:
Parafraseando Ricardo Tadeu da Fonseca (2015, p. 78), a combinação de esforços entre a família, o Estado e a sociedade e a absoluta prioridade que se confere aos direitos em questão traçam, de forma indelével, a proeminência dos direitos à profissionalização com relação aos adolescentes de 14 a 18 anos, os quais podem ativar-se profissionalmente em condições restritas de trabalho. Respeitando as exceções especificadas na lei, os menores em nenhuma hipótese poderão exercer qualquer trabalho que atente contra à saúde, o desenvolvimento físico, mental ou moral desses cidadãos.
Além do que, podemos concluir, a partir da análise dos artigos supracitados, que a CLT permite a autorização judicial para o trabalho, ainda que em idades inferiores à mínima (16 anos), independente de aprendizagem, desde que o trabalho a ser realizado seja indispensável para a própria subsistência, ou de sua família. Apenas não pode trazer nenhum prejuízo a sua formação moral. Portanto, o trabalho artístico pode ser adequado nestes termos, como foi trazido na Convenção 138 da OIT, necessitando de autorização, excepcional e individual do magistrado, demonstrada a não intenção de exploração do trabalho do menor por parte dos responsáveis. Grande parta da crítica, vem exatamente para essa possível exploração, decorrente das condições de vulnerabilidade e hipossuficiência do menor, e por vezes ocorre também por parte do empregador. (FONSECA, 2015, p. 79)
1.3 Evolução histórica do trabalho infantil
A preocupação com o trabalho do menor vem desde os tempos mais primórdios, na época das Corporações de Ofício, em que crianças e adolescentes atuavam como assistentes para se aperfeiçoarem naquele ofício. E se seguiu com a Revolução Industrial, no século XVIII, época na qual o menor ficou completamente desprotegido, trabalhando horas excessivas, inclusive em locais perigosos e insalubres, como minas em subsolos. Como veremos em uma análise da Europa na época.
Iniciou-se então, na Europa, nessa mesma época, um movimento para garantir os direitos trabalhistas aos menores: na Inglaterra ficou estabelecido que a jornada não ultrapassasse 12 horas diárias; o governo francês garantiu-se que os menores não poderiam trabalhar em minas, e passou a ser vedado o trabalho aos menores de 8 anos, além da determinação que os menores de 12 anos só poderiam trabalhar por jornadas de até 8 horas por dia; os alemães, um pouco mais tarde, ficou vedado o trabalho aos menores de 12 anos e na Itália para os menores de 9 anos.
No Brasil, iniciou-se de maneira distinta a proibição do trabalho do menor, tendo como base o olhar de Josiane Rose Petry Veronese e André Vianna Custódio (2007), as embarcações portuguesas trouxeram crianças como trabalhadores escravos para o Brasil, durante o período de colonização. Com a intervenção dos padres jesuítas, ficou resguardado o direito de estudo à essas crianças, porém ainda eram exploradas, exercendo trabalhos braçais, sem remuneração.
Segundo José Roberto Dantas Oliva (2006), “os filhos dos nobres estudavam e os filhos dos escravos trabalhavam, e tudo era encarado com naturalidade, a exploração do trabalho infantil não era regulamentada, muito menos entendida como ilegal.”
Nesse sentido, a legislação começou a se modificar por influência europeia, a partir do século XIX, como podemos observar uma análise temporal linear nas palavras de Sergio Pinto Martins (1998. p. 488): “O Decreto nº 16.300/23, estabeleceu que era vedado o trabalho do menor de 18 anos por mais de seis horas em 24 horas. Em 12-10-27, foi aprovado o Código de Menores pelo Decreto nº 17.943-A, vedando o trabalho dos menores de 12 anos e o trabalho noturno aos menores de 18 anos.
A Constituição de 1934 proibia a diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade (art. 121, §1º, a). Era vedado o trabalho a menores de 14 anos, o trabalho noturno a menores de 16 anos, e em indústrias insalubres a menores de 18 anos (art. 121, §1º, d). Falava-se, ainda, de maneira genérica, nos serviços de amparo à infância (art. 121, §3º).
Vedava a Constituição de 1937 o trabalho a menores de 14 anos, o trabalho noturno a menores de 16 anos, e em indústrias insalubres a menores de 18 anos (art.137, k).
Em 1943, foi consolidada a legislação esparsa existente na época, dando origem à CLT, nos arts.402 a 441.
A Constituição de 1946 estabelecia a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade (art.157, II). O trabalho do menor era proibido aos 14 anos e em indústrias insalubres a menores de 18 anos, ocorrendo o mesmo quanto ao trabalho noturno (art.157, IX).”
Surgiu então nova Constituição, em 1967, que reduziu o limite de idade para o trabalho de 14 para 12 anos, permitindo que crianças trabalhassem ainda em idade escolar. O que deve ser discutido com base na realidade da sociedade brasileira, sendo considerado que tal medida abriu ensejo a novas situações nocivas à formação desses menores, como podemos observar até os dias atuais.
Antes da nossa atual legislação vigente, ainda tivemos o chamado Código de Menores, Lei 6.697/79, que nada especificou sobre o trabalho infantil, determinando em seu artigo 83, que a proteção do trabalho do menor seria regulamentada por legislação específica, o que se consolidou apenas pela Lei do Aprendiz (Decreto nº 5.598/2005), a julgar não ser suficiente para a realidade vivenciada pela sociedade brasileira.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, ficou proibida a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão em razão da idade (artigo 7º, XXX). Vedou também o trabalho noturno, perigoso ou insalubre para os menores de 18 anos, proibiu qualquer forma de trabalho aos menores de 16 anos, salvo se na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos de idade (art. 7º, XXXIII, acrescido das alterações realizadas pela EC20/98). (MARTINS, 1998, p. 490)
Temos então que em 1990, ocorreu a promulgação da Lei 8.069, o chamado Estatuto da Criança e do Adolescente, vigente até os dias atuais, com a intenção de regulamentar dos menores, além de garantir seus direitos, assegurando uma infância e adolescência dignas, de qualidade e respeitando a vulnerabilidades desses seres em desenvolvimento.
1.4 Garantias sociais e a Justiça do Trabalho
As garantias sociais asseguradas às crianças e adolescentes brasileiros, se dão por meio de leis, como nossa Lei Maior (CRFB/88), a CLT e o ECA, visando proteger de diversas formas esses menores, além de programas sociais determinados pelo Governo Brasileiro. Analisando nossa legislação, para garantir aos menores saúde, bem-estar, educação, lazer, desenvolvimento físico, psíquico e moral, como prevê também a Constituição Federal, em congruência com o ECA.
A doutrina brasileira, atualmente, entende as crianças e adolescentes como cidadãos plenos, sujeitos de direitos e obrigações a quem o Estado, a família e a sociedade devem atender prioritariamente. Criaram-se então os Conselhos Nacional, Estadual e Municipal, justamente para implementar a ação paritária entre o Estado e a sociedade na fixação das políticas de atendimentos aos pequenos cidadãos. (FONSECA, 2015)
No que tange ao trabalho do menor, temos que essas garantias estão no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), a partir de seu artigo 60, especificamente. E na CLT, iniciando no artigo 402 e seguintes, em ambos visando preservar as crianças e adolescentes trabalhadores.
Ademais, em destaque sobre as normas constitucionais, como observa Ricardo Tadeu da Fonseca (2015), no inciso XXX do art. 7º de nossa Carta Magna de 1988, está a proibição da diferença de salários por idade, ou seja, sem discriminação de idade nas relações de trabalho, antes não especificado em lei, e não há que se falar mais em programas assistenciais que se moldem em condições diferenciadas de trabalho em razão da idade. Ressalta-se também o artigo 227, §3º, incisos I e III, ainda da Constituição Federal, que determina a proteção especial, que será direito inclusive dos adolescentes a partir dos 14 anos, observando a idade mínima para admissão ao trabalho; tampouco o inciso III, acrescido pela EC nº 65 de 2010, que garantiu acesso à escola ao trabalhador adolescente.
Quanto a competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar os conflitos na esfera trabalhista, e caberá também a esta o julgamento acerca do trabalho infantil e sua coibição. Será dever do Juiz do Trabalho atuar pela proteção dos menores trabalhadores, buscar uma interação com as Varas da Infância e da Juventude, na justiça comum, e também com a Assistência Social para resolver os conflitos acerca da exploração do trabalho infantil. (FAVA, 2015)
2. DA PROBLEMÁTICA DO TRABALHO INFANTIL E O ECA
2.1 O Estatuto da Criança e do Adolescente
Até chegarmos a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tivemos uma longa trajetória, desde a época colonial. Um marco muito importante ocorreu em 1927, com o surgimento do primeiro Código de Menores, que desencadeou uma maior regulamentação dos direitos infanto-juvenis. Então, em 1989, o Brasil participou da Convenção sobre Direitos da Criança e se tornou signatário de um tratado aprovado neste mesmo evento pela ONU, e em 1990, o tratado foi ratificado e criou-se a Lei 8.069/1990, o ECA.
O ECA, traz em seu artigo 4º, caput, o dever das famílias, do Estado e da sociedade em geral para garantir e assegurar os direitos dos menores, prioritariamente, “à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” O que mostra a real intenção do legislador ao regulamentar tal estatuto, que busca garantir os direitos e a proteção das pessoas em desenvolvimento, ou seja, crianças e adolescentes.
Cristovam Buarque (2015) retrata em suas palavras a realidade do trabalho infantil no Brasil, diferente de como deveria ser, remetendo ao desrespeito às normas previstas no ECA: “No Brasil, há milhões de crianças sem nenhuma esperança de futuro, que têm seus direitos desrespeitados justamente por aqueles que deveriam garanti-los. São vítimas do trabalho infantil. A sociedade que deveria protegê-las é a mesma que tolera o trabalho precoce, pois parte do equívoco de que assim elas são mantidas a salvo da vadiagem, da droga, dos perigos da rua. Em vez de garantir seus direitos, admite a exploração de seu trabalho, muitas vezes em situações de violência e risco, pois considera inevitável que elas contribuíam com a renda de suas famílias.”
A Lei 8.069/90, começa a tratar do trabalho infantil em seu Capítulo V, “Do Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho”, artigo 60 e seguintes. O artigo 60 determina a idade mínima para se ingressar no mercado de trabalho aos 14 anos de idade, em desconformidade com a CRFB/88 e a CLT vigente, e encontra-se revogado pela EC20/98. Portanto, o adolescente entre 14 e 16 anos pode trabalhar apenas na condição de aprendiz, e nenhum adolescente poderá trabalhar no turno da noite, em local perigoso, insalubre ou executar trabalhos penosos, também não pode trabalhar em locais prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento psíquico, físico, moral ou social, além de sempre respeitar a frequência escolar obrigatória, como determina o artigo 67.
José Oliva (2015) ressalta a necessidade de um progressivo aumento da idade mínima para o trabalho, fundamentado inicialmente no ensino obrigatório, que inclui o Ensino Médio, sendo a idade para o término, 17 anos de idade, ou seja, o adolescente de 17 anos está obrigado pela Constituição Federal (art. 208, I) a frequentar a escola. O autor ainda complementa com a pergunta: “Qual é, porém, a base normativa para a elevação da idade mínima?”, e justifica sua própria indagação com base na Convenção nº 138 da OIT, com status supra legal ou constitucional (a depender da doutrina adotada), que almeja a abolição do trabalho infantil e pretende assegurar que o jovem tenha um nível adequado quanto ao desenvolvimento físico e mental para que possa ingressar no mercado de trabalho. Portanto, conclui que o trabalho deveria ser proibido antes da idade de conclusão da escolaridade obrigatória, de modo que nenhum menor de 18 anos poderia se empregar legalmente, apenas na condição de aprendiz.
2.2 Os mitos que mascaram o trabalho infantil
Muitos mitos cercam a realidade do trabalho infantil no Brasil, tendo em vista a ignorância de parte da população, combinada com a falta de zelo e desrespeito à legislação do país. Muitas indústrias empregam crianças e adolescentes, sem respeitar os direitos e garantias assegurados pela lei, e muitas vezes para explorar uma mão de obra barata, não qualificada e vulnerável. Pelas palavras de Kátia Arruda (2015, p. 108): “Existe no Brasil um grande número de jovens mutilados pelo trabalho irregular. Entre 2007 e 2011, o Ministério da Saúde registrou 5.353 casos graves de acidentes, quase três por dia. Segundo a pesquisa ‘Perfil do trabalho decente no Brasil’, morre 1 criança por mês em acidentes relacionados ao trabalho.”
Contudo, o trabalho infantil pode aparecer de diversas formas no nosso cotidiano, e muitas vezes a sociedade, como um todo, fecha os olhos e não enxerga da forma como realmente ocorre a exploração do trabalho de crianças e adolescentes, simplesmente por não entenderem determinadas condutas como trabalho de fato. Ivan Capelatto (2015) descreve da forma mais clara ao dizer “Quando falo em trabalho infantil, não falo só daquelas crianças que estão na usina ou lá na indústria, falo também das que estão se prostituindo e se ligando ao tráfico.”
Temos como um dos maiores exemplos de trabalho infantil, ainda que legal, por funcionar apenas com autorização judicial, o trabalho artístico. Diariamente assistimos crianças e adolescentes nas telas das televisões, sem perceber que estão exercendo um trabalho, com vínculo empregatício, contrato e remuneração. Bem como os atletas mirins, que sofrem com as rotinas exaustivas de treinos, sem aproveitar sua infância ou se dedicar a escola como deveriam, em tempo integral.
Cumpre ressaltar também as formas de trabalho ilegais, para qualquer ser humano, por se tratar de crime: o tráfico de drogas. Utilizando ainda os termos de Ivan Capelatto (2015), “muitos meninos e meninas hoje são levados a ser ‘aviõezinhos’ do tráfico”, ou seja, crianças e adolescentes, envolvidas em crimes equiparados a hediondos, manipulados para exercer atos ilegais e criminalmente típicos, pois caso sejam “presos”, não respondem criminalmente como adultos.
Outra forma de trabalho infantil, infelizmente, comum na sociedade brasileira, é a prostituição, que apesar de não ser tipificada como crime, se trata de trabalho prejudicial a formação física, psíquica e moral das crianças e adolescentes, que iniciam uma vida sexual muito jovens, muitas vezes até exploradas e “agenciadas” pelas próprias famílias. O que vai de encontro às normas estabelecidas pela Constituição Federal e pelo ECA.
2.3 O trabalho na condição de aprendiz
O direito à profissionalização é de todos os cidadãos brasileiros (adultos ou adolescentes) e pode se manifestar de diversas formas ao longo da vida profissional de um indivíduo. Como descreveu Ricardo Tadeu da Fonseca, o estágio profissionalizante para jovens do ensino médio, escolas técnicas ou ensino superior, bem como para pessoas com deficiência matriculadas em escolas especiais; os cursos de reciclagem profissional e pós-graduação como especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado; o contrato de trabalho educativo realizado no interior de organizações não governamentais sem fins lucrativos; e o contrato de aprendizagem.
A condição de aprendiz outrora já regulamentada pela Constituição Federal (art. 227), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.096/90), pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/94), e foi acrescida a CLT no final do ano de 2000. A aprendizagem, atualmente, é possível para jovens de 14 a 24 anos e pessoas com deficiência, independentemente da idade.
Tangente à obrigatoriedade da frequência escolar, sendo esta uma condição para que se estabeleça o trabalho de aprendiz, caso o adolescente ainda não tenha terminado o Ensino Médio, em exceção a esta regra, o caso de não ser ofertado Ensino Médio nas localidades em que reside o adolescente. Segundo Ricardo Tadeu: “O direito à educação constitui-se como direito fundamental e absolutamente prioritário (artigos. 6º e 227 da CF). Logo, é inadmissível a contratação de aprendizes sem a correspondente escolaridade inerente à condição de adolescente.
Sobre a Consolidação das Leis Trabalhistas, temos em seu artigo 428, os parâmetros do contrato de aprendizagem, se tratando de um contrato especial em relação aos demais contratos de trabalho, deverá ser obrigatoriamente escrito, com prazo máximo de dois anos, além de especificar a orientação durante a formação técnico-profissional do jovem. Serão garantidos aos aprendizes todos os direitos trabalhistas e previdenciários. Nas palavras de Ricardo Tadeu (2015). “O contrato de aprendizagem deve, necessariamente, estabelecer uma relação triangular entre o aprendiz, a empresa e a entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica.”
Completando com o trecho de Cristovam Buarque (2015): “É certo que, a partir de certa idade, o processo educacional pode ser a soma de escola com atividades de treinamento, até com atividades remuneradas, mas somente – repito – a partir de certa idade, e desde que esse trabalho esteja combinado com a escola. Sem escola, o puro e simples trabalho de uma criança é uma forma de escravidão.”
Em seu artigo 429, o legislador ainda especificou na CLT que obrigatoriamente 15% do total dos empregados com formação profissional sejam aprendizes, a ser cumprida em todos os estabelecimentos das empresas. Apenas não estando sujeitas a essa regra as funções de nível superior, técnico ou de confiança, em conformidade com os artigos 62 c/c 224 da CLT.
Com previsão no ECA, em seu artigo 68, o trabalho educativo, também é uma das formas de profissionalização do adolescente, e deve acontecer apenas em entidades não governamentais sem fins lucrativos, além de ter cunho educativo sobre o labor.
3 FUNDAMENTOS JURÍDICOS DE COMBATE AO TRABALHO INFANTIL
3.1 Legislação no âmbito internacional
A Organização Mundial do Trabalho (OIT), surgiu a partir da Conferência da Paz, pelo Tratado de Versalhes, em 1919. Está ligada diretamente à ONU, e é o principal órgão internacional no que tange as questões trabalhistas e consequentemente ao trabalho infantil. O órgão realiza Convenções internacionais entre diversos países, como objetivo de assegurar a paz mundial e garantir direitos aos indivíduos.
Podemos citar as principais convenções no que tange o trabalho do menor: “Convenção 05: estabeleceu 14 anos como idade mínima para admissão nas indústrias.
Convenção 06: proibiu o trabalho noturno nas indústrias aos menores de 18 anos.
Convenção 07: fixou a idade mínima para admissão no trabalho marítimo em 14 anos.
Convenção 10: estabeleceu a idade mínima de 14 anos para trabalhar na agricultura.
Convenção 13: proibiu o trabalho do menor de 18 anos em serviços de pintura industrial, onde se utilize a alvaiade, o sulfato de chumbo ou qualquer produto que contenha esses elementos.
Convenção 15: vedou o trabalho de menores de 18 anos nas funções de paioleiro ou foguista.
Convenção 16: estabeleceu obrigatoriedade de exames médicos dos menores de 18 anos antes do ingresso em empregos ma marinha mercante.
Convenção 24: criou o seguro enfermidade aos trabalhadores das indústrias, do comércio e no serviço doméstico, estendendo aos aprendizes.
Convenção 33: consagrou a idade mínima de 14 anos para o início em trabalhos não industriais.
Convenção 38: estabeleceu os benefícios do seguro-invalidez para os menores agricultores.
Convenção 39: garantiu o seguro por morte aos menores na indústria.
Convenção 58: revisou a convenção nº07 e determinou a idade mínima para o trabalho marítimo em 15 anos.
Convenção 59: revisou a convenção nº05 estabelecendo a idade mínima para o trabalho nas indústrias em 15 anos.
Convenção 60: revisou a convenção nº33 e declarou como idade mínima para o trabalho em estabelecimentos não industriais em 15 anos.
Convenção 77: instituiu exame médico para aptidão ao emprego obrigatório aos menores na indústria.
Convenção 78: instituiu exame médico obrigatório para aptidão aos menores em empregos não industriais.
Convenção 79: limitou o trabalho noturno aos menores em trabalhos não-industriais.
Convenção 90: tratou sobre a idade mínima para o trabalho noturno nas indústrias.
Convenção 123: dispôs sobre a idade mínima para o trabalho nas mínimas.
Convenção 124: estabeleceu exame médico obrigatório aos menores trabalhadores em minas.
Convenção 136: atribuiu proteção contra riscos de intoxicação pelo benzeno e proibiu o trabalho e proibiu o trabalho de menores de 18 anos expostos a tal substância, exceto se orientados dos riscos, tivessem treinamento de uso e controle médico.
Convenção 138: reuniu as disposições sobre idade mínima em setores diversos da economia das convenções anteriores, almejando a construção de um instrumento geral sobre o assunto. Determinou que todo país que ratificasse essa convenção estabelecesse a idade mínima para admissão ao emprego não inferior a conclusão da escolaridade, ou não inferior a 15 anos. E ainda, estabeleceu a idade mínima de 18 anos para admissão em trabalho que prejudique a saúde, segurança e moral do menor. Foi complementada pela recomendação 146.
Convenção 182: trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e a ação imediata para sua eliminação; a recomendação nº190 complementou esta convenção.” (DIAS, 2007, p. 29).
3.2 Legislação no âmbito nacional
Quanto a legislação brasileira, no que tange ao trabalho infantil, pudemos observar no decorrer do presente trabalho, uma intenção por parte do legislador de proteger o menor, assegurar seus direitos e garantir que, juntamente com a família e a sociedade, o menor tenha uma infância e adolescência dignas, principalmente dentro da escola. E para complementar ainda regulamenta minuciosamente o trabalho do menor de modo a estabelecer uma idade mínima para o trabalho e regular a condição de aprendiz.
Os direitos atuais, tiveram início no ano de 2000, quando o Brasil ratificou a Convenção 182 e a Recomendação 190, que a partir daí, passaram a integrar o Ordenamento Jurídico nacional. Segundo Veronese e Custódio (2007, p. 181): “A Convenção Internacional de Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, possibilitou a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, no que se refere ao tema trabalho, é a atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho (…)”
O principal dispositivo que regulamenta o trabalho infantil no âmbito nacional é o artigo 227 de nossa Lei Maior de 1988. Determina todos os direitos da criança, bem como garante que toda criança esteja protegida de toda forma de negligência, exploração, violência, opressão, que são deveres do Estado, em congruência com a família e a sociedade como um todo. (BUARQUE, 2015)
Em 1994, foi criado o Fórum Nacional de Prevenção a Erradicação do Trabalho Infantil, que com o apoio da OIT e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que tinha como objetivo combater à exploração do trabalho do menor. E surgiu a partir daí os Fóruns Itinerantes de Combate ao Trabalho Infantil, que passaram a formular e implantar políticas de combate.
Já em 2004, foi aprovada a Emenda Constitucional 45/2004, que passou a tratar a relação “trabalhador x empregador” pela expressão “relação de trabalho”, e incluiu-se nessa mesma expressão o trabalho do menor. A Justiça do Trabalho passou a participar ativamente da luta pelo fim do trabalho infantil a partir do seminário “Erradicação do Trabalho Infantil, Aprendizagem e Justiça do Trabalho”, em 2012.
Na legislação infraconstitucional, como vimos anteriormente, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, que mantem todos os direitos assegurados na Constituição Federal, bem como regulamenta individualmente o trabalho do menor, protegendo suas condições de trabalho e seu direito à profissionalização, dos artigos 60 a 69.
Complementa-se o ECA e a Carta Magna com a Consolidação das Leis Trabalhistas, bem como a atuação do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e os Ministérios Públicos Estaduais, além da Justiça Comum, pela Vara da Infância e da Juventude e pelo Conselho Tutelar Municipal. Toda a legislação e os Órgãos citados têm como objetivo, em conjunto, assegurar as condições de trabalho dos menores e principalmente, fiscalizar a realidade para que as leis sejam cumpridas da maneira correta e os menores sejam resguardados dos trabalhos ilegais.
4 COMBATE AO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL
4.1 Por que existe trabalho infantil em pleno século XXI?
Na realidade brasileira atual, fazendo uma análise fria, não há lugar no mercado de trabalho para quem não tem estudos, e quando há não são em condições dignas, legais e muitas vezes verdadeiramente precárias. Ao longo das análises realizadas neste trabalho, concluímos que parte da motivação que leva as crianças e adolescentes a aceitarem formas degradantes de trabalho, é pelas condições de pobreza de suas famílias, bem como a ignorância dos pais que deixam seus filhos trabalharem.
Outro motivo, que além da necessidade, ajuda as crianças a se aproximarem desses trabalhos ilegais e por diversas vezes explorados, é a ausência da escola. As crianças muitas vezes se veem sem motivação para estudar, na ilusão de nunca terem um futuro melhor do que a realidade em que vivem, e buscam uma forma de se sustentar, desde já, o trabalho infantil. Por vezes ilegal, como já mencionado, o tráfico de drogas, a prostituição, a venda de balas nas ruas, engraxate, em plantações rurais e até formas de trabalho escravo.
Nas palavras de Cristovam Buarque (2015): “É uma questão cultural (…). Por alguma razão, na formação do imaginário, do inconsciente coletivo brasileiro, somos um povo que não põe a educação como algo fundamental, valorizado, importante, determinante, símbolo de riqueza. Não somos assim. Mesmo aqueles que se educam, fazem-no procurando a renda que a educação dá, e não a educação per se. Ora, não se pode mais falar em emprego sem falar em educação. Não se pode mais falar em segurança, em saúde, sem falar em educação. Todos os temas passam pela educação.”
Podemos citar também conclusões da OIT, Unicef e Unesco, os quais pensam que existem causas determinadas para que os menores em estado de risco busquem o trabalho infantil, em qualquer uma das áreas supramencionadas, a extrema pobreza, fome e ausência de objetos. (CAPELATTO, 2015)
Então, muitas dessas crianças, motivadas pela pobreza são obrigadas a trabalhar, para sobreviver, e estão expostas a muitas formas de exploração, lutando para ter o básico e por vezes sustentar suas famílias. Podemos observar uma crescente desigualdade ao observarmos crianças de classe média que estudam de 7 a 8 anos nas escolas, e as pobres em média 4 anos, pela defasagem escolar. Ademais, trabalhando ilegalmente nas ruas, as crianças estão suscetíveis a sofrer transtornos físicos, violência física, moral e sexual, além do uso de drogas e acidentes de trabalho. (ARRUDA, 2015)
4.2 Políticas públicas atuais de erradicação do trabalho infantil, socialização e cidadania
O Estado brasileiro já reconheceu o trabalho infantil como um problema social, econômico e político, a ser tratado com urgência, visando sua erradicação. Uma das providências já tomadas foi a criação da Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil (CETI), como podemos observar nas palavras de Andréia Nocchi (2015): “Entre as propostas aprovadas estava a constituição de uma comissão permanente de magistrados. Em 19 de julho de 2012, por Ato Conjunto nº 21/TST.CSJT.GP2, foi instituída a Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil– CETI, coordenada pelo Ministro Lelio Bentes Corrêa. Com essa pioneira iniciativa, a conscientização e a capacitação dos magistrados e servidores da Justiça do Trabalho no combate ao trabalho infantil passou a ser, oficialmente, tarefa institucional.”
Uma política pública adotada pelo governo brasileiro, foi a criação do Bolsa-Escola, em 2001, um programa de distribuição de renda para as famílias de baixa renda, com o objetivo de estimular as famílias a manterem suas crianças e adolescentes na escola, com frequência regular e obrigatória, para afastá-las do trabalho infantil. Futuramente, em 2003, o governo alterou a nomenclatura para Bolsa Família, um novo programa de transferência de renda, para ajudar as famílias de baixa renda em diversos benefícios, além de manter a condição de obrigatoriedade escolar dos 6 aos 17 anos de idade.
Para acrescentar, utilizando das palavras do Ministro da Educação ao tempo da aprovação do benefício Bolsa-Escola, Cristovam Buarque (2015): “Criança que não está na escola está no trabalho infantil. Não necessariamente no trabalho perverso, não necessariamente no trabalho degradante, como no caso das vítimas de exploração sexual, mas está escravizada, no sentido de que as pessoas nascem algemadas e a algema só é aberta quando se entra na escola. É a escola que tira a pessoa da escravidão. (…) A criação da Bolsa-Escola teve por objetivo exatamente acabar com o trabalho infantil provocado pela falta de renda. Imaginamos: se a criança trabalha porque precisa de renda, vamos dar a renda para que ela não precise trabalhar e fique na escola. Essa foi a filosofia, a concepção. À época, eu dizia: vamos tirar proveito do fato de as pessoas serem pobres e precisarem de dinheiro para que elas estudem para recebê-lo, essa foi a ideia.”
Por um lado, observamos as providências do estado, e a proibição do legislador ao trabalho do menor de 14 anos, e a possibilidade de indenização e reparação do dano causado às crianças e adolescentes. Entretanto, o sistema ainda é falho e ineficaz, tendo em vista que não há como se ter controle de toda a exploração do trabalho existente, bem como as denúncias por vezes não são feitas da maneira correta, ou nem chegam a ser denunciados. Nas palavras de Kátia Arruda (2015): “Essa mudança exige compreensão e apreensão do mundo. Compreensão da realidade que vivemos e apreensão do nosso papel. Exige a percepção de que a continuidade de uma injustiça afeta toda a sociedade, mesmo que a aparência seja outra. Temos medo das crianças que vagam nas ruas e das que praticam ilícitos, mas não percebemos a infinita quantidade de ilícitos sofridos por essas mesmas crianças, inclusive pela omissão e atuação do Estado brasileiro. Cumprir a Constituição Federal, garantindo-lhes o acesso primordial à educação e à saúde, é o primeiro passo; combater a exploração e a segregação e inserir os jovens em uma sociedade menos desigual não é uma utopia, já que vários países do mundo já alcançaram esse objetivo. A aparência de democracia no Brasil precisa ser transformada em realidade. Somente eliminando os jogos vorazes a que estão submetidas as nossas crianças em seu sacrifício cotidiano, será possível garantir a liberdade necessária à edificação de uma democracia real. Devemos isso aos jovens do Brasil.”
Conclusão:
Apresentando a problemática do trabalho infantil no Brasil, uma triste realidade da nossa sociedade atual, que deve ser tratada como verdadeiro problema social, político e econômico. E apesar das políticas públicas já apresentadas pelos nossos governantes, apoiados pelo Poder Judiciário, Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, bem como órgão sem jurisdição, não são o bastante para erradicar o problema de forma eficaz, tendo em vista o mascaro que é feito em torno de tal problema.
Nas palavras de Stefane Machado (2015): “O que temos de entender é isto: todos nós temos de nos unir para que nossas crianças, nossos jovens em situação de vulnerabilidade, em situação de menor poder aquisitivo, tenham condições de se divertir, de serem protegidos, de terem uma vida digna, sem o trabalho infantil, de terem condições de estudar dignamente.”
Estimativas apontam números exorbitantes de crianças e adolescentes trabalhadores no Brasil e no mundo, usualmente em situações irregulares, ou por ilegalidades nas empresas, que contratam menores para burlar a legislação e não pagar as garantias estabelecidas na CLT. Ou em trabalhos imorais e até ilegais, que prejudicam a formação desses menores, como é o caso da prostituição e do tráfico de drogas, nos quais temos um número cada vez maior de menores envolvidos.
Podemos observar então que passa da seara de responsabilidade do Estado-garantista, para ser um problema da sociedade como um todo, que deve se atentar para as formas ilegais de trabalho irregular dos menores, e sempre denunciar, conscientizar os pais, para resguardar acima de tudo os direitos e garantias das crianças e dos adolescentes. Colocando como prioridade seu bem-estar, saúde, educação e lazer, como resguarda nossa Lei Maior. E as formas permitidas pelo legislador, como o trabalho do aprendiz, devem sempre estar respeitadas como especifica a lei, para que não haja prejuízos na formação desses seres em desenvolvimento.
Concluímos como maior problemática a exploração do trabalho do menor, que por vezes acontece pelos próprios genitores, e apesar da luta para a erradicação desta por parte da ONU, seus órgãos e dos Estados, ainda é muito difícil identificar as ocorrências. Restando apenas a resistência da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, que continuam
Já se faz mais do que necessário uma maior participação da Justiça do Trabalho, na luta da erradicação do trabalho infantil no Brasil. Além de se fazer indispensável uma maior regulamentação das normas que versam sobre o assunto, e principalmente, que sejam tomadas medidas eficazes para a proteção do menor explorado, visam o fim do trabalho infantil ilegal no país, com o apoio de todos os órgãos citados como responsáveis por essa fiscalização.
Referências:
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Comissão pela erradicação do trabalho infantil da Justiça do Trabalho. Trabalho Infantil e Justiça do Trabalho: Primeiro Olhar.
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VERONESE, Josiane Rose Petry; CUSTÓDIO, André Viana. Trabalho Infantil, a negação do ser criança e adolescente no Brasil. Florianópolis, SC: OAB-SC, 2007.
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http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1722.html – Disponível em 19 ago 2018 – Disponível em: 20 ago 2018.
ANEXOS
ANEXO – A: RR – 75700-37.2010.5.16.0009
RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EFETIVAÇÃO DE PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS E INTERNACIONAIS RATIFICADOS, RELATIVOS À PESSOA HUMANA E ÀS RELAÇÕES DE TRABALHO. TRABALHO DECENTE E COMBATE IMEDIATO E PRIORITÁRIO AO TRABALHO INFANTIL E ÀS PIORES FORMAS DE TRABALHO DO ADOLESCENTE. OIT: CONSTITUIÇÃO DE 1919; DECLARAÇÃO DA FILADÉLFIA DE 1944; DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRABALHO DE 1998; CONVENÇÃO 182 DA OIT. EFETIVIDADE JURÍDICA NO PLANO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a Organização Internacional do Trabalho, por meio de vários de seus documentos normativos cardeais (Constituição de 1919; Declaração da Filadélfia de 1944; Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998; Convenção 182) asseguram, de maneira inarredável, a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e do emprego, a implção de trabalho efetivamente decente para os seres humanos, a proibição do trabalho da criança e o combate imediato e prioritário às piores formas de trabalho do adolescente. O Estado Democrático de Direito – estruturado pela Constituição da República e que constitui também o mais eficiente veículo para implementar esses comandos do Texto Máximo da República e dos documentos normativos da OIT – impõe ao Poder Público a adoção de medidas normativas e administrativas para o cumprimento prioritário dessas normas constitucionais e internacionais ratificadas e absolutamente imperativas. A lesão ao direito difuso de crianças e adolescentes, manifestamente desrespeitado no Município, submetidos a relações de trabalho flagrantemente proibidas ou gravemente irregulares, pode ser levada ao Poder Judiciário, mediante Ação Civil Pública, pelo Ministério Público do Trabalho (art. 5º, XXXV, CF; art. 129, I, II e III, CF), sendo competente a Justiça do Trabalho para conhecer e julgar a ACP (art. 114, I e IX, CF). O fulcro da lide são as relações de trabalho irregulares, ao passo que o Município é potencial devedor de medidas públicas eficazes para sanar ou reduzir a lesão – circunstâncias que enquadram, inapelavelmente, o litígio nos marcos da competência da Justiça do Trabalho. Recurso de revista conhecido e provido.
RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE VISAM À ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL. EFETIVIDADE DE DIREITOS SOCIAIS. O Direito do Trabalho é campo decisivo no processo de inserção justrabalhista no universo geral do Direito, tendo a Constituição da República firmado o conceito e a estrutura normativos do Estado Democrático de Direito, em que ocupam posições cardeais a pessoa humana e sua dignidade, juntamente com a valorização do trabalho. Cabe à Justiça do Trabalho cumprir o estratégico objetivo de cimentar as balizas de atuação dos distintos atores sociais e estatais, assegurando a efetividade da ordem jurídica de Direito Material. Resta claro, portanto, que a erradicação do trabalho infantil é medida de manifesto interesse ao Direito do Trabalho e, com igual razão, ao campo de atuação do Ministério Público do Trabalho. No presente caso, discute-se pedido decorrente de relação de trabalho que visa à implantação de políticas públicas, pelo Município de Codó, no tocante ao combate ao trabalho infantil e a outras formas degradantes de trabalho. A atuação do Poder Judiciário, em caso de omissão do administrador público para a implementação de tais políticas públicas previstas na CF, insere-se na competência material da Justiça do Trabalho, definida em razão da matéria, nas hipóteses disciplinadas no art. 114, I a IX, da CF. Precedentes do STF. Recurso de revista conhecido e provido. (RR – 75700-37.2010.5.16.0009 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 17/09/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/09/2013)
ANEXO – B: RO – 0000671-51.2016.5.06.0331
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO ORDINÁRIO. TRABALHO INFANTIL.
ANEXO – C: AIRR 20340820135020067
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA EMPRESA AUTORA. AÇÃO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. TRABALHO DE MENORES COMO DUBLADORES. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.
(AIRR 20340820135020067)
ANEXO – D: Recurso Administrativo 0005958-45.2010.2.00.0000
O Conselho Nacional de Justiça, CNJ, apesar de não fazer parte propriamente do Poder Judiciário, trata-se de uma instituição pública que tem como objetivo auxiliar nas decisões judiciais, desenvolvendo políticas judiciárias para efetivar o Poder Judiciário em busca dos valores de justiça e paz social. O Conselho entende não ser de sua alçada atividades jurisdicionais a respeito do tema, como podemos ver a seguir, no julgamento do Recurso Administrativo 0005958-45.2010.2.00.0000:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – MENOR APRENDIZ – AUTORIZAÇÃO – ATIVIDADE JURISDICIONAL – COMPETÊNCIA DO CNJ
(CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0005958-45.2010.2.00.0000 – Rel. JORGE HÉLIO CHAVES DE OLIVEIRA – 123ª Sessão – j. 29.03.2011).
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