Os direitos da personalidade do empregado como limites ao poder diretivo do empregador

Resumo: O presente trabalho tem como escopo fazer uma abordagem dos direitos da personalidade do empregado utilizando-os como limites no exercício do poder diretivo do empregador na relação de trabalho que os envolvem. O artigo se pauta na tentativa de estabelecer uma relação equilibrada entre as partes, assim como possui o objetivo de valer-se da reflexão de importantes soluções, para que o ambiente de trabalho seja o mais respeitoso possível. O tema é estudado à luz dos princípios constitucionais, e o à matéria.[1]

Palavras-chaves: Direitos da Personalidade. Empregado. Poder Diretivo. Empregador. Limites. Abuso.

Abstract: This work is scoped to an approach of personal rights of the employee using them as limits on the exercise of governing power of the employer in respect of work that involve them. The article is guided in an attempt to establish a balanced relationship between the parties, as well as an own goal to avail himself of the reflection of important solutions to the working environment is as respectful as possible. The topic is studied in the light of constitutional principles and the theoretical foundation can be observed by means of doctrines and jurisprudence related to matters.

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Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Poder diretivo. 2.1 Limites do poder diretivo. 2.2. Abuso do poder diretivo. 3. Direitos da personalidade do empregado. 4. A responsabilidade civil em face da violação aos direitos da personalidade nas relações de emprego. 5. A responsabilidade trabalhista pela rescisão indireta. 6. Hipóteses de conflitos entre o poder diretivo e os direitos da personalidade do empregado. 7. Considerações finais. Referências

1. Considerações iniciais

Na história do Direito do Trabalho em si, inúmeras foram as ocorrências em que o trabalhador era tratado como uma coisa ou até mesmo como propriedade. Em nada eram considerados os seus direitos personalíssimos ou, simplesmente, a sua dignidade humana. Contudo, após diversas evoluções, lutas e interpretações, muitos dos direitos foram concedidos à classe operária. Mesmo após toda essa construção alcançada no decorrer dos anos, porém, ainda existem os conflitos pertencentes à relação de emprego.

É sabido que os principais elementos da relação de emprego gerada pelo contrato de trabalho são: i) a pessoalidade, ou seja, um dos sujeitos (o empregado) tem o dever jurídico de efetuar os serviços em favor de outrem de forma pessoal; ii) a natureza não eventual do serviço, o que quer dizer que ele, o empregado, deverá ser necessário à atividade normal do empregador (segundo sujeito da relação); iii) a remuneração do trabalho executado pelo empregado; iv) por fim, a subordinação jurídica da prestação de serviços do empregador.

Dessa maneira, em regra, dois são os sujeitos nas relações de emprego, sendo o último pressuposto considerado o mais relevante de todos eles, qual seja, a subordinação jurídica. É a partir dela que o empregado fica subordinado ao empregador, que se utiliza do poder diretivo e possui, em sua atuação, um espaço limítrofe, que muitas vezes acaba sendo ultrapassado, importando abusos e irregularidades em face do prestador de serviços.

A atuação do poder diretivo pelo empregador não se mostra uma das tarefas mais simples, uma vez que a inobservância dos limites existentes não sucede de maneira isolada. O empregador, seja por acreditar estar atuando nos termos do seu poder diretivo, seja por saber da ilegal prática, e ainda assim o faz, acaba extrapolando o poder da sua atuação e ingressa nos direitos da personalidade do empregado.

No enfoque de valer-se do direito de propriedade, assegurado pela Constituição Federal de 1988, da proteção do seu bem empresarial e do objetivo de fazer com que sua empresa desenvolva mais e mais, o empregador utiliza métodos, para proteger seu patrimônio, no sentido de evitar a dilapidação de seu empreendimento, todavia, em muitas ocasiões, fá-lo de modo agressivo e impróprio.

Assim, tendo em vista que a Carta Magna resguarda os direitos personalíssimos, e, do outro lado, o empregador com o seu direito de propriedade ali também assegurado, verifica-se uma colisão de direitos fundamentais, existindo, como forma de solução, a análise de cada caso concreto, para decidir qual direito deve prevalecer.

Desse modo, o presente trabalho tem como tentativa mostrar não apenas os limites que cercam o poder diretivo, mas também o ponto de equilíbrio na relação de emprego com a perspectiva de que os direitos constitucionais do trabalhador sejam respeitados.

No ensaio de atingir esse objetivo, cumpre esclarecer, primeiramente, o poder diretivo do empregador em sua interpretação ampla, avaliando-o na sua conceituação, titularidade, fundamentos e natureza jurídica. Em seguida, no mesmo tópico, será tratado acerca dos limites do poder diretivo e do abuso do direito na prática desse poder, e mostrará que o ato abusivo contraria os princípios contratuais da boa-fé e da função social.

Em ato contínuo, serão abordados os direitos da personalidade do trabalhador. Após, será destacada a importância da responsabilidade civil na violação desses direitos, a responsabilidade trabalhista, até chegar à problemática do trabalho, que é a ultrapassagem da atuação do poder diretivo em relação aos direitos da personalidade do obreiro, algumas de suas hipóteses e os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que os cercam.

2. O poder diretivo do empregador e o seu direito de propriedade

O empregador é quem assume o risco da atividade econômica, possuindo o poder de dirigir, fiscalizar e disciplinar as atividades de seus empregados no ambiente de trabalho em razão da subordinação mantida nessa relação jurídica.

O poder diretivo do empregador, também chamado de poder de direção do empregador, não é abordado de maneira específica pelo ordenamento jurídico brasileiro. O único dispositivo correspondente é o especificado na Consolidação das Leis do Trabalho, no seu artigo 2º, quando afirma que “é empregador aquele que dirige a prestação de serviços”.

Maurício Godinho Delgado define poder diretivo como:

“[…] o conjunto de prerrogativas, tendencialmente concentradas no empregador, dirigidas à organização da estrutura e espaços empresariais internos, inclusive o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa, com a especificação e orientação cotidianas, no que tange à prestação de serviços”[2].

Destarte, esse poder é consubstanciado pela organização de suas atividades, disciplina e controle do trabalho, gerando, em decorrência dele, a possibilidade de o empregador estabelecer os seguimentos do exercício de seus empregados, de aplicar penalidade aos que desrespeitarem as obrigações pertencentes, além de fiscalizar a sua prática.

No poder de organização, além da faculdade de elaborar o regulamento empresarial, o empregador também tem a prerrogativa de estabelecer o número de empregados, funções, local e horário de labor, ou seja, permite que o empresário determine a estrutura da empresa em seu sentido amplo.

Nessa linha, vejamos a disciplina de Amauri Mascaro Nascimento:

“O poder de organização da atividade do empregado, combinando-a em função dos demais fatores da produção, tendo em vista os fins objetivados pela empresa, pertence ao empregador, uma vez que é da própria natureza da empresa a coordenação desses fatores. Empresa é a organização complexa que combina os fatores de produção, de modo que ao empregador cabe dar a unidade no empreendimento, moldando-a para que cumpra as diretrizes a que se propõe. (…) Sendo detentor do poder de organização, cabe ao empregador determinar as normas de caráter técnico às quais o empregado está subordinado e que são expedidas por mero contrato verbal, individual ou geral, ou por comunicados escritos, avisos, memorandos, portarias etc”[3].

Com relação ao poder de disciplina, este concerne no direito do empregador de exercer sua autoridade, dando ordens e aplicando sanções, quando necessárias, em caso de desobediência atentada pelos empregados.

Alice Monteiro de Barros descreve que o poder disciplinar traduz a capacidade concedida ao empregador de aplicar sanções ao empregado infrator dos deveres a que está sujeito por força de lei, de norma coletiva ou do contrato. O exercício desse poder tem por fim manter a ordem e a harmonia no ambiente de trabalho[4].

No que tange ao poder de controle, este é exercido pelo empregador no momento em que não deixa espaço, para que o empregado escolha, a seu bel-prazer, a forma como será executado o trabalho, fazendo com que o seu subordinado esteja adstrito às determinações emanadas por ele.

Acerca deste último poder, o empregador pode utilizar-se da prerrogativa que lhe permite fiscalizar o exercício laboral do seu empregado sob o fundamento do seu direito de propriedade garantido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXII. Sua atuação deverá ser pautada no cuidado e atenção, a fim de que a linha de equilíbrio dos direitos personalíssimos pertencentes à classe obreira não seja ultrapassada e, consequentemente, desrespeitada, o que acaba acontecendo em algumas das ocasiões.

Nesse sentido, no que se refere ao desmembramento do poder de direção, Laerti Mantovani Junior cita a divisão feita por Sérgio Pinto Martins:

“a) o poder de organização, que decorre do direito de propriedade e que possibilita ao empregador toda a organização de seu empreendimento como, por exemplo, a atividade que desenvolverá, a constituição jurídica da empresa e o número de funcionários a serem contratados; b) o poder de controle, donde nasce a possibilidade de fiscalização das atividades desenvolvidas por seus empregados, permitindo, por exemplo, o monitoramente da atividade por ele desenvolvida; c) o poder disciplinar, que permite a aplicação de penalidades disciplinares aos funcionários, desde que nos limites da lei”[5].

Sendo assim, o poder de direção do empregador pode ser entendido como uma consequência do direito de resguardar os bens patrimoniais da sua empresa. Sua atuação, porém, não poderá acontecer de maneira abusiva, pois, caso aconteça, em regra, os direitos fundamentais do trabalhador se sobreporão ao direito de propriedade originalmente coberto.

Nesse diapasão, há uma celeuma doutrinária e jurisprudencial de qual é o exato limite do empregador, ao controlar e cobrar as atividades de seus trabalhadores. No eventual excesso desse limite, surge o risco da demanda trabalhista, com reivindicação de rescisão indireta e/ou indenizatória em face da empresa, consoante será analisado brevemente.

1.1. Limites do Poder Diretivo

Antes que se enfrente esta proposição, é necessário que se retornem algumas considerações com respeito aos caminhos que o poder percorre na relação de emprego.

Já foi mencionado anteriormente que o empregador é detentor de certos direitos sobre os seus empregados, denominado de poder diretivo. Na sua atuação, todavia, são impostas certas limitações, a fim de protegê-los dos excessos cometidos pelo seu patrão.

O empregador, mormente quando constituído em forma de pessoa jurídica, sendo dotado de personalidade jurídica própria, tem sua gestão realizada por pessoas. A pessoa, enquanto ser humano que é, está passível de cometer erros, em especial no tocante ao exercício do poder diretivo, em que, costumeiramente, exorbita em seu direito, dando ensejo ao abuso de sua prerrogativa de direção dos atos de seus subordinados[6].

Ao versar sobre os limites do poder diretivo, Maurício Godinho Delgado aduz que:

“Todas essas regras e princípios gerais, portanto, criam uma fronteira inegável ao exercício das funções fiscalizatórias e no controle no contexto empregatício, colocando na franca ilegalidade, medidas que venham agredir ou cercear a liberdade e dignidade da pessoa que trabalha, empregaticiamente, no país”[7].

Tem-se, portanto, que o poder diretivo do empregador não é absoluto, não podendo ser exercido de forma ilimitada, sob a justificativa de prevalecer o seu direito de propriedade, uma vez que existem limites na própria Carta Magna, havendo, também no Direito do Trabalho, a garantia da dignidade do trabalhador.

Todo e qualquer abuso de direito deverá ser obstado, e sua ocorrência pode levar a vítima a requerer a extinção do contrato do trabalho por rescisão indireta, assim como indenizações, seja de ordem material ou imaterial, em face do ofensor.

Nesse sentido, Marlon Murari explica que o poder diretivo, assim como os direitos dos empregados, são direitos fundamentais. Destarte, a aplicação daquele pode colidir com os direitos destes, e a solução para este conflito é a ponderação. Vejamos:

“(…) tanto o poder diretivo como os direitos dos empregados são direitos fundamentais. Assim, estaremos diante da possibilidade de colisão de direitos fundamentais, clamando por solução em um contexto concreto, que necessariamente, deve passar pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como critérios de ponderação. Ademais, o ponto de equilíbrio para a aplicação dos supracitados princípios é o princípio da dignidade da pessoa humana, devendo atuar como verdadeiro instrumento a balizar a aplicação daqueles”[8].

Seguindo a mesma linha de pensamento, Alice Monteiro de Barros cita algumas hipóteses em que o poder diretivo do empregador sofre limitações:

“Cumpre ressaltar que as ordens emitidas por quem não está legitimado a fazê-lo, as ordens ilícitas ou capazes de lesar direitos à integridade física ou moral do empregado poderão ser desobedecidas. Logo, não está o empregado obrigado a acatar ordens que lhe exijam uma conduta ilegal (prática de um crime), aliás ele tem até mesmo o dever de descumprir a determinação, sob pena de incorrer em sanção penal. Também não está obrigado a obedecer ordem que lhe acarretem e a outrem perigo à vida, como o piloto de aeronave que não decola por dificuldades meteorológicas, ou as que o exponham a situações indignas, vexatórias ou atentatórias à sua dignidade ou ao seu prestígio profissional. Nesses casos justifica-se, respectivamente, a desobediência jurídico-penal, a “desobediência técnica” e a desobediência civil ou extralaboral”[9].

O poder diretivo do empregador deve sempre ser exercido de forma responsável e coerente, com sensatez, transparência e equanimidade, procurando-se observar o uso da polidez, da simplicidade, da tolerância, da temperança, da boa-fé, da generosidade, da gratidão, da honestidade, da solidariedade, virtudes morais que constituem o verdadeiro poder: “o poder da humanidade”[10].

Deve-se ressaltar que, em razão da natureza contratual entre as partes, em que o trabalhador acaba sofrendo limitações, o respeito à dignidade, intimidade, vida privada e honra deve sempre prevalecer em relação aos excessos cometidos pelo empregador.

Assim sendo, o empregador, enquanto dono do negócio, deverá exercer sua autoridade em consonância com a função social da empresa, bem como com a boa-fé contratual e jamais com outro fim, sempre respeitando os limites impostos pelos princípios resguardados constitucionalmente. Do mesmo modo, como o poder de direção na relação jurídica decorre do contrato existente entre as partes, aquele também deverá ser exercido com algumas restrições.

1.2. Abuso do Poder Diretivo

Embora, na contemporaneidade, a conotação do poder diretivo venha a ser interpretado como sendo um poder jurídico decorrente do contrato celebrado entre empregador e empregado, em sua atuação, não é permitido qualquer abuso.

O contrato que rege as partes deverá estar em harmonia com os princípios da função social e da boa-fé contratual, reconhecidos, respectivamente, pelos artigos 421 e 422 do Código Civil de 2002 e aplicáveis subsidiariamente ao Direito do Trabalho, por força do art. 8º da CLT.

Não basta que o contrato tenha somente agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Para que possa haver a chancela do Poder Judiciário, ainda é necessário que, além da observância de regras formais de validade, o julgador se atenha às normas superiores de cunho moral e social, valoradas de forma inestimável pelo ordenamento jurídico, sendo evidente a sua exigibilidade[11].

Acerca da função social do contrato, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho pontuam que:

“Em primeiro plano, a socialização da ideia de contrato, na sua perspectiva intrínseca, propugna por um tratamento idôneo das partes, na consideração, inclusive, de sua desigualdade real de poderes contratuais. (…) Em segundo plano, o contrato é considerado não só como um instrumento de circulação de riquezas, mas, também, de desenvolvimento social”[12].

A função social do contrato atua simultaneamente com o princípio da autonomia da vontade privada, e, não bastando, o pacto faz lei entre as partes, sendo mais conhecido como “pacta sunt servanda”, uma vez que existente um bem maior que a vontade acordada entre as partes, qual seja, o bem comum.

Importa registrar que a função social do contrato e o pacta sunt servanda não se cancelam, mas se agregam. Os contratos são respeitados, quando realizado entre as partes, com força de lei, todavia limitada, devendo estar de acordo com uma função social.

Em verdade, garantias constitucionais, tais como as que impõem o respeito à função social da propriedade, ao direito do consumidor, à proteção do meio ambiente, às leis trabalhistas, à proteção da ordem econômica e da liberdade de concorrência, todas elas, conectadas ao princípio de proteção à dignidade da pessoa humana, remetem-nos à ideia de que tais conquistas, sob nenhuma hipótese ou argumento, poderão, posteriormente, vir a serem minimizadas ou neutralizadas por lei posterior[13].

Por meio disso, o julgador, diante do caso concreto de um abuso de direito, em que os aspectos formais estejam presentes, deve se ater ao tipo de tratamento deferido ao empregado, garantindo sempre a sua dignidade, mesmo que, para isso, tenha que restringir o caráter de obrigatoriedade ou de autonomia da vontade de alguma das partes contratantes e, de igual maneira, deve velar, para que o contrato de trabalho não se desvirtue para situações irracionais ou desequilibradas, objetivando sempre a valoração da pessoa humana mediante o desenvolvimento social do trabalho[14].

No que se alude ao princípio da boa-fé, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, aparados em Gilselda Hironaka, colacionam que:

“(…) O homem de boa-fé tanto diz o que acredita, mesmo que esteja enganado, como acredita no que diz. É por isso que a boa-fé é uma fé, no duplo sentido do termo. Vale dizer, é uma crença ao mesmo tempo que é uma fidelidade. É crença fiel, e fidelidade no que se crê. É também o que se chama de sinceridade, ou veracidade, ou franqueza, é o contrário da mentira, da hipocrisia, da duplicidade, em suma, de todas as formas, privadas ou públicas, da má-fé. (…) Quer dizer: a boa-fé deve se consagrar nas negociações que antecedem a conclusão do negócio, na sua execução, na produção continuada de seus efeitos, na sua conclusão e na sua interpretação. Deve prolongar-se até mesmo para depois de concluído o negócio contratual, se necessário”[15].

Entender de modo diverso, ou seja, não se dar interpretação extensiva ao art. 422 do Código Civil, restringindo-o somente para a fase contratual, não o aplicando aos fatos anteriores e posteriores ao contrato, seria desconsiderar por completo o espírito da norma, e se admitir, por exemplo, que o empregador, em entrevistas para contratação de um empregado, faça exigências de exames que comprovem a esterilização de mulheres, que discrimine por sexo, raça, opção sexual, ou que, após finalizado o contrato de trabalho, o empregador repasse informações tendentes a prejudicar o empregado ou elabore e dissemine as comumente chamadas “listas negras”, que se traduzem em relações de trabalhadores com informações negativas repassadas no meio empresarial[16].

Destarte, o princípio da boa-fé traduz às partes contratantes que todos devem guardar fidelidade, não frustrando a confiança da relação humana, e atuar de maneira correta, digna, sem intenção de prejudicar outrem.

A justiça do trabalho, na apreciação da demanda contida sob a alegação de abuso do poder diretivo do empregador, por meio da figura do magistrado, deverá estabelecer a conduta que deveria ter sido adotada pelas partes.

2. Direitos da personalidade do empregado

A Constituição Federal de 1988 eleva a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais do Brasil. O “ser humano” passa, então, a gozar de um sistema protetivo, quer nas relações com os outros indivíduos, quer, até mesmo, com o próprio Estado[17].

No ordenamento jurídico brasileiro, os princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade regem o direito à inviolabilidade da intimidade dos trabalhadores. Tais princípios, além de serem garantidos constitucionalmente, possuem a natureza de serem os alicerces que amparam a interpretação da norma da forma mais apropriada e justa ao caso concreto individual.

Na tentativa de explicar o fundamento dos direitos da personalidade, dois são os posicionamentos jurídicos divergentes, quais sejam, a positivista e a jusnaturalista.

Para a corrente positivista, direitos da personalidade são apenas aqueles reconhecidos pelo Estado por meio de normas legisladas, que lhes conferem força jurídica, não aceitando a existência de direitos puramente inatos. Em contrapartida, há a corrente jusnaturalista, em que se defende a tese de que os direitos da personalidade são relativos à própria natureza humana e, por conseguinte, sempre existiram, involuntariamente de postulação jurídica.

O direito objetivo autoriza a pessoa a defender sua personalidade. Por outras palavras, os direitos da personalidade são direitos comuns da existência, pois são simples permissões dadas pela norma jurídica, a cada pessoa, para defender um bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta. Logo, os direitos da personalidade também são direitos subjetivos “excludendi alios”, direitos de exigir um comportamento negativo dos outros, protegendo um bem inato, valendo-se de ação judicial[18].

Os direitos da personalidade são essenciais, inatos, inerentes à pessoa humana, presentes desde o nascimento, logo constituem um núcleo fundamental de proteção aos direitos do homem, sem o qual não adiantaria proteger nem um outro direito.

Esses direitos inatos e absolutos apresentam também a característica de serem extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, irrenunciáveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários e oponíveis erga omnes. Essas características evidenciam a essencialidade desses direitos que têm por finalidade o amparo do núcleo essencial de direitos do homem, permitindo a ampliação e a garantia de todos os outros direitos.

Com a promoção dos direitos da personalidade de forma direta, promove-se a dignidade da pessoa humana, princípio basilar do Estado Democrático de Direito. Garantindo o respeito aos direitos fundamentais, combatendo as lesões e as ameaças de lesões a eles, garante-se a valorização do ser humano e de sua dignidade.

Desse modo, os direitos personalíssimos assumem essa terminologia, justamente porque são essenciais à sobrevivência da raça humana, isto é, possuem como destinatário final o homem. Esses direitos têm uma enorme importância jurídica, sendo, portanto, estendidos ao ramo do Direito do Trabalho, atingindo, especialmente, as relações laborais.

3. A responsabilidade civil em face da violação aos direitos da personalidade nas relações de emprego.

O convívio social do homem, principalmente no ambiente de trabalho, coloca-o sujeito a inúmeras possibilidades de conjunturas agressivas ou ofensivas aos seus direitos da personalidade garantidos pela Carta Magna.

Dada a característica da pessoalidade nos contratos de trabalho, a possibilidade de ocorrência de danos aos direitos da personalidade do trabalhador é terminantemente usual, e o advento de danos é um dos seus efeitos conexos, isto é, eles não decorrem do objeto e do conjunto de cláusulas contratuais, mas da estrutura ou dinâmica do contrato de trabalho.

O homem é sujeito de direitos que visam defender valores individuais e sociais, que objetivam manter a harmonia social disposta no preâmbulo da Constituição Federal brasileira. Quando vitimado pelo empregador, por atitudes que ofendem sua dignidade e seus direitos da personalidade, o trabalhador sofre uma afronta aos direitos necessários, para que possa gozar de um bom convívio social, considerados como inerentes à personalidade humana[19].

O artigo 186[20] do Código Civil pondera que ilícitos são aqueles atos que violem o direito, ou causem dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. O artigo mencionado harmoniza-se de maneira perfeita às conjecturas de transgressão da personalidade humana na relação de emprego. Em se tratando de resposta direta a esse ilícito civil, há a obrigação do empregador de reparar o dano causado, consoante preceitua o artigo 927[21] do mesmo diploma legal.

Destarte, quando o artigo não condiciona a reparação do dano à culpa em determinados casos, entende-se como irrelevante a caracterização do dolo ou da culpa, para que haja o dever de indenizar, estando-se, assim, frente à responsabilização objetiva[22]. Tem-se, como exemplo, esta responsabilidade no inciso III do art. 932[23] do Código Civil de 2002, a qual estabelece que o empregador é responsável civilmente pelos atos de seus empregados, prepostos ou serviçais, em razão do exercício de seu trabalho.

No entanto, dispensada a necessidade de comprovação do elemento culpa ou dolo, fundamental ainda é a demonstração de outros pressupostos, são eles: ato ilícito, nexo de causalidade e dano. Na falta de algum dos requisitos imprescindíveis, o dever de indenizar do empregador não se configura.

Distintamente, verificar-se-á, quando o dispositivo legal instituir, em seu texto, o imperativo de provar o elemento culpa ou dolo. Daí a vítima terá o ônus de provar a ocorrência de todas as particularidades acima citadas, somadas com a culpa do empregador em sentido amplo.

Assim, na responsabilidade subjetiva, para que fique caracterizado o dever de reparação do dano, deve restar provado não só o dano efetivo, mas a conduta dolosa ou culposa do empregador, além do nexo causal entre ambos, ressaltando que tal comprovação constitui ônus do empregado, porque implica a demonstração do fato constitutivo do seu direito, conforme previsão inserta no artigo 818 da CLT.

Denota-se, portanto, que, se há um limite do empregador na atuação do seu poder diretivo em face de seus trabalhadores, há também uma reparação do dano causado pela transposição do limite existente de sua conduta.

São muitos os direitos da personalidade resguardados a toda pessoa, refletindo em favor do trabalhador, possuindo como exemplos o direito à intimidade e à vida privada das pessoas, além da honra e da imagem, e todos eles sendo considerados invioláveis. Existindo violação, é assegurado o direito à indenização por danos morais e/ou materiais, segundo institui o artigo 5º, inciso X da Constituição Federal de 1988.

Assim, constatada pela vítima a violação dos direitos da personalidade, terá ela a faculdade de requerer, por meio do Poder Judiciário, a reparação dos danos eventualmente sofridos, sejam patrimoniais ou extrapatrimoniais.

O dano patrimonial, por ser percebido mais facilmente, diferencia-se do dano moral. Enquanto a indenização patrimonial se quantifica pelo patrimônio que efetivamente se perdeu (dano emergente) e/ou ao que razoavelmente deixou de ganhar com a perda (lucros cessantes), a indenização extrapatrimonial possui mais a natureza subjetiva, isto é, não existem elementos objetivos definidos para a fixação do ressarcimento dos prejuízos sofridos, devendo o julgador, no momento do seu arbitramento, utilizar a equidade, após cuidadosa análise do caso concreto.

Maurício Godinho Delgado ensina que o patrimônio moral na relação de emprego é manifestamente passível de violação, afirmando, ainda, não ser ele especificamente taxativo, bem como que a reparação do abuso sofrido deverá ser ofertada de maneira proporcional:

“O dano moral decorrente da violação da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas – e sua respectiva indenização reparadora – são situações claramente passíveis de ocorrência no âmbito empregatício”[24].

E continua:

“É evidente que o patrimônio moral da pessoa humana não se circunscreve ao rol mencionado no inciso X do art. 5º da Constituição (intimidade, vida privada, honra e imagem). Outros bens e valores inerentes ao ser humano integram esse patrimônio moral, cujo desrespeito enseja a proporcional reparação (art. 5º, V, CF/88). De todo modo, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do ser humano são formadas por um complexo de fatores e dimensões físicos e psicológicos (autorrespeito, autoestima, sanidade física, sanidade psíquica, etc), os quais compõem o largo universo do patrimônio moral do indivíduo que a ordem constitucional protege. As agressões dirigidas a esse complexo ou a qualquer de suas partes devem ser proporcionalmente reparadas, em conformidade com o Texto Máximo de 1988”[25].

No que tange à quantificação do dano moral, as dificuldades advindas da subjetividade dos parâmetros a serem fixados não devem constituir motivo para a inexistência do direito. Por outro lado, a finalidade da reparação dos danos extrapatrimoniais não se assenta em fatores de reposição, senão de compensação, devendo o arbitramento atender também ao desestímulo de novas agressões ao bem jurídico tutelado. Nessa vertente, Maria Aparecida Alkimin afirma que:

“Constitui celeuma na doutrina e na jurisprudência a questão relativa à fixação do valor da indenização por dano moral, haja vista que o dano moral é aquele dirigido contra a personalidade e dignidade da pessoa humana, cuja dor e sofrimento psíquico não são mensuráveis ou quantificáveis daí a prevalência do entendimento no sentido de que a indenização do dano moral não visa a reparação, mas sim, a compensação da dor sofrida, além de ter a função punitiva imposta ao ofensor”[26].

Dessa maneira, o valor eventualmente fixado na indenização por dano moral deverá atender a duas finalidades, quais sejam, a de punir o infrator e a de compensar os prejuízos suportados pela vítima. Em razão da inexistência de lei específica na quantificação do valor nas indenizações de cunho moral, o julgador, amparado pelo artigo 944[27] do Código Civil de 2002, deverá utilizar-se do juízo de equidade e fixar uma indenização que se considere justa e suficiente, a fim de garantir a punição e evitar nova ocorrência, cujo caráter é educativo, todavia não alto demais, para justificar enriquecimento sem causa.

3. A responsabilidade trabalhista pela rescisão indireta

Como verificado em tópico anterior, as condutas ilícitas praticadas pelo empregador ou seus prepostos as quais violem direitos da personalidade do trabalhador são passíveis de indenizações de ordem moral ou patrimonial.

Entretanto, o campo de responsabilidade civil do empregador em indenizar o empregado nessas circunstâncias não se restringe apenas a isso, pois, dependendo do grau de lesão produzida contra os seus direitos personalíssimos, tem-se, ainda, a responsabilidade trabalhista, que consiste na rescisão indireta do contrato de trabalho.

Maria Aparecida Alkimin, sobre o abuso aos direitos personalíssimos do empregado nas relações de emprego, interpreta:

“Quaisquer das violências apontadas (assédio sexual ou moral), discriminação, etc.) torna degradante o ambiente do trabalho, tornando insuportável a manutenção do vínculo empregatício ante os constrangimentos e humilhações dirigidos ao trabalhador, o qual tem a faculdade de promover a resolução do contrato de trabalho, tanto nos casos dos atos patronais como de seus subordinados que desmereçam a dignidade do trabalhador ou no caso de qualquer outro descumprimento grave das obrigações contratuais”[28].

Sérgio Pinto Martins aduz que: “a rescisão indireta ou dispensa indireta é a forma de cessação do contrato de trabalho por decisão do empregado em virtude de falta grave praticada pelo empregador (art. 483 da CLT)”[29].

O art. 483 da Consolidação das Leis do Trabalho traduz algumas hipóteses em que o trabalhador pode requerer, na Justiça do Trabalho, a resolução do seu contrato de trabalho, pleiteando indenização como se fosse despedido injustamente. Tal atitude ganha mais espaço nas reclamações diárias e é reflexo da insustentabilidade de o empregado continuar no emprego após a prática da ilicitude do empregador.

Nesse sentido é o julgado do Tribunal Superior do Trabalho, que, nesta oportunidade, teve como relator o Des. Maurício Godinho Delgado, que votou pela manutenção da rescisão indireta frente às provas existentes nos autos de que a empregada sofreu humilhação e desrespeito por parte do preposto da empresa ré:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ASSÉDIO MORAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. RETIFICAÇÃO DA CTPS. PROJEÇÃO DO AVISO PRÉVIO. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. O Tribunal Regional do Trabalho, com base na análise dos fatos e da prova, concluiu pela submissão da autora a tratamento humilhante e desrespeitoso por parte de preposto da ré. Neste contexto, diante da submissão da Reclamante a situações que atentaram contra sua dignidade e integridade psíquica, tem ela direito à reparação moral, conforme autorizam o art. 5º, X, da Constituição e os artigos 186 e 927 do Código Civil, bem como à rescisão indireta do contrato de trabalho, na forma do art. 483, b, da CLT, com consequente pagamento das verbas rescisórias amplas da dispensa injusta, inclusive o aviso prévio, com sua projeção contratual. Assim, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido”. (TST – AIRR: 1729003820095030107172900-38.2009.5.03.0107, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 25/04/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/04/2012)[30].

Levando em consideração que o emprego é fonte de sobrevivência de todo ser humano, a norma em questão deve ser aplicada nas hipóteses de ferimento dos direitos da personalidade dos empregados, a fim de que o emprego seja totalmente protegido de atos que não são compatíveis com a boa-fé e a função social dos contratos de trabalho.

4. Hipóteses de conflitos entre poder diretivo e direitos da personalidade do empregado.

Conforme exposto anteriormente, é de fundamental importância o poder diretivo do empregador diante da relação empregatícia no controle do sistema empresarial. Ela se verifica na imposição de mando do empresário, garantindo sua posição hierarquicamente superior em face dos empregados, ajudando na gestão e produção do seu negócio.

Cumpre registrar, mais uma vez, que o empregador, na atuação do seu poder de direção, deverá observar os limites que protegem os direitos da personalidade do trabalhador sob pena de arcar com as consequências e violações que os seus atos acarretarem, consoante elencados nos tópicos antecedentes.

A seguir, mostrar-se-ão alguns exemplos das demandas enfrentadas pelo Direito do Trabalho na sociedade atual e suas interpretações frente a essas ocorrências.

a) Revistas íntima e pessoal

Atualmente, a prática do procedimento de revista pelos empregadores tem se tornado bastante frequente. A justificativa de estar atuando no direito de propriedade que lhe é resguardado pela Constituição Federal de 1988, de maneira desarrazoada e imoderada, já não encontra guarida na doutrina e na jurisprudência pátria.

Torna-se imperioso registrar que existem dois tipos de revista: a íntima e a pessoal. A primeira se apresenta, quando a revista se efetiva pela conferência direta no corpo do empregado, enquanto a segunda se perfaz no momento em que são verificados pertences, sacolas e bolsas do trabalhador de atitude visual.

Com a chegada da Lei nº 9.799/99, a Consolidação das Leis do Trabalho ganhou o artigo 373-A, que trata sobre a proteção da mulher no mercado de trabalho, proibindo, mais precisamente no seu inciso IV, a prática de revista íntima nas empregadas ou funcionárias, como forma de tutelar sua dignidade e intimidade. Vejamos:

“Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades nos acordos trabalhistas, é vedado: (…)

VI – proceder o empregador ou preposto a revista íntima nas empregadas ou funcionárias.”

Desde o seu advento, indagou-se se era permissiva a ocorrência de revistas íntimas em face dos empregados do sexo masculino, tendo em vista tal artigo restringir-se tão somente às pessoas do sexo feminino. Em atenção ao princípio constitucional da isonomia, contudo, a vedação deste exercício também deve ser estendida aos homens. Sobre o assunto, Alice Monteiro de Barros comenta:

“Como homens e mulheres são iguais em direitos e deveres (art. 5º, inciso I, da Constituição de 1988), os homens poderão invocar, por analogia, o citado art. 373-A da CLT, para se protegerem contra as revistas íntimas”[31].

Outra questão bastante discutida ocorre na abrangência do termo “revista íntima”, se abrange apenas o corpo do empregado ou também os seus pertences, pergunta esta a que a legislação trabalhista não responde.

Em face disso, a melhor forma de solucionar os conflitos — de um lado, o direito à intimidade e, do outro, o direito de propriedade —, é analisar cada caso concreto e extrair da situação em apreço qual direito deve prevalecer. Deve-se, portanto, buscar a ponderação de ambos e aplicar o princípio da proporcionalidade.

Como dito, a prática de revista pessoal pelo empregador fundamenta-se na pretensão de proteger o patrimônio do seu negócio, porém os meios adotados devem ser moderados, ao ponto de o direito à intimidade do empregado manter-se assegurado. Em caso de ato ilícito, de modo abusivo ou humilhante, a revista não será permitida e consequentemente passível de indenização por dano moral.

Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho tem entendimento dominante na recriminação, quando a revista íntima se faz de maneira desumana, ofendendo a dignidade da pessoa humana e o direito à intimidade do trabalhador, isto é, quando a revista pressupõe inspeção direta sobre o corpo do empregado, conforme se pode observar:

“RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI Nº 11.496/2007. REVISTA ÍNTIMA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. 1.1.11.496A CLT consagra o poder diretivo do empregador (art. 2º), que se manifesta por meio do controle, vigilância e fiscalização dos seus empregados. Tal poder encontra limites também legalmente traçados. Ninguém pode tudo. Os poderes de qualquer indivíduo, de qualquer instituição, para além do que trace o ordenamento, estão limitados não só pelo que podem os outros indivíduos e instituições, mas, ainda, pelo que, legitimamente, podem exigir na defesa de seus patrimônios jurídicos. 1.2. A Constituição da República (arts. 1º, inciso III, e 5º, – caput- e incisos III e X) tutela a privacidade e a honra, coibindo práticas que ofendam a dignidade da pessoa humana e constituam tratamento degradante. O art. 373-A, inciso VI, da CLT, por seu turno, traz vedação expressa à revista íntima – embora dirigido às mulheres empregadas, é passível de aplicação aos empregados em geral, em face do princípio da igualdade também assegurado pelo Texto Maior. 1.3. Ao assumir os riscos de seu empreendimento (CLT, art. 2º), o empregador toma a si a obrigação de adotar providências que garantam a segurança de seu patrimônio, iniciativa que encontrará larga resposta por parte da tecnologia moderna. 1.4. Não há nada e nenhuma norma que autorize o empregador ou seus prepostos a obrigar empregados ao desnudamento para revistas. 1.5. Não há revista íntima razoável. O ato em si constitui abuso de direito e, diante do regramento constitucional, é ilícito. O direito de propriedade não se estende a ponto de permitir ao empregador dispor da intimidade de seus empregados, submetendo-os, cruelmente, a humilhações, às quais se curvam pela necessidade de conservação do emprego. Não é razoável tolerar-se a recusa a valor tão básico, cuja reiteração, por certo, redunda em rigorosa modificação do espírito e em irrecusável sofrimento para o trabalhador. 1.6. Pergunta-se como reagiriam empregador, seus prepostos e, ainda, aqueles que sustentam tal comportamento, acaso submetidos a diárias revistas íntimas. Não se crê que, então, sustentassem-nas com tal vigor. 1.7. São inapreensíveis por outrem os direitos pessoais à preservação da dignidade, intimidade, privacidade e honra. 1.8. Infligindo dano moral, obriga-se o empregador à indenização correspondente (CF, art. 5º, V). Recurso de embargos conhecido e desprovido.CLTConstituição373-AVICLTCLT2ºCF5ºV” (903404920075050464 90340-49.2007.5.05.0464, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 21/02/2013, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 01/03/2013) [32];

Dessa maneira, a revista se justifica, não quando traduza um comodismo do empregador, para defender o seu patrimônio, mas quando constitua o último recurso para satisfazer o interesse empresarial, à falta de outras medidas preventivas. A tecnologia também poderá ser utilizada, para evitar ou reduzir os efeitos da revista na intimidade dos empregados, como, por exemplo: a colocação de etiquetas magnéticas em livros e roupas torna desnecessária a inspeção em bolsas e sacolas, nos estabelecimentos comerciais[33].

Todavia, quanto à revista pessoal, quando estiver frente à prática de inspeção em bolsas e sacolas do empregado, a sua ocorrência deverá ser executada de forma moderada, a fim de que o direito à intimidade do trabalhador não seja violada, caso contrário, tal prática não será aceita, ou seja, se o empregador atuar de modo atentatório, não se configurará abuso de direito, e o ato se caracterizará como exercício regular de direito. Vejamos abaixo julgado do Tribunal Superior do Trabalho:

“AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DESPACHO DA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL ATESTANDO A TEMPESTIVIDADE DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. A Presidência do TRT da 6ª Região, ao determinar o processamento do agravo de instrumento, registrou expressamente a sua tempestividade, referindo-se, inclusive, à Ordem de Serviço TRT-GP nº 380/2010, que suspendeu os prazos processuais. Agravo provido. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA REALIZADA COM MODERAÇÃO E RAZOABILIDADE. A revista em bolsas, sacolas ou mochilas dos empregados, sem que se proceda à revista íntima e sem contato corporal, mas apenas visual do vistoriador, e em caráter geral, não denuncia excesso por parte do empregador, pelo que não configura dano moral. Agravo de instrumento não provido.” (51736620105060000 5173-66.2010.5.06.0000, Relator: Horácio Raymundo de Senna Pires, Data de Julgamento: 25/04/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/04/2012)[34]

Analisando as decisões acima demonstradas, conclui-se que o Tribunal Superior do Trabalho tem uma tendência em aceitar a revista pessoal, desde que não viole os princípios constitucionais da intimidade, vida privada e dignidade do empregado. A vistoria em sacolas, bolsas e pertences é possível, desde que respeite alguns requisitos, ou seja, desde que seja feita de maneira geral, não sendo em empregados específicos e sem constrangimento. Logo, veda terminantemente a revista íntima, que seria a coação a se despir ou uma vistoria mais agressiva, por considerá-la lesiva, causadora de constrangimento social, moral e psicológico.

b) Fiscalização por instrumentos visuais

A tecnologia do mundo contemporâneo contribuiu de forma significativa, para que o empregador possa realizar sua atividade com maior qualidade, produtividade e rentabilidade. Os meios eletrônicos também se tornaram importantes ferramentas de controle e fiscalização realizados no ambiente de trabalho[35].

Entende-se por instrumento visual a instalação de aparelhos audiovisuais, servindo como controle de prestação de serviços, monitorando os movimentos dos empregados, a fim de garantir um excelente desempenho de suas funções.

A legislação brasileira não proíbe expressamente essa prática, entretanto, se o seu uso ocorrer indiscriminadamente, a ponto de possuir câmeras em lugares considerados íntimos, o empregador ultrapassará o limite permitido e estará sujeito a responder pelos prejuízos causados.

Assim, é o entendimento postulado pela doutrinadora Alice Monteiro de Barros:

“Inadmissível é entender que o conjunto de locais do estabelecimento esteja sob total controle do empregador e autorizar a introdução de aparelhos audiovisuais indistintamente. Ora, há certos locais que são privados por natureza ou se destinam ao descanso do empregado, logo, não se pode permitir a instalação de um sistema de vídeo, por exemplo, em um banheiro, ou em uma cantina”[36].

Nesse sentido, é a interpretação do Tribunal Superior do Trabalho:

“RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Está clara a conduta totalmente reprovável da Demandada, que demonstrou enorme falta de respeito à intimidade e à privacidade do Recorrido, violando seus direitos de personalidade ao controlar as idas ao banheiro, proceder a revistas íntimas e, pior, instalar câmeras no banheiro. O dano moral, nesse caso, decorre pura e simplesmente do ato ofensivo (in re ipsa), dispensando-se a prova da existência de dor psicológica ou perturbação à dignidade moral. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA PELO SINDICATO PROFISSIONAL. SÚMULAS 219 E 329 DO TST. A questão do deferimento dos honorários assistenciais no âmbito da Justiça do Trabalho está pacificada por este Tribunal por meio da Súmula nº 219, cuja orientação foi mantida mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, como confirma o verbete sumular n.º 329, também desta Corte. Assim sendo, a prevalecer a diretriz emanada da Súmula nº 219 do TST, o preenchimento dos requisitos da Lei n.º 5.584/1970 é necessário para o deferimento dos honorários advocatícios. Dessa feita, não se encontrando o Reclamante assistido por seu sindicato profissional, indevida a condenação em honorários advocatícios. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. Constituição Federal 5.584” (1236007420095040012 123600-74.2009.5.04.0012, Relator: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 07/12/2011, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2011)[37]

Sendo assim, verifica-se que a utilização de câmeras de vídeo no local de trabalho, de maneira desarrazoada e, principalmente, quando instalada em locais considerados como privados e íntimos, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que fere a intimidade do empregado.

c) Monitoramento de e-mail

Não há dúvidas de que o e-mail particular do empregado, utilizado para sua comunicação social e privada, recebe guarida pela Constituição Federal de 1988, sob a justificativa de estar amparado pelo direito à intimidade, à vida privada e à inviolabilidade da correspondência.

O empregador, valendo-se da prerrogativa de fiscalizar o exercício laboral do empregado, pode perfeitamente proibir o acesso a e-mails pessoais ou páginas da Internet não relacionadas com o trabalho realizado. Isso condiz com o seu poder de direção e em nada viola os direitos da personalidade do trabalhador.

Pode também, caso o e-mail seja fornecido por ele, assim chamado de e-mail corporativo, o monitoramente do seu conteúdo, o qual não será considerado ofensivo, desde que o trabalhador tenha ciência de que essa ferramenta só pode ser utilizada para fins profissionais, ou seja, que o seu uso dirige-se exclusivamente à atividade funcional.

Entende-se por e-mail corporativo a ferramenta de trabalho colocada pela própria empresa à disposição do empregado para a utilização em serviço. Ele é disponibilizado pelo empregador ao empregado, devendo-se utilizar dele de forma adequada e ética.

Se o e-mail é de uso corporativo, a não ser que o empregador consinta, deve destinar-se ao uso estritamente profissional, isto é, o correio eletrônico não pode ser utilizado para fins pessoais, nem para provocar prejuízo para o empregador, muito menos para cometer qualquer ilegalidade.

Impende ter presente que, de acordo com o art. 932, inciso III do Código Civil de 2002, em caso de o empregado utilizar, de forma indevida ou abusiva, o e-mail corporativo, poderá o empregador, em tese, responder perante terceiros por qualquer prejuízo, tal como sucederia com a utilização danosa de qualquer outra ferramenta de trabalho.

Maurício Godinho Delgado ensina que:

“Não há dúvida de que a tutela jurídica aos emails particulares do trabalhador, mesmo quando veiculados nos computadores da empresa, mantém-se absolutamente hígida – inviolabilidade plena – salvo autorização judicial contrária específica, em conformidade com o art. 5º, XII, da Constituição. Entretanto, no que tange aos emails corporativos, desde que se restrinjam a efetiva ferramentas de trabalho fornecidas pela empresa a seus empregados para que ali realizem atos de interação com estritos fins contratuais – atos que vinculam plenamente a empresa, a propósito (art. 932, III, Código Civil: o empregador responde objetivamente pelos atos de “…seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”) – nestes casos a regência normativa é diversa”[38].

Assim, apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado desfruta de proteção constitucional e legal de inviolabilidade. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado e-mail corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual o empregado utiliza-se do terminal do computador e do próprio endereço eletrônico, destinando-se a sua utilização para o envio de mensagens de cunho estritamente profissional, salvo com o devido consentimento do empregador.

d) Assédio moral

O assédio moral foi utilizado, pela primeira vez, pelos psicólogos e não faz muito tempo que entrou para o mundo jurídico. O que se denomina assédio moral, também conhecido como mobbing (Itália, Alemanha e Escandinávia), harcelement moral (França), acoso moral (Espanha), terror psicológico ou assédio moral entre nós, além de outras denominações, são, a rigor, atentados contra a dignidade humana, os quais se manifestam, de início, na família e na escola, quando se confrontam, respectivamente, filhos e alunos com predileções ostensivas[39].

Dessa citação, pode-se verificar que o assédio moral é um fenômeno que sempre existiu no mundo, seja jurídico ou não, inclusive sendo frequentes as reclamações de assédio moral no local de trabalho, as quais chegam volumosamente à Justiça do Trabalho nos dias hodiernos.

O assédio moral no ambiente de trabalho é mais comum do que se pensa, muitos dos trabalhadores são submetidos a situações constrangedoras e humilhantes, possuindo como vítimas, na maioria dos casos, as mulheres.

Inicialmente, os doutrinadores definiam o assédio moral como sendo uma situação em que uma pessoa ou um grupo de pessoas exercem uma violência psicológica externa, de forma sistemática e frequente sobre outra pessoa, com quem mantém relação no ambiente de trabalho, com o objetivo de destruir sua reputação, perturbar o exercício de suas funções e forçar a demissão da vítima[40].

No entanto, tal interpretação é bastante criticada, por ser muito rigoroso, uma vez que, atualmente, esse comportamento não ocorre somente entre chefes e empregados, mas também em seu inverso, tendo ocorrido até mesmo entre colegas de mesma classe de trabalho.

Desse modo, a definição do doutrinador Maurício Godinho Delgado abrange de uma melhor forma o entendimento do assédio moral em face das possíveis ocorrências:

“[…] conduta reiterada seguida pelo sujeito ativo no sentido de desgastar o equilíbrio emocional do sujeito passivo, por meio de atos, palavras, gestos e silêncios significativos que visem ao enfraquecimento e diminuição da autoestima da vítima ou a outra forma de desequilíbrio e tensão emocionais graves”[41].

A doutrina e a jurisprudência elencam alguns requisitos para a caracterização do assédio moral, sejam eles: a intensividade da violência psicológica; prolongamento no tempo, não podendo ser um episódio esporádico; ter como finalidade ocasionar um dano psíquico ou moral ao empregado e que se produzam efetivamente os danos psíquicos[42].

Esse último, segundo Alice Monteiro de Barros, é dispensável, pois o dano moral independe do dano psíquico, afirmando que o conceito de assédio moral deverá ser definido pelo comportamento do assediador, e não pelo resultado danoso. Nesse norte, é a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 14º Região:

“ASSÉDIO MORAL. ABUSO DE DIREITO DO EMPREGADOR. NAO CONFIGURAÇAO. ÔNUS DA PROVA DA RECLAMANTE. ARTIGOS 818 DA CLT E 333, I, DO CPC. É da reclamante o ônus da prova quanto à prática, pela reclamada, de assédio moral. O assédio moral consiste em conduta abusiva, de cunho psicológico, que atenta contra a dignidade do trabalhador, de forma reiterada e prolongada, causando evidente abalo emocional. No âmbito das relações de trabalho a tutela da dignidade moral do trabalhador tem por finalidade impedir que os atos empresariais possam entrar em conflito com os direitos personalíssimos e com a esfera moral do trabalhador. A existência ou não do dano moral nas relações de trabalho deve estar vinculada diretamente às situações relativas ao exercício do poder diretivo do empregador, em face dos limites da subordinação a que está sujeito o trabalhador. Embora o assédio moral no ambiente de trabalho seja inaceitável, a indenização decorrente dessa prática somente pode ser reconhecida quando houver prova segura da existência de conduta abusiva do empregador, ou de empregado seu. No presente caso, não há prova consistente a autorizar o reconhecimento da existência de assédio moral praticado contra a obreira, eis que pelas próprias declarações da reclamante, não existe sequer indício de prova da submissão da trabalhadora a situações de constrangimento e humilhação no seu ambiente de trabalho. Destarte, à míngua de prova, deve ser mantida a improcedência do pedido de indenização por assédio moral”. (TRT-14 – RO: 359 RO 0000359, Relator: DESEMBARGADOR CARLOS AUGUSTO GOMES LÔBO, Data de Julgamento: 18/11/2011, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DETRT14 n.214, de 21/11/2011)[43].

Dessa forma, a jurisprudência mais moderna vem dispensando a presença deste quarto elemento (dano psíquico) e de forma muito apropriada. A mesma conduta não pode esperar resultados diferentes, dependendo da forma como a vítima irá reagir. A conduta punível é a do agressor, e não da vítima. A reação da vítima não pode ser fato determinante à incidência ou não do assédio moral, senão estaria avaliando-se o comportamento da vítima, e não do agressor.

Vê-se, portanto, que o assédio moral, para a sua configuração, depende da intensidade da violência psicológica e do prolongamento no tempo, tendo por finalidade ocasionar um dano psíquico ou moral ao empregado. Consiste na exposição do empregado a pequenos ataques, que, intencionalmente, atinjam-lhe a honra ou lhe causem algum tipo de dor, de modo reiterado, tratando-se de uma violência de natureza psicológica que perdura no tempo.

e) Limitação ao uso do banheiro

O poder diretivo da empresa se insere no direito potestativo do empregador e não gera, via de regra, direito à indenização por dano moral.

Ocorre que, no direito existente, não se pode admitir, sob pena de desrespeitar a regra contida no artigo 187[44] do Código Civil de 2002, que a utilização dessa prerrogativa se dê de forma abusiva, a despeito de limites impostos, senão por princípios, por regras contidas no próprio ordenamento jurídico.

A limitação ao uso do banheiro, na esfera das relações de trabalho, constitui mais uma das possíveis práticas lesivas exercitadas pelo empregador em desfavor de seus empregados, levantando, igualmente, posicionamentos conflitantes.

Uma primeira vertente doutrinária e jurisprudencial defende que se situa nos limites do poder diretivo do empregador estabelecer, com moderação, regras para utilização dos sanitários, notadamente no caso de trabalho em call center, tendo em vista a dificuldade de operação do centro de atendimento no caso de vários empregados se ausentarem simultaneamente de seus postos de trabalho.

Não é essa, todavia, a interpretação que prevalece. Não há como entender que essa prática constitui desdobramento da sujeição do empregado ao poder diretivo do empregador, no qual se compreende o poder de controle. Na realidade, ao adotar tal prática, o empregador está entrando na intimidade de seu subordinado, porquanto, efetuar o controle das idas do empregado ao banheiro, bem como a reprimenda dos funcionários que excedam o que a reclamada entende como tempo razoável, constrange, e por vezes até obstar o regular e necessário exercício de necessidades fisiológicas, assim como dar publicidade de quantas vezes cada um se ausenta para a utilização do banheiro, se mostra extremamente constrangedor e abusivo.

Como argumentado alhures, a faculdade do empregador de ditar regras no âmbito da organização da empresa deve ser exercida dentro dos limites da razoabilidade e com moderação, isto é, de modo a preservar os direitos de personalidade do empregado. A instituição de norma restritiva ao uso do banheiro traduz exercício abusivo do poder de direção, pois não se revela admissível que estabeleça controle sobre situação de ordem biológica, que independe da vontade do ser humano, impedindo que o empregado faça uso do banheiro quantas vezes se fizerem necessárias.

Em outras palavras, a restrição do uso do banheiro expõe indevidamente a privacidade do empregado, ofendendo sua dignidade, visto que não se pode objetivamente controlar a periodicidade da satisfação de necessidades fisiológicas, que se apresentam em diferentes níveis em cada indivíduo.

Ir ao banheiro é necessidade básica do ser humano. O empregador que estabelece horários para que o empregado possa satisfazer suas necessidades fisiológicas ou que determina autorização para poder ir ao banheiro acaba por negar a condição de ser humano de seu empregado e, assim, o ofende em sua dignidade. O empregado não é máquina e o empresário que utiliza o trabalho humano para a consecução de sua atividade deve ter isso em mente.

A atividade empresarial deve ser exercida sempre mediante respeito à dignidade humana (artigos 1º, III, e 170 da Constituição), o que pressupõe a consideração do ser humano como finalidade do progresso econômico, nunca como mero meio. Ademais, embora o poder empregatício realmente legitime a adoção de medidas para a fiscalização do local de trabalho, não pode o empregador fazer isso de modo a ofender a dignidade de seus trabalhadores.

Desse modo, tal limitação ou restrição do uso do banheiro pelo empregador em face do empregado viola frontalmente a dignidade da pessoa humana, revelando abuso aos limites do poder de direção, sendo, portanto, passível de indenização por dano moral. Nesse vértice, pode-se verificar recente julgado do Colendo Tribunal Superior do Trabalho:

“I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – DANO MORAL. RESTRIÇÃO AO USO DE BANHEIRO. Constatada divergência jurisprudencial, nos termos do art. 896, a, da CLT, impõe-se o provimento do Agravo de Instrumento para determinar o processamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento conhecido e provido. 896 CLT; II – RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. RESTRIÇÃO AO USO DE BANHEIRO. No caso dos autos, a Reclamada restringia o uso do banheiro, tanto que se a empregada utilizasse o toalete fora dos intervalos previamente determinados pela empresa, sofria sanções de natureza disciplinar e financeira. A restrição do uso de banheiro expõe indevidamente a privacidade do empregado, ofendendo sua dignidade, visto que não se pode objetivamente controlar a periodicidade da satisfação de necessidades fisiológicas que se apresentam em diferentes níveis em cada indivíduo. Tal procedimento revela abuso aos limites do poder diretivo do empregador. Recurso de Revista conhecido e provido.” (2724420105100000 272-44.2010.5.10.0000, Relator: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 09/05/2012, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/05/2012)[45]

O que jamais se pode admitir é que, em função de uma maior produtividade e rigor na relação capital e trabalho, sejam violados direitos personalíssimos do ser humano, precarizando o direito fundamental ao labor constitucionalmente assegurado[46].

Conclui-se, dessa forma, que privar alguém do uso do banheiro, ou cercear essa utilização, além de implicar agressão à dignidade da pessoa humana, quando perpetrada no ambiente em que são prestados serviços, traduz desrespeito ao valor social do trabalho, dando ensejo à indenização por dano moral.

7. Considerações finais.

A relação de emprego, sendo uma das espécies do gênero da relação de trabalho, configura-se, quando estiverem presentes, de forma simultânea, quatro pressupostos, quais sejam, pessoalidade, trabalho não eventual, remuneração e subordinação.

Essa relação de emprego é composta por duas partes: de um lado, o empregador, e, do outro, o empregado. Este é o que coloca a sua energia de trabalho à disposição do empregador, e aquele é o responsável pela determinação do que e como serão realizadas as atividades laborais do empregado.

O poder de organizar a atividade empresarial e ditar normas é chamado de poder diretivo ou, também, poder de direção. Tal poder é conferido ao empregador, que, em razão do direito de propriedade, sendo o dono do estabelecimento — e por isso suporta todos os riscos que a empresa apresentar —, deve garantir seu bom funcionamento.

Dessa relação de emprego, surge o poder diretivo, e, dele, derivam os poderes regulamentar, fiscalizatório e disciplinar. Em face desse poder, em algumas conjunturas, a relação sofre algum desequilíbrio, devendo a lei estabelecer que o empregador deve agir sempre com boa-fé e respeitar os direitos dos seus subordinados, sob pena das responsabilidades civil e trabalhista.

É por meio desses direitos que o empregador organiza a empresa, dá ordens e fiscaliza a atuação dos empregados, inclusive possuindo a faculdade e o poder de puni-los, quando agirem em desobediência. Contudo, esse poder empregatício é limitado, pois o empregado tem o direito de resistir às ordens consideradas abusivas ou ilícitas.

Pode-se justificar que essa resistência do empregado é uma forma de reduzir o desequilíbrio dessa relação imposta a partir da assinatura do contrato de trabalho, tentando deixá-lo em uma posição de igualdade com o empregador. Logo, deve o empresário respeito aos direitos personalíssimos do subordinado no exercício do seu poder de direção.

Valendo-se do direito de propriedade, assegurado pela Constituição Federal de 1988, e do objetivo de fazer com que o seu empreendimento desenvolva cada vez mais, o empregador aproveita métodos, para proteger seu patrimônio. Todavia, exercitando condutas desrespeitosas e, principalmente, excessivas, tocando os direitos da personalidade do empregado, essa justificativa, em regra, não prevalecerá.

Como foi visto, várias são as possibilidades de práticas abusivas do empregado, na tentativa de fazer valer a progressão do seu negócio, dentre elas, as revistas íntima e pessoal, a fiscalização do trabalho por instrumentos visuais, o monitoramento de e-mail, o assédio moral e a limitação das idas ao banheiro.

Tendo em vista que a Carta Magna resguarda a toda pessoa o direito à intimidade e à vida privada, haveria, nesse caso, um choque de direitos fundamentais em face do direito de propriedade do empregador, existindo, como única forma de solucionar esse imbróglio, a análise do caso concreto, para decidir qual direito deve prevalecer.

A maioria da doutrina e da jurisprudência é essencial à análise do caso concreto, considerando que a atuação de maneira imprópria e exagerada por parte do empregador, ao ponto de os direitos da personalidade do empregado serem desrespeitados, é passível de rescisão indireta e gerador de danos morais, não podendo o empregador, portanto, utilizar-se de um poder de hierarquia, para subordinar os seus empregados de forma desumana e humilhante.

A justiça do trabalho, atendendo aos anseios dos trabalhadores, vem aplicando, de forma correta, a efetivação dos princípios constitucionais, sobretudo os direitos da personalidade do empregado em face do direito de propriedade do empregador. Do contrário, estar-se-ia a manifestar desinteresse por nossa própria dignidade, suportando a coisificação e a banalização do ser humano.

 

Referências
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NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
Disponível em: < http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/2028/2123 > Acesso em: 24 de abril de 2013.
Disponível em < http://tst.jusbrasil.com/jurisprudencia/21615304/agravo-de-instrumento-em-recurso-de-revista-airr-1729003820095030107-172900-3820095030107-tst > Acesso em: 07 de maio de 2013.
Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23070110/embargos-declaratorios-recurso-de-revista-e-ed-rr-903404920075050464-90340-4920075050464-tst > Acesso em: 29 de abril de 2013.
Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21615187/agravo-de-instrumento-em-recurso-de-revista-ag-airr-51736620105060000-5173-6620105060000-tst > Acesso em 29 de abril de 2013.
Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20947823/recurso-de-revista-rr-1236007420095040012-123600-7420095040012-tst > Acesso em: 29 de abril de 2013.
Disponível em < http://trt-14.jusbrasil.com/jurisprudencia/21373286/recurso-ordinario-trabalhista-ro-359-ro-0000359-trt-14 > Acesso em: 05 de maio de 2013.
Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21620380/recurso-de-revista-rr-2724420105100000-272-4420105100000-tst > Acesso em: 29 de abril de 2013.

Notas
[1] Trabalho de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Direito Material e Processual do Trabalho como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista
[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 660.
[3] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 636-9.
[4] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 480.
[5] MARTINS, Sérgio Pinto apud MANTOVANI JUNIOR. O direito constitucional à intimidade e à vida privada do empregado e o poder diretivo do empregador. – São Paulo: LTr, 2010, p. 75.
[6] FERREIRA, Aluísio Henrique. O poder direito do empregador e os direitos da personalidade do empregado. São Paulo: LTr, 2011, p. 49.
[7] DELGADO, 2012, p. 664.
[8] MURARI, Marlon Marcelo. Limites constitucionais ao poder de direção do empregador e os direitos fundamentais do empregado: o equilíbrio está na dignidade da pessoa humana. São Paulo: LTr, 2008, p. 100.
[9] BARROS, 2011, p. 461.
[10] AVALONE FILHO, Jofir. A ética, o direito e os poderes do empregador. Disponível em: < http://www.jurisdoctor.adv.br/artigos/emprega.htm >. Acesso em: 29 de abril de 2013.
[11] FERREIRA, 2011, p. 53.
[12] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 47.
[13] GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009, p. 49.
[14] FERREIRA, 2011, p. 55.
[15] HIRONAKA, Griselda Maria F. Novaes apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009, p. 45.
[16] FERREIRA, 2011, p. 56-57.
[17] MANTOVANI JUNIOR, 2010, p. 15.
[18] Disponível em: < http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/2028/2123 > Acesso em: 24 de abril de 2013.
[19] FERREIRA, 2011, p. 105.
[20] BRASIL, 2002. Art. 186. Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[21] Idem. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos caos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[22] FERREIRA, 2011, p. 107.
[23] Ibidem. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: iii) o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.
[24] DELGADO, 2012, p. 620.
[25] Ibidem, p. 620.
[26] ALKIMIN, Maria Aparecida. Violação na relação de trabalho e a proteção à personalidade do trabalhador. Curitiba: Juruá, 2008, p. 180.
[27] BRASIL, 2002. Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
[28] ALKIMIN, 2008, p. 168.
[29] MARTINS, Sérgio Pinto. Fundamentos de direito do trabalho. – 13. ed. – São Paulo: Atlas, 2012, p. 78.
[30] Disponível em < http://tst.jusbrasil.com/jurisprudencia/21615304/agravo-de-instrumento-em-recurso-de-revista-airr-1729003820095030107-172900-3820095030107-tst > Acesso em: 07 de maio de 2013.
[31] BARROS, 2011. p. 464.
[32] Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23070110/embargos-declaratorios-recurso-de-revista-e-ed-rr-903404920075050464-90340-4920075050464-tst > Acesso em: 29 de abril de 2013.
[33] Ibidem, p. 464.
[34] Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21615187/agravo-de-instrumento-em-recurso-de-revista-ag-airr-51736620105060000-5173-6620105060000-tst > Acesso em 29 de abril de 2013.
[35] JUNIOR, Mantovani Laert, 2010. p. 83.
[36] BARROS, 2011. p. 472.
[37] Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20947823/recurso-de-revista-rr-1236007420095040012-123600-7420095040012-tst > Acesso em: 29 de abril de 2013.
[38] DELGADO, 2012, p. 646.
[39] BARROS, 2011, p. 732.
[40] LEYMANN, apud BARROS, Alice Monteiro, 2011, p. 733.
[41] DELGADO, 2012, p. 1247.
[42] BARROS, 2011, p. 735.
[43] Disponível em < http://trt-14.jusbrasil.com/jurisprudencia/21373286/recurso-ordinario-trabalhista-ro-359-ro-0000359-trt-14 > Acesso em: 05 de maio de 2013.
[44] BRASIL, 2002. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
[45] Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21620380/recurso-de-revista-rr-2724420105100000-272-4420105100000-tst > Acesso em: 29 de abril de 2013.
[46] FERREIRA, 2011, p. 129.

Informações Sobre o Autor

Jose Sueldo Gomes Bezerra Filho


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