Autora: Bruna J. Thumé
Orientador: João Batista da Silva, Msc.
Resumo: O objetivo do presente trabalho consiste em verificar inicialmente o contexto histórico dos fluxos migratórios no mundo, o fenômeno do monopólio da legitimidade da mobilidade, os efeitos do passaporte e a migração no continente europeu. Posteriormente, passa-se a verificação da imigração em Portugal, expondo os meios mais comuns de entrada e permanência no território nacional, bem como seus efeitos sociais, passando para uma verificação acerca da desumanização do imigrante. Na sequência, expõe-se quais são os direitos dos imigrantes em Portugal, para que por fim, sejam verificados quais são os direitos garantidos aos imigrantes ilegais em Portugal. Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizou-se o método dedutivo, os procedimentos monográfico e histórico com detalhada pesquisa bibliográfica. E diante das limitadas garantias, concluiu-se que os direitos internacional e interno devem servir como instrumentos para a efetivação dos direitos inerentes ao ser humano, e não mais como limitadores destes, em especial no que concerne à mobilidade de pessoas.
Palavras-chave: Migrações. Portugal. Direitos humanos. Imigração.
Abstract: The objective of this project consists in verifying the historical context of the migratory floods in the world at it’s premise and the monopoly of mobility legitimacy phenomenon, the effects of the passport as well as the Europe focused migration. Afterwards, the verification process of the Portugal immigration begins, displaying the mundane manners of entry and permanency at the national territory along with it’s social effects, followed by the authentication circa the dehumanization of the immigrant. Subsequently, the immigrant rights in Portugal are demonstrated, in order that, it’s verified which are the granted rights of the illegal immigrants of Portugal. For the developing of this research, a deductive method, monographic and historical procedures were used amidst a detailed bibliography. Confronted by the restricted guarantees, is deducted that international and national law should attend as tools for the affordability of inherent human rights, no more as a limit, especially concerning public mobility.
Keywords: Migrations. Portugal. Human rights. Immigration.
Sumário: Introdução. 1. Os fluxos migratórios. 1.1. O contexto histórico da migração no mundo. 1.2. O monopólio da legitimidade da mobilidade. 1.3. O passaporte. 1.4. A migração no continente europeu. 2. A migração em Portugal. 2.1. A flexibilização das fronteiras. 2.2. Os meios de entrada ilegal. 2.2.1. Transporte marítimo. 2.2.2. Transporte rodoviário. 2.3. Permanência em território nacional após a expiração do visto. 2.3.1. Entrada por visto de turismo. 2.3.2. Entrada por Carta-Convite. 2.3.3. Entrada por visto de estudo. 2.3.4. Entrada por visto de trabalho. 2.4. Problemas sociais gerados pela permanência irregular. 3. A desumanização do imigrante. 3.1. A desumanização do imigrante ilegal. 3.2. A atuação da ONU na defesa dos direitos humanos. 3.3. Os direitos humanos e sua aplicabilidade na defesa dos direitos dos imigrantes. 4. Os direitos do imigrante. 4.1. A condição jurídica do estrangeiro no direito internacional. 4.1.1. Condição jurídica do estrangeiro em Portugal. 4.1.2. Os princípios da universalidade, da igualdade e da equiparação. 4.1.2.1. Universalidade. 4.1.2.2. Igualdade. 4.1.2.3. Equiparação. 4.1.3. Exceções ao princípio da equiparação. 4.2. Limitações de direitos dos imigrantes. 4.2.1. Limitações admitidas pelo direito internacional. 4.2.2. Limitações admitidas pelo direito interno. 4.2.3. Limitações do direito à liberdade. 4.3. Os direitos do imigrante ilegal. 4.3.1. Os direitos humanos como fundamento. 4.3.2. O acesso à saúde. 4.3.3. A proteção ao trabalho. 4.3.4. O acesso à educação. 4.3.5. Outros direitos. Conclusão. Referências.
Introdução
Com base no conflito entre a soberania do Estado e os direitos humanos, é possível verificar, sob a perspectiva humanitária, o fenômeno do monopólio da legitimidade da mobilidade, que confere ao Estado o poder de determinar, e mitigar o direito de ir e vir, inerente à condição humana. Com isso, o presente trabalho visa verificar quais são, efetivamente, os direitos dos imigrantes em situação irregular em Portugal, sendo que, mais especificamente, tem como objetivos verificar de um ponto de vista geral como ocorre e quais são os problemas sociais gerados pela imigração no mundo e, posteriormente em Portugal.
Verificaram-se profundamente os fluxos migratórios, o contexto histórico das migrações, o fenômeno do monopólio da legitimidade da mobilidade e a migração na União Europeia, seguindo posteriormente para uma verificação mais específica a respeito da migração em Portugal, expondo ainda, com base nos direitos humanos e na atuação da Organização das Nações Unidas (ONU), o fenômeno da desumanização do imigrante ilegal, sendo demonstrados os prejuízos sofridos pelos que se encontram nesta situação, bem como seus efetivos direitos.
1 Os fluxos migratórios
É inerente ao homem a necessidade de deslocamento entre os territórios possíveis, desde muito antes da formação do Estado, já que, em tempos distantes existia grande número de grupos sociais, com algum tipo básico de organização, que viviam de maneira nômade, ou seja, esgotavam todas as possibilidades do local, seguindo posteriormente para um próximo território.
Segundo Cavarzere, entende-se por migração o movimento em si, de pessoas, seja interior, que se caracteriza pelo fluxo dentro de um mesmo território, seja exterior, ou internacional, que se trata do movimento entre Estados soberanos. Já a imigração constitui-se na ação de estabelecer residência em um país estrangeiro. (2001). Dito isso, tem-se que a migração pode se relacionar a alguns fatores basilares, que garantem aos imigrantes, identificação própria no cenário internacional. “A migração tem relação com o empobrecimento de determinadas classes sociais e a ampliação das desigualdades entre nações, como também se realiza por aspirações a mudanças e a circulação. Ser migrante confere, portanto, uma identidade, quer para o sujeito que está migrante, quer para aqueles não migrantes com quem ele/ela se relaciona, mas é também um processo de des- identificação”. (CASTRO, 2008, p. 10)
Logo, percebe-se que os fluxos migratórios acabam por estruturar grupos de indivíduos cujos direitos não são definidos ao certo, já que, possuindo uma identidade de imigrante, segregada dos demais, acaba-se por gerar uma divisão social fortemente marcada pela exclusão e falta de garantias fundamentais, principalmente para aqueles em situação irregular. Veja bem, se para imigrantes devidamente documentados, já é possível perceber um processo de “des-identificação”, conforme o fragmento trazido acima, no qual se perde a identidade nacional para adentrar a um grupo em situações semelhantes aos apátridas, é necessário analisar que, a situação de perda de identidade é extremamente agravada quando a discussão cai sobre aqueles imigrantes irregulares, os quais os Estados soberanos insistem em tratar como problemas, enquanto na realidade, muitos destes Estados soberanos dependem da mão de obra imigrante. Tal processo de “des- identificação” e segregação, se dão pelo fato de haver fortemente marcado, um nacionalismo exacerbado por parte dos povos, principalmente europeus, que valorizam a “raça” nacional e excluem, na maioria das vezes, os extracomunitários. (CASTRO, 2008).
Tem-se que, “Na sua expressão mais geral, o nacionalismo constitui sempre uma visão interpretativa da realidade, que se coloca – em relação à nação – como uma totalidade. Embora se manifeste de formas diversas e contraditórias, possui sempre uma característica comum”. Desse modo, é possível o entendimento de que correntes nacionalistas buscam exaltar valores particulares de um povo, colocando este em posição de superioridade com relação às demais nacionalidades, e sustentando o desejo de afastamento de indivíduos não nacionais, o que gera grande parte da não aceitação sofrida pelos imigrantes em geral. (RUBEN, 1984, p. 17).
Com isso, percebe-se que crescimento desenfreado dos fluxos migratórios no cenário internacional vem gerando a necessidade de reavaliação dos paradigmas para que sejam melhor conhecidas e compreendidas as migrações internacionais. Desse modo, torna-se imprescindível a incorporação de novas definições e dimensões explicativas acerca do fenômeno migratório, tendo como base a cada vez mais forte e bem estruturada ampliação e efetivação dos direitos humanos dos imigrantes. (PATARRA, 2006).
Nesse contexto, “O debate entre os universalistas e os relativistas culturais retoma o dilema a respeito dos fundamentos dos direitos humanos […]. Para as universalistas, os direitos humanos decorrem da dignidade humana, na condição de valor intrínseco à condição humana. Defende-se, nessa perspectiva, o mínimo ético irredutível – ainda que se possa discutir o alcance desse ‘mínimo ético’ e dos direitos nele compreendidos”.. Logo, a ideia universalista se baseia amplamente na defesa dos direitos do homem, defendendo a efetivação de direitos mínimos para os não nacionais, já que estas garantias devem decorrer da dignidade da pessoa humana, e não de condição legal. (PIOVESAN, 2006, p. 16).
Já para os relativistas, a ideia de moral é variável de acordo com a cultura, a economia, a política, entre outras variações, e a única forma de compreender estas variações é analisá-las com base no contexto cultural em questão. Dessa forma, com base na teoria relativista, não há uma moral universal, mas sim a construção de diferentes ideias de moral baseadas no contexto histórico de cada povo. Desse modo, com base na ideia relativista cultural, a miscigenação de culturas pode ser considerada algo problemático, tendo em vista que ocasiona a gradativa perda da identidade nacional. Contudo a ideia universalista defende que o nacionalismo, na verdade, fica em segundo plano quando se trata da efetivação dos direitos humanos. (VINCENT, 1986).
Para Reis, a questão dos refugiados e dos problemas que envolvem a reunificação familiar é um dos principais pontos no debate entre a soberania do Estado e os direitos individuais no campo das migrações internacionais, principalmente no que concerne ao tratamento dado aos imigrantes indocumentados, já que é necessária a definição de quais são os direitos individuais que devem ser garantidos mesmo aos indivíduos que se encontram em situação irregular por consequência do fluxo de pessoas entre os Estados. (2004). Tem-se que os fluxos migratórios são historicamente inerentes a natureza humana, sociável e naturalmente livre, logo, “É inegável que há no íntimo de cada ser humano o impulso incoercível natural de sociabilidade e liberdade.” (CAVARZERE, 2001, p. 08).
1.1 O contexto histórico da migração no mundo
Os grandes fluxos migratórios são uma realidade internacional desde muito antes do tempo das grandes navegações, quando os monarcas europeus passaram a buscar a expansão para além das terras conhecidas. O desenvolvimento da engenharia náutica, bem como das relações internacionais foi de fundamental importância para que toda a colonização que se deu posteriormente tenha se tornado realidade, possibilitando uma miscigenação em grande escala e o início do deslocamento de grupos para territórios recentemente descobertos.
Expõe Brito que, “Os países das Américas, o chamado Novo Mundo, têm a sua formação fortemente marcada pelas migrações internacionais. Inseridos no antigo ‘Sistema Colonial’, foram a confluência dos povos europeus, africanos e asiáticos”. (1995, p. 21). Desse modo, percebe-se que foram os fluxos migratórios, desde seu princípio, os responsáveis pela estruturação dos que hoje são chamados de Estados Soberanos, com cidadãos nacionais descendentes daqueles que há alguns séculos, eram, na maioria das vezes, cidadãos europeus.
Conforme o autor, “Estima-se que, entre 1850 e 1914, aproximadamente 30 milhões de pessoas emigraram da Europa para a América, principalmente para os Estados Unidos, Brasil e os países da Bacia do Prata.” Este foi, muito provavelmente, o maior movimento migratório internacional da história dos povos até aquele momento. (BRITO, 1995, p. 23).
Analisando alguns períodos anteriores na história da humanidade, percebe-se que “Em todas as civilizações antigas, a importância econômica e social das migrações servis é inegável.” Ademais, não se pode precisar o início dos fluxos migratórios, já que estudiosos apontam que possivelmente a Ásia tenha sido o centro de dispersão primitiva da humanidade, iniciando a povoação de outros continentes, contudo, as migrações antigas possuíam características fortes de violência, já que visavam à invasão de territórios. Já na idade moderna, as migrações se tornaram mais brandas, já que não possuíam mais, na maioria das vezes, um carácter colonizador. (CAVARZERE, 2001, p. 18).
Logo, o fluxo migratório contemporâneo não pode ser entendido como algo recente, mas sim como uma evolução natural da sociedade, em busca de mudanças e de melhores condições. Entretanto, lamentavelmente, até os dias de hoje, estes fluxos de pessoas não foram adequadamente compreendidos e regulamentados de modo que tragam benefícios para todas as partes, expressando uma clara prevalência dos direitos do Estado sob os direitos humanos. (BRITO, 1995).
1.2 O monopólio da legitimidade da mobilidade
No contexto das migrações internacionais, analisado anteriormente, pode-se perceber a forte imposição Estatal sob o fluxo de pessoas em suas fronteiras, logo, tem- se hoje uma prevalência dos direitos do Estado sob os da pessoa humana, situação claramente explícita quando se percebe o poder da soberania impedindo o trânsito de pessoas, ou seja, limitando a liberdade inerente à condição humana.
Para Reis, “[…] Estados são associações que, entre outras características, possuem o monopólio de legitimidade da mobilidade […].” (2004, p. 150). Tendo isso como premissa da soberania de um Estado, temos que o direito à liberdade, citado reiteradas vezes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, como por exemplo, no art. III “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, é mitigado, apesar de tal declaração ter sido ratificada por inúmeros países. (Organização das Nações Unidas, 1948).
Ainda, no art. XIII, 2, da mesma carta, temos que “Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar”. (Organização das Nações Unidas, 1948). Assim, percebe-se uma real violação dos direitos humanos quando a soberania de um Estado impede o fluxo migratório, afinal, não se pode conceber a ideia de, com base em princípios internacionais, os Estados tenham o objetivo de barrar uma evolução natural dos povos garantida pelos já pacificados direitos do homem. Segundo Patarra, “É preciso reconhecer, nesse contexto, que os movimentos migratórios internacionais representam a contradição entre os interesses de grupos dominantes na globalização e os Estados nacionais, com a tradicional óptica de sua soberania […].” (2006, p. 8). Desse modo, no cenário internacional, é preciso definir, primeiramente, quais garantias irão prevalecer, as do Estado, ou as do ser humano.
Para Reis, novas pesquisas no cenário internacional indicam que o fortalecimento de um regime mundial de direitos humanos, tem obrigado os Estados a redefinirem suas fronteiras, em função da universalidade dos direitos individuais. Esse processo possuiria duas características importantes: de um lado, os Estados teriam sua soberania enfraquecida frente ao indivíduo, de outro, os direitos de cidadania estariam intimamente ligados aos da nacionalidade, logo, o Estado não seria mais capaz de definir com base em seus próprios interesses, quem pode ou não entrar e se estabelecer em seu território, desse modo, a própria distinção entre nacional e não nacional estaria perdendo sua importância, uma vez que os direitos seriam atribuídos em nome da dignidade inerente à pessoa humana, e não à sua nacionalidade. (2004).
Em contrapartida, existe ainda um forte debate entre os universalistas e os relativistas culturais, a respeito do alcance das normas de direitos humanos, no qual o primeiro grupo defende a universalidade da aplicação destes, enquanto o segundo defende que a aplicação é relativa, tendo em vista que deve ser levada em consideração a cultura dos povos. Este debate vem reforçando a ideia de flexibilização da soberania, uma vez que põe em pauta a importância de colocar a proteção dos direitos humanos em primeiro plano, independentemente da posição adotada por Estados signatários ou não de tratados que versem sobre tais direitos. (PIOVESAN, 2007). Desse modo, pode-se perceber um novo futuro para o contexto internacional no que diz respeito às migrações, no qual “o ‘nós’ estaria perdendo essa capacidade de decidir sobre as identidades e os direitos relacionados a elas”. Isto leva a crer em uma consequente impotência por parte do Estado no que diz respeito aos fluxos de pessoas em suas fronteiras, fazendo com que a identidade nacional perca gradativamente a centralidade nos debates internacionais. (REIS, 2004, p. 161).
Nesse contexto, tem-se que os estrangeiros, ainda que em situação irregular no território nacional, não podem ser privados de direitos fundamentais, garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas, 1948), tendo em vista os princípios da universalidade, igualdade e da equiparação, os quais garantem uma atenção primordial a tais direitos, impedindo restrições que os limitem. (NEVES, 2011). Pode-se notar que, o objetivo internacional é cada vez mais a criação de uma cultura dos direitos humanos, a qual busca a pacificação de um mínimo ético irredutível, através do diálogo entre culturas e de um fortalecimento da diversidade com base em ideias universalistas, que visam estabelecer a supremacia dos direitos humanos sob os do Estado, mitigando, em parte, a própria soberania. (PIOVESAN, 2007).
1.3 O passaporte
Inicialmente tem-se como pré-requisito para a instrumentalização da nacionalidade através do Passaporte, o seu reconhecimento por parte do Estado, logo, “No exercício do direito de legislação, cabe ao Estado determinar quais os seus nacionais, as condições da aquisição e perda”. (SILVA; ACCIOLY, 2002, p. 391). Ainda, como pressuposto para a nacionalidade, tem-se a identificação do indivíduo como membro de um determinado grupo, sendo que a palavra “identidade”, tem significado equivalente à “mesmidade” ou “mesma coisa”. Desse modo, surge a necessidade de formalizar a condição de “igual aos demais” do indivíduo, o que ocorre por meio da carteira de identidade. Contudo, a identidade, em sentido abstrato, trata-se de um sentimento de pertencimento social, ou seja, a consciência do indivíduo sobre si mesmo dentro de um determinado grupo. (DETIENNE, 2013). Sendo assim, a nacionalidade pode ser compreendida como uma ideia mais específica de identidade, categorizando os grupos de indivíduos, já que esta define o grupo em questão, dando-lhe um nome e características próprias, podendo a identidade ser compreendida como o sentimento de pertencimento à determinada nacionalidade, composta por indivíduos “iguais”. (DETIENNE, 2013). Ainda, sabe-se que, “Nacionais são as pessoas submetidas à autoridade direta de um Estado, que lhes reconhece direitos e deveres e lhes deve proteção além das suas fronteiras”. (SILVA; ACCIOLY, 2002, p. 391).
Como instrumento de comprovação de nacionalidade, tem-se o Passaporte, que “É documento policial destinado a garantir a livre passagem de um ponto a outro em qualquer Estado da Sociedade Internacional com que seu Estado de origem mantenha relações diplomáticas.” (SILVA, 2002, p. 207). Para conceituar brevemente, “O significado do termo passaporte sofreu modificações tanto no direito internacional como no direito interno. A palavra em si é resultado da combinação da palavra francesa ‘passer’ (=passar) com a palavra inglesa ‘port’ (= porta ou portão) ”. (CAVARZERE, 2002, p. 95).
O Passaporte foi introduzido em alguns países europeus durante os séculos XVI e XVII, tendo como objetivos principais a diminuição do grande número de mendigos que perambulavam pela Europa, o controle e fiscalização dos movimentos dos súditos dentro das fronteiras do próprio Estado e controlar a entrada e saída de indivíduos no território Estatal, contudo, no final do século XVII, tornou-se instrumento de repressão política em alguns Estados, fazendo com que muitos países da América Latina e Europa abolissem sua exigência no século XIX. Nesse contexto, durante a Primeira Guerra Mundial, o controle e exigência no uso de Passaportes foi extremo, dificultando ao máximo os fluxos migratórios, devido às políticas de fechamento de fronteiras, entretanto, após 1945, acordos bilaterais e multilaterais, nos quais era flexibilizado o uso do Passaporte para viajantes, se tornaram frequentes, ocasionando inclusive a simplificação dos obstáculos aduaneiros. (CAVARZERE, 2002).
Apesar dos inúmeros benefícios atribuídos ao uso do Passaporte, analisando a ideia de que o Estado exerce o monopólio da legitimidade da mobilidade, como já defendido no tópico acima, percebe-se que tal documento pode ser entendido como a maior forma de controle do Estado sobre o ser humano, limitando sua liberdade de locomoção com base nos interesses Estatais. Tem-se aí a legítima ideia do que se trata o já citado monopólio da legitimidade da mobilidade, já que o homem, com base em sua nacionalidade, atribuída pelo Estado e documentada por meio do Passaporte, sofre restrições em seus direitos fundamentais, apesar de receber benefícios inerentes à sua nacionalidade.
1.4 A migração no continente europeu
Mais especificamente, é necessário verificar o que ocorre dentro do continente europeu com relação aos fluxos migratórios, uma vez que tal continente recebe grande quantidade de imigrantes que adentram aos territórios de várias formas, as quais serão expostas mais à frente.
Nesse sentido, percebendo a flexibilização das fronteiras europeias em virtude da constituição de uma zona de livre comércio e circulação de pessoas, que ensejou um crescente fluxo migratório intracomunitário, Gruppelli e Saldanha discorrem: “A partir dos Tratados Constitutivos da União Européia, este bloco não somente criou um mercado comum como, também, adotou diversas medidas que aboliram obstáculos à livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas entre os Estados membros. Especificamente em relação à livre circulação de pessoas, a política de integração da União assume amplas proporções com a adoção de uma cidadania comum aos nacionais de seus países, a qual consagra o direito de ir e vir e de instalar-se livremente dentro do âmbito europeu. Tais direitos encontram-se consagrados no Tratado da União Européia (TUE), cujo teor foi feito na cidade holandesa de Maastricht, em 1992, por isto também chamado de Tratado de Maastricht. (GRUPPELLI; SALDANHA, 2007, p. 3)”.
Logo, é possível perceber características diversas na imigração intracomunitária, já que não fica esta sujeita a difícil integração social, enfrentada pelos imigrantes extracomunitários, bem como não permanece à margem da legalidade, tendo em vista a adoção de uma cidadania comum aos nacionais europeus. (GRUPPELLI; SALDANHA, 2007). Percebe-se que, “Durante a segunda metade do séc. XX muitos países europeus transformaram-se em países de imigração e a adaptação intercultural, tornou-se um conceito chave para as sociedades de imigração”. Dessa forma, muitos desafios passaram a ser enfrentados pelos países da comunidade europeia, já que a integração entre variadas culturas se tornou necessária, havendo mudança inclusive nos valores sociais, permitindo a criação de uma identidade social mutável, já que alterada gradativamente. Entretanto, a discórdia no processo de aculturação acaba por gerar problemas sociais e discriminação entre membros de nacionalidades distintas. (SOUSA; GONÇALVES, 2015, p. 549).
De todo modo, nota-se que “A União Europeia carece de uma política imigratória comum, a exemplo da Política Agrícola Comum, da Política de Concorrência, da Política do Meio Ambiente, dentre outras. Nesse sentido, quando se refere à ‘Política Imigratória da União Europeia’, trata-se do conjunto de normativas comunitárias que disciplinam alguns aspectos relacionados à questão da imigração”. (LEITE, 2010, p. 62). Logo, apesar da livre circulação de pessoas, do livre comércio, entre outras características da comunidade Europeia, não existe até o momento uma política comum para a imigração, dando liberdade aos países para regularem tal matéria. (LEITE, 2010). Dessa forma, fazendo uma análise com base na crescente globalização, e consequentemente o aumento dos fluxos migratórios, percebe-se a existência de inúmeros problemas relacionados à imigração no continente europeu, já que apesar de existir uma flexibilização de fronteiras entre os países da União Europeia, os imigrantes de outros países continuam à margem da legalidade.
Ao analisar a sociedade e seu desenvolvimento, percebe-se que “O mundo encolhe com a globalização, vitimizando particularmente o tido como estranho. A comunidade europeia abre-se aos seus, abole fronteiras internas e reforça barreiras externas, repelindo os ‘extracomunitários’”. (CASTRO, 2008, p. 12).
Motivados por esse desejo de repelir os extracomunitários, ganham força no continente os movimentos nacionalistas de direita, que buscam acima de tudo, a defesa da identidade nacional de seus cidadãos. “A força motora do discurso contra a imigração por parte destes grupos é a defesa da identidade nacional e cultural. Existem outros fatores, nomeadamente econômicos (como o desemprego), ou de lei e ordem (como a insegurança) que, de tempos a tempos, são invocados para reforçar o sentimento contra os imigrantes”. (ZÚQUETE, 2014, p. 218).
Este discurso nacionalista radical, é fato gerador de grande parte da xenofobia disseminada pelos países europeus, fato que contribui para a tão desatualizada e descabida desumanização do imigrante ilegal, que será melhor analisada mais à frente, já que, até mesmo os devidamente documentados sofrem do preconceito disfarçado de nacionalismo. A rejeição do imigrante é alicerçada em uma lógica de exclusão daqueles indivíduos não pertencentes a um determinado grupo nacional, sendo esta, baseada na divisão cultural, principalmente. Logo, sob esta ótica, os povos devem ser mantidos segregados, assumindo os movimentos nacionalistas, uma posição anti- globalista. (ZÚQUETE, 2014, p.218 a 219).
Apesar disso, “Especificamente em relação à livre circulação de pessoas, a política de integração da União assume amplas proporções com a adoção de uma cidadania comum aos nacionais de seus países, a qual consagra o direito de ir e vir e de instalar-se livremente dentro do âmbito europeu.” (GRUPELLI; SALDANHA, 2007, p. 3). É curioso que, com relação aos imigrantes europeus, ainda que haja esforços para a livre circulação de pessoas e para a aplicação de uma cidadania comum aos cidadãos dos países da União Europeia, os movimentos de direita vêm ganhando força, tentando, estes, colocar a ideologia da segregação acima dos acordos realizados pelos Estados europeus, fato que representa fortemente um retrocesso na relação entre países, fazendo com que se coloque a soberania e o nacionalismo radical em uma posição de superioridade com relação aos direitos do ser humano. (ZÚQUETE, 2014).
Entretanto, “Concomitantemente a um quadro de violações dos direitos humanos dos migrantes e intolerâncias institucionais, há também iniciativas positivas que pedem mais atenção e envolvimento em particular de uma militância por um vir a ser de ações afirmativas/transformativas.” Por essa razão, alguns governos de países de emigração, vêm adotando posicionamentos de proteção aos seus nacionais, ainda que estes se encontrem no exterior, e ainda, é possível perceber, mesmo que em fase inicial, a criação de entidades que representam os direitos dos imigrantes. (CASTRO, 2008, p. 23). Desse modo, percebe-se que os posicionamentos com relação a migração no continente europeu são bastante divididos, já que, apesar de os movimentos nacionalistas possuírem grande força, a defesa dos direitos humanos continua sendo discussão fundamental, e a crescente globalização remete, inevitavelmente, a sociedade a uma ideia globalista de estruturação, ainda que o globalismo seja, por ora, parcialmente utópico.
2 A migração em Portugal
Portugal, membro da União Europeia, por fatores como clima, idioma e supostas oportunidades, acaba atraindo grande número de imigrantes, desse modo, passou a ser considerado um país de imigração, sendo que há alguns séculos, era um país majoritariamente de emigração. “Se houve alturas que de Portugal partiam naus e caravelas com população portuguesa para povoar outros países, agora elas regressam, mais sofisticadas, ou não, mas trazem de igual forma pessoas com os mesmos desejos, os de melhorar as suas vidas. E, talvez, “Portugal um jardim à beira-mar plantado” os consiga concretizar”. (COSTA, 2009, p. 119).
Apesar de pertencer à União Europeia, é possível observar que Portugal possui política de imigração própria, assim como os outros membros do bloco, uma vez que, apesar de os países membros possuírem livre circulação de pessoas, livre comércio entre outros, existe liberdade na definição de algumas das regras de imigração para imigrantes extracomunitários. Percebe-se que, “A política imigratória da União Europeia ainda continua descentralizada, posto que muitos aspectos relacionados à imigração são deixados à regulação por cada país, a exemplo dos vistos de trabalho e estudo, onde cada país exige o que pensa ser melhor para cada Estado”. (LEITE, 2010, p. 62).
No mais, sabe-se que “A investigação realizada em Portugal sobre imigração revela que o tipo de fluxos migratórios que se têm vindo a registar, desde meados dos anos oitenta, é marcadamente bipolar e que a população imigrante tende a concentrar-se numa área geográfica específica, a Área Metropolitana de Lisboa (AML), que nas últimas décadas registou uma marcada desindustrialização em simultâneo com um acentuado crescimento do terciário”. Desse modo, percebe-se a existência de uma bipolaridade nas correntes migratórias em Portugal, sendo que, de um lado, tem-se os fluxos de mão de obra qualificada, nas áreas de gestão, novas tecnologias e na área do saber, de outro lado, tem- se as correntes de imigração de mão de obra não qualificada, que são atraídas, por vezes, pelo crescimento econômico gerado pela primeira corrente, neste segundo caso, a qualificação independe, já que a oferta gerada tem como alvo trabalhadores com pouca ou nenhuma qualificação. (BAGANHA, 2007, p.01)
Ainda, tem-se um fluxo migratório bastante diversificado no território português, sendo expressivo o número de imigrantes do Leste europeu, principalmente no ano de 2006. Os “Imigrantes do “leste europeu”, nome que inclui uma variedade de populações nacionais distintas – russos, ucranianos, moldavos, romenos, entre outros –, têm migrado em grandes contingentes para Portugal. Durante um espaço de tempo significativo, entre 2001 e 2003, os ucranianos assumiram o posto de nacionalidade de imigrantes mais numerosos em Portugal – lugar logo depois destinado aos brasileiros”. Contudo, apesar de expressivo, prevalece no país uma tradição que dissemina o racismo, tendo os europeus, em geral, grande dificuldade de aceitar as diferentes raças, em especial os africanos e imigrantes do leste europeu, gerando uma segregação por etnias. Nesse sentido, percebe-se um certo privilégio por parte dos imigrantes brasileiros, uma vez que são os únicos a terem sua identidade nacional preservada, já que os imigrantes do leste europeu são formados por diversas nacionalidades, assim como os africanos, no entanto, são classificados todos sem distinção de identidade nacional. (MACHADO, 2006, p. 121).
Ademais, “a nacionalidade brasileira é a principal comunidade estrangeira residente contando com cerca de 92120 cidadãos (23%). De registar também nos últimos anos, um aumento dos vistos de estudantes, nomeadamente de nacionalidade angolana e brasileira”. (SOUSA; GONÇALVES, p. 549, 2015). Porém, apesar da difícil receptividade com relação à imigração em si, é indiscutível a dependência do mercado de trabalho português face à mão-de-obra imigrante, tanto para a efetivação de obras públicas, colaborando com a estruturação do país, mas também para certos segmentos de serviços pessoais, domésticos, de hotelaria e turismo. Na realidade, o que ocorre em grande parte dos grupos de imigrantes é uma colocação profissional inicial que se agrega às bases da pirâmide social, e contribuem nas estruturas básicas. Esta realidade, contudo, não caracteriza, por si só, a exclusão social, já que é necessário avaliar, em meio a estes grupos, quantos indivíduos efetivamente permanecerão nestas condições, pois a necessidade de evolução social torna necessária a progressão destes, para se integrarem à sociedade como nacionais. (MACHADO, 2003).
Levando-se em consideração estas principais correntes migratórias que adentram ao território português, é inevitável uma análise das consequências destes fluxos e, principalmente, das condições garantidas a estes imigrantes.
2.1 A flexibilização das fronteiras
Sendo o país pertencente à União Europeia, membro do território Schengen, Portugal compartilha de um mercado comum, bem como da livre circulação de cidadãos europeus em suas fronteiras. Desse modo “A aplicação do princípio da liberdade de circulação de pessoas amplia-se com a supressão das fronteiras interiores, com fulcro no Acordo Schengen, cujo objetivo é promover uma maior efetivação da livre circulação, com o intuito de diminuir de forma gradual os controles nas fronteiras internas”. (GRUPPELLI; SALDANHA, 2007, p. 3).
Com a criação da União Europeia, Portugal passou a buscar um aumento significativo de obras públicas, a fim de suprir a carência de infraestrutura que até então assolava o país. Em paralelo a isto, buscou também um maior incentivo à expansão da economia informal, ocasionando um crescente aumento no número de vagas para atividades que não exigem qualificação. Entretanto, tais vagas não eram facilmente preenchidas por cidadãos portugueses, levando o país à necessidade de recrutamento de trabalhadores estrangeiros, fato que vem gerando crescente aumento na população de Portugal, sendo que sua distribuição geográfica está relacionada ao nível de desenvolvimento urbano e econômico das regiões portuguesas. “Estes factores, aliados à falta de experiência das autoridades nacionais na regulação da imigração, às oportunidades sempre dadas através de campanhas de regularização extraordinária aos imigrantes ilegais, incluíram Portugal na lista dos imigrantes potenciais e dos ‘engajadores internacionais'”. (COSTA, 2009, p. 119).
É importante ressaltar que, sendo o país, foco para a imigração, existem tanto os fluxos migratórios internos, entre países europeus, quanto externos, formados por países extracomunitários, e a flexibilização das fronteiras diz respeito, na maioria das vezes, às relações com países do bloco. Percebe-se que imigrantes de países ricos, não são, em regra, etnizados, sendo estes considerados estrangeiros e não minorias étnicas, ao exemplo dos africanos, brasileiros e imigrantes do leste-europeu. Ademais, quando se trata de imigração extracomunitária, existe a necessidade de políticas de socialização, com o intuito de garantir a efetivação dos direitos destes imigrantes, bem como a possibilidade de progressão destes, em meio à sociedade portuguesa, necessidade esta que não se aplica a estrangeiros de países europeus, em especial os de grande influência política e econômica. (MACHADO, 2006).
Desse modo, sendo considerado Portugal um país imigrante potencial, por garantir direitos e proporcionar campanhas de regularização para imigrantes ilegais, o fluxo migratório com rumo às terras lusas continua crescente, proporcionando a instalação de um grupo cada vez maior de imigrantes em situação irregular, que adentram ao território de diversas maneiras, tanto legais, como ilegais. (COSTA, 2009).
2.2 Os meios de entrada ilegal
Para que permaneçam ilegais em território português, os imigrantes, das mais variadas nacionalidades, utilizam de diversas maneiras para atravessarem as fronteiras do país, agregando-se ao cada vez maior grupo de imigrantes ilegais. “A população estrangeira residente em Portugal, a 31 de Dezembro de 2011, totalizava 436.822 cidadãos (stock provisório), o que representa um decréscimo do stock da população residente de –1,90%, face ao ano transato. Como nacionalidades mais representativas surgem o Brasil, Ucrânia, Cabo Verde, Roménia, Angola e Guiné-Bissau, sem que se verifiquem alterações em termos das dez principais nacionalidades, face ao ano precedente. O Brasil mantém-se como a comunidade estrangeira mais representativa, com um total de 111.445 residentes, decrescendo face a 2010”. A entrada destes imigrantes no território português pode ocorrer pelo transporte marítimo, no qual são amplamente usados como meio de transporte os cruzeiros internacionais, e o transporte rodoviário, através de ônibus ou carros, porém pouco comum nos casos de imigração ilegal, já que os países próximos fazem parte da União Europeia, tendo seus nacionais o livre direito de transitarem e residirem em qualquer país do bloco. (PORTUGAL, 2011, p. 07).
2.2.1 Transporte marítimo
Um crescente fenômeno na imigração ilegal em Portugal tem sido a entrada de imigrantes por via marítima, sendo que, se utilizam estes do transporte em cruzeiros internacionais, que atracam nos portos do país. “No âmbito das fronteiras marítimas, em 2011 foram controladas 33.391 embarcações, representando um decréscimo face ao ano transato (-3,22%), explicado pela redução do número de embarcações de recreio controladas (- 5,71%). Os postos de fronteira mais relevantes são os de Lisboa (6.788 embarcações) e Leixões (3.359), registando um crescimento do número de embarcações controladas (+50,34% e +1,11%, respetivamente). Realce ainda para o volume de embarcações controladas nos portos/marinas de Portimão (2.915), Vilamoura (2.723) e Lagos (2.560)”. Ocorre que os imigrantes deixam o navio e não regressam para posterior retorno ao país de origem, deixando o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em estado de alerta, aumentando frequentemente o controle nos portos. (PORTUGAL, 2011, p. 25)
2.2.2 Transporte rodoviário
Por fazer fronteira apenas com a Espanha, o fluxo rodoviário internacional é em grande parte fruto deste país, entretanto, é também comum o fluxo provindo de outros países da União Europeia. Desse modo, considera-se pouco provável o aumento do grupo de imigrantes ilegais em Portugal advindos de países não pertencentes à União Europeia por via rodoviária, já que a distância entre países extracomunitários é bastante grande por estas vias. (LEITE, 2010).
Ademais, o fluxo de imigrantes provindos de países do bloco não caracteriza imigração ilegal, uma vez que seus nacionais possuem direito à livre circulação por entre as fronteiras europeias, como já citado anteriormente. (GRUPPELI; SALDANHA, 2007).
2.3 Permanência em território nacional após a expiração do visto
Após a análise das possibilidades de entrada ilegal no território Português, é necessário, em segundo plano, porém não menos importante, uma análise acerca da imigração inicialmente legal, que ocorre por vias aéreas. “Neste âmbito, em 2011, foram objeto de controlo 71.285 voos, valor que traduz um ligeiro aumento face aos voos controlados no ano precedente (4,73%). Este aumento observa-se tanto no movimento de chegadas (4,63%), como no de partidas (4,83%). Voos sujeitos a controlo 71285 35673 35612 68066 34095 33971 TOTAL Chegadas Partidas TOTAL Chegadas Partidas 2011 2010 Os aeroportos de Lisboa (32.471 voos) e de Faro (25.885 voos) são os que mais se destacam com, respetivamente, 45,55% e 36,31% dos voos controlados. Seguem-se os aeroportos do Porto (6.284 voos) e Funchal (3.390 voos), representando 8,82% e 4,76%, respetivamente. Esta representatividade é consistente com os valores registados nos últimos anos”. (PORTUGAL, 2011, p. 24).
Desse modo, é possível perceber que este é, sem dúvidas, o meio mais expressivo de entrada no território nacional, sendo inicialmente legal, por meio dos vistos, tanto comuns, quanto os concedidos no desembarque, porém, posteriormente à efetiva entrada do imigrante, este acaba por permanecer no território sem a devida autorização, agregando-se ao grupo dos imigrantes em situação irregular. (MACHADO, 2006). Ademais, “Do ponto de vista formal, o visto é uma anotação feita pelas autoridades diplomáticas ou consulares ou administrativas, no passaporte do viajante”. Contudo, por ter característica onerosa e por ser extremamente desgastante o preenchimento de todas as formalidades para a obtenção do visto, grande parte dos imigrantes optam por adentrar aos territórios estrangeiros de maneira ilegal. (CAVARZERE, 2001, p. 102).
2.3.1 Entrada por visto de turismo
Sem dúvida é o visto de turismo o maior responsável pelo crescente número de imigrantes ilegais em todos os países da União Europeia, principalmente quando se trata de imigrantes advindos de países que não necessitam de visto prévio para turismo, sendo este concedido na hora do desembarque, como por exemplo o Brasil. (CASTRO, 2008).
Nestes casos, é concedido visto de 90 (noventa) dias, sendo este, quando justificável, prorrogado por igual período, sendo a maneira mais fácil de adentrar ao território português, e, por esse motivo, a mais utilizada. (PORTUGAL, 2016). Muitos são os imigrantes que adentram ao país nesta situação, porém, ao chegar passam a procurar empregos, permanecendo ilegais por no mínimo seis meses, já que este é o prazo de efetiva vigência do contrato de trabalho para que o imigrante possa solicitar sua regularização.
2.3.2 Entrada por Carta-Convite
Não menos expressiva é a entrada por meio de carta-convite, procedimento no qual um residente de Portugal envia uma carta convidando o imigrante a vir ao país a fim de visitá-lo. (PORTUGAL, 2014). Trata-se um meio mais fácil para familiares adentrarem as fronteiras do país a fim de visitarem seus entes queridos, contudo, acaba sendo uma alternativa que permitiria ao imigrante, passar “despercebido” no serviço de imigração, permanecendo irregular no território nacional.
2.3.3 Entrada por visto de estudo
Trata-se de uma alternativa amplamente utilizada, porém nem sempre planejada, como nos casos acima, já que, os estudantes migram para Portugal, matriculados em universidades, e lá permanecem legalmente, munidos do visto de estudo, até o término do curso. (PORTUGAL, 2014). Entretanto, ao fim dos anos de estudo, muitos dos que não lograram êxito em adquirir contrato de trabalho para a posterior aquisição do visto para esta categoria, acabam por permanecer no país ilegalmente em busca de empregos.
2.3.4 Entrada por visto de trabalho
Neste caso, o imigrante firma contrato de trabalho com empresa localizada em Portugal antes de efetivamente migrar para o país. Dessa forma, o trabalhador chega no território português legalmente, com vínculo empregatício. Contudo, não permanecendo na empresa contratante, pelos mais variados motivos, terá um prazo para ficar no país, podendo ir em busca de outro emprego, até que o visto expire. Se expirado o visto de trabalho, o imigrante não houver logrado êxito em adquirir novo contrato com empresa situada no país, este passará a estar em situação irregular. (PORTUGAL, 2014).
2.4 Problemas sociais gerados pela permanência irregular
Inúmeros problemas são gerados pelo acumulo de imigrantes ilegais no território português, como a falta de empregos, de assistência à saúde, de segurança, contudo, é possível afirmar que o maior problema causado é, sem dúvida, a crescente corrente “anti-imigrante”, defendida pelos partidos de extrema direita, na qual o não nacional é visto como “inimigo”. “São tempos em que até a retórica dos direitos humanos, como princípio universal, é deixada de lado, em que já não se camuflam racismos e intolerâncias várias. Aproveita-se a ideologia do medo e da insegurança, culpando um outro, comumente o de pele escura e “hábitos estranhos” por problemas que atingem a todos, não ricos, por limites estruturais do modelo político econômico, como desemprego, inseguranças, violências e intransigências culturais e religiosas. O “inimigo” é externo, é o estranho, será? Em nome da “pureza” da identidade cultural e de uma suposta relação entre migração e terrorismo, abertamente políticos conservadores de países da União Européia defendem plataformas anti-imigrantes que garantem votos”. (CASTRO, 2008, p. 12).
É possível vislumbrar uma forte relação, ainda que inverídica, entre a imigração ilegal e o terrorismo atual, sendo que a imigração em busca de oportunidades, é uma realidade antiga para o continente europeu, atraindo este inúmeros imigrantes em busca de novas oportunidades, as quais não obtiveram em seus países de origem, tendo este fluxo, absolutamente nenhuma ligação com o terrorismo recentemente propagado pelo Estado Islâmico contra os países europeus, não sendo razoável a generalização cometida por parte de políticos conservadores. (CASTRO, 2008). Ainda, um fenômeno comum tornou-se a hierarquização dos imigrantes, que acaba por criar estereótipos étnicos altamente prejudiciais para o desenvolvimento social dos estrangeiros, já que acaba por submetê-los constantemente a preconceitos por motivo de raça, gerando a etnização, que leva em conta uma cultura objetivada baseada na suposta essência de cada povo. (MACHADO, 2006).
Ademais, imigrantes adentram ao território com o intuito, frequentemente, de se estabelecerem no mercado de trabalho, porém, a grande maioria sem qualificação. Por esse motivo, acabam por aumentarem as bases da pirâmide social, gerando mão de obra, o que de fato torna-se algo positivo para o país, uma vez que muitas são as oportunidades para funções com pouca, ou nenhuma qualificação exigida. Entretanto, a dinâmica social prevê uma necessária progressão destes imigrantes, podendo estes agregar conhecimento, e partirem para profissões de grau mais elevado, percebendo melhores remunerações e por consequência, uma melhor qualidade de vida. Logo, percebe-se que a expectativa é de inclusão, contudo, não há garantias de que tal inclusão se efetivará, ou se permanecerá o imigrante em condições de subalternidade, sem progredir em meio à sociedade que busca este se integrar. Nesse sentido, com relação a inclusão destes imigrantes nas bases da pirâmide social, “A questão é saber se e quantos deles aí permanecerão indefinidamente ou em que medida se verificará em Portugal o processo, conhecido noutras sociedades receptoras, em que os imigrantes começam na base da pirâmide e, progressivamente, se vão movendo para cima, em termos intra e intergeracionais. É disto que dependem, em boa medida, os cenários de integração ou de exclusão”. A exclusão pode decorrer de diversos fatores, tanto sociais, pela colocação em que se encontram em meio aos nacionais, quanto raciais, decorrentes da intolerância e nacionalismo exacerbados, que dividem indivíduos em grupos étnicos. (MACHADO, 2003, p. 185) Desse modo, percebe-se que o racismo e a intolerância por parte dos nacionais europeus gera boa parte dos problemas enfrentados pelos imigrantes em situação irregular, já que causa a não aceitação de povos distintos impulsionando o agravamento de problemas como a exploração do trabalhador ilegal, ou da falta de assistência no acesso à saúde, fatos que contribuem para a consolidação da desumanização destes imigrantes. (MACHADO, 2006).
É amplamente reconhecido que para os cidadãos europeus, a efetivação de direitos é assegurada por meio de tratados entre os Estados membros, garantindo a estes uma cidadania comum, que possibilita a livre circulação por todo o território pertencente à União Europeia, bem como a certa aplicação de todos direitos inerentes à pessoa humana. Contudo, para os extracomunitários, a aplicação de tais direitos não se torna assegurada, sendo, muitas vezes, inclusive, suprimidas as determinações contidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas, 1948). Ainda, é possível perceber diferentes situações vivenciadas pelos imigrantes ilegais, e por aqueles devidamente regularizados, quando se trata de imigração extracomunitária. Os legalizados são de extrema importância para o desenvolvimento do país, já que contribuem para a estruturação das bases do mercado de trabalho, possibilitando um avanço na economia nacional, apesar de, frequentemente, sofrerem com o preconceito étnico. Já a situação dos imigrantes ilegais tende a tomar maiores proporções, uma vez que a União Europeia, de forma arbitrária, parece selecionar os indivíduos úteis ao desenvolvimento do país, sendo estes capazes para permanecer em solo europeu, daí a política migratória descentralizada, que permite que cada Estado do bloco defina as regras para a imigração de acordo com seus próprios interesses. (GRUPPELLI; SALDANHA, 2007).
Nesse sentido, tendo em vista a vulnerabilidade do imigrante extracomunitário, principalmente aquele em situação irregular, é necessária uma análise, com base na aplicação dos direitos humanos, e nos efetivos direitos que estes possuem, bem como acerca dos mecanismos utilizados na defesa dos grupos que compõe as minorias étnicas, que além de enfrentarem dificuldades na inserção social, ainda, acabam por sofrer pelo cerceamento de direitos inerentes à condição humana.
3 A desumanização do imigrante
Inicialmente, deve-se ter como base para análise de toda e qualquer situação que limite o indivíduo, a aplicação efetiva dos direitos humanos, não tendo relevância para tal aplicação, divisões étnicas, sociais, políticas, econômicas, ou exigências documentais meramente impeditivas, com fundamentos xenofóbicos, uma vez que a sociedade internacional deve priorizar a efetivação dos direitos do homem acima de qualquer interesse estatal.
Tem-se que a igualdade consiste em um tratamento igual a todos os indivíduos, simplesmente por serem estes seres humanos, alocando-os todos em um mesmo nível, sem que existam distinções. Trata-se de mesma atribuição de valor a todos os indivíduos, independendo suas características particulares. (MOURA, 2005). Ademais, nota-se que a convicção de que o ser humano é desigual por fatores sociais, econômicos ou culturais, é ideia que se construiu por entre séculos de formação social, contudo, reputa-se necessária sua desconstrução, já que a igualdade é necessariamente entendida como fundamental para a afirmação do indivíduo como ser único pertencente a um grupo. (BEDIN, 1998). Contudo, a igualdade necessária parece, por vezes, utópica, ou ao menos de difícil alcance, tendo em vista o enraizamento de culturas que promovem a desigualdade como aspecto comum. Dessa forma, nota-se que “[…] enquanto os indivíduos eram considerados como sendo originariamente membros de um grupo social natural, como a família (que era um grupo organizado hierarquicamente), não nasciam livres, já que eram submetidos à autoridade paterna, nem iguais, já que a relação entre pai e filho é a relação de um superior com um inferior […]”. Nesse sentido, nota-se que a própria organização social foi de certa forma, concebida com base na desigualdade dos indivíduos, já que, desde os tempos mais distantes, a própria estrutura familiar dissemina a normalidade da não igualdade. Entretanto, tal organização social desigual, contribui amplamente para a aceitação da discriminação, dessa forma, fica claro que a efetiva igualdade impossibilita a desumanização, uma vez que sendo os indivíduos considerados iguais, não a que se falar em tratamento desumano de um para com o outro. (BOBBIO, 1992, p. 118)
Sob esta perspectiva, a preocupação com a defesa dos direitos humanos, que não é recente, torna-se cada vez mais imprescindível para a evolução social, possibilitando o desenraizamento de culturas arcaicas, já que a igualdade é direito inerente a todo ser humano, bem como princípio internacional estruturador na luta pela efetivação dos direitos humanos. (SCHAFRANSKI, 2003). Acrescenta-se por isso que “O reconhecimento dos direitos humanos é resultado de um processo histórico que coincide com a própria formação da sociedade moderna”. Ou seja, é inevitável a conclusão de que estes direitos são intrínsecos à condição humana, e que apenas sofreram aprimoramentos com a evolução social, fato que possibilitou maior entendimento acerca dos limites e liberdades que possuem os indivíduos, bem como sua adequação em meio a uma sociedade dividida por nacionalidades impostas pelo poder Estatal invisível. (JAYME, 2005, p. 14).
Vale ressaltar que a ideia de nacionalidade, que restringe os demais, vem da necessidade do ser humano de identificar o indivíduo, a fim de classificá-lo, para que possa este ser compreendido como membro de um determinado grupo. Trata-se de ação intuitiva humana, contudo, classificá-lo, por vezes, acaba por restringir a efetivação de direitos, já que colocá-lo em posição de “não cidadão” deste, ou daquele Estado, gera, sem dúvidas, grande vulnerabilidade com relação ao grupo em questão. É neste ponto que se encontra a desumanização do “não cidadão”, pois simplesmente por ser classificado desta maneira, sofre de segregação evidente, já que a identidade nacional toma frente, juntamente com os direitos do Estado, restringindo os direitos do imigrante, deixando assim a condição humana, sem classificações específicas, em segundo plano. (DETIENNE, 2013).
É certo que, como já desenvolvido até este ponto, os direitos do homem devem prevalecer em qualquer hipótese, devendo os direitos do Estado ficar indiscutivelmente em segundo plano, já que o Estado está para o ser humano, do contrário, é evidente a inversão de valores, independente da cultura em questão. No entanto, tal ideia nem sempre foi tida como verdadeira, já que desde a Grécia antiga, a concepção de Estado era dada como anterior e superior ao ser humano, sendo que tal ideia somente sofreu declínio após as mudanças políticas ocorridas nos séculos XVII e XVIII, que figuraram como divisor de águas entre um modelo social e outro. (BEDIN, 1998). Desse modo, a forte concepção disseminada nos séculos anteriores era de que “[…] os indivíduos passam como sombras, mas o Estado é fixo e estável”. (BOBBIO, apud, p. 59, 1992). Contudo, a percepção contemporânea indica que, obviamente, o Estado é posterior ao indivíduo, uma vez que a organização social desde seus primórdios foi instituída por este. Porém, para que se pudesse atingir tal concepção hoje, houve um grande período de transição entre o modelo antigo e o atual, denominado individualista, o qual foi fortemente marcado pela atuação do cristianismo, uma vez que o indivíduo passou a abandonar a vida social para dedicar-se ao indivíduo filho de Deus, dando início a uma percepção divergente àquela na qual o Estado detém o poder, e, por consequência, fundando a ideia de um individualismo primitivo. Hoje, contudo, o individualismo assume um papel de fundamento estruturante dos direitos humanos, uma vez que a importância do indivíduo é, indiscutivelmente, superior à importância do Estado, não devendo tal individualismo ser compreendido como sinônimo de egocentrismo, já que o ser humano em sentido amplo é consagrado por esta ideia, e não o homem social e pré- determinado. (BEDIN, 1998).
Nesse sentido, tem-se como significado primeiro para direitos humanos, algo que todos, subjetivamente, têm, sendo o que a sociedade vislumbrada independe, já que são princípios que devem regular a humanidade como um todo. Por essa perspectiva, percebe-se que a única qualificação exigida para que seja o indivíduo detentor de direitos humanos, é que à raça humana pertença. (VINCENT, 1986). Desse modo, percebe-se que todo indivíduo, dotado de direitos inerentes à sua condição humana, possui, entre outros, o direito de ir e vir, previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, sendo que este pode ser compreendido como uma ampliação da liberdade de circulação dentro de seu território de nascimento. Logo, quando um Estado, pautado em sua soberania, impede a circulação de pessoas em suas fronteiras, está infringindo um direito assegurado ao indivíduo, ora imigrante. Com isso, colocando os direitos do Estado acima dos direitos da pessoa humana, os imigrantes, principalmente aqueles em situação irregular, se encontram em clara situação de vulnerabilidade, na qual o pertencer à raça humana pouco importa, já que a nacionalidade conferida pelo Estado aos seus se torna fator fundamental para a socialização. Desse modo, não tendo os direitos humanos efetividade real para os imigrantes ilegais, estes são colocados em situação de desumanização, na qual, muitas vezes, os direitos básicos não são proporcionados. (CAVARZERE, 2001).
Sob este aspecto, percebe-se que “Limitar o direito de cada um de deixar o próprio país pode resultar em problemas de consequências irremediáveis. A injusta privação desse direito poderá levar o indivíduo ao confinamento no território de seu país, o que se assemelhará à restrição física em amplo espaço […]”. (CAVARZERE, 2001, p. 70). É certo que o Estado ainda possui uma sólida soberania, a qual possibilita a liberdade de decisão a respeito dos mais variados temas, como a política de imigração, entretanto, é possível perceber diversas situações nas quais a própria soberania é abrandada em prol da proteção aos direitos humanos, ao exemplo dos casos de guerra, ou de trabalhadores submetidos a condições desumanas, muitas vezes fruto de redes de aliciamento de pessoas. (GARCIA, 2005). Logo, a restrição à locomoção do indivíduo, que se ampara no princípio da soberania Estatal, perde força quando a sociedade internacional analisa tais questões com base nos direitos humanos, uma vez que Estado não pode, em hipótese alguma, assumir um papel de agente carcerário, tratando indivíduos livres como de presos fossem. (CAVARZERE, 2001).
Desse modo, “Os direitos humanos deixam de ser apenas questões de natureza doméstica, para se converterem em uma exigência constante e indeclinável da comunidade”. (SAMPAIO, p 246 a 247, 2004). Tendo em vista tais exigências internacionais, que clamam pela efetivação dos direitos humanos e o fim da desumanização do indivíduo, a sociedade internacional, motivada pelas graves violações, que se caracterizam crimes internacionais, buscou meios de garantir a proteção destes direitos, desenvolvendo então os princípios de acordos internacionais que visavam a construção de um direito humano, voltado para a satisfação das necessidades do ser humano em comunidade. Nesse sentido, tem-se a consolidação do Direito Internacional Humanitário, que tem como objetivo primeiro a proteção do homem, principalmente em tempos de guerra, simplesmente por ser este componente da raça humana, não levando em consideração aspectos relacionados à nacionalidade ou etnia. “Além de destinado a traçar parâmetros ético-morais mínimos a serem observados pelo Estado em relação ao indivíduo, especialmente em situações adversas decorrentes de conflitos armados, o Direito Internacional Humanitário nunca se viu adstrito à disciplina das relações internacionais mantidas entre Estados Soberanos. Desde a sua gênese, o indivíduo sempre foi concebido como um referencial obrigatório nas normas internacionais dessa natureza […]”. (GARCIA, 2005, p. 92)
Logo, percebe-se uma real preocupação com relação ao indivíduo, simplesmente por ser este pertencente à raça humana, devendo este ser considerado prioridade em qualquer hipótese, não sendo o Direito Internacional Humanitário condicionado aos interesses dos Estados. Desse modo, “O DIH é aplicável principalmente às vítimas dos conflitos armados, e sendo estas os destinatários imediatos desse sistema de proteção, os destinatários mediatos das normas não poderiam ser outros senão os Estados. Estes têm o dever, assumido quando da ratificação das Convenções de Genebra de 1949, de garantir proteção às categorias de indivíduos enquadradas nas normas humanitárias”. Contudo, apesar de o Direito Internacional Humanitário ter como destinatários primeiros as vítimas de guerras ou catástrofes naturais, sua aplicabilidade não fica restrita a estas situações, tendo em vista que o objetivo é a proteção dos direitos humanos. Desse modo, qualquer situação de exposição a situações que violem gravemente os direitos do homem, pode ser alvo de aplicação de normas humanitárias. (CHEREM, 2002, p. 14).
3.1 A desumanização do imigrante ilegal
É possível perceber que é o próprio Estado e seus nacionais, que tornam ilegal o imigrante, através de leis, discursos nacionalistas ou aplicação de força policial. Logo, não se trata apenas de norma positivada, mas também de uma postura anti-imigração, adotada tanto pelo governo, quanto por seus nacionais. Os imigrantes buscam melhores condições no país de destino, e acreditam que irão conseguir com facilidade uma inserção no mercado de trabalho, com o intuito, por vezes, de ajudar seus familiares, ou de conseguirem uma ascensão social rápida, por esse motivo, as condições impostas pelas leis de imigração não parecem determinantes para a decisão, logo, a permanência ilegal acaba sendo adotada como uma opção viável. (OLIVEIRA, 2004).
Com isso, percebe-se que inúmeros aspectos não são observados pelos imigrantes antes de adentrarem ao território estrangeiro, como os vários tipos de discriminação possíveis, as quais, ao certo, por alguma ao menos passarão no decorrer de sua trajetória, estando legais ou não. Dentre as possíveis discriminações, estão as motivadas pela raça, língua, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social diversas, entre outras possíveis. Estes fatores não previstos pelos imigrantes são os que contribuem imensamente para manutenção deste fenômeno denominado desumanização do imigrante ilegal, uma vez que tais discriminações acabam por colocá-los à margem da sociedade, em situação de vulnerabilidade e sem garantias de direitos básicos. (CAVARZERE, 2001). Nota-se ainda que a discriminação étnica sempre foi presente no continente europeu, contudo, os que antes eram denominados “negros”, hoje são “africanos”, não sendo garantida a identidade nacional destes povos, já que africanos podem ser provenientes de diversos países, como Cabo-Verde, Moçambique, Angola, entre outros. Logo, percebe-se que a questão racial prevalece sobre a ideia de nacionalidade, colocando todos os que possuem uma etnia igual, em um grupo único de não nacionais, agrupados, na maioria das vezes, pela cor da pele. (MACHADO, 2006).
Ao adentrarem nesta realidade de segregação étnica, os imigrantes, que necessitam de empregos para seu sustento, e muitas vezes de sua família, se submetem a condições precárias, aceitando trabalhos de subempreitada, nas quais trabalham em troca de remunerações extremamente baixas, por vezes em situação análoga à de escravos, sendo explorados e tratados de maneira desumana, com fornecimento de alimentação deficiente, não sendo possível suprir suas necessidades mais básicas. (OLIVEIRA, 2004). “Faz-se necessário recordar que os imigrantes em situação irregular sobre os países da UE são crianças, mulheres e homens, que como todo ser humano, possuem direitos. Em nenhum caso são “seres humanos ilegais”. O termo “ilegal”, não apenas estigmatiza, mas sugere uma subcategoria de ser humano que pelo simples fato de ter deixado o seu país de origem, em grande parte por necessidade, são considerados a priori como sinônimo de seres delinqüentes ou criminosos”. (LEITE, 2010, p. 63 a 64). Ademais, a condição de ilegalidade imputada aos imigrantes acarreta profundas incertezas, não sendo possível prever seus ganhos, bem como suas possibilidades, uma vez que estar ilegal não traz absolutamente nenhuma garantia, sendo que para muitos, o retorno ao seu país de origem é apenas adiado ao máximo. (OLIVEIRA, 2004).
Nesse sentido, percebe-se a clara desumanização do imigrante ilegal, ocasionada pelas ultrapassadas políticas migratórias adotadas, que optam por bloquear fronteiras, “protegendo” o território e os nacionais. Contudo, “O ideal para uma política imigratória não é fechar as fronteiras, mas sim regular e gerenciar os fluxos migratórios, junto com a convivência entre pessoas de distintas origens e culturas, respeitando em todos os casos o Sistema Internacional e Europeu de Direitos Humanos”. (LEITE, 2010, p. 69). Com isso, a fim de priorizar a condição humana, tem-se que “O princípio da igualdade incompatibiliza-se com a outorga ou manutenção de privilégios, sem, contudo, deixar de reconhecer na individualidade de cada pessoa e, em razão dela, as diferenças existentes entre os indivíduos”. (JAYME, p. 46 a 47, 2005). Logo, com base no tão importante princípio da igualdade, é possível conceber o não cabimento de diferenciações pautadas em divisões étnicas, não sendo justificável privar o indivíduo de direitos inerentes a todos, por mera discriminação legitimada pelos Estados Soberanos. “De fato, o Direito Internacional dos Direitos Humanos é, hoje, uma impressionante realidade, que busca proteger o indivíduo, nacional de um Estado ou não, de violações aos direitos fundamentais em qualquer lugar onde se encontre”. (ANNONI, 2004, p.25). Sob esta perspectiva, é certo que o tratamento desumano é logicamente contrário aos princípios internacionais dos Direitos Humanos, sendo necessária a busca pela efetiva aplicação de todos os direitos garantidos ao indivíduo por meio de tratados internacionais.
3.2. A atuação da ONU na defesa dos direitos humanos
A ONU caracteriza-se “pela ação de um tertius que não é um governo – um poder comum – mas uma instância de interposição num sistema interestatal”. (LAFER, 1995, p. 170). Com a elaboração da Declaração dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas, 1948), ficou concretizada a proteção aos direitos do homem, vinculando valores como a paz, a democracia, a tolerância, a cooperação e a legitimação da aspiração pelo desenvolvimento econômico, sendo que a paz, nesse contexto, não é mais limitada ao conceito do repúdio à guerra, já que abrange inúmeras outras situações de violação aos direitos humanos. Logo, tal declaração, além de direitos civis e políticos incorporou os direitos econômicos, sociais e culturais, e ainda, deixou expressa a aversão ao totalitarismo. (LAFER, 1995).
Ainda, “A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, representou no plano global, a primeira iniciativa no sentido da proteção universal dos direitos humanos”. (JAYME, 2005, p.63). A partir deste marco “[…] começa a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de inúmeros instrumentos internacionais de proteção”. (PIOVESAN, p. 13, 2006). Nesse sentido, percebe-se que para os tratados internacionais em geral, é necessária a atuação do poder legislativo para tornar positivado o conteúdo do tratado ratificado, e somente assim gerar efeitos no ordenamento jurídico interno. Já para tratados que versem sobre os direitos humanos, os direitos neles garantidos integram imediatamente o ordenamento jurídico interno. (PIOVESAN, 2008). Contudo, apesar de amplamente defendidos pela ONU e seus Estados membros, os direitos humanos ainda não figuram de fato como fator decisivo na relação entre Estados. “Em rigor, a proteção dos direitos humanos não está necessariamente incluída sob a epígrafe da manutenção da paz e da segurança internacionais, sendo plenamente factível a violação dos primeiros sem reflexos imediatos na estabilidade das relações internacionais”. (GARCIA, 2005, p. 116 a 117).
Logo, torna-se de extrema importância a atuação da ONU para dar efetividade, pelos meios necessários, aos direitos garantidos tanto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas, 1948), quanto por outros tratados neste viés. “Considerando que são três os propósitos centrais da ONU – manter a paz e a segurança internacional; fomentar a cooperação internacional nos campos social e econômico; e promover os direitos humanos no âmbito universal – , faz-se necessário que sua estrutura fosse capaz de refletir, de forma mais clara, equilibrada e coerente, a importância destes três propósitos”. Por esse motivo, a ONU passou a contar com o Conselho de Segurança, o Econômico e Social e o de Direitos Humanos, sendo definidos estes pelos três propósitos centrais da organização. (PIOVESAN, 2008, p. 133 a 134).
Ademais, nota-se que com a consolidação dos direitos internacionais do homem, através da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas, 1948), a Soberania dos Estados passou a ser relativa, já que em situações excepcionais, tal soberania poderá ser abrandada em prol da aplicabilidade dos direitos humanos. Daí a possibilidade de intervenção da ONU a Estados Soberanos, através de missões de paz, que visam a defesa dos indivíduos que passam por graves violações aos direitos garantidos pela declaração em questão. Nestas hipóteses, fica obrigado o país a aceitar o ingresso das missões internacionais, ficando a restrição à soberania bastante evidente. (GARCIA, 2005). A ONU atua na defesa dos direitos humanos não apenas em casos extremos, como em conflitos armados, mas também em violações aos direitos humanos que apresentem grande escala, sendo possível sua interferência quando grupos de indivíduos, por omissão do Estado, não possuem garantidos seus direitos básicos, como nos casos de exploração de trabalhadores imigrantes em situação irregular. Desse modo, ocorrendo a violação, a proteção pode se dar verticalmente, quando a organização monitora e estabelece regras e prazos para que sejam tomadas as devidas providências por parte do Estado em questão para que cessem as violações e sejam reparados os danos, ou horizontalmente, quando um Estado aplica boicotes ou embargos a outro com base na violação a direitos realizada por este. (ANNONI, 2004).
3.3 Os direitos humanos e sua aplicabilidade na defesa dos direitos dos imigrantes
Pode-se perceber na sociedade internacional, mudança significativa nas últimas décadas, já que é crescente a importância atribuída ao problema do reconhecimento dos direitos humanos e de sua efetiva aplicabilidade. “O problema, bem entendido, não nasceu hoje. Pelo menos desde o início da era moderna, através da difusão das doutrinas jusnaturalistas, primeiro, e das Declarações dos Direitos do Homem, incluídas nas Constituições dos Estados liberais, depois, o problema acompanha o nascimento, o desenvolvimento, a afirmação, numa parte cada vez mais ampla do mundo, do Estado de direito. Mas é também verdade que somente depois da Segunda Guerra Mundial é que esse problema passou da esfera nacional para a internacional, envolvendo – pela primeira vez na história – todos os povos”. (BOBBIO, 1992, p 49).
É possível vislumbrar a estruturação de uma sociedade internacional voltada para o ser humano, na qual o direito dos Estados perderá força, dando lugar às garantias do indivíduo. Com isso, tem-se a necessidade de garantir o direito de ir e vir inerente ao ser humano, sendo respeitados todos os outros direitos fundamentais, independente do território que se encontre. Percebe-se que “O direito de entrar em um país estrangeiro, de ali permanecer e de exercer atividade remunerada estão estreitamente ligados. Constituem condições preliminares para o igual tratamento dos nacionais e estrangeiros […]”. (CAVARZERE, 2001, p. 155). Tendo como base a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas, 1948), “Denota-se que não importa raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou condição social. Perante a Declaração todos são iguais, reconhecidos como pessoas e, em razão dessa condição essencial, nenhum indivíduo pode sofrer qualquer tipo de discriminação”. (ANNONI, 2004, p. 65). Logo, as garantias previstas em tal Declaração são evidentemente aplicáveis aos imigrantes ilegais que sofrem violações aos direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas, 1948) não apresenta força de lei, por se tratar de resolução adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, contudo, sendo compreendida como a interpretação autorizada da expressão “direitos humanos”, trazida pela Carta das Nações Unidas, possui força jurídica vinculante, tendo os Estados membros das Nações Unidas, obrigação de observar os direitos nela contidos. (PIOVESAN, 2008).
Sob esse aspecto, tem-se a necessidade de tornar eficaz os direitos garantidos aos indivíduos, imigrantes ou não, na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas, 1948), sendo que os Estados membros das Nações Unidas, devem, obrigatoriamente, observar tais direitos. O que de fato não ocorre amplamente com relação aos imigrantes ilegais, uma vez que os Estados insistem em marginalizá-los, tratando-se nitidamente de uma discriminação provinda do poder Estatal invisível, já que administrado este por meros nacionais. É de extrema importância analisar os fluxos migratórios sob a ótica humana, e não mais estrutural, quando os interesses do Estado são os priorizados. Nesse sentido, nota-se que os imigrantes em situação irregular que adentram os territórios europeus são simplesmente indivíduos, crianças, mulheres e homens titulares de direitos, assim como todo e qualquer ser humano, sendo ilógico considerá-los “ilegais”. É necessário difundir a ideia de que nenhum ser humano deve ser considerado ilegal, pois tal termo estigmatiza, sugerindo uma subcategoria de ser humano, que pelo fato de estarem em um território que não o seu de nascimento, sem autorização deste, são vistos como seres delinquentes ou criminosos. (OLIVEIRA, 2004).
Desse modo, percebe-se a necessidade de conscientização dos Estados, para que seja praticada a tolerância, a fim de efetivamente ocorrer a aplicação dos direitos humanos com relação a imigrantes ilegais, não continuando estes à margem das políticas públicas de inserção de estrangeiros. Assim, nota-se que “Hoje, o conceito de tolerância é generalizado para o problema da convivência das minorias étnicas, linguísticas, raciais, para os que são chamados geralmente de “diferentes” […]”. (BOBBIO, 1992, p. 203). Logo, há que se trabalhar fortemente tal conceito, compreendendo-o e principalmente, aplicando-o para todos os casos nos quais a diferença se torne motivo para a discriminação e a consequente privação de direitos básicos inerentes à condição humana.
4 Os direitos do imigrante
Diante da já colocada desumanização do imigrante ilegal, e da forte discriminação inerente a tal condição, é necessário maior aprofundamento acerca do que, efetivamente, o direito internacional garante a estes indivíduos, bem como quais são os princípios que norteiam a aplicação dos direitos humanos e como é tratada a condição jurídica destes imigrantes no cenário internacional.
Percebe-se que “São várias as perspectivas que se podem assumir para tratar do tema direitos do homem. Indico algumas delas: filosófica, histórica, ética, jurídica, política”. (BOBBIO, 1992, p. 50). Nesse sentido, os fundamentos e a natureza dos direitos humanos são extremamente amplos, sendo possível considerá-lo tanto um direito natural inato, quanto um direito histórico positivado, derivado de um complexo sistema moral construído durante séculos de evolução das organizações sociais. (PIOVESAN, 2008). De qualquer forma, independentemente da classificação ou da origem, nota-se que o maior problema da sociedade internacional com relação aos direitos humanos é o de protegê-los, já que amplamente fundamentados das mais variadas formas, logo, a perspectiva filosófica já foi, até os dias de hoje, discutida suficientemente, carecendo de estudos e de aplicação a perspectiva jurídica e política dos direitos humanos. (BOBBIO, 1992).
Assim, passa-se à análise jurídica do imigrante, com o intuito de, partindo de uma discussão histórica, ética e filosófica, seja possível explanar a viabilidade e a efetividade da convergência dos direitos humanos com os direitos dos indivíduos imigrantes que se encontram em situação irregular, possibilitando assim, maior entendimento acerca do que efetivamente o direito internacional garante a estes indivíduos.
4.1 A condição jurídica do estrangeiro no direito internacional
O estatuto jurídico dos estrangeiros é estritamente ligado ao direito internacional, já que este é supraconstitucional, e defende, entre outros temas, a liberdade da pessoa humana, sendo que a percebe como indivíduo dotado de direitos que independem, em muitos aspectos, do direito interno dos Estados Soberanos. Tem-se então, a dignidade da pessoa humana como fundamento basilar para as relações entre Estados, sendo irrelevante para tal fundamento, a nacionalidade do indivíduo, bem como se este encontra-se regular ou não em determinado território, já que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas, 1948) não faz diferenciação quanto a nacionais, estrangeiros, legais ou ilegais. (NEVES, 2011). Apesar de a Declaração dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas, 1948) ter sido, inicialmente, composta apenas por fundamentos morais, já que não possui força de lei, com a evolução do direito internacional, esta passou a ser concebida como aglutinadora de fundamentos sociais inerentes a todos os povos, se tornando instrumento vinculante dos Estados. Sendo assim, nota-se que a condição jurídica do estrangeiro, com base no direito internacional, é pautada nos direitos humanos, principalmente no princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que não há diferenciação para o direito internacional quanto a nacionalidade do indivíduo, devendo o Estado propiciar a este, através da elaboração de estatutos para a regulação dos direitos dos estrangeiros, todas as condições básicas propagadas pela Declaração dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas, 1948). (GARCIA, 2005).
Sob esta perspectiva, nota-se que os Estados, fundamentados na soberania, usufruem de sua liberdade para determinar os direitos que possuem os estrangeiros, entretanto, tal liberdade encontra limites nos direitos, garantias e liberdades inalienáveis, inerentes à condição humana, perpetuados através dos instrumentos internacionais. Desse modo, percebe-se que o Direito Internacional Público funciona como estruturante da comunidade internacional, se sobrepondo este as Constituições dos Estados soberanos. (NEVES, 2011).
4.1.1 Condição jurídica do estrangeiro em Portugal
Durante séculos, Portugal foi considerado um país de emigração, distribuindo seus nacionais por entre os mais variados territórios, contudo, com o desenvolver da sociedade internacional, as distâncias não são mais as mesmas, se tornando relativamente fácil a locomoção de um país para outro. Com isso, os fluxos de emigração e imigração passaram a ocorrer simultaneamente, sendo que boa parte da imigração ocorrida se dá de maneira ilegal e ocorre por razões de desequilíbrio demográfico, sendo extremamente relevante compreender seu significado econômico e social. Ainda, a crescente imigração ressalta inúmeros problemas relacionados à integração social e acolhimento, no que tange às estruturas habitacionais, as possibilidades laborais necessárias para a manutenção familiar, à integração cultural e linguística, bem como aos problemas jurídicos em múltiplos aspectos, sendo consequência, as dimensões legislativas e políticas inerentes a tal fenômeno. (CRUZ, 2003).
Nota-se que, as primeiras constituições portuguesas ignoravam, simplesmente, os direitos dos estrangeiros, sendo que apenas em 1933 foi consagrado o princípio da reciprocidade como princípio dominante, apesar de a Revolução Francesa ter iniciado um movimento constitucional europeu, a constituição portuguesa de 1822, posterior à tal Revolução, tratava exclusivamente dos direitos e deveres dos portugueses, não fazendo menção aos cidadãos estrangeiros, sendo consagrado apenas o direito ao exercício de seus cultos religiosos. (NEVES, 2011). ”A reciprocidade é o fundamento das normas e princípios que regulamentam as relações entre os povos”. Desse modo as cláusulas de reciprocidade, contidas nos tratados internacionais, vinculam o cumprimento à contrapartida do Estado com o qual este se relaciona, logo, percebe-se a ocorrência de políticas de “boa vizinhança”, nas quais um Estado cumpre uma determinada cláusula para que se dê a contrapartida por parte de outro Estado, formando assim as relações no cenário internacional, já que não a que se falar aqui em força de lei, tendo em vista as características inerentes ao Direito Internacional Público. (NUNES, 2010, p 12).
Com a Constituição portuguesa de 1911 ficaram garantidos aos portugueses e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos à liberdade, à segurança individual e à propriedade, surgindo neste momento, resquícios do princípio da equiparação, que será mais a frente abordado. Posteriormente, a Constituição de 1933 passou a permitir que a lei ordinária excluísse dos estrangeiros, direitos concedidos aos cidadãos portugueses, e consagrou que os estrangeiros não possuíam direitos políticos, bem como direitos que constituíssem encargos para o Estado português, exceto nos casos de reciprocidade, garantindo direitos aos estrangeiros quando seu país de origem oferecesse as mesmas garantias aos cidadãos portugueses. Mais tarde, em 1966, o Código Civil português põe fim ao princípio da equiparação, sendo este totalmente substituído pela reciprocidade, negando, o Estado português, ao estrangeiro, todos os direitos negados aos cidadãos portugueses em seu país de origem, como forma de pressão para que se desse uma melhora nas condições e garantias oferecidas aos portugueses em outros territórios. Por fim, com a Constituição de 1976, com o intuito de extinguir toda e qualquer discriminação, houve o retorno do princípio da equiparação entre cidadãos portugueses e estrangeiros. (NEVES, 2011).
Nota-se que os imigrantes, com a elaboração da Constituição de 1976, passam a figurar em uma condição bastante favorável, se comparada a dos anos anteriores, sendo garantidos a estes, maior quantidade de direitos, baseados nos princípios da universalidade, igualdade e da equiparação. “É elevado o nível de reconhecimento de direitos aos imigrantes em Portugal. Este facto resulta desde logo do facto da CRP consagrar o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (art. 13”), independentemente, nomeadamente, “da raça” e do princípio da equiparação de direitos entre nacionais e estrangeiros, com as excepções previstas na Constituição e na lei (art. 15″)”. (LEITÃO, 2001, p. 2). Desse modo, é de extrema importância a compreensão dos princípios que norteiam o reconhecimento dos direitos destes imigrantes, qual sejam o da universalidade, o da igualdade e o da equiparação, como já citados anteriormente, bem como suas possíveis exceções e limitações.
4.1.2 Os princípios da universalidade, da igualdade e da equiparação
Foi longa a jornada que trilhou o direito português para que estabelecidos fossem os direitos dos imigrantes, desse modo, ainda que não estejam estes no ideal concebido pelos princípios da igualdade e da equiparação, amparados pelo direito internacional, a evolução é nítida e cada vez mais sólida. A cidadania imigrante se dá pelo gradativo reconhecimento de um leque de direitos fundamentais, que consistem no direito à segurança, ao acesso às garantias processuais, com direito à intérprete se não compreender este o idioma utilizado pelo tribunal em questão, no direito de não ser expulso se em situação legal no território, de casar-se e constituir família, no direito à liberdade religiosa, à educação, à propriedade privada, a cuidados médicos, entre muitos outros direitos necessários para a efetiva integração. Nesse sentido, nota-se que os direitos garantidos aos imigrantes são também os direitos dos cidadãos portugueses, sendo visível a aplicação dos princípios da universalidade, da igualdade e da equiparação. (CANOTILHO, 2003).
A Constituição da República Portuguesa (PORTUGAL, 1976) consagra, em seu art. 1º, o princípio da dignidade da pessoa humana, adotando este como fundamento para a formação da sociedade como um todo, embasando assim a aplicação de outros princípios básicos para a integração de imigrantes, como os já citados princípios da universalidade, igualdade e da equiparação. (NEVES, 2011).
4.1.2.1 Universalidade
É necessário perceber que, duas foram e são até hoje as linhas de argumentação no que concerne à amplitude dos direitos humanos, como já exposto ao princípio desta análise, porém, torna-se necessária a recapitulação. A primeira linha argumentativa, cujos defensores são denominados relativistas culturais, desenvolve seu raciocínio no sentido de relativizar a aplicação dos direitos humanos, já que, segundo esta, os aspectos sociais e culturais devem ser considerados, não havendo uma moral comum universal. Em contrapartida, o universalismo, princípio amplamente difundido e adotado pela maior parte dos Estados, defende a aplicação dos direitos humanos em todos os cantos do planeta, sendo que para este, independe a cultura, uma vez que os direitos inerentes à condição humana devem prevalecer. (BARRETTO, 1998).
Para o universalismo, a argumentação relativista, busca justificar violações aos direitos humanos com base na ideia multicultural, como se esta, por si só, relativizasse a aplicação de tais direitos, ficando os Estados imunes ao controle da comunidade internacional. Ademais, o universalismo traz a necessidade de uma homogeneização dos direitos do homem, e a este inerentes, sendo que a existência de normas de carácter universal no que concerne às garantias fundamentais do ser humano, constitui exigência da sociedade internacional contemporânea. (PIOVESAN, 2008).
4.1.2.2 Igualdade
Com base na concepção universalista explanada, tem-se a consolidação de direitos básicos garantidos aos estrangeiros, garantindo a aplicabilidade de princípios como o da igualdade e da equiparação. No que tange ao princípio da igualdade, previsto no art. 13 da Constituição da República Portuguesa, nota-se que a nacionalidade não pode privilegiar, beneficiar ou prejudicar qualquer indivíduo, sendo que, para tal artigo, independe seu território de origem. (PORTUGAL, 1976).
Desse modo, consagra o princípio da igualdade que, no momento da aplicação da lei, não poderão ocorrer discriminações, tendo em vista serem todos os indivíduos juridicamente iguais, dotados de direitos e deveres inerentes tanto à condição humana, quanto ao convívio social. No entanto, tal princípio não é restrito ao território português, sendo este princípio universal de direitos humanos, incorporado ao ordenamento interno do país. (NEVES, 2011).
4.1.2.3 Equiparação
Nota-se que o “princípio-regra de equiparação do nacional ao estrangeiro (CRP, arts. 13 e 15) passou a ser sistematicamente incorporado nas Convenções Internacionais e outros instrumentos de soft law a que os Estados se foram vinculando”. Nesse sentido, sedimenta-se gradativamente a ideia de que o Estado deve reconhecer aos estrangeiros, os mesmos direitos garantidos aos nacionais, equiparando-os em todos os aspectos. (CANOTILHO, 2003, p. 161). Dessa forma, pautando-se no princípio da equiparação, percebe-se que o estrangeiro, residente ou não no território nacional em questão, é titular, assim como o nacional, de direitos e deveres constitucionais e infraconstitucionais, tendo em vista o disposto no art. 15 da Constituição da República Portuguesa, cuja redação garante a extensão de direitos aos estrangeiros, com exceção dos direitos políticos, sustentando assim o princípio em questão. Ademais, é de extrema relevância ressaltar que o princípio da equiparação não abrange apenas os estrangeiros que se encontram regulares no território nacional, mas também aqueles em situação irregular, justamente por tal princípio estar fundado primeiramente na dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a que se compreender que em todos os casos nos quais os direitos discutidos sejam aqueles de carácter fundamental, estes deverão ser reconhecidos a todos os indivíduos, estando regulares ou não. Aplica-se ainda o princípio da equiparação para os direitos fundamentais de natureza análoga, tendo a legislação que busca restringi-los, obedecer a critérios de adequação, proporcionalidade e necessidade. (NEVES, 2011).
Tem-se por direitos de natureza análoga os direitos sociais relacionados às condições de trabalho, bem como ao acesso à saúde, devendo estes serem garantidos e amparados pelo princípio da equiparação. Logo, percebe-se que o princípio da equiparação traz a necessidade de que o Estado se coloque como garantidor de direitos a todos os indivíduos sob sua jurisdição, não sendo razoável, com base nos direitos humanos, a àqueles que se encontram em local diverso de seu nascimento, figurando como estrangeiros em um polo vulnerável do convívio social. (MORAIS, 2014). Com isso, é de extrema importância que os Estados busquem consolidar tal princípio, aplicando-o amplamente, e não apenas para estrangeiros que se encontrem em situação regular no território nacional.
4.1.3 Exceções ao princípio da equiparação
A Constituição da República Portuguesa, em seu art. 15, ao passo que garante a aplicação do princípio da equiparação aos indivíduos estrangeiros, expressamente o limita em alguns aspectos. Ao exemplo dos direitos políticos, que são conferidos apenas aos nacionais, bem como as funções públicas que não sejam de carácter predominantemente técnico e aos direitos e deveres reservados aos nacionais pela própria Constituição portuguesa. Entretanto, a própria Constituição, no Nº 3, também de seu art. 15, traz uma possível exceção às restrições expostas, uma vez que possibilita o exercício de tais direitos a indivíduos provindos de Estados cuja língua materna seja a portuguesa, desde que o estrangeiro resida em território português e ainda, que seu país de origem garanta os mesmos direitos aos cidadãos portugueses, com base em cláusula de reciprocidade. Contudo, tal exceção não se aplica para o acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro e Presidentes dos tribunais supremos, bem como ao serviço nas forças armadas e na carreira diplomática. (NEVES, 2011).
Ainda, no que tange ao princípio da equiparação, “Como é sabido, com o regime particular, esse princípio refere-se apenas aos cidadãos dos países de língua portuguesa […]”. (MIRANDA, 2000). Com isso, nota-se tal princípio não é aplicável à estrangeiros provindos de países cuja língua materna não seja o português, sob o fundamento nítido de aproximação dos países que compõe a comunidade lusófona. Nesse sentido, percebe-se que a Constituição da República Portuguesa traz algumas poucas exceções ao princípio da equiparação, que são revertidas pela mesma nos casos de estrangeiros provindos de países de língua portuguesa, permanecendo para estes, apenas as restrições referentes aos cargos públicos citados acima. No mais, com fundamento no princípio da equiparação, para os nacionais de outros países, são garantidos os direitos fundamentais, bem como os direitos fundamentais de natureza análoga, estando estes limitados no que tange aos direitos políticos e aos direitos exclusivos de cidadãos portugueses. (NEVES, 2011).
4.2 Limitações de direitos dos imigrantes
É nítido, com base no exposto até o presente momento, que o direito internacional dos direitos humanos busca amenizar a influência do princípio da soberania dos Estados, para que se possa dar lugar aos direitos inerentes ao indivíduo. Percebe-se que, em matéria econômica, a soberania sofre limitações, como no caso da União Europeia, que normatiza, por vezes, o direito econômico interno. Logo, não seria razoável que não se pudesse também limitar a soberania no que tange à aplicação das normas internacionais de direitos humanos. (MIRANDA, 2000). Entretanto, a que se notar, da mesma maneira, que os direitos e garantias dos quais dispõem os imigrantes são também sujeitos a limitações, como as já citadas anteriormente, que consistem no acesso a determinados cargos públicos, aos direitos políticos e ainda no acesso ao serviço militar. Porém, não são estas apenas as limitações aos direitos dos imigrantes, já que algumas outras existem, tanto constitucionais, quanto limitações dispostas nas leis ordinárias, admitidas pelo direito internacional e pelo ordenamento jurídico interno. (NEVES, 2011).
4.2.1 Limitações admitidas pelo direito internacional
Nota-se que o direito de ir e vir, por exemplo, inerente a todo ser humano, pode ser indiretamente limitado por alguns fatores, como o econômico e o social, já que estes não impedem diretamente o fluxo migratório, mas reduzem significativamente a sua possibilidade, tendo em vista que as condições econômicas mínimas são necessárias para que ocorra a migração, bem como uma receptividade social mínima é também necessária para que o imigrante possa perdurar no local desejado. Estas possibilidades são totalmente admitidas pelo direito internacional, uma vez que este não possui condição de determiná- las, sendo estas, fruto da organização social e econômica de cada Estado. Contudo, tais limitações podem, sem dúvida, impedir que o indivíduo disponha do direito de migrar, ou de permanecer em território estrangeiro. (CAVARZERE, 2001).
Ainda, no que tange à participação política, apesar de esta ser de fundamental importância para um Estado democrático, é tradicional sua limitação quando se trata de sua atribuição a estrangeiros, já que se pressupõe um risco, uma vez que o não nacional, além de supostamente não conhecer da realidade social, econômica, cultural e política do local, podem também, com base na lógica da soberania estatal, colocar em perigo tal princípio, permitindo a intervenção de Estados estrangeiros no Estado de acolhimento. Nesse sentido, o Direito Internacional defende que a participação política deve ser exclusiva dos cidadãos do Estado em questão, embora sejam admitidas exceções, como no caso de equiparação entre portugueses e brasileiros. (NEVES, 2011). Dessa maneira, percebe-se que o direito internacional admite as limitações políticas, partindo do pressuposto de que o indivíduo é estritamente ligado ao seu Estado de nascimento, estando transitoriamente sob a jurisdição de outro Estado e por isso, os direitos políticos, salvo disposição em contrário, são garantidos apenas aos cidadãos deste. (COSTA, 2000).
4.2.2 Limitações admitidas pelo direito interno
Conforme o disposto até o momento, percebe-se que o exercício da vida política é a única limitação direta que admite o direito internacional com relação a imigrantes, ficando a critério dos Estados melhor discipliná-la. Dessa forma, a Constituição da República Portuguesa define que “A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais” e ainda que “A lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados- membros da União Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu. (PORTUGAL, 1976).
Tais determinações abrem margem para que o imigrante possua maior reconhecimento por meio da garantia de alguns direitos políticos, apesar de o direito internacional não os definir como necessários. Ademais, a que se notar a inclusão ao princípio da equiparação, dos direitos de petição e de ação popular, uma vez que a Constituição da República Portuguesa, em seu art. 52, garante aos estrangeiros o direito de petição, já o direito de ação popular é garantido pela Lei 83/95, de 31.8, em seu art. 2º, o qual dispõe que “são titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de acção popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos […]” (PORTUGAL, 1985), sendo que apesar de a redação do artigo fazer referência a “cidadãos”, é admissível sua utilização por estrangeiros, desde que para a defesa de direitos, não sendo aplicável nos casos nos quais o objetivo seja claramente a pressão política. Ainda, acerca do direito de petição, além da previsão constitucional já citada, a Lei n. 43, de 1990, determina que “Os estrangeiros e os apátridas que residam em Portugal gozam sempre do direito de petição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” (PORTUGAL, 1990). Nesse sentido, percebe-se que para que se efetive a proteção dos direitos dos estrangeiros residentes no país, tanto a constituição, quanto a lei ordinária garantem a possibilidade de petição para que seja prestada a tutela jurisdicional cabível. (NEVES, 2011).
Além disso, ainda sobre o direito de petição, porém como instrumento de participação política e não mais meramente para defesa de direitos, a Lei n. 43, de 1990, em seu art. 4º, n.1, garante a condição de igualdade e de reciprocidade com relação aos nacionais de países pertencentes à União Europeia e à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, conforme a seguinte redação: “Art 4º) 1- O direito de petição, enquanto instrumento de participação política democrática, pertence aos cidadãos portugueses, sem prejuízo de igual capacidade jurídica para cidadãos de outros Estados, que a reconheçam, aos portugueses, em condições de igualdade e reciprocidade, nomeadamente no âmbito da União Europeia e no da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”. (PORTUGAL, 1990).
Desse modo, percebe-se que, apesar de os direitos políticos configurarem exceção no que tange à aplicação dos princípios da igualdade e da equiparação, Portugal garante, nos casos específicos expostos neste item, o exercício destes a estrangeiros, sendo que aqueles provindos de Estados da União Europeia e de Estados que compõe a comunidade lusófona, possuem maiores garantias com relação àqueles provindos de Estados diversos. (PORTUGAL, 1990).
4.2.3 Limitações do direito à liberdade
Todo ser humano é, em tese, livre, sendo que as liberdades físicas, consistentes no direito à vida, na liberdade de locomoção, no direito à segurança individual, no direito à inviolabilidade de domicílio e no direito de reunião e associação, são, sem dúvida, os primeiros e mais elementares direitos do homem. Nesse sentido, nota- se que a liberdade de locomoção, que se traduz no direito de ir e vir, figura como o cerne das liberdades individuais. Além disso, a que se perceber a existência de outras liberdades senão às de carácter físico, como as liberdades de expressão e de consciência, também extremamente relevantes para o desenvolvimento do ser humano em sociedade. (BEDIN, 1998). Contudo, tais liberdades encontram limites nas determinações normativas de cada Estado, ao exemplo da redação dada pelo art. 27, no 3, da Constituição da República Portuguesa, que define que o estrangeiro irregular, ou que esteja sofrendo processo de expulsão, poderá ser submetido à prisão, detenção, ou outra medida coativa. (PORTUGAL, 1976).
No entanto, ainda que regular no território nacional, o estrangeiro possui também restrição ao seu direito de liberdade, não sendo este provindo de Estados da União Europeia, uma vez que depende da autorização do Estado de acolhimento para entrada, permanência e saída do território. Ademais, com base no fundamental princípio da liberdade, e na dignidade da pessoa humana, a Lei na 23/07 retirou do elenco das medidas de coação a prisão preventiva, demonstrando maior respeito com relação aos imigrantes ilegais, apesar de as outras medidas restritivas ainda serem aplicáveis. (NEVES, 2011). Nota-se que, quatro são os aspectos relacionados ao direito de ir e vir, qual sejam “[…] o direito de permanecer, o direito de se deslocar dentro do território, o direito de sair do território e o direito de entrar no território […]”. (SOARES, p. 105, 1992). Nesse sentido, considera-se a liberdade, direito fundamental do indivíduo, independente do território em que se encontre, devendo tal direito ser respeitado, salvo exceções previstas em lei. Ademais, percebe-se que apesar de a prisão preventiva não ser mais possível para os casos de imigração ilegal, a detenção continua em vigor, de modo que a restrição à liberdade permanece, já que a única diferença desta com relação a prisão preventiva é o local a ser cumprida, já que a detenção é medida a ser executada no domicílio do mesmo. Ainda, com base no art. 142, n. 1, da Lei 23/07, percebe-se a possibilidade da colocação do estrangeiro em centro de instalação temporária, pelo prazo máximo de 60 dias, o que configura, sem dúvidas, a restrição à liberdade do imigrante. (NEVES, 2011).
Por esse motivo, no que tange ao Código de Processo Penal, o legislador determinou, em seu art. 218, no 3, que a medida de coação consistente na detenção, deverá respeitar os prazos máximos contidos no art. 215, no 1, deste mesmo código, que são de quatro meses sem apresentação da acusação, oito meses sem que tenha sido proferida decisão interlocutória após a instrução, um ano e dois meses sem condenação em 1º instância, e um ano e seis meses sem condenação com trânsito em julgado, porém, todos os prazos referidos são elevados ao dobro nestes casos. (PORTUGAL, 1987). Desse modo, findados os prazos referidos sem que tenham sido realizados os atos determinados pelo artigo, assim como na prisão preventiva, o imigrante será posto em liberdade, cessando assim a medida de coação. (NEVES, 2011). Tais limites temporais determinados pela lei possuem fundamento do art. 27o, no 3, da Constituição da República Portuguesa, que determina que os prazos máximos para a restrição de liberdade deverão ser definidos pelo legislador ordinário. (PORTUGAL, 1976). Ademais, tais prazos devem ser pautados no princípio da dignidade da pessoa humana, que determina a necessidade de um período razoável, sem que a liberdade do indivíduo seja privada indefinidamente. Nesse sentido, admite-se a colocação do imigrante em centros de instalação, bem como a obrigação de permanência na residência, quando, sendo este notificado para abandono do território nacional, nele permanece, sendo consequentemente detido e não sendo possível a expulsão dentro do prazo de 48 horas. Ainda, admitem-se as medidas citadas ainda que o prazo para abandono do território nacional não tenha expirado, ou seja, sem que haja, de fato, desobediência à determinação. Por fim, admite-se também o encaminhamento do estrangeiro a centro de instalação quando recusada sua entrada em território nacional, desde que não seja possível o seu reembarque no prazo de 48 horas, sendo eu todos os procedimentos citados são realizados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). (NEVES. 2011).
4.3 Os direitos do imigrante ilegal
Como bem visto até aqui, muitos são os princípios que fundamentam a condição do indivíduo quando em terras estrangeiras, como os já explanados princípios da universalidade, da igualdade e da equiparação. Nota-se a importância de tais princípios para que haja a efetivação de garantias a todos, ainda que não nacionais, tendo em vista que “Todo ordenamento necessita de alicerces, de uma base solidificada o bastante para que a construção das regras seja lógica e consistente, razão pela qual os princípios serem verdadeiros fundamentos de todo o ordenamento jurídico”. (MOURA, 2005, p.33). “Os imigrantes legalmente residentes em Portugal gozam da generalidade dos direitos, liberdades e garantias pessoais, tais como o direito à vida, o direito à integridade pessoal, o direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar, à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação, o direito à liberdade e à segurança, o direito à não retroactividade da lei criminal, o direito ao habeas corpus, à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, a liberdade de consciência, de religião e de culto, a liberdade de expressão e de informação, a liberdade de reunião e de manifestação, a liberdade de associação. Os imigrantes gozam também do direito de constituir família e contrair casamento e o direito à manutenção e educação dos filhos e ao reagrupamento familiar, nos termos da lei”. (LEITÃO, 2001, p. 02).
Além disso, cabe ressaltar que tais imigrantes possuem também, a garantia de segurança no emprego, a de liberdade sindical, o direito de greve, de participação e criação de comissões de trabalho, podendo nelas tanto exercer o direito de voto, quanto o de elegerem-se, o direito de votarem e serem eleitos também nas associações sindicais e, quando provenientes de países da União Europeia ou da Comunidade de Países Lusófonos, os direitos políticos fundamentados no princípio da equiparação, já expostos neste capítulo. Por fim, possui ainda, o imigrante regularizado, o direito à retribuição do trabalho, à organização do trabalho em condições dignas, à higiene no ambiente de trabalho, à segurança, à saúde, ao repouso, ao lazer, à uma jornada de trabalho que respeite os limites máximos estabelecidos pela lei, ao descanso semanal remunerado, às férias anuais remuneradas, à assistência quando em situação de desemprego, à propriedade privada e seus efeitos, à segurança social, ao rendimento mínimo nacional, ao acesso à saúde nos casos de reciprocidade quando o imigrante não for proveniente de países da União Europeia, o direito à proteção à maternidade, à paternidade, à infância, aos jovens, aos portadores de deficiência e aos idosos, à educação, à cultura e à igualdade de acesso ao ensino. (LEITÃO, 2001).
Logo, percebe-se que muitos são os direitos dos imigrantes regularizados em Portugal, tendo estes, muito poucas limitações, apesar da discriminação sofrida, sendo notável a importância dos princípios internacionais para a consolidação destes direitos. No entanto, quando se trata de imigrantes ilegais, as limitações são muitas, sendo garantido a estes direitos mínimos apenas, pautados em sua condição humana. Dito isso, passa-se por fim a verificação de quais são os efetivos direitos dos imigrantes ilegais em Portugal.
4.3.1 Os direitos humanos como fundamento
Diante da necessidade de defesa dos direitos humanos no cenário internacional, percebe-se um comportamento mais solidário por parte dos Estados e dos indivíduos com relação aos estrangeiros residentes em seu território. “Ser solidário com a humanidade quer dizer sentir-se parte desse coletivo que habita todo o planeta Terra”. (ALMEIDA, 2001, p. 48-49). Desse modo, ao passo que a condição humana supera o poder estatal, mostra-se real e gradativa a evolução social da inclusão de não nacionais, estando nos direitos humanos o fundamento para todas as garantias proporcionadas a estes. Nesse sentido, nota-se que a ilegalidade não pode restringir aos imigrantes seus direitos básicos, visto que o fator documental não deve se sobrepor à dignidade da pessoa humana. Logo, “Todos os imigrantes têm direitos, mas os imigrantes em situação irregular gozam de menos direitos do que os que se encontram em situação regular. Desde logo não gozam do direito de permanecer no país, podendo ser expulsos”, no entanto, os direitos humanos são garantidos, logo, “Todos os imigrantes gozam dos direitos humanos fundamentais que são inerentes à própria dignidade da pessoa humana sobre a qual é fundada a República Portuguesa, como refere o art° 1° da Constituição”. (LEITÃO, 2001, p. 04).
4.3.2 O acesso à saúde
Inicialmente, tem-se que “O direito à saúde constitui um direito humano fundamental, independentemente da nacionalidade, língua, religião ou convicções políticas, que está regulamentado na lei portuguesa”. (HORTA; CARVALHO, 2007, p. 181). Percebe-se então que todos os imigrantes possuem direito de acesso à saúde, uma vez que a legislação portuguesa prevê tal acesso a todos os cidadãos, independentemente de sua condição legal. Entretanto, apesar da previsão legal, existem dificuldades no que tange à efetiva aplicação da lei, já que, por vezes, esta é desconhecida, tanto pelos imigrantes, quanto pelos profissionais da área da saúde. Desse modo, em 2003, houve a criação do Gabinete de Saúde, do Centro Nacional de Apoio ao Imigrante (CNAI), com o intuito de promover o acesso à saúde, informando aos imigrantes seus direitos, bem como aos profissionais da área da saúde o conteúdo da lei vigente. (HORTA; CARVALHO, 2007).
Apesar de o problema ter sido amenizado pela criação do Gabinete de Saúde, o acesso desigual ainda é experimentado pelos imigrantes ilegais devido à dificuldade de transporte, à desinformação, por vezes à presença de policiais nas entradas dos hospitais, à falta de informação por parte dos funcionários, à limitação dos sistemas, que não permitem que o atendimento de ilegais sejam processados, não gerando receitas, entre outros fatores. (PADILLA, 2013). No entanto, nota-se que ainda que existam tais limitações, o direito ao acesso à saúde é garantido aos imigrantes pela legislação portuguesa, tanto aos regulares, quanto aos irregulares.
4.3.3 A proteção ao trabalho
Diante do crescente fluxo migratório trabalhista, é necessário verificar quais são as garantias que possuem os imigrantes ilegais com relação a relação de emprego, uma vez que a dignidade da pessoa humana deve ser respeitada, independente da regularidade do estrangeiro. Nesse sentido, apesar de a lei portuguesa prever direitos do trabalho apenas para os indivíduos com residência ou permanência legal, o imigrante irregular, tendo prestado o serviço, deverá ser devidamente remunerado em valor igual aos demais empregados, para que não se dê o enriquecimento injustificado do empregador. Contudo, não é garantido a estes o recebimento do rendimento mínimo nacional vigente, necessário para os regularizados. (LEITÃO, 2001).
Ademais, garante-se ao empregado irregular as condições mínimas de higiene, de tratamento digno, de alimentação, entre outros direitos embasados nos direitos humanos e seus princípios fundamentais. (NEVES, 2011). Entretanto, a que se notar a gritante vulnerabilidade destes trabalhadores, uma vez que lhes são garantidos muito poucos direitos, sofrendo estes à margem das normas trabalhistas nacionais, prestando serviços, por vezes, em condições análogas a de escravidão, nas quais percebem remuneração consideravelmente menor à praticada nas relações de emprego regulares. (OLIVEIRA, 2004).
4.3.4 O acesso à educação
Tem-se que o direito à educação é, desde a metade do século XX, um direito inalienável do homem, sendo garantido pelo art. 36, nº 1 e nº 5, da Constituição da República Portuguesa, a todos os indivíduos, nacionais ou estrangeiros. (NEVES. 2011). Contudo, tal artigo não faz menção aos ilegais, nesse sentido, com base nos direitos humanos e na legislação internacional, em 1995, foi elaborada a Convenção relativa aos Direitos das Crianças, conforme estipulado pela Resolução do Conselho da União Europeia, definindo tal assunto no que diz respeito aos menores. Logo, todas as crianças, ainda que filhos de imigrantes ilegais, têm direito à escolaridade básica, de acordo com o art. 2º da Convenção citada, que teve o intuito de fazer com que nenhuma criança seja impedida de frequentar uma instituição de ensino. (LEITÃO, 2001).
4.3.5 Outros direitos
Ademais, os imigrantes ilegais possuem alguns outros direitos garantidos, que consistem na capacidade civil para elaboração de contratos, devendo estes serem considerados válidos e a possibilidade, ainda que condicionada pelos resultados obtidos e pela disponibilidade de recursos do órgão, de benefício por meio de prestações de Ação Social. Ainda, necessário o reconhecimento dos direitos à vida, à integridade moral e física, ao desenvolvimento da personalidade, à vida privada, a não retroatividade da lei penal, ao acesso aos tribunais, ao habeas corpus e às liberdades de expressão, de informação, de consciência, de religião e de culto. (LEITÃO, 2001).
Com isso, verifica-se que poucos são os direitos garantidos aos imigrantes ilegais, sendo reconhecidos apenas aqueles estritamente ligados à inviolabilidade dos direitos humanos. Contudo, ainda que tais direitos visem a preservação e manutenção da condição mínima de subsistência do indivíduo, a desumanização é real, fundada fortemente na discriminação com relação ao estrangeiro. Nesse sentido, nota-se que o imigrante regularizado também é vítima da desumanização pautada na discriminação nacionalista, simplesmente por ser estrangeiro, contudo, possui este a proteção do Estado sob diversos aspectos, principalmente aqueles provindos de países cujo princípio da equiparação é aplicável. Entretanto, quando se trata do indivíduo irregular, tal proteção é mínima, encontrando-se este em situação de vulnerabilidade, sendo atingido tanto pelo poder da soberania estatal, quanto pelas correntes nacionalistas de direita.
Conclusão
É certo que o direito acompanha as mudanças sociais, entretanto, em alguns aspectos, este permanece estagnado. Existe de fato uma grande preocupação com as questões dos fluxos migratórios de refugiados de guerra, por exemplo, contudo, o cenário internacional não consegue buscar saídas para os problemas que ele mesmo criou. Ou seja, não basta pensar nos problemas dos refugiados, uma vez que a maioria das migrações não ocorre por esse motivo, mas sim pela busca de novas perspectivas e amparo de necessidades as quais o território de origem não supriu. Logo, a cooperação internacional, ao invés de buscar reforçar barreiras, ignorando os direitos humanos, deve olhar para o passado e perceber que esta política de nada adiantou até agora, e buscar assim uma nova ideia de futuro para os fluxos migratórios, primeiramente deixando de tratar o imigrante em situação irregular, como um mero “ilegal”, simplesmente pela falta de documentação.
Como visto, os fluxos migratórios fazem parte, indiscutivelmente, da história dos povos, sendo que em dado momento, o qual não pode ser facilmente definido, a organização social criada pelo homem o suprimiu. Os direitos do Estado passaram a prevalecer sob a justificativa de que este é anterior ao homem, o que se mostra filosofia bastante absurda e arcaica, bastando, para que se note tal afirmação, a percepção de que não havendo o ser humano, não há Estado, já não havendo o Estado, há o homem em condição livre e sem organização social. Não é ideal a defesa da inexistência do Estado como única solução para tal controvérsia, já que a organização social pautada no poder invisível do Estado ordena e viabiliza, sem dúvida, o convívio em sociedade, no entanto, a inversão de valores é problemática, e ainda que a teoria antiga de que o Estado é anterior ao homem tenha sido supostamente contornada, é inevitável notar os resquícios deixados por esta no que concerne à ideia de poder estatal. Pode se perceber tais resquícios visualizando um esboço das relações entre homem e Estado, principalmente no que tange às migrações, tema central deste trabalho, já que a liberdade, um dos direitos mais fundamentais inerentes à condição humana, é mitigada com fundamento nos interesses do Estado.
Nota-se então o fenômeno do monopólio da legitimidade da mobilidade, que pertence invariavelmente ao Estado Soberano, o qual consiste na ideia de que o poder estatal determina todos os aspectos relacionados à entrada, saída e permanência do indivíduo em seu território, violando, sem dúvida, a liberdade do indivíduo. Tem-se dessa forma a noção de que o território de nascimento restringe o homem através de sua nacionalidade imposta e instrumentalizada por meio do passaporte, que, apesar de conferir direitos inerentes ao cidadão nacional, o limita em sua liberdade de locomoção, exercendo por isso, o Estado, a legitimidade da mobilidade de seus nacionais. Percebe-se então que o Estado retira do homem o direito à liberdade de ir e vir, uma vez que em seu território, o indivíduo provindo de outro Estado apenas poderá adentrar e permanecer se devidamente autorizado. Desse modo, ainda que seja permitido ao cidadão, na maioria dos Estados, deixar seu país, não sendo este autorizado a em outro país adentrar e permanecer, terá, necessariamente de voltar para seu território de origem, funcionando a sua nacionalidade também como classificação restritiva e discriminatória.
Ademais, verifica-se que Portugal, país foco do presente trabalho, por séculos constituía-se Estado majoritariamente de emigração. Para isso, basta que se verifique os primórdios da colonização brasileira, quando as dimensões dos fluxos de emigração rumo à América do Sul eram gigantescas, se dando a colonização de boa parte do Brasil. Com o passar dos séculos, iniciou-se o fluxo contrário, porém, não encontrando, os ora imigrantes, a receptividade esperada. Com o intuito de estreitar os laços com os antigos colonizadores e possibilitar melhores condições a seus nacionais em terras lusas, o Brasil acaba por firmar acordos de reciprocidade de direitos com o Estado português, ocasionando uma gradativa melhora na situação da imigração reversa. Apesar disso, verifica-se ainda o fenômeno da desumanização do imigrante, tanto ilegal, quanto legal, uma vez que o estrangeiro é, por vezes, tratado como problema para o Estado de acolhimento. No entanto, majoritariamente de estrangeiros é formada a mão de obra, principalmente dos países europeus, cuja população tende a ser cada vez menos jovem. Logo, percebe-se ilógica a política adotada, que visa dificultar a entrada de imigrantes, tendo em vista a importância destes para a economia interna. É claro que juntamente com a mão de obra, os imigrantes trazem também encargos para o Estado, devido ao necessário acesso às políticas sociais, bem como ao acesso à saúde, à educação, entre outras garantias, entretanto, seu papel na comunidade acaba por suprir tais encargos, já que fornecem estes a prestação de serviços em demanda no país.
Nesse sentido, a discriminação tanto por parte do Estado, quanto de seus nacionais, que entendem o imigrante como um peso a ser suportado pelo país, gera a consequente desumanização, já que, nesse ponto, o indivíduo não é mais compreendido em sua condição humana, mas sim como um problema estrutural a ser resolvido através de políticas sociais e de maior controle nas fronteiras nacionais. Tal fenômeno, denominado desumanização do imigrante ilegal, é, sem dúvida, o resultado da inversão de valores já citada, na qual o Estado está em primeiro plano e o indivíduo em segundo, logo, as garantias nacionais são priorizadas com relação as do homem, ocasionando o tratamento desumano, tanto na supressão da liberdade, quanto na violação de direitos básicos inerentes às relações de emprego, ao acesso à saúde, entre outros.
Nota-se que, a desumanização é verificada tanto no tratamento a imigrantes legais, quanto a ilegais, contudo, com relação aos legais, há a proteção de diversos direitos pelo Estado, pautados no princípio da igualdade e da equiparação. Nesse sentido, verifica- se a real vulnerabilidade do imigrante ilegal, sendo mais severa sua desumanização justamente por este possuir poucas garantias. Logo, ainda que os Estados se obriguem ao tratamento recíproco no que tange à concessão e direitos aos imigrantes, este se dá, na maioria das vezes, com relação aos regulares, ficando os irregulares à margem de acordos internacionais, sendo estes defendidos internacionalmente apenas pela universalidade e necessária aplicação dos direitos humanos.
Dito isto, tem-se que os direitos garantidos aos imigrantes em situação regular em Portugal são muitos, principalmente àqueles provindos de países da Comunidade de Países Lusófonos, sendo garantidos a estes os mesmos direitos que possuem os cidadãos portugueses, pautados no princípio da equiparação, com exceção do acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro e Presidentes dos tribunais supremos, bem como ao serviço nas forças armadas e na carreira diplomática. No mais, para estrangeiros provindos de outros países, com base também no princípio da equiparação, são garantidos os direitos fundamentais, bem como os direitos fundamentais de natureza análoga, não possuindo estes direitos políticos, bem como os direitos exclusivos de cidadãos portugueses, como o acesso aos cargos citados. Possuem ainda os imigrantes em situação regular o direito de petição para defesa dos seus direitos legalmente protegidos, sendo que quando provindos de países da União Europeia e da Comunidade de Países Lusófonos, tal direito se estende, podendo ser também instrumento de participação política.
No entanto, diante da pesquisa elaborada, verifica-se que os direitos garantidos ao imigrante ilegal são mínimos, pautados apenas na consolidação dos direitos humanos, garantindo a estes direitos como o do acesso à saúde, à dignidade da pessoa humana, ao recebimento de rendimentos pelo serviço prestado, entre outros melhor explorados no corpo deste trabalho, sendo nítido que os Estados se obrigam a efetivá-los por mera esquemática da reciprocidade internacional. Não que os Estados Soberanos visem todos a uma politicagem em grande escala, mas dentre tantos, poucos são os que efetivamente reconhecem o ser humano como agente causador do Estado, e não apenas como consumidor signatário de um contrato de adesão cujas cláusulas ele não pode dispor.
Desse modo, busca-se hoje uma nova visão a respeito dos fluxos migratórios, a fim de garantir a efetividade da aplicação dos direitos do homem e abandonar padrões de conduta nacionalistas conservadores. É necessário que o direito, a política internacional e as relações entre os Estados acompanhem a evolução dos povos, suprindo as necessidades sociais e servindo como meros instrumentos para a regularização da sistemática internacional e interna, e não como limitadores de direitos fundamentais do ser humano.
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