Os direitos e garantias fundamentais e a divisão dos Três Poderes: um estudo de caso sobre os episódios ocorridos em 27 de outubro de 2011 na USP

Resumo: Este artigo engloba não somente a ideia da importância e função do sistema de Tripartição dos Poderes, mas como, de forma genérica, este está relacionado à questão dos Direitos Fundamentais Individuais e Coletivos, explicitados entre os artigos 5º ao 17 da Constituição Federal Brasileira, e de forma específica, aos direitos fundamentais descritos nos incisos III e IV do artigo 5º da referida constituição. Através da explanação sobre os Três Poderes, será elucidado como o funcionamento do mecanismo de freios e contrapesos funciona, para evitar a concentração e supremacia de funções de um Poder em relação ao outro, protegendo assim o Estado Democrático de Direito. Da mesma forma, será esclarecida como a Tripartição dos Poderes está relacionada à proteção dos Direitos e Garantias Fundamentais do cidadão brasileiro, especialmente quando se trata dos direitos que estão descritos nos incisos III (“ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”) e IV (“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”) do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988, fazendo, finalmente, um paralelo destes mecanismos constitucionais com a situação encontrada atualmente na Universidade de São Paulo – USP, envolvendo o embate entre a reitoria, o Poder Executivo do Estado de São Paulo, a mídia, a Polícia Militar e os estudantes do campus da citada universidade em 27 de outubro de 2011.

Palavras-chaves: Direitos e Garantias Fundamentais; Tripartição dos Poderes; o caso USP de 2011.

Abstract: This article encompasses not only the idea of ​​the importance and function of the Tripartite System of Powers but, as a general one, it is related to the issue of Individual and Collective Fundamental Rights, explained between articles 5 to 17 of the Brazilian Federal Constitution, and Specifically, to the fundamental rights described in items III and IV of article 5 of said constitution. Through the explanation of the Three Powers, it will be clarified how the operation of the mechanism of checks and balances works, to avoid the concentration and supremacy of functions of one Power in relation to the other, thus protecting the Democratic State of Right. Likewise, it will be clarified how the Tripartition of Powers is related to the protection of the Fundamental Rights and Guarantees of the Brazilian citizen, especially when dealing with the rights described in items III ("no one shall be subjected to torture or inhuman or degrading treatment" ) And IV ("the manifestation of thought is free, and anonymity is forbidden") of article 5 of the Brazilian Federal Constitution of 1988, finally making a parallel of these constitutional mechanisms with the situation currently found at the University of São Paulo – USP, Involving the clash between the rectory, the Executive Branch of the State of São Paulo, the media, the Military Police and the campus students of that university on October 27, 2011.

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Keywords: Fundamental Rights and Guarantees; Tripartition of Powers; The USP’s case of 2011.

Sumário: Introdução. 1. Composição dos Poderes. 2. Separação dos Poderes. 3. O episódio USP de 27 de outubro de 2011. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO:

Como tema central deste artigo, a questão envolvendo a relação entre a Tripartição dos Poderes e o artigo 5º da Constituição Federal Brasileira, que versa sobre os Direitos e Garantias Fundamentais Individuais e Coletivos, encontra paralelo em situações cotidianas, como a encontrada atualmente, envolvendo a polêmica atuação da Polícia Militar do estado de São Paulo perante o protesto de alunos no Campus da USP.

Importante – para não dizer imprescindível – matéria é a histórica e contextualizada explanação sobre a formação dos Três Poderes e sua relevância para a existência de um Estado Democrático de Direito. Muitos filósofos versaram sobre a necessidade da separação dos poderes, com vistas à um controle e melhor administração das funções estatais. John Locke[1], Aristóteles[2], e, finalmente, Montesquieu[3], que consagrou a ideia da separação dos poderes em seu livro entitulado “O Espírito das Leis”[4], obra onde é abordada a “teoria dos três poderes”, solução encontrada pelo referido autor para combater os desmandos do regime absolutista da então atualidade. Seriam estes três poderes o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário (art 2º, CF/88), representados, no Brasil, pelo Presidente e Vice-Presidente da República; pelo Congresso Nacional e suas duas câmaras: Câmara dos Deputados e Senado Federal; e pelos Tribunais e pelo Conselho Nacional de Justiça, respectivamente.

Dentro desta teoria, Montesquieu cria a concepção dos “freios e contrapesos” entre os poderes. Assim, cada poder tem autonomia e não pode ser desrespeitado dentro de suas funções, mas ao mesmo tempo, os poderes podem intervir uns nos outros, quando forem detectados abusos e desarmonia de algum deles. Além disso, existem a funções atípicas exercidas por cada poder, que a seguir serão melhor explicitadas.

Montesquieu acreditava também que, para afastar governos absolutistas e evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer a autonomia e os limites de cada poder. Criou-se, assim, o sistema de freios e contrapesos, o qual consiste na contenção do poder pelo poder, ou seja, cada poder deve ser autônomo e exercer determinada função, porém o exercício desta função deve ser controlado pelos outros poderes. Assim, pode-se dizer que os poderes são independentes, porém harmônicos entre si. Essa divisão clássica está consolidada atualmente pelo artigo 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e é prevista no artigo 2º na nossa Constituição Federal. No Brasil, as funções exercidas por cada poder estão divididas entre típicas (atividades freqüentes) e atípicas (atividades realizadas mais raramente).

A princípio, cada poder possui suas funções específicas, ou típicas, pré-estabelecidas constitucionalmente. Diz-se a princípio, pois há de ser conhecido o fato de que existem também as funções atípicas exercidas por cada poder.

1. COMPOSIÇÃO DOS PODERES

O Poder Legislativo, representado pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), primeiro dos poderes a ser exemplificado na Constituição Federal Brasileira de 1988, dos artigos 44 a 75, tem como atribuições típicas dispor sobre todas as matérias de competência da União, assim como possui a função de legislar e fiscalizar. Como funções atípicas, ele se utiliza de poderes executivos para organizar-se internamente, como rejeição do veto, impeachment, aprovação de tratados e apreciação de indicação para altos cargos executivos. Já na esfera judiciária, o Poder Legislativo pode, atipicamente, além de atuar judicialmente a respeito de crimes de responsabilidade parlamentar (julgamento político), também determinar o número de membros do judiciário, organizar o mesmo e limita-lhe a jurisdição, dentre outros.

Estão especificadas em nossa Carta Magna, do artigo 76 ao artigo 91, todas as atribuições relativas ao Poder Executivo, este sendo exercido pelo Presidente da república, e auxiliado pelos Ministros de Estado. Sua função é executiva, e dessa forma lhe cabe, de forma típica, a administração e a prática de atos de Chefia de Governo e de Estado, por se tratar o Brasil de uma nação presidencialista. Já de forma atípica, deve o Poder Executivo elaborar leis delegadas, medidas provisórias e decretos, com veto e mensagem, iniciativa de lei orçamentária e financeira em geral, dentro da seara legislativa. Decidir a respeito de processos administrativos e revisar seus próprios atos são funções atípicas exercidas por este poder dentro do âmbito jurisdicional, assim como na concessão de indulto.

Já ao Poder Judiciário cabe a função judiciária, também conhecida como judicante. É representado pelos Supremos Tribunais (Federal e de Justiça), pelos Tribunais Regionais Federais e seus juízes, pelos tribunais e juízes Eleitorais, do Trabalho e Militares, pelos Tribunais e juízes dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, assim como pelo Conselho Nacional de Justiça. Suas atribuições estão tipificadas entre os artigos 92 e 126 da Constituição Federal Brasileira. Tipicamente, é possível reconhecer como funções deste poder efetivar a aplicação do Estado Democrático de Direito, julgando, aplicando leis e dirimindo conflitos. Quando executa funções atípicas, o judiciário, como função executiva, decide sobre a ilegalidade do legislativo e organiza seu próprio quadro de servidores, além de, quando presente no poder legislativo, decidir sobre inconstitucionalidades do mesmo e versar sobre suas próprias regras internas de funcionamento, como na elaboração dos regimentos internos dos Tribunais[5].

Andrë Ramos Tavares, George Salomão Leite e Ingo Wolfgang Sarlet em sua obra[6] defendem que a participação de um Poder na função típica de outro não destrói nem infirma ou ameaça a separação das funções estatais, que, não é absoluta, mas tão somente relativa. Essa participação vem simplesmente completar a idéia sujacente da separação de poderes, “de modo a coordenar o mecanismo de poder”.

O Poder político é uno e indivisível já que não pode ser fracionado, manifestando-se por meio de funções que são: executiva, legislativa e judiciária.

O que equivocadamente entitulamos de Separação dos poderes é na verdade, a distribuição e divisão de funções estatais específicas por diferentes órgãos. Não é o Poder que se divide, o que se dividem são as funções que compõe o referido poder.

Não é difícil de concluir que tudo estaria perdido se os três Poderes se concentrassem em apenas uma só pessoa, o que fatalmente desencadearia numa tirania.

2. A SEPARAÇÃO DOS PODERES

A Separação dos Poderes somente é entendida quando “cada poder tem a faculdade de estatuir sobre os assuntos afetos à suas funções, ou seja, tem o direito de ordenar por si mesmo, ou de corrigir o que foi ordenado por outrem; e dispõe, outrossim da faculdade de impedir que os outros Poderes invistam contra o equilíbrio constitucional das funções estatais, anulando as sua ações ilegais” (TAVARES, LEITE e SARLET, 2010).

Essa teoria da Separação dos Poderes apenas tornou-se dogma universal na Revolução Francesa. Apoiando-se no art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão[7] que afirmava que “toda sociedade na qual não esteja assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem constituição’.

Hoje se percebe que o princípio da Separação dos Poderes é uma das principais garantias das liberdades públicas. A separação dos poderes é uma das fontes da democracia, uma das suas pedras fundamentais de funcionamento. Basicamente, a ideia de democracia[8] consiste em uma forma de governo onde o poder é exercido pelos cidadãos. Logicamente apresenta problemas quando se trata do sistema político-partidário, mas ainda assim é o sistema político mais justo e equilibrado no que tange à manutenção do equilíbrio entre os poderes e seguridade de aplicação das garantias e direitos fundamentais.

Estas garantias e direitos fundamentais nada mais são do que os dispositivos que abrangem os direitos, garantias e deveres dos cidadãos da República Federativa do Brasil. Trata-se de cláusula pétrea desta referida constituição, sistematizando os preceitos básicos que moldam a vida social, política e jurídica da sociedade brasileira. Segundo o doutrinador José Afonso da Silva[9], as Garantias e Direitos Fundamentais podem ser subdivididos em cinco grupos, que são os individuais, os coletivos, os sociais, os de nacionalidade e os políticos[10]. Como já mencionado, neste artigo serão tratados os dois primeiros grupos, das Garantias e Direitos Fundamentais Individuais e Coletivos, encontrados no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988, e ainda de forma mais específica, os tipificados nos incisos III e IV deste mesmo artigo.

Os direitos fundamentais passaram a manifestar-se em três gerações sucessivas, que ficaram conhecidas como primeira, segunda e terceira gerações; com os propósitos de liberdade, igualdade e fraternidade, respectivamente.

Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, mais especificamente os direitos civis e políticos.

Paulo Bonavides[11] em sua obra afirma que “os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdade ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”.

Os direitos de segunda geração compreendem os direitos sociais, culturais e econômicos além dos direitos coletivos ou da coletividade.

Os direitos de terceira geração surgiram da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade, amparados pelo conceito de fraternidade.

A globalização política foi a principal responsável pela introdução dos direitos da quarta geração, sendo eles: o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.

Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, o humanismo político de liberdade alcançou seu auge no século XX, essa declaração trata de um documento de convergência e também de síntese, convergência de anseios e liberdades, e síntese porque através dele foi estampado os direitos e garantias que nenhuma Constituição possuia.

Bonavides afirma que “os direitos humanos, tomados pelas bases de sua existencialidade primária, são assim, os aferidores da legitimação de todos os poderes sociais, políticos e individuais. Onde quer que eles padeçam lesão, a Sociedade se acha enferma. Uma crise desses direitos acaba sendo também uma crise do poder em toda sociedade democraticamente organizada”.

A Constituição Federal de 1988 traz em seu conteúdo uma novidade, já que os direitos e garantias individuais receberam uma proteção suprema, vedando a produção de emenda que possa tentar suprimí-lo.

Ingo Wolfgang Sarlet[12] afirma que “os direitos fundamentais passam a ser considerados, para além de sua função originária de instrumentos de defesa da liberdade individual, elementos da ordem jurídica objetiva, integrando um sistema axiológico que atua como fundamento material de todo o ordenamento jurídico”

O citado inciso III, do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira trata exatamente do mesmo ponto encontrado no artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos[13], que diz “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.” É ponto pacífico que todo ser humano tem direito a um tratamento digno, ao acesso adequado à justiça, à proteção da sua moral e de sua integridade física e emocional. O conteúdo deste inciso foi, e ainda o é, desrespeitado diariamente, principalmente em países onde há regime totalitário, caracterizado pela ditadura e repressão às liberdades individuais. Este tipo de regime é bastante conhecido no Brasil, ainda vivo na memória de muitos que, há até pouco tempo atrás, viveram esta realidade em solo nacional. A ditadura brasileira, em também em outras partes do mundo, é marcada justamente pelo desrespeito à Separação e Autonomia dos Poderes, havendo uma invasão do Poder Executivo perante tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Judiciário.

Já o inciso IV do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988 trata da liberdade de expressão, quando diz que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.” Da mesma maneira como acontece com o conteúdo do inciso citado no parágrafo anterior deste trabalho, este inciso IV também é desrespeitado muitas vezes ainda, assim como o foi anteriormente no Brasil, em época de ditadura, apesar do ex-presidente Getúlio Vargas[14], quando ocupou o poder, ter editado a Lei de Imprensa[15]. Esta lei surgiu mais como mecanismo de repressão à liberdade de expressão do que para efetivamente assegurá-la. Da mesma maneira, a Constituição Federal de 1967, que foi outorgada por governos militares, teoricamente não cerceou a liberdade de pensamento, mas restringia de tal maneira sua aplicação que à sociedade restava pouca manifestação intelectual crítica. A liberdade de expressão configurada neste inciso não se refere somente à liberdade de imprensa, mas à condição adquirida que qualquer cidadão brasileiro tem de se manifestar a respeito de qualquer assunto, não contando neste contexto ofensas e ataques pessoais à moral e dignidade alheias, de qualquer tipo. É garantia individual tipificada na Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo XVIII, visando acima de tudo salvaguardar a sociedade contra arbítrios e o uso da força. Mesmo sendo uma garantia considerada individual, é importante frisar que ao atingir a liberdade individual de um indivíduo de forma arbitrária, toda a comunidade padece, pois a coletividade vê seu acesso à informação e ao debate da mesma, restringido.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 promoveu mudanças quando tratou da liberdade de manifestação de pensamento, ampliando os direitos e garantias individuais e coletivos. A liberdade da manifestação de pensamento é um direito fundamental, intransferível e direcionado a todas as pessoas, para que assim seja possível ser vivenciada uma verdadeira sociedade democrática.

Quando se fala em democracia, é importante lembrar que devem andar lado a lado tanto o respeito à Tripartição dos Poderes quanto às Garantias e Direitos Fundamentais. Havendo desequilíbrios e arbitrariedades em relação e um desses institutos, o efeito perante os outros é visível e temeroso. Não está muito distante da realidade brasileira o que houve em tempos de ditadura, e o reflexo daquela realidade ainda podem ser visualizados em nossa sociedade. Os resquícios são políticos, econômicos e morais. Um exemplo deste reflexo foi o que houve no final do mês de Outubro e início do mês de Novembro na Universidade de São Paulo – USP.

3. O EPISÓDIO USP DE 27 DE OUTUBRO DE 2011

Há algum tempo há conflito entre o atual reitor da citada universidade, o Prof. Dr. João Grandino Rodas, os estudantes da mesma. Quando se fala de estudantes da USP, é necessário ressaltar que há naquela instituição diversas unidades (FFLCH, FEA, Poli, etc.) e, dentro de cada unidade, grupos com diferentes opiniões. O Movimento Estudantil, responsável pelos eventos recentes, não é uma organização e tampouco possui membros fixos. Cada ação é deliberada em assembleia por alunos cuja presença é facultativa. O que há é uma liderança desse movimento, composta principalmente por membros do DCE (Diretório Central dos Estudantes) e dos CAs (Centros Acadêmicos) de cada unidade. Alguns são ligados a partidos políticos, outros não. Esses grupos têm cada um reinvindiações diversas, mas em comum levantam a bandeira da segurança e do combate à corrupção dentro da Universidade de São Paulo.

O estopim dos conflitos, que leva ao caso discutido, diz respeito à presença da PM dentro do campus da universidade, autorizada pelo reitor da mesma e apoiada pelo Poder Executivo do Estado de São Paulo, além de deferido pelo Poder Judiciário do mesmo estado. A questão geral em si é mais profunda, e envolve denúncias de corrupção – o reitor Rodas está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo por corrupção, sob acusação de envolvimento em escândalos como nomeação a cargos públicos sem concurso (inclusive do filho de Suely Vilela, reitora anterior a Rodas), criação de cargos de Pró-Reitor Adjunto sem previsão orçamentária e autorização legal, entre outros – e a acusação de abusos contra estudantes envolvidos em movimentos políticos.

O fato é que no ano de 2011 alguns acontecimentos provocaram o ápice da crise que envolve atualmente alunos e movimento estudantil da USP, a reitoria da citada universidade e os Poderes Executivo e Judiciário do Estado de São Paulo.

A violência que assola as cidades brasileiras invadiu o campus da USP sob a forma de estupros, assaltos e por fim o assassinato de um estudante – sob tentativa de latrocínio, com resultado morte, mas sem alcançar o intento da subtração de bens – dentro do estacionamento da universidade. A guarda universitária, que encontra-se sucateada, contava com o apoio da PM de São Paulo naquela noite, mas ambas mostraram-se ineficientes em conter o ato criminoso. Ocorre que este fato conferiu ao reitor Rodas a argumentação suficiente para obter, perante a Justiça do Estado de São Paulo, o deferimento para implantar de forma permanente a PM naquele referido campus, causando prostesto dos estudantes e principalmente do Movimento Estudantil.

Algum tempo após este acontecido, dia 27 de Outubro de 2011, em uma ronda rotineira, a PM prendeu três estudantes que utilizavam drogas dentro o estacionamento do campus. Este fato foi o necessário para desgastar totalmente uma relação reitoria-corpo estudantil que já se encontrava em vias de rompimento. Protestos pacíficos, com leituras de poemas e palavras de ordem foram organizados, mas reprimidos brutalmente por essa mesma PM que se encontrava no campus universitário para proteger os alunos da violência.

Assim, alguns representantes da porção mais radical do Movimento Estudantil invadiram a reitoria da Universidade de São Paulo e alojaram-se em seu interior, exigindo a saída da PM do campus e a discussão da questão da segurança e dos abusos de poder por parte do reitor – e não a liberação do uso de drogas dentro do campus, como foi disseminado pela mídia. Acusados de depredação, os estudantes ganharam a antipatia da sociedade, e de parte de estudantes que não apoiavam a violência contra patrimônio público como forma de protesto.

Como ato final, no dia 08 de Novembro de 2011, vários grupamentos da polícia militar realizaram uma incursão violenta na Universidade de São Paulo, atendendo ao pedido de reintegração de posse requisitado pela reitoria e deferido pela Justiça. Durante essa ação, a moradia estudantil (CRUSP) foi sitiada com o uso de gás lacrimogêneo e um enorme aparato policial. Paralelamente, as tropas da polícia levaram a cabo a desocupação do prédio da reitoria, impedindo que a imprensa acompanhasse os momentos decisivos da operação. Por fim, 73 estudantes foram presos, colocados nos ônibus da polícia, e encaminhados para o 91º DP, onde permaneceram retidos nos veículos, em condições precárias, por várias horas.

“Tentei tirar fotos e gravar vídeos de uma PM que estava sendo violenta com o nada, para nada. Os policiais quebravam as cadeiras no carrinho, faziam questão do barulho, da demonstração da força. Os crafts com avisos dos estudantes, frases e poemas eram rasgados, uma éspecie de símbolo. Enquanto tudo isso acontecia, parte da PM impedia a imprensa de chegar perto da área, impedindo que os repórteres vissem tudo isso. Voltando para confusão onde eu tinha me enfiado: os PMs arrombaram a porta principal, entraram (um grupo de mais ou menos 30, eu acho) e, logo em seguida, fecharam o portão. Trancaram-se dentro da reitoria com os alunos. Coisa boa não era.” (Shayene Metri[16])

A grande questão não é exatamente encontrar onde está a razão: se os estudantes causaram prejuízos ao patrimônio da universidade, ou se utilizavam drogas, ou ainda se a PM reduziu ou não o índice de violência dentro do campus universitário da USP. A grande questão encontra-se no seguinte tópico: os direitos e garantias fundamentais dos estudantes não foram respeitados, sob a forma dos incisos III e IV do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira, e ainda, até que ponto o Poder Executivo poderia ter interferido na questão não só da presença da PM, mesmo esta sendo autorizada pelo Poder Judiciário, mas sobre os desmandos do reitor Rodas dentro da Universidade de São Paulo.

Pois quando se analisa o fato, é notório que a PM é instrumento de poder do Estado de São Paulo sobre a USP, que é uma autarquia e, assim, possui, ou deveria possui, autonomia administrativa.

Uma universidade não deve ser submetida a interesses políticos e econômicos, mas ainda assim o Poder Executivo interferiu dentro da USP a partir do momento que foi realizada uma eleição indireta, assumindo o cargo o atual reitor João Grandino Rodas, selecionado pessoalmente pelo Governador do Estado de São Paulo, que antes de assumir seu posto, era “homem forte” do governo de José Serra.

O reitor ganhou a antipatia tanto do corpo discente quanto do docente ao tomar decisões controvertidas, como a suspensão de salários em ocasiões de greve, o anúncio da demissão em massa de 270 funcionários a abertura de processos contra alunos e funcionários envolvidos em protestos políticos, além de implantar revistas policiais, de forma aleatória, nos corredores das unidades e centros acadêmicos e também a vigilância sobre participantes de manifestações, gerando um alto grau de intimidação entre estudantes e funcionários, com o objetivo de garantir a segurança do campus.

Segundo representantes do corpo discente e docente da Universidade de São Paulo, e contrário ao que tem sido divulgado tanto na grande mídia quanto em redes sociais, a crise da USP, que teve seu ápice com a ocupação militar, não possui relação direta com a defesa ou proibição do uso de drogas no campus. Na verdade, os protestos estariam ligados à requisição dos alunos de que seja reavaliada não só a interfência do Poder Executivo do Estado de São Paulo dentro da administração da universidade, mas também à postura inadequada para gerir conflitos e à repressão aos estudantes e movimento estudantil e sua efetiva participação nas decisões tomadas pela instituição.

É preciso apontar que os questionamentos dos envolvidos no conflito remetem a estruturas políticas bastante conhecidas e recentes em solo brasileiro: a ditadura militar. Os estudantes e professores apontam que “a inexistência de eleições representativas para Reitor, a ingerência do Governo Estadual nesse processo de escolha e a não-revogação do anacrônico regimento disciplinar de 1972”[17] demonstram que em alguns aspectos, ainda é necessário o controle em relação à questão da separação dos poderes,  pois a universidade é o celeiro de onde saem as ideias e pessoas que irão influenciar o país, sejam estas ideias boas ou ruins. Cabe à sociedade filtrar e estabelecer o que é mais adequado para a maioria.

Dentro do que tange aos incisos III e IV do parágrafo 5º da Constituição Federal Brasileira, a reação violenta da PM contra os estudantes, coibindo seu direito à manifestação pacífica e liberdade de expressão, e a forma como estes foram autuados e presos, de forma arbitrária, é possível abrir um questionamento se realmente estamos vivendo em uma democracia absoluta e efeitva, ou se ainda existem resquícios da ditadura militar em alguns setores de nossa sociedade.

CONCLUSÃO

Rudolf Von Ihering[18] afirma que “o fim do Direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o Direito estiver sujeito às ameaças da injustiça, e isso perdurará enquanto o mundo for mundo, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: a luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos.”

Para Ihering, quando o Direito individual (subjetivo) é violado, todo o Direito objetivo também o é, pois, de fato, são os dois uma única e mesma coisa. Ao negar o direito subjetivo, acaba por ser negado o Direito como um todo. A luta pelo direito é vista como algo vital, necessário e inerente ao ser humano. Necessário como o pão e como a água.

Para Wolkmer[19] (2006) “no momento em que o indivíduo não tem ânimo para defender o seu próprio direito, o mesmo não estará capacitado para defender o direito da sociedade.”

Em que patamar está a sociedade política nacional então, quando estudantes, dentro de uma universidade brasileira, de forma pacífica, tentam se manifestar e protestar, e são recebidos pela força policial – apoiada pelo Poder Executivo – de forma violenta, levando-os a atitudes extremas, que foi a invasão da reitoria da mesma universidade, desencadeando assim uma espiral de atitudes arbitrárias e desproporcionais ao livre exercício da cidadania.

Assim, percebe-se que a separação dos poderes ainda precisa ser muito estudada e respeitada por partes de todos os setores, tanto políticos quanto da sociedade, e que os Direitos e Garantias fundamentais estão em uma melhor situação quando comparados há algumas décadas atrás, mas ainda estão longe de ser plenamente respeitados e reconhecidos por todos.

 

Referências
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. São Paulo. Editora Malheiros, 2010.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo. Editora Malheiros, 2008, p. 558-578.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Saraiva, 2000
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13ª edição. São Paulo: Atlas, 2003.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10 ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2010, p. 58-62; p. 257-273.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo. Editora Malheiros, 2010.
TAVARES, André Ramos; LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado Constitucional e Organização do Poder. São Paulo. Editora Saraiva, 2010, p.193-208; p.265-290.
Notas
[1] (Wringtown, 29 de agosto de 1632 — Harlow, 28 de outubro de 1704). Filósofo inglês e ideólogo do liberalismo, sendo considerado o principal representante do empirismo britânico e um dos principais teóricos do contrato social.
[2] (Estagira, 384 a.C. – Atenas, 322 a.C). Filósofo grego, com escritos que abrangem diversos assuntos, como a física, a metafísica, as leis da poesia e do drama, a música, a lógica, a retórica, o governo, a ética, a biologia e a zoologia. Aristóteles é visto como um dos fundadores, da filosofia ocidental.
[3] (castelo de La Brède, próximo a Bordéus, 18 de Janeiro de 1689 — Paris, 10 de Fevereiro de 1755). Foi um político, filósofo e escritor francês. Ficou famoso pela sua Teoria da Separação dos Poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais.
[4] “Do espírito das Leis”, vol I. São Paulo: Nova Cultural, 1997. Publicado inicialmente em 1748, é o livro no qual Montesquieu elabora conceitos sobre formas de governo e exercícios da autoridade política que se tornaram pontos doutrinários básicos da ciência política.
[5] Art. 96, I, "a", CF.
[6] André Ramos Tavares; George Salomão Leite e Ingo Wolfgang Sarlet escreveram o livro Estado Constitucional e Organização do Poder.
[7] Inspirada nos pensamentos dos iluministas, bem como na Revolução Americana (1776), a Assembléia Nacional Constituinte da França revolucionária aprovou em 26 de agosto de 1789
[8] Este termo surgiu na Grécia Antiga, com demos = povo e kratia = governo.
[9] José Afonso da Silva (1925) é um jurista brasileiro, especialista em Direito Constitucional.
[10] Curso de Direito Constitucional Positivo. 27a. edição – São Paulo: Malheiros, 2006.
[11] Paulo Bonavides (1925)  é jurista  brasileiro e escreveu o livro Curso de Direito Constitucional.
[12] Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10 ed. Porto Alegre p. 60-61
[13] Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
[14] (São Borja, 19 de abril de 1882 – Rio de Janeiro, 24 de agosto de 1954). Foi um advogado e político brasileiro, líder civil da Revolução de 1930, que pôs fim à República Velha, depondo seu 13º e último presidente Washington Luís e impedindo a posse do presidente eleito em 1º de março de 1930, Júlio Prestes. Foi Presidente da República do Brasil em dois períodos. De 1930 a 1945 e posteriormente de 1951 a 1954.
[15] Lei 2083 de 1953, que versava, entre outros, sobre a regulamentação relacionada aos crimes de imprensa.
[16] Estudante da USP e parte do “Jornal do Campus”, periódico interno feito por alunos de jornalismo da Universidade de São Paulo.
[17] Nota pública de pesquisadores da Universidade de São Paulo sobre a crise da USP.
[18] (Aurich, Frísia, 22 de agosto de 1818 — Gotinga, 17 de setembro de 1892). Foi um jurista alemão, autor de inúmeras obras, entre elas o livro intitulado “A Luta pelo Direito”.
[19] Antonio Carlos Wolkmer é um professor e advogado brasileiro. Teórico do direito, vinculado aos estudos sobre Pluralismo Jurídico. Professor titular de História do Direito na Universidade Federal de Santa Catarina, atuando. Um dos iniciadores do debate sobre o Direito Alternativo no Brasil.

Informações Sobre o Autor

Eduardo Lopes de Almeida Bitencourt

Mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas pela Unifacs, é advogado e administrador, pós-graduado em Finanças Corporativas e em Direito Público.


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Equipe Âmbito Jurídico

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