Otton Tercio de Oliveira Ferreira – Bacharel em Direito pela Faculdade Nobre de Feira de Santana (FAN), Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Pedagógico de Minas Gerais (IPEMIG). E-mail: ottontercio@hotmail.com
Resumo: O Código Civil de 2002 define o que é concubinato, porém, nem ele ou nenhuma outra legislação regulou seus possíveis efeitos patrimoniais, o que tem gerado muitas controvérsias entre a doutrina e a jurisprudência. Dessa forma, esse trabalho tem o objetivo de analisar os possíveis efeitos patrimoniais e previdenciários que podem ser gerados em consequência de uma relação de concubinato de longa duração. Assim, buscou-se realizar uma contextualização histórica do direito das famílias no Brasil, analisando importantes conceitos relacionados a união estável e ao concubinato, sendo feito ainda importante estudo sobre princípios que regem diretamente esse ramo do Direito de Família. Em seguida foi analisado os efeitos patrimoniais que uma relação de concubinato de longa duração pode ter, já que esse é o objeto central desse trabalho. Sendo constatado, majoritariamente, que doutrina e jurisprudência apresentam posicionamentos conservadores, restringem ao máximo o direito da concubina. Mas alguns doutrinadores e algumas decisões jurisprudenciais em consonância com as evoluções sociais e os princípios fundamentais do direito já defendem o reconhecimento de uniões estáveis putativas e até mesmo de uma união estável paralela a um casamento ou a outra união estável, quando presentes seus requisitos caracterizadores.
Palavras-chave: Concubinato. Longa duração. Patrimônio.
Abstract: The Civil Code of 2002 defines what is concubinage, but neither has nor other legislation regulated its possible patrimonial effects, which has generated many controversies between the doctrine and the jurisprudence. Thus, this work has the objective of analyzing the possible equity and social security effects that can be generated as a consequence of a long-term relationship of concubinage. Thus, we sought to carry out a historical contextualization of the law of families in Brazil, analyzing important concepts related to stable union and concubinage, being made still an important study on principles that directly govern this branch of Family Law. Next, we analyzed the patrimonial effects that a relation of long-term concubinage can have, since this is the central object of this work. Most of which is that doctrine and jurisprudence are conservative, restricting as much as possible the right of the concubine. But some doctrinators and some jurisprudential decisions in line with social developments and fundamental principles of law already advocate the recognition of putative stable unions and even of a stable union parallel to a marriage or other stable union when their characterizing requirements are present.
Keywords: Concubinage. Long Term. Patrimony.
Sumário: Introdução. 1. O direito de família no Brasil. 1.1. A evolução do direito de família. 1.2. Princípios aplicados ao direito de família. 1.2.1. Princípio da dignidade da pessoa humana. 1.2.2. Princípio da igualdade. 1.2.3. Princípio da pluralidade das entidades familiares. 1.2.4. Princípio da solidariedade familiar. 1.2.5. Princípio da afetividade. 1.2.6. Princípio da busca da felicidade. 2. conceitos relacionados ao casamento, união estável e concubinato. 2.1. Do casamento e do princípio da monogamia. 2.2. Da união estável. 2.3. Do concubinato. 2.3.1. Do concubinato de longa duração. 3. Efeitos patrimoniais e previdenciários decorrentes do concubinato de longa duração. 3.1. Posicionamento doutrinário. 3.2. Posicionamento jurisprudencial. 3.2.1. Direito a pensão alimentícia. 3.2.2. Direito a meação e partilha de bens. 3.2.3. Direito a indenização por serviços prestados. 3.2.3. Direito a pensão previdenciária por morte. Conclusão. Referências.
Introdução
O grande número de pessoas inseridas em relações concubinárias de longa duração demonstra a necessidade de regulamentação legislativa do instituto do concubinato, para que fiquem bem definidos os efeitos patrimoniais que podem ser gerados em consequência dessa relação, e dessa forma ampliar a ele valores relacionados ao princípio da dignidade da pessoa humana. Diante disso, essa pesquisa teve como objetivo demonstrar os possíveis direitos patrimoniais e previdenciários decorrentes de uma relação paralela de afeto com pessoa casada ou em união estável quando a relação constituída for de longa duração, com base na legislação, doutrina e jurisprudência. Tendo como tema, “Os Efeitos Patrimoniais e Previdenciários do Concubinato de Longa Duração no Direito Brasileiro”.
Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (CC/02), o instituto da união estável foi regulamentado, antes considerado por doutrinadores e aplicadores do Direito como concubinato puro ou não adulterino. Entretanto, o conhecido concubinato impuro ou adulterino, que passou a ser chamado simplesmente por concubinato, não teve regulado os efeitos patrimoniais e previdenciários decorrentes da sua constituição, o que vem gerando grandes controvérsias, que a doutrina e o judiciário tentam diariamente resolver.
Assim, esse trabalho pretendeu responder a seguinte problemática: Nas famílias formadas por indivíduos impedidos de casar, constituindo o instituto do concubinato, a concubina (o) possui direitos patrimoniais e previdenciários? Foram então formuladas hipóteses, entre as quais a que restringe ao máximo o direito da (o) concubina (o); a que entende ser possível a ampliação de todos os diretos inerentes ao instituto da união estável, considerando a relação concubinária uma entidade familiar; e a que defende a aplicação analógica ao concubinato de longa duração dos direitos que incidem sobre casamento putativo.
Durante a pesquisa foi aplicada o método hipotético-dedutivo como base lógica de argumentação, pois o tema não passou por regulamentação legislativa e não conta com um entendimento uniforme no âmbito jurídico, o que justifica o problema que é objeto desta pesquisa. No intuito de tornar clara a problemática foram levantadas hipóteses que se demostraram verdadeiras parcialmente (LAKATOS; MARCONI; 2017).
Como o tema não conta com regulamentação legislativa, a pesquisa foi realizada analisando conhecimentos produzidos pela doutrina e pela jurisprudência em conjunto com todo o Sistema Jurídico Nacional, por isso, a pesquisa bibliográfica se demonstrou a mais adequada. Aplicou-se a pesquisa o método da Hermenêutica Jurídica para uma melhor interpretação do conteúdo jurídico pesquisado.
O trabalho apresenta grande relevância científica, pois está fundamentado na importância de se analisar e compilar os conhecimentos jurídicos já existentes sobre o tema, contribuindo para a construção de um entendimento justo, em conformidade com a legislação brasileira. Também tem grande valor social, devido o grande número de pessoas que convivem inseridas em relações paralelas de afeto, quase sempre sofrendo discriminações e sem uma legislação que lhe garanta completa segurança quanto aos seus efeitos patrimoniais. Sendo a pesquisa essencial para produção de conhecimento jurídico, com o escopo de proteger seja o direito da (o) esposa (o) ou companheira (o), “oficial”, seja para a proteção da (o) concubina (o), que manteve longo relacionamento de afeto num formato semelhante a uma família.
A pesquisa foi dividida em cinco seções. Na segunda seção se falou sobre a evolução do direito de família no Brasil e em seguida se tratou sobre os principais princípios que regem o direito das famílias, são eles: princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da igualdade, princípio da solidariedade familiar, princípio da pluralidade das entidades familiares, princípio da felicidade e princípio da afetividade.
Na terceira seção, foram conceituados os institutos do casamento, união estável, união estável putativa e concubinato, o que será fundamental para uma melhor compreensão do tema.
A quarta seção foi reservada para a análise dos efeitos patrimoniais que podem ser gerados em consequência da relação de concubinato de longa duração (direito a alimentos, meação e partilha de bens, indenização por serviços prestados e pensão previdenciária por morte), com base na legislação, doutrina e jurisprudência.
1 O direito de família no Brasil
1.1 A evolução do direito de família
A promulgação da Lei nº 3.071 em 1.º de janeiro de 1916, instituindo o Código Civil, é tida como um marco na evolução do Direito de Família no Brasil pois até então vigoravam leis provenientes até mesmo da época colonial. Assim, segundo Gagliano; Pamplona (2017), apenas aquelas famílias formadas pelo casamento eram reconhecidas, sendo que o Sistema Canônico influenciava diretamente o matrimônio tornando-o indissolúvel. Dessa forma, os filhos provenientes de uma relação externa ao casamento eram tratados como ilegítimos com a finalidade de não se reconhecer os direitos deles.
Com o passar dos anos, a evolução que acontecia na sociedade levou a mudanças legislativas que tinham como objetivo romper com o caráter conservador e patrimonialista do Código Civil de 1916. Então, no ano de 1962 foi editada a Lei nº 4.121 conhecida como “Estatuto da Mulher Casada”, que para Gagliano; Pamplona (2017) resguardou o direito da mulher perante os bens que adquiria como fruto do seu trabalho e equiparou o direito dos cônjuges, dando plena capacidade à mulher casada.
O casamento que era indissolúvel até o ano de 1977, como forma de forçar a preservação do casamento e da instituição familiar, teve na Emenda Constitucional 9/1977 e na Lei nº 6.515/77 a implementação do divórcio na legislação brasileira, pondo fim a indissolubilidade do casamento.
Mais tarde sob a influência da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), o CC/02 surge buscando atualizar antigas ideias e expressões que não eram mais cabíveis na sociedade como, por exemplo, acabando com a desigualdade entre o homem e a mulher no ambiente familiar e disciplinando o instituto da união estável, distinguindo-o terminologicamente do concubinato. Em seguida, no ano de 2010, a Emenda Constitucional de nº 66, extinguiu o sistema de separação judicial, hoje bastando apenas o divórcio para por fim ao matrimônio.
A sociedade contemporânea vem passando todos os dias por mudanças e o Direito de Família tem o dever de evoluir e acompanhar as novas demandas sociais. Porém, essa ideia que deveria ser unânime não é seguida por parte dos aplicadores do direito e pelo legislador. É o que se percebe no projeto de lei que tramita no Congresso Nacional desde 2013, sob o nº 6.583/2013 que é intitulado de Estatuto da Família. Ele restringe o conceito de família, demonstrando um caráter conservador já no seu artigo 2º: “Art. 2º: Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (BRASIL, 2013, p. 1).
Outro projeto de lei que também tramita desde o ano de 2013, é o sob o nº 470/2013, idealizado por integrantes do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e intitulado de Estatuto das Famílias, adere a um significado amplo de família com o objetivo de preservar os valores referentes aos princípios da pluralidade das entidades familiares e da igualdade. É o que se pode perceber pela leitura do seu art. 3º: “É protegida a família em qualquer de suas modalidades e as pessoas que a integram” (BRASIL, 2013, p. 1).
Pôde-se perceber a evolução do direto de família no ordenamento jurídico brasileiro, acompanhando ainda que timidamente as transformações na sociedade. Porém, ainda há muito a se fazer. Um exemplo é o instituto do concubinato que o legislador diferenciou da união estável, mas não regulamentou os seus efeitos.
1.2 Princípios aplicados ao Direito de Família
A promulgação da CRFB/88 consagrou diversos princípios norteadores do ordenamento jurídico brasileiro e diante do grande número de princípios existentes, a seguir serão citados apenas os de maior relevância para o Direito de Família.
1.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
Considerado pela doutrina como um “superprincípio”, por ser um dos fundamentos do Estado brasileiro, o princípio da dignidade da pessoa humana possui grande influência sobre o Direito de Família. Previsto no artigo 1º, III da CRFB/88, para Madaleno (2018, p.106): “O Direito de Família tem a sua estrutura de base no princípio absoluto da dignidade humana e deste modo promove a sua ligação com todas as outras normas ainda em vigorosa conexão com o direito familista, pois configurando um único sistema e um único propósito, que está em assegurar a comunhão plena de vida, e não só dos cônjuges, dos unidos estavelmente, mas de cada integrante da sociedade familiar.”
Por tal princípio é possível depreender que cada indivíduo merece ser respeitado pelo Estado e pela sociedade para que seja alcançada uma vida livre de qualquer fator degradante, desumano ou que não seja bom para sua saudável convivência em comunidade. E estando o Direito de Família em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana não existe razão para nenhum tipo de discriminação dos diferentes tipos de entidades familiares que surgem ao longo do tempo na sociedade.
1.2.2 Princípio da igualdade
O CRFB/88 traz o princípio da igualdade, em diversos artigos da norma constitucional. No artigo 5º, caput, estabelecendo igualdade entre os indivíduos perante a lei, sem qualquer forma de distinção; no artigo 226, §5º que diz que os deveres da sociedade conjugal devem ser exercidos igualmente pelo homem e pela mulher; e no artigo 227,§ 6º, que proíbe qualquer tipo de diferenciação de tratamento entre filhos provenientes ou não da relação de casamento ou entre aqueles que sejam adotados (BRASIL, 2002).
A aplicação desses preceitos constitucionais ao CC/02 consagrou a igualdade entre os gêneros nas funções a serem desempenhadas dentro da entidade familiar e extinguiu o tratamento diferenciado de filhos provenientes de relações externas ao matrimonio, conforme previsto nos artigos 1.511, 1.565 e 1.596 do CC/02 (GAGLIANO; PAMPLONA, 2017).
1.2.3 Princípio da pluralidade das entidades familiares
A CRFB/88 reconheceu a possibilidade de outras formas de entidades familiares diferente do matrimônio. De acordo com Farias; Rosenvald (2017), o legislador constituinte reconheceu na norma o que já era uma realidade na sociedade brasileira; o casamento deixou de ser a única forma de constituição de família protegida pelo Estado, sendo possível a partir de então outras modalidades familiares.
As inovações da Constituição levaram ao reconhecimento do instituto da união estável e da família monoparental como entidade familiar, dignas de proteção do Estado, conforme artigo 226 da CRFB/88. Assim como posteriormente o Supremo Tribunal Federal reconheceu como entidade familiar as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, as mudanças ainda não são suficientes já que o legislador deixou de abranger as uniões extramatrimoniais não concedendo a elas expressa proteção Estatal.
1.2.4 Princípio da solidariedade familiar
O artigo 3º, I, da CRFB/88 elenca a solidariedade como um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil. A construção de uma sociedade solidária, logicamente repercute nas relações familiares já que tal princípio deve está presente nas relações pessoais da entidade familiar (TARTUCE, 2017).
Para Dias (2015), o CC/02 consagra o princípio da solidariedade para o âmbito familiar ao estabelecer no artigo 1.511 que o casamento estabelece a comunhão de vidas e ao prever no artigo 1.694 a obrigação alimentar entre os integrantes de uma família.
1.2.5 Princípio da afetividade
O afeto é um dos principais fundamentos das relações familiares, mesmo não sendo um princípio expresso na CRFB/88, é possível afirmar que ele decorre do reconhecimento da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana a todos os ramos do direito; gerando a cada dia profundas mudanças na forma de se pensar a família, principalmente no sentido de valorizar o afeto (TARTUCE, 2017).
O princípio da afetividade busca valorizar o afeto nas relações pessoais dos integrantes da entidade familiar, em detrimento, por exemplo, de fatores econômicos e biológicos, por isso sendo considerado também um norteador do Direito de Família.
1.2.6 Princípio da busca da felicidade
O princípio da busca pela felicidade implícito no artigo 1º, III, da CRFB/88 decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, teve grande importância no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132 de 2011, pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a constitucionalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo. O julgado ampliou o direito em discussão fundamentando-se principalmente no direito de todos de buscar à felicidade.
Posteriormente, no ano de 2016, a mesma Suprema Corte reconheceu a igualdade entre a paternidade socioafetiva e a biológica, assim como admitiu também a multiparentalidade, no julgamento do Recurso Extraordinário 898060. O Ministro Relator Luiz Fux, em seu voto, afirmou que esse princípio elevaria a pessoa à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhecendo o direito dela de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha durante a vida.
Dessa forma, por tal princípio depreende-se que é direito de todos buscar à felicidade, não devendo haver nenhum tipo de discriminação ou resistência desde que essa busca não interfira no direito outrem, sendo essencial sua aplicação no Direito de Família, com o objetivo de respeitar as diversas formas que as famílias podem ser estruturadas.
2 Conceitos relacionados ao casamento, união estável e concubinato
2.1 Do casamento e do Princípio da Monogamia
A Constituição Federal de 1988 é sem dúvida o grande marco legislativo da história do Direito de Família brasileiro, já que consagrou direitos e garantias fundamentais às relações familiares, estando o instituto do casamento positivado em seu artigo 226 e nos artigos 1.511 e seguintes do CC/02. O casamento pode ser definido como uma união de duas pessoas, com reconhecimento e regulação feita pelo Estado, tendo como base o afeto e com o objetivo de constituição de família (TARTUCE, 2017).
Entre alguns princípios relacionados ao casamento, tem uma importância especial para esse trabalho o princípio da monogamia. Seu mandamento pode ser extraído de dispositivos do CC/02. No seu artigo 1.521, VI, que proíbe o casamento de pessoas já casadas, sendo considerada um fator de impedimento matrimonial que gera, conforme o artigo 1.548, II, do mesmo código, a nulidade absoluta do casamento. O princípio também está implícito no artigo 1.566 do CC/02 que traz como dever dos cônjuges a fidelidade recíproca durante o casamento (BRASIL, 2002).
No que se refere a união estável, os artigos 1.723, 1.724 e 1.727 do CC/02 demonstram a opção do legislador em aplicar o princípio da monogamia também a essa modalidade de entidade familiar. Ao negar o reconhecimento da união aos impedidos matrimonialmente, salvo na hipótese da pessoa casada já estiver ao menos separada de fato ou judicialmente; à medida que elege como dever dos companheiros a lealdade, que tem um sentido maior que a fidelidade; e por considerar expressamente no artigo 1.727 as relações não eventuais entre os impedidos de casar como concubinato (MADALENO, 2018).
Dessa forma, um dos principais argumentos utilizados por magistrados e doutrinadores para a limitação de direitos patrimoniais à concubina e para um eventual reconhecimento de entidades familiares simultâneas é o princípio implícito da monogamia. Nota-se que durante muitos anos da história do ordenamento jurídico brasileiro ele vem servindo como base para a formação dos núcleos familiares, tendo como influência valores morais e religiosos tradicionais. Mas à medida que a sociedade passa por transformações, a defesa incondicional de um sistema monogâmico de família, sem que seja feita uma análise do fato concreto e das necessidades da população está fadada ao fracasso, já que o Direito deve acompanhar essas transformações.
2.2 Da união estável
A união estável, conforme o artigo 226, § 3º da CRFB/88 se constitui como uma entidade familiar, em consequência da união entre o homem e a mulher. Já o CC/02, em seu artigo 1.723, caput, reconhece “como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (BRASIL, 2002, p. 149). Sendo ainda necessária a inexistência dos impedimentos matrimoniais previstos no artigo 1.521 do CC/02, ressalvados a hipótese do inciso VI, quando a pessoa casada estiver separada de fato ou judicialmente (BRASIL, 2002). Nas palavras de Dias (2015, p. 244 ): “A lei não define nem imprime à união estável contornos precisos, limitando-se a elencar suas características (CC 1.723): convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família. Preocupa-se em identificar a relação pela presença de elementos de ordem objetiva, ainda que o essencial seja a existência de vínculo de afetividade, ou seja, o desejo de constituir família.”
Mas durante muito tempo a união estável foi denominada por juristas e doutrinadores por concubinato puro/não adulterino enquanto o concubinato era chamado de concubinato impuro/adulterino. Expressões que sempre demonstraram muito preconceito por parte da sociedade, já que o ordenamento jurídico brasileiro apenas reconhecia como entidade familiar o casamento. Mesmo nos casos de concubinato puro/não adulterino, em que era clara a comunhão de vidas, o que inclui a comunhão material e de sentimentos, essas relações não contavam com a devida proteção legal.
Só após a chegada da CRFB/88 e do CC/02, o concubinato puro/não adulterino passou a ser chamado de união estável, sendo reconhecido como uma entidade familiar e os integrantes dessa relação passando a serem conhecidos como companheiros. Um instituto que não se confunde com o casamento mas que passou a contar com a proteção legal, ocupando um capítulo próprio dentro do CC/02 entre os artigos 1.723 a 1.727. O Código em seu 1.723, caput, traz elementos indispensáveis para a caracterização de uma união estável. São eles: convivência pública, contínua e duradoura e que tenha o objetivo de constituição de família (BRASIL, 2002).
O primeiro dos requisitos, convivência pública, diz respeito à vontade, ainda que implícita, que os companheiros possuem de tornar a relação conhecida a toda a sociedade. Pelas circunstâncias que vivem, aparentam ser marido e mulher, pois praticam atos notórios bastante característicos de um casamento, não merecendo proteção do Estado a relação velada (VENOSA, 2017).
A relação continua e duradoura também se faz necessário à caracterização da união estável, uma relação que deve estar livre de grandes interrupções e sobressaltos, já que pequenas brigas e desavenças são comuns entre casais. Devendo apresentar estabilidade e seriedade entre os companheiros, sem a necessidade de prazos mínimos, pois o que importa é o quanto é sólida a relação e a qualidade da comunhão entre vidas (MADALENO, 2018).
O objetivo de constituição de família é da mesma forma requisito essencial para o enquadramento da relação nesse modelo de entidade familiar. Não basta a manutenção de um relacionamento íntimo ou até mesmo que ambos convivam sobre um mesmo teto residencial ou profissional sob interesses meramente econômicos. A intenção de ambos deve ser a de partilhar uma vida como companheiros, como se casados fossem, possuindo um relacionamento em que a vontade seja claramente de construção e manutenção de uma entidade familiar, independente da existência de filhos (TARTUCE, 2017).
Também é necessário que os companheiros não incidam nos impedimentos do artigo 1.521, VI, do CC/02, mas caso a pessoa já esteja separada de fato ou judicialmente, não haverá óbice para o reconhecimento da união estável, pois a separação acaba com o dever de fidelidade recíproca entre o casal (DINIZ, 2014).
2.3 Do concubinato
Em período anterior à vigência da CRFB/88 e do CC/02 doutrinadores e julgadores diferenciavam o instituto do concubinato em puro e impuro, ou adulterino e não adulterino. Porém, atualmente estas expressões foram superadas e o concubinato puro ou não adulterino passou a ser chamado de união estável, conforme artigo 226, §3º da CRFB/88. Por outro lado, a expressão concubinato impuro ou adulterino foi denominado simplesmente por concubinato, de acordo com o artigo 1.727 do CC/02, que define o instituto tratando ele como sendo o relacionamento entre um homem e uma mulher que possuem impedimentos matrimoniais (BRASIL, 2002).
E por vezes quando se fala em concubinato só é visualizado os casos em que o indivíduo casado mantém uma relação paralela extraconjugal, ele também abrange todos os demais impedimentos previstos no artigo 1.521 do CC/02, como forma de proibir uniões incestuosas.
Assim vale destacar o conceito de concubinato, definido de forma bastante didática por Madaleno (2018, p. 1.699 ): “Concubinato é uma união impura, representando uma ligação constante, duradoura e não eventual, na qual os partícipes guardam um impedimento para o matrimônio, por serem casados, ou pelo menos um deles mantém íntegra a vida conjugal e continua vivendo com seu cônjuge, enquanto ao mesmo tempo mantém um outro relacionamento, este de adultério, ou de amasiamento.”
O concubinato é considerado uma mera sociedade de fato sendo tratado como uma relação obrigacional, sendo os direitos e deveres dessa relação previstos no rol dos direitos das obrigações e não no direito de família, o que é fundamentado no caráter monogâmico das entidades familiares.
2.3.1 Do concubinato de longa duração
Uniões paralelas formadas durante um longo período de forma contínua, apresentando de certa forma uma publicidade e em alguns casos específicos tendo como frutos desse afeto, filhos, são usualmente chamadas pela doutrina e jurisprudência como concubinato de longa duração. São relacionamentos que às vezes apresentam todas as características de núcleo familiar, com ajuda mútua entre os parceiros. Entretanto, ainda não contam com regulamentação legislativa e o direito brasileiro não considerando elas como uma entidade familiar não é tutelada pelo Direito de Família, sendo tratados como uma sociedade de fato, com tutela prevista pelo Direito das Obrigações (TARTUCE, 2018).
Mesmo com características semelhantes que aproximam muito um concubinato de longa duração de uma união estável, o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência é no sentido de não reconhecê-las como uma família simultânea. Na prática o que se observa são verdadeiras famílias formadas paralelamente a um casamento ou a união estável, em que os partícipes da relação por diversas vezes empreendem esforço conjunto para a formação de um patrimônio, mesmo assim a legislação brasileira tal como a maioria dos tribunais restringem ao máximo os efeitos jurídicos e patrimoniais decorrentes dessas relações.
Em situações específicas de concubinato de longa duração em que estejam devidamente provadas ao longo do tempo uma relação socioafetiva constante, duradoura, com características de um núcleo familiar paralelo a um já anteriormente formado, não haveria razão de se negar a incidência de regras familiares, que assegurassem a concubina segurança jurídica quanto a direitos e deveres advindos dessa relação. São hipóteses claras de duas famílias constituídas, apesar de ainda consideradas adulterinas, mesmo em casos que ambas as mulheres sabem da existência da outra há diversos anos. Cercear consequências jurídicas a esses concubinatos de longa duração é afrontar o principio matricial da dignidade da pessoa humana e os princípios da afetividade e felicidade, alimentando um sentimento discriminatório ainda muito presente em nossa sociedade.
3 Efeitos patrimoniais e previdenciários decorrentes do concubinato de longa duração
Os efeitos patrimoniais advindos de uma relação de concubinato de longa duração não foram regulamentados e por isso não contam com previsão legislativa. Por isso, uma análise dos possíveis direitos sobre o patrimônio construído durante essa relação e sobre pensões previdenciárias por morte se torna essencial para que se possa tutelar os justos interesses de todos os envolvidos nessa relação, protegendo principalmente aqueles que são economicamente dependentes e impedindo qualquer intenção de enriquecimento ilícito por alguma das partes.
3.1 Posicionamento doutrinário
As uniões simultâneas a um casamento são tratadas pelo atual Código Civil como concubinato, previsto no artigo 1.727, sendo vedado o reconhecimento de união estável nessas situações, independente da duração e características dessas uniões. Seguindo essa linha, a maior parte da doutrina considera uma união simultânea a uma união estável, por analogia, também como concubinato, o que se fundamentaria no princípio da monogamia e no dever de lealdade imposto pelo artigo 1.724 do CC/02. É o que defende Diniz (2014), dizendo que independente de boa-fé da concubina ou da duração do concubinato, resta a amante a indenização financeira dos bens que comprovar ter ajudado a construir, não tendo direito à alimentos, meação, partilha de bens e pensão previdenciária por morte.
Uma outra corrente, que ganha destaque pela consonância com valores constitucionais, é defendida por Dias (2015), argumenta que baseado nos princípios da dignidade da pessoa humana, afetividade e felicidade (que regem o Direito das Famílias) independente de boa-fé das partes, deve ser reconhecida a pluralidade de entidades familiares desde que presentes os requisitos caracterizadores da união estável. Dessa forma, todos os direitos patrimoniais tutelados pelo instituto da união estável também seriam aplicados a essas relações concubinárias, tendo a concubina direito à alimentos, meação, partilha de bens e pensão previdenciária por morte.
Ainda existe a corrente doutrinária, defendida entre outros, por Madaleno (2018), afirmando que os relacionamentos afetivos formados após a constituição de um casamento ou união estável caso a (o) concubina (o) desconheça a deslealdade do (a) parceiro (a), poder-se-ia reconhecer uma união estável putativa, por analogia ao artigo 1.561 do CC/02 que trata do casamento putativo, assim, todos os direitos patrimoniais inerentes à união estável seriam aplicados ao concubinato, a exemplo alimentos, meação, partilha de bens e pensão previdenciária.
Embora a maior parte da doutrina e a maioria dos julgados restringirem os direitos da concubina, Gonçalves (2018), afirma que isso tem criado uma situação injusta e que o julgador brasileiro passou a observar as peculiaridades dessas relações, sendo crescente nos tribunais do país a concessão de direitos que surgem em decorrência das relações concubinárias.
3.2 Posicionamento jurisprudencial
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não reconhecem o concubinato de longa duração como uma entidade familiar, eles possuem até o presente momento entendimento consolidado no sentido de considerar as uniões paralelas a um casamento ou a uma união estável, meras sociedades de fato, conforme a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, já citada nessa pesquisa. Em regra, por tanto, a concubina não teria direito a alimentos, indenização por serviços prestados, meação, partilha de bens e pensão previdenciária por morte.
Porém, apesar de não reconhecer judicialmente uniões paralelas no sentido de ampliar a elas os efeitos advindos de uma união estável, esses Tribunais após análise do caso concreto, podem conceder certos direitos à concubina com o objetivo de evitar grandes injustiças.
O posicionamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça quanto às uniões simultâneas é citada na decisão a seguir. Nela o relator, Ministro Antônio Carlos Ferreira, destaca que não é possível o reconhecimento de união estável quando não estiver provado que a pessoa casada não está separada de fato ou de direito: “CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL NÃO RECONHECIDA. HOMEM CASADO. SEPARAÇÃO DE FATO NÃO COMPROVADA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1.A jurisprudência do STJ e do STF é sólida em não reconhecer como união estável a relação concubinária não eventual, simultânea ao casamento, quando não estiver provada a separação de fato ou de direito do parceiro casado. 2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). 3. No caso concreto, o Tribunal de origem concluiu pela ausência de comprovação da separação de fato. Alterar esse entendimento demandaria o reexame das provas produzidas nos autos, o que é vedado em recurso especial. 4. Agravo interno a que se nega provimento” (BRASIL, 2017, grifo nosso).
No ano de 2015, o mesmo Superior Tribunal de Justiça, diante de uma dissolução de um concubinato que havia durado quatro décadas em que a concubina idosa dependia economicamente do parceiro, concedeu o direito a prestação de alimentos, como se pode ver na decisão: “RECURSO ESPECIAL. CONCUBINATO DE LONGA DURAÇÃO. CONDENAÇÃO A ALIMENTOS. NEGATIVA DE VIGÊNCIA DE LEI FEDERAL. CASO PECULIARÍSSIMO. PRESERVAÇÃO DA FAMÍLIA X DIGNIDADE E SOLIDARIEDADE HUMANAS. SUSTENTO DA ALIMENTANDA PELO ALIMENTANTE POR QUATRO DÉCADAS. DECISÃO. MANUTENÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA PREEXISTENTE. INEXISTÊNCIA DE RISCO PARA A FAMÍLIA EM RAZÃO DO DECURSO DO TEMPO. COMPROVADO RISCO DE DEIXAR DESASSISTIDA PESSOA IDOSA. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE E SOLIDARIEDADE HUMANAS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICO-JURÍDICA. 1. De regra, o reconhecimento da existência e dissolução de concubinato impuro, ainda que de longa duração, não gera o dever de prestar alimentos a concubina, pois a família é um bem a ser preservado a qualquer custo. 2. Nada obstante, dada a peculiaridade do caso e em face da incidência dos princípios da dignidade e solidariedade humanas, há de se manter a obrigação de prestação de alimentos a concubina idosa que os recebeu por mais de quatro décadas, sob pena de causar-lhe desamparo, mormente quando o longo decurso do tempo afasta qualquer riso de desestruturação familiar para o prestador de alimentos. 3. O acórdão recorrido, com base na existência de circunstâncias peculiaríssimas – ser a alimentanda septuagenária e ter, na sua juventude, desistido de sua atividade profissional para dedicar-se ao alimentante; haver prova inconteste da dependência econômica; ter o alimentante, ao longo dos quarenta anos em que perdurou o relacionamento amoroso, provido espontaneamente o sustento da alimentanda –, determinou que o recorrente voltasse a prover o sustento da recorrida […]. 4. Não se conhece da divergência jurisprudencial quando os julgados dissidentes tratam de situações fáticas diversas. 5. Recurso especial conhecido em parte e desprovido” (BRASIL, 2015, grifo nosso).
No julgado acima, o Tribunal entendeu que por a concubina ter sido mantida financeiramente durante todos os quarenta anos não seria justo, já idosa, ficar desamparada sem a prestação de alimentos. O Relator pontuou que apesar do concubinato, em regra, não gerar esse dever de prestar alimentos, o caso demonstrava excepcionalíssimo e por isso fundamentando seu voto nos princípios da dignidade e da solidariedade determinou que o antigo parceiro voltasse a manter o sustento da concubina idosa.
É importante lembrar que alguns tribunais do país entendem ser possível o reconhecimento judicial de uniões paralelas, ampliando a elas os direitos da união estável, quando a relação posterior preencher os requisitos caracterizadores dessa entidade familiar, independente de boa-fé da concubina (DIAS, 2015).
Em casos em que seja formada uma relação afetiva duradoura após a constituição de um casamento ou união estável, quando a concubina desconhece a deslealdade do parceiro, existem doutrinadores e julgados que defendem a aplicação das regras do casamento putativo previstas no artigo 1.521 do CC/02. É o que defende Madaleno (2018), dizendo que deveria ser reconhecida uma união estável putativa e assim aplicados todos os direitos patrimoniais inerentes ao instituto da união estável.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal no julgado a seguir decide em não reconhecer a união estável com pessoa casada que não esteja ao menos separada de fato. Porém, menciona uma possível aplicação da teoria da união estável putativa, quando existir boa-fé da concubina por não ter ciência da condição de casado do seu parceiro: “CIVIL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS NÃO CONFIGURADOS. PESSOA CASADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Não configurados os requisitos elencados no artigo 1.723 do Código Civil, improcede o pedido para reconhecimento de união estável. 2. A convivência amorosa com pessoa que se sabe ser legalmente casada, sem a demonstração que ela se encontra separada de fato de seu respectivo cônjuge, impede a caracterização da união estável, pois há clara indicação que não houve o affectio maritalis, como propósito em comum. 3. Descabe a aplicação da teoria da união estável putativa quando há inequívoca ciência da condição de casado do apelado, impedindo a análise de eventual boa-fé em seus atos. 4. Negou-se provimento ao recurso” (BRASÍLIA, 2018, grifo nosso).
Diante disso, passa-se a analise dos demais posicionamentos jurisprudenciais sobre os possíveis efeitos patrimoniais que surgem de uma relação de concubinato de longa duração, em especial no que se refere a direitos à alimentos, indenização por serviços prestados, meação, partilha de bens e pensão previdenciária por morte, já que esses são os direitos mais reivindicados aos Tribunais por aqueles que vivem inseridos em uniões paralelas de afeto.
3.2.1 Direito a pensão alimentícia
A CRFB/88 tem como seu princípio maior a dignidade da pessoa humana, que fundamenta o Estado Democrático de Direito e de forma concomitante irrogou o direito à vida o caráter de direito fundamental (DIAS, 2015). Assim, o legislador na Carta Magna assegurou de forma expressa a todos os cidadãos o direito de viver com dignidade. E nesse sentido está inserido o direito a alimentos, significando um meio para a preservação desse princípio maior, concretizando o próprio direito a uma vida digna (FARIAS; ROSENVALD, 2017).
Pois para viver dignamente é necessário que a pessoa consiga suprir suas necessidades básicas com suas próprias forças ou pelo menos com a ajuda de terceiros (prestação de alimentos). O termo alimentos deve ser entendido de forma ampla, abrangendo habitação, vestuário, educação, entre outros.
O atual Código Civil em seu artigo 1.694, caput, elencou como legitimados a receber alimentos os parentes, os cônjuges ou companheiros, dizendo ser possível uns pedir alimentos aos outros para que eles possam viver de forma compatível com suas condições sociais, devendo a prestação de alimentos atender inclusive as despesas com educação (BRASIL, 2002).
Diante disso, o entendimento dominante no país é de não ser possível a concessão de alimentos à concubina, como se pode verificar nessa decisão do Superior Tribunal de Justiça: “CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMETNTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARCEIRO CASADO. IMPEDIMENTO. ALIMENTOS INDEVIDOS. 1. A existência de impedimento para o matrimônio por um dos parceiros impede o reconhecimento da união estável (CC 1723, § 1º). 2. Ficou comprovado que o parceiro era casado enquanto mantinha relacionamento amoroso com a autora, que tinha conhecimento do fato. 3. Não havendo união estável entre as partes, não são devidos alimentos pelo ex-parceiro, nem partilha de bens. 4. Negou-se provimento ao apelo da autora. Nas razões do recurso especial, a parte recorrente sustentou, em síntese, violação do art. 1.723 do Código Civil. Buscou, em suma, o reconhecimento da união estável entre as partes, o qual foi público, contínuo, duradouro e com evidente ânimo de se constituir uma família. Brevemente relatado, decido. O recurso não tem como prosperar. A orientação jurisprudencial desta Corte é firme no sentido de que a relação concubinária, paralela a casamento válido, não pode ser reconhecida como união estável, salvo se configurada separação de fato ou judicial entre os cônjuges, situação não evidenciada nos presentes autos” (BRASIL, 2015, grifo nosso).
A decisão acima segue o entendimento dos Tribunais Superiores ao não reconhecer uma união estável quando existirem impedimentos matrimoniais. Neste caso concreto, a concubina pleiteou o reconhecimento de união estável para que fosse concedida a ela pensão alimentícia, alegando a longa duração do relacionamento e o conhecimento da relação concubinária por parte da esposa do seu ex-parceiro. Porém, seu pedido foi negado pelo tribunal que alegou que seu ex- parceiro era casado e que por isso um dos requisitos da união estável não estaria preenchido, dessa forma, não teria direito a prestação de alimentos.
De maneira diversa, encontramos decisões que diante das demandas sociais e baseados nos princípios da dignidade da pessoa humana e solidariedade, buscam ampliar o direito da concubina quando o caso concreto demostrar uma dependência econômica entre os integrantes da relação concubinária e quando esse concubinato for de longa duração. É o que decidiu a Quinta Câmara Cívil do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia: “AGRAVOS DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM ALIMENTOS. RECURSOS QUE COMBATEM DECISÕES PROFERIDAS PELO JUÍZO A QUO, DE INDEFERIMENTO DOS ALIMENTOS PROVISÓRIOS E EXTINÇÃO PARCIAL DA AÇÃO QUANTO À PRETENSÃO ALIMENTÍCIA. MATÉRIA CONVERGENTE. JULGAMENTO CONJUNTO. RECONHECIMENTO DO DIREITO DA CONCUBINA À PERCEPÇÃO DE ALIMENTOS. PRECEDENTES DO STJ. TRANSMISSIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AO ESPÓLIO COM A MORTE DO ALIMENTANDO. RECURSOS PROVIDOS. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. 1. A publicidade das decisões se dá no exato momento da inserção nos autos. Verificada que a morte do alimentando ocorrera após o entranhamento da decisão aos autos, estabelecida está a obrigação alimentar. 2. Precedentes do STJ reconhecendo que “a obrigação de prestar alimentos pode surgir como decorrência do concubinato” (REsp 60778/SP. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior) 3. Reconhecido o direito aos alimentos, é possível a transmissão ao espólio da obrigação alimentar estabelecida na decisão, mesmo que originada de um concubinato impuro. 4. Impossibilidade do juízo primeiro proferir decisão contrária àquela proferida nos autos pela Egrégio Tribunal de Justiça. 5. Agravos de Instrumento providos. Agravo Interno prejudicado” (BAHIA, 2016, grifo nosso).
A decisão do Tribunal Baiano, utilizou precedente do Superior Tribunal de Justiça que reconheceu a obrigação de prestar alimentos mesmo em relações concubinárias. No caso decidido acima a Relatora citando a possibilidade de direito à alimentos para a concubina reconhece a possibilidade de transferência dessa obrigação para o espólio do ex-parceiro.
O que se percebe é que existe uma grande resistência por parte de uma corrente de pensamento ainda bastante conservadora em garantir direito a alimentos à concubina, mesmo a relação sendo de longa duração. Entretanto, existem correntes que ao contrário, buscam analisar cada caso concreto, entendendo a realidade e as necessidades da concubina que teve a relação desfeita, para que ela não fique desassistida nesse direito fundamental que é a da prestação de alimentos.
3.2.2 Direito a meação e partilha de bens
Passando a análise de direitos a meação e a partilha de bens, a meação diz respeito à divisão do patrimônio, que será fracionado conforme foi a vontade das partes durante a vigência da relação; já a partilha se refere a divisão do patrimônio quando ocorre a morte de uma delas.
Como já foi visto, não existe previsão legal sobre a meação e a partilha de bens construídos durante a relação de concubinato, sendo utilizado pela doutrina e jurisprudência majoritária as regras do Direito das Obrigações a fim de resolver os problemas de ordem patrimonial. Por isso, o concubinato foi por analogia equiparado a uma mera sociedade de fato que está disciplinado nos artigos 986 a 990 do atual Código Civil, sendo que a concubina (o) só teria direito aos bens que comprovasse ter ajudado a construir; também foi editada a Súmula 380 do STF, tratando sobre o dever de partilha dos bens adquiridos com esforço comum: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum” (BRASIL, 1964).
O entendimento que prevalece nos tribunais brasileiros é que a concubina deve comprovar a efetiva construção dos bens durante o período que durou o concubinato, pois ao contrário nenhum direito teria ela sobre eles. Entretanto, alguns tribunais ao reconhecerem a possibilidade de uniões paralelas decidem pela meação ou partilha de bens. É o que se pode depreender do seguinte julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL “POST MORTEM”. PROCESSOS CONEXOS. JULGAMENTO SIMULTÂNEO. DUPLICIDADE DE UNIÕES. DIVISÃO COM AMBAS AS COMPANHEIRAS. – A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o “de cujus”, bem como a dele com outra companheira – Os bens adquiridos na constância da união dúplice devem ser partilhados entre a esposa, a companheira e o de cujus”(MINAS GERAIS, 2018, grifo nosso).
Na decisão do Tribunal Mineiro, foi reconhecida como união estável uma relação paralela a outra união estável que era devidamente formalizada em cartório. A relação paralela teve duração de 41 anos e apesar de não ter havido como fruto desse afeto filhos, a relação segundo o Relator preenchia todos os requisitos ensejadores de uma união estável.
Sendo assim reconhecida não apenas a união estável que o “de cujus” possuía com a concubina mas também o direito pela partilha dos bens juntamente com a companheira. Seguindo uma nova tendência no que se refere ao reconhecimento de uniões simultâneas, é possível observar que alguns tribunais dos estados, a exemplo do Maranhão, Bahia e da citada decisão de Minas Gerais, admitem todos os direitos inerentes ao instituto da união estável para a concubina. Dessa forma, seria plenamente possível a meação e a partilha de bens, entendimento em consonância com parte da doutrina que fundamenta seus argumentos em princípios norteadores do Direito de Família, a exemplo da dignidade da pessoa humana, afetividade e felicidade.
3.2.3 Direito a indenização por serviços prestados
Outra possibilidade de concessão de direito patrimonial à concubina, geralmente em casos de inexistência de bens a serem partilhados, é a indenização por serviços prestados, que diz respeito, por exemplo, aos trabalhos realizados no âmbito doméstico. A indenização teria por objetivo não deixar desamparada a concubina que prestou suporte ao parceiro, contribuindo assim para a sua ascensão patrimonial durante a relação concubinária. Entretanto, essa hipótese de indenização, que atualmente já não tem sua concessão admitida pela maior parte da doutrina e jurisprudência, gera divergências e perde espaço diante da nova tendência dos tribunais em reconhecer as uniões paralelas.
De acordo com Tartuce (2017), indenizar a concubina por serviços prestados é medida discriminatória, que de forma equivocada tenta quantificar a sua dedicação durante o tempo que durou a relação concubinária, dando um significado financeiro ao afeto que existiu entre os parceiros.
O entendimento mais recente do Superior Tribunal de Justiça é de não conceder esse direito a concubina, como se pode notar na seguinte decisão do ano de 2015: “AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. IMPEDIMENTO. PRECEDENTES DESTA CORTE. AGRAVO IMPROVIDO. DECISÃO Trata-se de agravo interposto contra a decisão que não admitiu o recurso especial apresentado por M DAS G P, com base no art. 105, III, a, do permissivo constitucional, desafiando acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 244): CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMETNTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARCEIRO CASADO. IMPEDIMENTO. ALIMENTOS INDEVIDOS […]. 1. A união estável pressupõe ou ausência de impedimentos para o casamento ou, ao menos, separação de fato, para que assim ocorram os efeitos análogos aos do casamento, o que permite aos companheiros a salvaguarda de direitos patrimoniais, conforme definido em lei. 2. Inviável a concessão de indenização à concubina, que mantivera relacionamento com homem casado, uma vez que tal providência eleva o concubinato a nível de proteção mais sofisticado que o existente no casamento e na união estável, tendo em vista que nessas uniões não se há falar em indenização por serviços domésticos prestados, porque, verdadeiramente, de serviços domésticos não se cogita, senão de uma contribuição mútua para o bom funcionamento do lar, cujos benefícios ambos experimentam ainda na constância da união. 3. Na verdade, conceder a indigitada indenização consubstanciaria um atalho para se atingir os bens da família legítima, providência rechaçada por doutrina e jurisprudência. 4. Com efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, a concessão de indenizações nessas hipóteses testilha com a própria lógica jurídica adotada pelo Código Civil de 2002, protetiva do patrimônio familiar, dado que a família é a base da sociedade e recebe especial proteção do Estado (art. 226 da CF/88), não podendo o Direito conter o germe da destruição da própria família […]. Ante o exposto, nego provimento ao agravo em recurso especial” (BRASIL, 2015, grifo nosso).
Na decisão citada a concubina pleiteou o reconhecimento de uma união estável paralela ao casamento de seu ex-parceiro e consequentemente a concessão de alimentos, partilha de bens e indenização por serviços prestados. Porém, em consonância com o que foi dito neste trabalho, o Superior Tribunal de Justiça negou o pedido da concubina.
No que se refere à indenização por serviços prestados, o Relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, cita na decisão que a impossibilidade de deferir tal direito a concubina está fundamentada no perigo de dar ao concubinato proteção superior ao casamento ou a união estável que não contam com esse direito. Menciona ainda, que a concessão de indenização pelos serviços domésticos realizados representaria um atalho para alcançar os bens da família, o que segundo ele não é aceito pela doutrina e jurisprudência pátria.
Os tribunais de justiça do país em sua maioria seguem esse entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, que em anos anteriores já até admitiu a possibilidade de concessão desse direito para evitar que a concubina ficasse desamparada, mas que hoje o cerceia, com base na impossibilidade de conceder a ela um direito que nem mesmo é dado às entidades familiares formalmente reconhecidas pela lei.
3.2.3 Direito a pensão previdenciária por morte
Inúmeros são os conflitos gerados em torno da pensão previdenciária por morte, quando cônjuge e concubina ou companheira e concubina requerem judicialmente o benefício.
O artigo 74 da Lei 8.213/1991, que trata sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social, diz que “A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer […]”. E o seu artigo 16 determina quem são esses dependentes: “Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; II – os pais; III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes. § 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. § 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. § 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada” (BRASIL, 1991, p. 1).
E possível observar que o artigo 16, I, se refere ao cônjuge, companheiro ou companheira. Sendo que o legislador se preocupou em definir no § 3º quem seria esse companheiro (a), que é a pessoa com quem se mantém união estável, não incluindo a concubina no rol de dependentes.
Na CRFB/88 o artigo 201, V, assegura “pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro ou dependentes, observado o disposto no §2º” (BRASIL, 1988, p. 85). Não estando, mais uma vez, o direito da concubina regulamentado, mesmo que o concubinato seja de longa duração, não existindo amparo legal que lhe assegure a pensão previdenciária. O que gera grande divergência doutrinária e jurisprudencial, fazendo com que verdadeiras famílias fiquem desassistidas, pois acabam prevalecendo decisões conservadoras.
Em recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi negado um pedido de indenização previdenciária por morte de uma concubina que manteve relacionamento duradouro com homem casado, vejamos: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM E CONSEQUENTE PERCEPÇÃO DE METADE DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE PENSÃO POR MORTE. DESCABIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. Caso dos autos em que não estão presentes os elementos necessários à configuração da união estável, quais sejam, o convívio público, contínuo e duradouro, a mútua assistência e o intuito de constituir família. Inteligência do artigo 1.723 do Código Civil. Em que pese a prova documental e testemunhal trazida pela apelante, os apelados, através desses mesmos meios, lograram êxito em evidenciar que a relação vivenciada pelo extinto casal não passava de um namoro prolongado, vivenciado, inclusive, durante a manutenção de matrimônio pelo falecido. Apelação desprovida, por maioria” (RIO GRANDE DO SUL, 2019, grifo nosso).
Fica claro no julgado o entendimento que é majoritário nos tribunais do país, no sentido de não reconhecer judicialmente aos concubinatos de longa duração direitos inerentes às entidades familiares. No caso em análise a concubina alegou por meio de provas ter mantido relacionamento diário de carinho e afeto por trinta e sete anos com o falecido e que essa convivência era comum também com familiares de ambos.
Em seu voto, o Relator, Ministro José Antônio Dalto e Cesar, admitiu que a relação concubinária era longínqua e que eles possuíam uma convivência comum juntamente com os seus familiares. Porém, argumentou que o falecido era casado e que não existiam provas suficientes que ele estava ao menos separado de fato da esposa, o que geraria um impedimento para o reconhecimento de uma união estável requerida pela concubina. Em consequência disso negou a concessão do beneficio previdenciário por morte, não permitindo o rateio com a esposa.
Porém, alguns tribunais estaduais em consonância com as necessidades de grande número de pessoas que ficam em total desamparo após a morte do beneficiário que proveu durante um longo período de tempo a concubina, admitem o reconhecimento judicial de uma união estável paralela a um casamento ou a outra união estável e assim deferem o direito de recebimento da pensão previdenciária por morte.
Foi o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4º Região em recente decisão: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CASAMENTO. SEPARAÇÃO DE FATO. INOCORRÊNCIA. ALZHEIMER. UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. CONCOMITÂNCIA DE RELAÇÕES. REFLEXOS PREVIDENCIÁRIOS. POSSIBILIDADE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. RATEIO. 1. A pensão por morte rege-se pela legislação vigente quando da sua causa legal, sendo aplicáveis, no caso, as disposições da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.528/97. 2. A doença de Alzheimer não afasta o caráter intuitivo da pessoa portadora da enfermidade, exigindo ainda maior intensidade dos laços familiares. A perda da memória recente não pode ser considerada ou interpretada como quebra do laço matrimonial e não equivale à separação de fato para fins jurídicos. Reconhecida a manutenção do casamento, é devida a pensão por morte à cônjuge […]. 5. Admite-se o reconhecimento do direito ao benefício de pensão por morte à pessoa que, durante longo período e com aparência familiar, manteve união estável com pessoa casada. Precedentes. 6. Tendo em vista a coexistência das situações de fato, o rateio da pensão por morte é medida que se impõe, na medida em que presumida é a dependência econômica de ambas as beneficiárias (BRASIL, 2019, grifo nosso).
Nesta decisão foi reconhecido o direito de rateio da pensão previdenciária por morte entre cônjuge e concubina que manteve relacionamento de afeto por longo período de tempo com homem casado. Isso porque, segundo o julgado, a relação se configurou numa união estável, pois era ela pública, duradoura e tinha o objetivo de constituição de família. Apesar de inicialmente a defesa da concubina alegar uma separação de fato existente dentro do matrimônio, foi decidido que a doença de Alzheimer não teria o condão por si só de provocá-la. E que mesmo não separados de fato deveria ser reconhecida judicialmente a relação paralela e em consequência da dependência econômica da concubina, que fosse determinada o rateio da pensão com a cônjuge.
A falta de regulamentação jurídica dos possíveis efeitos patrimoniais decorrentes de um concubinato de longa duração demonstra a grande insegurança jurídica vivida por aqueles que estão inseridos nessas relações. Em que pese a maior parte da doutrina e da jurisprudência sejam conservadoras e restrinjam ao máximo o direito da concubina, é possível observar decisões favoráveis a elas, que não só garantem, de acordo com o caso concreto, os direitos patrimoniais e previdenciários aqui citados, mas também que reconhecem esses concubinatos de longa duração, que apresentam todas as características de uma entidade familiar, como uma união estável e assim estendendo todos os direitos patrimoniais deste instituto às concubinas.
Conclusão
O Direito de Família no Brasil passou por diversas mudanças ao longo dos anos. E a chegada do CC/16 foi considerada um marco, já que substituiu uma serie antigas, mas ainda apresentava características conservadoras e patrimonialistas. Transformações foram ocorrendo na sociedade o que levaram a alterações legislativas, assim, no ano de 1962 por meio da Lei nº 4.121 foi reconhecida a capacidade plena da mulher casada e foram resguardados os direitos sobre os bens que ela adquiria por esforço próprio durante o casamento.
Um pouco mais tarde, a Emenda Constitucional nº 9 e a Lei nº 6.515 ambas do ano de 1977, acabaram com a indissolubilidade do casamento, implementando o divórcio. Porém, a grande mudança ocorreu com a promulgação da CRFB/88 e a consequente Constitucionalização do Direito de Família, a Carta Maior reconheceu juridicamente a união estável como uma entidade familiar. Posteriormente o CC/02 trouxe a definição do concubinato, mas o legislador se preocupou apenas em conceitua-lo, não fez nenhuma regulamentação de possíveis efeitos decorrentes da relação concubinária, cabendo a doutrina e a jurisprudência o importante papel na demarcação dos direitos e deveres que surgiriam dessa relação.
Atualmente, existem dois projetos de lei que impactariam consideravelmente no Direito de Família, o de nº 6.583/2013 em tramitação no Senado Federal, bastante conservador, considerando família apenas aqueles núcleos formados pelo homem e pela mulher, e outro que tramita na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 470/2013, que representaria uma evolução para a sociedade e para o ordenamento jurídico pátrio, por reconhecer diversas formas de família independente da quantidade de companheiros e do sexo dos integrantes dessa relação.
Essa pesquisa que teve como objetivo demonstrar os possíveis efeitos patrimoniais e previdenciários decorrentes de uma relação paralela de afeto, encontrou respostas na doutrina e jurisprudência que na ausência de uma legislação consolidada se lastreiam principalmente em princípios que norteiam o Direito de Família. Em que pese a maioria se posicionar de forma a restringir os direitos da concubina, foi possível observar correntes de pensamentos que defendem a ampliação dos direitos da união estável também ao concubinato de longa duração; sendo possível constatar também que até mesmo a corrente mais conservadora do Direito de Família admite, a depender da situação fática, alguns efeitos patrimoniais e previdenciários.
Como visto, a maior parte da doutrina e da jurisprudência não reconhece uma relação concubinária de longa duração como entidade familiar, mesmo que presentes requisitos caracterizadores de uma união estável. E ainda tentam restringir ao máximo os direitos da concubina no sentido de não conceder direitos à alimentos, indenização por serviços prestados, meação, partilha de bens e pensão previdenciária por morte; fundamentando tal entendimento principalmente no princípio da monogamia e em valores conservadores de ordem moral. Apenas em casos excepcionais, após detalhada análise de como essa relação foi estruturada durante os anos, reconhecem alguns desses direitos, porém sem admitir a existência de uma união formal paralela.
Entretanto, existem doutrinadores e decisões jurisprudenciais que diante deste tema e com o objetivo de não deixar desamparadas inúmeras pessoas que vivem sob essa realidade, fundamentam seus argumentos nos princípios da dignidade da pessoa humana, do afeto e da solidariedade, reconhecendo juridicamente a união simultânea de longa duração enquanto entidade familiar, e em consequência disso admitem que todos os possíveis efeitos patrimoniais e previdenciários aplicados a uma união estável sejam estendidos à relação concubinária duradoura, a exemplo do direito à alimentos, meação, partilha de bens e pensão previdenciária por morte.
O estudo realizado pode demonstrar através da análise dos materiais produzidos pela doutrina e pela jurisprudência a grande divergência sobre os efeitos patrimoniais decorrentes das relações concubinárias de longa duração e a necessidade de regulamentação do tema. Foi observado que existe grande preocupação por parte de profissionais do Direito em garantir a devida segurança jurídica às inúmeras pessoas inseridas nesses relacionamentos, o que pode ocasionar uma futura regulamentação do tema pesquisado em conformidade com os valores constitucionais do Estado brasileiro.
Referências
BAHIA. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (5. Câmara Cívil). Agravo de Instrumento 0020167-38.2014.8.05.0000. Agravos de instrumento. Direito Civil. Ação de reconhecimento de união estável cumulada com alimentos. Recursos que combatem decisões proferidas pelo juízo a quo, de indeferimento dos alimentos provisórios e extinção parcial da ação quanto à pretensão alimentícia […]. Relatora: Ilona Márcia Reis, 05/10/2016. Disponível em: https://tj-ba.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/422931229/agravo-de-instrumento-ai-201673820148050000?ref=serp. Acesso em: 22 abr. 2019.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 999.189/MS. Civil. Processual Civil. Família. Agravo Interno no Agravo em recurso especial. União Estável não reconhecida. Homem casado. Separação de fato não comprovada. Reexame do conjunto fático-probatório dos autos. Inadmissibilidade. Incidência da súmula n. 7/STJ. Decisão mantida. Relator: Min. Antônio Carlos Ferreira, 23/5/2017. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/465087590/agravo-interno-no-agravo-em-recurso-especial-agint-no-aresp-999189-ms-2016-0270011- ref=serp. Acesso em: 20 mar. 2019.
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