O último contrato coletivo de trabalho por tempo determinado, isento de obrigações sociais, pretendendo apresentar uma resposta às reivindicações da Nação brasileira, acabou apontando para um caminho de compressão de direitos sociais assegurados na Constituição de 1988.
Esta alternativa contratual, deixando de atentar para o vigor que a constitucionalidade de determinados direitos sociais têm, eliminou o exercício de muitos, penalizando injustamente uma das partes do contrato – o trabalhador -, pela seriedade do momento econômico, enfatizando, sem guardar esse objetivo, que a queda dos investimentos também é provocada pelo exercício daqueles direitos.
Apenas para mostrar a incoerência deste tipo de raciocínio, que pode levar à errônea conclusão de que é o exercício de direitos trabalhistas o vilão causador da falta de estímulo ao investimento para o crescimento da produção, vale conhecer outras alternativas.
Quanto à ação do Estado, expressa naquela atividade legislativa que o Brasil assistiu em janeiro do corrente, demonstrando uma tentativa de adaptação às mudanças que a economia, a produção, a diversidade e a globalização exigem, há de se dizer que a mesma correspondeu a uma tentativa de desregulamentação dos direitos sociais. Tal atitude legislativa terminou por desestimular o trabalhador, porque implicou uma retração do sistema de proteção social, e pretendeu melhorar a produtividade e a competitividade do Brasil, no âmbito internacional, com a prática comum de algumas nações economicamente fortes, os países centrais como os EUA, a França e a Inglaterra, os quais sempre mantiveram a seguridade social em avançadas condições, assegurando uma qualidade de vida bastante superior à encontrada entre os brasileiros.
No entanto, aumentando a polarização da concentração de renda, quer dizer, persistindo a desequilibrada distribuição das rendas, e desincentivando o trabalhador brasileiro, como esperar o aumento da produtividade e a melhora da qualidade, as expectativas do mercado internacional além do baixo preço?
Mas, há exemplos de países, também economicamente mais fortes, que mostraram a existência de outros caminhos para a superação da crise. A medida oposta à descrita acima e que redundou em idênticos resultados no que diz respeito às alternativas para a superação da crise e os conseqüentes avanços econômicos, consiste a busca da cooperação, da integração do trabalhador na empresa e, para tanto, uma ampla participação, o diálogo e o entendimento direto. Nações como a Áustria, a Alemanha e a Suécia, fizeram essa opção, medidas legais interventoras que significassem a perda de direitos sociais pelos trabalhadores foram recusadas, e obtiveram sucesso.
Cumpre observar que a crise econômica que assola inteiramente o mundo, está promovendo uma transformação no comportamento das sociedades.
O mundo inteiro passa por dificuldades semelhantes, guardadas, é claro, as peculiaridades de cada Nação, e, num esforço permanente para encontrar os fundamentos capazes de proporcionar a todos os homens uma condição de vida socialmente digna (social em seu amplo sentido, alcançando as áreas culturais e econômicas da existência humana), as indagações recaíram inclusive sobre as relações que se dão no ambiente de trabalho, favorecendo, principalmente, a adoção de uma nova postura, de um novo comportamento, que redunda na participação dos trabalhadores e na efetiva valorização de seus potenciais criativos e inventivos.
A participação dos trabalhadores, significando também uma tendência forte no plano internacional, das últimas três décadas pelo menos, identifica-se como a mais recente possibilidade que é realizada através de seus representantes, ou sindicais ou, ainda, extrasindicais, a qual constitui a democratização do processo produtivo. Esta democratização a que se faz referência pode ser manifesta com a co-gestão, a participação nos lucros, a decisão sobre o processo de implantação de novas tecnologias, na gestão de programas sociais e, provavelmente, em muitas outras oportunidades que podem ou não estar integradas nos procedimentos codiretivos.
Contudo, quanto à esta participação na empresa, cabe dizer, ainda, que ela também se manifesta na utilização de procedimentos autocompositivos dos conflitos de interesses, ou seja, na negociação coletiva direta e espontânea em amplo sentido entre trabalhadores, através de seus representantes, e o empresário, representado ou não, em comissões de participação ou de negociação, ambas admitidas na lei brasileira, no artigo 621 da Consolidação das Leis do Trabalho, expressamente.
Já se ouviu dizer que a legislação brasileira é rígida, e que, por causa disso, a mesma não admitiria a flexibilização dos direitos sociais.
Mas a verdade não corresponde a este pensamento. No Brasil, a Constituição da República apontou a alta relevância da autocomposição dos conflitos de interesses antagônicos entre os fatores sociais da produção no art. 7°, os incisos VI, XIII, XIV e XXVI e, no art. 8°, inciso VI, tornando obrigatória a presença dos sindicatos de categoria em todo processo de negociação (de um certo modo, também configurando um estímulo ao diálogo, vale recordar que o art. 11 da CF criou o representante único, cuja responsabilidade consiste a manutenção do entendimento direto com o empresário, e que há outras possíveis representações, previstas na CLT, como, por exemplo, as seções sindicais e os delegados, ambos lembrados e permitidos no art. 517, parágrafo segundo, da Consolidação, as comissões mistas admitidas no art. 621 da mesma, as quais podem ser reguladas em convenções e acordos coletivos de trabalho).
Examinando os incisos VI, XIII, XIV e XXVI do 7º artigo da Constituição da República Federativa Brasileira, observa-se a atenção que o legislador constituinte de 1988 reservou à negociação coletiva de trabalho, quer dizer, à convenção ou acordo coletivo. Os aludidos incisos tratam da utilização da conversação, e do conseqüente pacto normativo que da mesma resultar, a convenção ou o acordo, para a redução de salário, a modificação do horário diário ou semanal de trabalho, a alteração da jornada de trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, sendo, toda convenção ou acordo, legalmente reconhecidas como normas válidas.
A Constituição Federal fornece atenção, portanto, à autonomia normativa dos mais legítimos interessados em regular as condições de trabalho: os fatores sociais da produção econômica.
A função negocial do sindicato tem especial importância por permitir o desenvolvimento de um processo de positivação da norma jurídica, através da negociação entre as partes sociais envolvidas no processo produtivo, para o estabelecimento das condições de trabalho; a criação normativa, um fenômeno próprio do Direito do Trabalho, é grandemente divulgada no nível coletivo.
O esforço das partes envolvidas na negociação, trabalhadores e empregadores, de preparar leis laborais para suprir as falhas e a incapacidade do Estado para a solução de todos os problemas tipicamente trabalhistas, tem como resultado a perda do monopólio legislativo deste mesmo, o qual se faz através das autoridades públicas competentes. A partir disso, a referida competência passa para a autonomia dos grupos profissionais e econômicos.
Consoante o ordenamento brasileiro, o sindicato, o legítimo representante dos interesses econômico-laborais, ou dos trabalhadores ou dos empresários, é elevado à categoria de fonte primária de direito. A atuação das associações sindicais revela que as mesmas detêm poder social, isto é, que constituem autoridade estritamente nos assuntos que lhe são pertinentes, os organizativos, econômicos e laborais. A faculdade normativa criadora, o poder de produzir normas jurídicas aplicáveis e extensíveis, por exemplo, numa negociação de âmbito nacional, a todos os envolvidos na produção, determina que, esta prerrogativa de elaborar normas, só pode ser exercitada quando houver a presença de ambos os seus protagonistas: trabalhadores, de um lado, e empresários, de outro.
Correspondendo a um aspecto da autonomia dos sindicatos, a negociação coletiva pressupõe, para tornar-se efetiva, uma reserva de competência em favor daqueles referidos fatores sociais: é preciso que o Estado admita o autônomo poder normativo das entidades. A respeito desta autonomia, impende salientar que, o que se deu na Constituição Federal, foi a declaração do poder, relativo às entidades sindicais, de elaborar leis de regulamentação dos relacionamentos laborais. A eficácia das normas de origem não-estatal é garantida pelo Estado, através do reconhecimento de seu valor à construção e atualização do Direito, desde que formalizem pactos convencionais lícitos que respeitem a supremacia da Constituição.
A declaração de autonomia normativa dos particulares é percebida naqueles artigos constitucionais apontados há pouco, combinados com os termos do inciso I do art. 8?, o qual veda terminantemente interferências e intervenções dos poderes públicos na vida da organização sindical e que, por conseguinte, proíbe a demarcação de restrições à realização de todas as atividades organizativas das entidades classistas. Dentre estas diligências organizativas, destaca-se a autocomposição dos conflitos, em especial as atividades negociais.
Sendo assim, é possível notar que a autonomia coletiva negocial manifesta, enfim, um fenômeno de descentralização do poder normativo estatal para alcançar centros periféricos menores que expressam a realidade da dinâmica dos problemas laborais e que não estabelecem órgãos públicos estatais. Significa isso apenas o reconhecimento da capacidade normativa ínsita às organizações de trabalhadores e de empregadores, da autonomia dos mesmos para resolver sobre seus particulares interesses amplamente, com a reserva dos pontos básicos e elementares que mantém a eqüidade em uma relação laboral, como é o caso dos direitos sociais trabalhistas, uma das faces dos direitos fundamentais, ou seja, ressalvada a constitucionalidade de todo ato normativo.
A este respeito, cumpre acrescentar que, consistindo uma tendência forte do sindicalismo no plano internacional, a negociação direta vem sendo verificada como uma das mais importantes atividades das organizações sindicais desenvolvidas, nas últimas décadas, nos países de ambiente democrático mais adiantado.
Esta questão é aqui abordada porque tem sido notado que é justamente através do incentivo à prática da negociação espontânea e voluntária em vários e ilimitados âmbitos de contratação que muitas alternativas originais têm sido descortinadas para transpor os males econômicos (a solução dos problemas sociais está relacionada em linha direta com a dos econômicos), definindo a verdadeira expressão da autonomia normativa e da autocomposição de conflitos, a fonte primeira do Direito do Trabalho.
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