Patrimônio cultural imaterial e o instituto do registro

Resumo: O escopo do presente artigo está embasado em analisar o grau de acesso e proteção ao Patrimônio Cultural Brasileiro, com ênfase no de caráter imaterial.  Os direitos culturais, com a vigência da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, se tornaram de cunho fundamental, fazendo parte do dia-a-dia da população. Discrepante aos bens materiais que possuem proteção legal desde 1937, os bens imateriais ainda são ‘hodiernos’ no país, começaram a fazer parte da legislação a partir do art. 216 da CRFB/1988. Ao ser incluso no artigo supramencionado, vários instrumentos legais com intenção de preservar e salvaguardar o Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro foram aceitos, sendo o mais célebre estabelecido pelo Decreto 3.551/2000, denominado Registro.[1]

Palavras-chave: Direitos Culturais. Patrimônio Cultural. Bens Imateriais. Registro.

Sumário: 1 Introdução; 2 Do Acesso ao Patrimônio Cultural; 3 Patrimônio Cultural Imaterial e suas espécies; 4 O Instituto do Registro: uma análise do Decreto 3.551/2000; 5 Conclusão

1 INTRODUÇÃO

A promulgação da Constituição Federal de 1988, dentre uma série de reconhecimento de direitos, resultou, de maneira expressa, na valorização dos direitos culturais e os vinculando a realização do indivíduo. A partir do art. 215 e 216 desta, a cultura brasileira passou a usufruir de proteção jurídica avançada e moderna. Em virtude dos fatos aludidos, o Estado ficou responsável por garantir e preservar o Patrimônio Cultural Brasileiro, criando variadas formas de acesso para o povo.

A constituição de 1988 subdivide o Patrimônio cultural em material e imaterial. Os bens materiais possuem salvaguarda desde a época de Getúlio Vargas em 1937, através do Decreto-Lei n° 25, que legalizou o Tombamento como instrumento de preservação e proteção. Enquanto, os bens imateriais começaram a fazer parte legalmente do Patrimônio Cultural Brasileiro a partir de 1988, com a vicissitude do conceito estabelecido pela Constituição Federal atual, ao decorrer dos anos ele foi ganhando maior proeminência, em 2000 foi criado o Decreto 3.551, tornando o Registro como principal forma de proteção e preservação do Patrimônio Imaterial.

O instrumento de Registro, regulado pelo Decreto n° 3.551 de 2000, igualmente ao tombamento, dividiu os bens imateriais em quatro livros. Todos são classificados de acordo com sua peculiaridade. Contemporaneamente os livros existentes são denominados de Livro de Registro dos Saberes, Livro de Registro das Celebrações, Livro de Registro das Formas de Expressão e Livro de Registro dos Lugares. É através desta proteção que todo o conhecimento cultural brasileiro é preservado e utilizado, para que gerações futuras possam se beneficiar com este.

2 DO ACESSO AO PATRIMÔNIO CULTURAL

O país precedentemente a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, vivenciava uma era marcada pela Ditadura Militar. Neste período, o território nacional era contundido pelo desrespeito e abusos de direitos, a população brasileira suportava uma época de caos. Os militares retiraram dos cidadãos direitos estabelecidos pela Constituição de 1967, vigente na época, “art. 171 – As ciências, as letras e as artes são livres. Parágrafo único – O Poder Público incentivará a pesquisa científica e tecnológica” (BRASIL, 1967). O poder militar ultrapassava a constituição, vários artistas foram exilados do país por apresentar músicas que se opunham ao regime adotado, os mais famosos exemplos são os cantores Gilberto Gil e Caetano Veloso.  Assim como as pessoas, a cultura brasileira na época da ditadura militar passou por um período na zona gris, sofrendo com os aspectos peculiares do contexto histórico. O Texto Constitucional de 1967 declarava que a cultura seria responsabilidade do Estado,

“Art 172 – O amparo à cultura é dever do Estado.

Parágrafo único – Ficam sob a proteção especial do Poder Público os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os monumentos e as paisagens naturais notáveis, bem como as jazidas arqueológicas”. (BRASIL, 1967)

Nesta época a censura estava no auge. A liberdade de expressão foi banida do país, o escopo de tal banimento seria fazer com que os intelectuais construíam, escreviam e cantavam o que o governo queria. Entretanto, os artistas não pararam de criar, eles utilizavam formas de figuras de linguagens para elaborar suas obras.

“E, no comprido túnel do mais recente totalitarismo militar, tivemos a explosão de movimentos como o cinema novo, a música de protesto, o teatro e a literatura não engajados ideologicamente, mas comprometidos com a abertura do regime. A obrigação do artista é ser maior do que a circunstância.” (CONY, 2000, s.p).

O período comandado pelos militares durou de 1964 a 1985. Todos os arquivos pertencentes à ditadura foram considerados patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Ao lado do exposto, cuida reconhecer que a preservação desses documentos é importante para garantir a

“(…) visibilidade mundial a esses importantes acervos, contribuindo para a sua preservação na medida em que chama a atenção do poder público e da sociedade brasileira para a necessidade de proteger e tornar disponíveis para consulta os arquivos do período do regime militar”. (PORTAL BRASIL, 2011)

Posteriormente a Ditadura Militar, a Constituição de 1988 conseguiu alcançar todos os direitos que foram violados para que o país não vivencie um tempo semelhante ao findado. Os direitos culturais que foram afetados pela censura e repressão, na contemporaneidade, fazem parte do texto constitucional brasileiro. Apesar de existir a seção II, titulada “Da cultura”, os direitos culturais está presente em numerosos artigos da constituição de 1988, logo, no artigo inicial da CREFB/1988, é caracterizado um país constituído por um Estado Democrático de Direito.

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.” (BRASIL, 1988, grifo nosso)

Ao se configurar um Estado Democrático de Direito, o país exerceu a incumbência de instituir uma proteção mais abrangente e complexa ao cumprimento dos direitos humanos e fundamentais por meio de proteção legal. Há uma distinção entre ambos nas doutrinas brasileiras, nas palavras de Sarlet, os direitos fundamentais “se aplicam para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado” (SARLET, 2007, p. 36), a medida que os direitos humanos se localizam no direito internacional, pois são todas as “posições jurídicas que se reconhecem o ser humano como tal” (SARLET, 2007, p. 36). Em virtude dos fatos supramencionados, os direitos culturais são caracterizados como fundamentais, pertencem a toda população brasileira e foi exigido rigidamente a partir da vigência da Constituição Cidadã.

Novamente, em decorrência do art. 1° da Lei Maior vigente, a democracia se transformou em aspecto intrínseco do Estado Democrático de Direito Brasileiro. Este fato, segundo Sophia Cardoso Rocha e Ana Lúcia Aragão, está relativamente ligado ao âmbito dos direitos culturais.

“Os direitos culturais podem ser elencados como aqueles que dizem respeito à valorização e proteção do patrimônio cultural; à produção, promoção, difusão e acesso democrático aos bens culturais, à proteção dos direitos autorais e à valorização da diversidade cultural. Direitos que exigem um protagonismo por parte do Estado, eles estão intrinsecamente relacionados à consolidação da democracia, ideais de cidadania plena e fator de desenvolvimento”. (ROCHA; ARAGÃO. s.d., p.01, grifo nosso).

Para um melhor esclarecimento entre a relação de democracia e cultura, é necessário entender o verdadeiro sentido de democracia. Os autores Norberto Bobbio, Nicola Matteuci e Gianfranco Pasquino, estudando a origem grega da democracia, decidiram que ela pode ser

“(…) entendida em sentido mais amplo, Aristóteles subdistingue cinco formas: 1) ricos e pobres participam do Governo em condições paritárias. A maioria é popular unicamente porque a classe popular é mais numerosa. 2) Os cargos públicos são distribuídos com base num censo muito baixo. 3) São admitidos aos cargos públicos todos os cidadãos entre os quais os que foram privados de direitos civis após processo judicial. 4) São admitidos aos cargos públicos todos os cidadãos sem exceção. 5) Quaisquer que sejam os direitos políticos, soberana é a massa e não a lei. Este último caso é o da dominação dos demagogos, ou seja, a verdadeira forma corrupta do Governo popular” (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINI, 1998, p. 330)

Com ênfase na doutrina dos autores citados acima, a democracia pode ser considerada como um governo pertence a todo o povo, e não apenas a uma parte da população. Este é o liame entre cultura e democracia, ambos a partir da CRFB/1988, começaram a ser da coletividade, de interesse de toda uma nação. Garantindo que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (BRASIL, 1988).

A definição de Patrimônio Cultural estabelecida pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 está elencada ao art. 216. A nova constituição alterou o conceito concedido pelo Decreto-lei n° 25 de 1937,

“Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. (BRASIL, 1937)

Na definição primogênita, o legislador constatava a míngua existente no leque do Patrimônio Cultural Brasileiro Imaterial, que carecia de proteção constitucional, assim como os bens imateriais, “essa alteração incorporou o conceito de referência cultural e a definição dos bens passíveis de reconhecimento, sobretudo os de caráter imaterial.” (IPHAN, 2014). Após a promulgação da CRFB/1988, a nominação Patrimônio Histórico e Artístico, facultada pelo Decreto-lei n° 25 de 1937, foi substituída por Patrimônio Cultural Brasileiro através do art. 216.

“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. (BRASIL, 1988)

O Estado ficou responsável pelo acesso da população ao Patrimônio Cultural, função a qual está exposta no art. 215, da Constituição Federal de 1988. No ano de 2005, foi aprovada a emenda constitucional n°48 em que acrescenta o parágrafo 3° no artigo supramencionado acima. A partir da publicação desta, foi criado o Plano Nacional de Cultura, que tem como finalidade “quando implantado, irá estimular a produção, a promoção e a difusão de bens culturais; a formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura e a democratização do acesso à cultura.” (JORNAL DO SENADO, 2005, p.02). A começar do dia 10 de agosto de 2005 o texto constitucional no art. 215 passou a conter o seguinte parágrafo,

“§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:       

I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;        

II produção, promoção e difusão de bens culturais;        

III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;  

IV democratização do acesso aos bens de cultura;         

V valorização da diversidade étnica e regional”. (BRASIL, 1988)

O precípuo objetivo do Plano Nacional de Cultura é “estimular a música, a dança, o teatro e o cinema, entre outras manifestações culturais”. (JORNAL DO SENADO, 2005, p.02). Entretanto, outra faculdade do plano é a “defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro” (BRASIL, 1988). Para  preservar e facilitar o acesso ao Patrimônio Cultural, a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Kátia Bogéa, e o presidente em exercício, Michel Temer, se encontraram para discutir sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),

“O PAC Cidades Históricas tem projetos em museus, instituições de ensino, igrejas históricas, feiras, mercados, praças, bibliotecas, patrimônio ferroviário, equipamentos culturais, fortes, fortalezas, teatros, casarões e vários outros monumentos que são reestruturados também para melhor atender pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, garantindo a todos o acesso ao patrimônio cultural”. (IPHAN, 2016, grifo nosso).

Outra moderna forma de acesso ao Patrimônio Cultural Brasileiro está sendo o aplicativo de celular denominado de “Som dos Sinos”. “Som dos Sinos é um projeto multiplataforma, pioneiro na utilização de novas tecnologias para divulgação do patrimônio imaterial brasileiro.” (IPHAN, 2015). Este aplicativo ajuda a população mineira a entender o que cada som dos sinos representa, existem mais de quarenta toques e cada um representa um significado.

3 PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL E SUAS ESPÉCIES

 Com a nova definição de Patrimônio Histórico Cultural estabelecido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os bens de natureza imaterial também passaram a usufruir de salvaguarda por meio da legislação constitucional. O Patrimônio Cultural Brasileiro Material é composto “por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza, conforme os quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas.” (IPHAN, 2014). Eles podem ser divididos em bens móveis e imóveis. Os bens móveis são as “cidades históricas, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais” (IPHAN,2014), enquanto os imóveis são “coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos.” (IPHAN, 2014).

A Constituição Federal vigente trouxe os bens imateriais (também chamado bens intangíveis) como forma de patrimônio cultural nacional. Os bens imateriais demoraram décadas para serem idealizados, eles

“(…) dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas)”. (IPHAN, 2014)

Eles constituem todas “as expressões de vida e tradições que comunidades, grupos e indivíduos em todas as partes do mundo recebem de seus ancestrais e passam seus conhecimentos a seus descendentes.” (UNESCO, 2017). Um dos maiores propósitos da inserção dos bens intangíveis na Constituição Federal de 1988 foi à proteção dos saberes e das formas de ofícios das várias etnias que imigraram para o país. Este acréscimo no texto constitucional acondiciona as primeiras formas de técnicas e saberes dos povos que foram os criadores da cultura brasileira, visto que toda proteção elencada aos bens imateriais “apesar de tentar manter um senso de identidade e continuidade, este patrimônio é particularmente vulnerável uma vez que está em constante mutação e multiplicação de seus portadores” (UNESCO, 2017). 

Com a transmissão de costumes e técnicas entre gerações, é natural que os ensinamentos sejam modificados. É de extrema importância que os saberes originais sejam preservados, eles fornecem “um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo assim a promover o respeito pela diversidade cultural e a criatividade humana.” (IEPÉ, p. 11, 2006). Com os bens imateriais ou intangíveis auferindo maior destaque após a vigência da Constituição Brasileira de 1988, foram criadas diversas modalidades para classifica-los. Fazem parte dos bens imateriais:

“as tradições e expressões orais, incluindo a língua como veículo do  patrimônio cultural imaterial;

dança, música e artes da representação tradicionais;

as práticas sociais, os rituais e eventos festivos;

os conhecimentos e os usos relacionados à natureza e ao universo;

as técnicas artesanais tradicionais.” (IEPE, p. 10 -11)

Com o intuito de obter uma melhor organização, cada categoria possui sua proteção inscrita em livros de registros diferenciados. Para a salvaguarda do Patrimônio Imaterial Brasileiro foi originado o Livro de Registro dos Saberes através do Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000. Nele “serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades.” (BRASIL, 2002). O exórdio modo de criar e fazer inscrito neste livro, a pedido das paneleiras de goiabeiras e pela Secretária Municipal de Cultura de Vitória, foram o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras.  Esta mestria, antes vulnerável e exposta, é a fonte do preparo da mais famosa refeição do Espirito Santo, a moqueca capixaba.  Segundo as próprias Paneleiras de Goiabeiras “se cozinha qualquer coisa na panela de barro, mas peixe e marisco têm que ser na panela de barro”. (IPHAN, s.d, p.01). As celebrações é outra célebre modalidade de bens imateriais. Possui proteção assegurada através do Livro de Registro das Celebrações, este produzido pelo Iphan, através do Decreto n°3.551 supramencionado acima.

“Celebrações são ritos e festividades que marcam a vivência coletiva de um grupo social, sendo considerados importantes para a sua cultura, memória e identidade, acontecem em lugares ou territórios específicos e podem estar relacionadas à religião, à civilidade, aos ciclos do calendário, etc”.(IPHAN, 2014)

Uma das mais ilustres celebrações brasileiras é o complexo cultural do Bumba Meu Boi do Maranhão. Este festival “congrega diversos bens culturais associados, divididos entre plano expressivo, composto pelas performances dramáticas, musicais e coreográficas, e o plano material, composto pelos artesanatos; (…)” (IPHAN, 2014). Esta festa popular foi inscrita no Livro de Registro das Celebrações em 2011, tornando-se parte das comemorações que dispõe de historicidade e particularidades protegidas por lei.

As manifestações artísticas também usufruem de proteção constitucional e infraconstitucional. Após o art. 216 da CRFB/1988, foi criado o Decreto n° 3.551, de 2002, em que está disposto o “Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;” (BRASIL, 2000). O Iphan (2014, s.p), conceitua Formas de Expressão como

“formas de comunicação associadas a determinado grupo social ou região, desenvolvidas por atores sociais reconhecidos pela comunidade e em relação às quais o costume define normas, expectativas e padrões de qualidade. Trata-se da apreensão das performances culturais de grupos sociais, como manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas, que são por eles consideradas importantes para a sua cultura, memória e identidade”. (IPHAN, 2014)

Em virtude dos fatos supramencionados acima, a capoeira se tornou a manifestação cultural mais conhecida no país em relação ao Livro de Registro das Formas de Expressão. Neste patrimônio imaterial “se expressam simultaneamente o canto, o toque dos instrumentos, a dança, os golpes, o jogo, a brincadeira, os símbolos e rituais de herança africana – notadamente banto – recriados no Brasil.” (IPHAN, 2014). A Roda de Capoeira, no ano de 2014, foi aprovada na 9ª Sessão do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda em Paris, se tornando “um dos símbolos do Brasil mais reconhecidos internacionalmente, como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.” (IPHAN, 2014). Este reconhecimento é um triunfo para a cultura nacional, ela

“(…) expressa a história de resistência negra no Brasil, durante e após a escravidão. Originada no século XVII, em pleno período escravista, desenvolveu-se como forma de sociabilidade e solidariedade entre os africanos escravizados, estratégia para lidarem com o controle e a violência.” (IPHAN, 2014)

A partir desta valorização cultural, em virtude da nova perspectiva relacionada a bens intangíveis, é possível consagrar que “o patrimônio imaterial é uma fonte de identidade e carrega a sua própria história” (UNESCO, 2017), sendo responsável pelo fortalecimento de uma identidade local-nacional da população alcançada pelo contexto de surgimento, reconhecimento e fortalecimento do patrimônio cultural. Ter sua cultura reconhecida internacionalmente é um mérito grandioso, este esporte é responsável por evidenciar a identidade nacional em mais de 160 países.

O último livro pertencente ao Decreto 3.551, de 2000, é denominado “Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.” (BRASIL, 2000). O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) (2014, s.p) conceitua lugares como

“(…) aqueles que possuem sentido cultural diferenciado para a população local, onde são realizadas práticas e atividades de naturezas variadas, tanto cotidianas quanto excepcionais, tanto vernáculas quanto oficiais. Podem ser conceituados como lugares focais da vida social de uma localidade, cujos atributos são reconhecidos e tematizados em representações simbólicas e narrativas, participando da construção dos sentidos de pertencimento, memória e identidade dos grupos sociais”. (IPHAN, 2014)

Esta é a modalidade que menos aponta inscrições no livro de registros, porquanto, no site oficial do Iphan, apresentam apenas a Cachoeira de Iauaretê (Lugar Sagrado dos Povos Indígenas dos Rios Uaupés e Papuri), a Feira de Caruaru e Tava (Lugar de Referência para o Povo Guarani). Entretanto, existem “outros processos de Registro de lugar, em curso, são os da Feira de Campina Grande, na Paraíba e da Feira de São Joaquim em Salvador, Bahia.” (ALVES, s.d, p.24).

4 O INSTITUTO DO REGISTRO: UMA ANÁLISE DO DECRETO 3.551/2000

Ao considerar os direitos culturais como fundamentais, a Constituição Brasileira de 1988 assegura a proteção e valorização dos bens materiais e imateriais. Para tal escopo, “a lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais” (BRASIL, 1988), o país é lar de uma das mais ricas culturas conhecidas, existem múltiplas formas de saberes abstrusos em cada patrimônio cultural cógnito.

Em virtude das circunstâncias consignadas acima, a lei maior de 1988 se encarregou de assegurar a segurança e preservação dos bens culturais, todos “os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.” (BRASIL, 1988). O Estado ficou responsável por proporcionar a divulgação e a segurança do Patrimônio Cultural Brasileiro por norma constitucional contida no §1º do art. 216, conforme redação colacionada.

“§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. (BRASIL,1988).

O inventário é uma das formas de proteção mais vetustas internacionalmente conhecidas, sendo encontrados documentos desde o século XIX. Entretanto, não existe lei que regulamenta esse instituto no Brasil. Este método é conhecido por apresentar

“Sob o ponto de vista prático o inventário consiste na identificação e registro por meio de pesquisa e levantamento das características e particularidades de determinado bem, adotando-se, para sua execução, critérios técnicos objetivos e fundamentados de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica, entre outros. Os resultados dos trabalhos de pesquisa para fins de inventário são registrados normalmente em fichas onde há a descrição sucinta do bem cultural, constando informações básicas quanto a sua importância histórica, características físicas, delimitação, estado de conservação, proprietário etc” (MIRANDA, 2008, s.p.).

Este instrumento é bastante eficaz para salvaguarda do patrimônio cultural, apesar de não ser regulamentado legalmente, ele é utilizado como referência para pósteras intervenções de bens culturais, pois, consiste na feitura de um documento escrito composto por todas as peculiaridades do Patrimônio Material ou Imaterial desejado. É o primeiro método utilizado para proteção e individualização do bem pretendido. Foi reconhecido nacionalmente na década de 1970, no tempo em que o Estado da Bahia e do Pernambuco carecia da recuperação em suas cidades.

A partir da Era Vargas, os direitos culturais passaram a usufruir de maior relevância para a sociedade. Para tanto, foi sancionado o de Decreto-lei n°25, de 30 de novembro de 1937, que trazia em seu texto a vigilância como forma protetora ao Patrimônio Cultural Nacional, “Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-los sempre que fôr julgado conveniente, (…)” (BRASIL, 1937). O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA) conceitua este instrumento como a

“(…) medida administrativa de proteção ao patrimônio cultural por meio de ação integrada com a administração federal, com as administrações municipais e as comunidades. Nessa direção, a proteção de bens culturais de interesse de preservação deve ser facilitada por meio de orientações e recomendações técnicas destinadas de modo geral à coletividade, na qualidade de detentora e co-responsável por sua guarda, juntamente com o poder público.” (MINAS GERAIS, s.d, s.p)

A União irá acometer-se de todos os bens materiais e imateriais que constituem o Patrimônio Cultural Brasileiro, é impreterível que esta intervenção seja realizada, para que possa preservar e evitar a deserção dos bens culturais existentes. Pelos motivos consignados acima, a vigilância será engendrada através da polícia do Estado, esta terá como prioridade basilar a salvaguarda dos bens culturais brasileiros, como garante Carvalho Filho (2011, p.70) evidenciando que a policia em virtude do direito público terá competência para restringir o uso e gozo da liberdade e da propriedade por motivo de bem-estar da coletividade.

De todas as formas de proteção ao patrimônio cultural, o tombamento é a mais popular referente aos bens materiais. Instituída através do Decreto-Lei n° 25, de 30 de novembro de 1937, se tornou o inaugural instrumento de salvaguarda ao Patrimônio Cultural, tanto no Brasil e nas Américas. Considerado por Maria Coeli Simões Pires,

“o ato final resultante e procedimento administrativo mediante o qual o Poder Público, intervindo na propriedade privada ou Pública, integra-se na gestão do bem móvel ou imóvel de caráter histórico, artístico, arqueológico, documental ou natural, sujeitando-o a regime jurídico especial e tutela pública, tendo em vista a realização de interesse coletivo de preservação do patrimônio”. (PIRES, 1994, p. 78)

Um epítome mais inteligível, o tombamento é o um procedimento administrativo em que o Estado fica responsável por reconhecer a seriedade do valor cultural dos bens moveis ou imóveis, públicos ou privados, apresentados. Em algumas doutrinas no caso de Paulo Affonso Leme Machado e José Afonso da Silva, é considerado Bem de interesse Público, pois, visa o alvitre do interesse coletivo em prol da segurança e preservação do Patrimônio Cultural Material. Entretanto, outros doutrinadores como Maria Sylvia Zanella Di Prieto, Diógenes Gasparini e José Cretella Júnior consideram este instrumento como forma de Limitação ao Direito de Propriedade, devido que “os bens tombados estão sujeitos à fiscalização realizada pelo Instituto para verificar suas condições de conservação, e qualquer intervenção nesses bens deve ser previamente autorizada” (IPHAN, 2014), retirando a autonomia do ser privado.

A intervenção é o instrumento de proteção mais crítico concebido pelo Estado. Geralmente, é utilizada quando todas as medidas já foram empregues e não surtiram o efeito apetecido. Foi considerado instrumento de proteção a partir da vigência do Decreto-Lei n° 25, de 1937,

“§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa”.( BRASIL, 1937, grifo nosso).

A desapropriação usualmente é utilizada para preservar o patrimônio cultural de um povo, pois o instrumento de tombamento finalizam partes da história nacional, impedindo que esta sofra qualquer mudança, como garante Marcos Paulo de Souza Miranda,

“Esse tipo de desapropriação, que não pressupõe o prévio tombamento dos objetos a serem desapropriados, tem sido utilizado principalmente para a preservação de conjuntos urbanos, com o objetivo de alterar o uso de regiões da cidade de fora que conjuntos históricos e arquitetônicos não sejam deteriorados”. (Miranda, 2006, p.160)

Por fim, o crucial intento desta seção, é a mais usada e importante forma de preservação e valorização do Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, denominada de Registro. O instrumento em comento teve maior proeminência após o decreto- lei n° 3.551, de 4 de agosto de 2000, uma vez que “fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.” (BRASIL, 2000). Este decreto foi o reflexo de inúmeros movimentos realizados com o escopo de um conhecimento mais genérico no ramo de patrimônio cultural brasileiro, como destaca Maria Cecília Londres Fonseca,

“No Brasil, a publicação do Decreto 3.551/2000, insere-se numa trajetória a que se vinculam as figuras emblemáticas de Mário de Andrade e de Aloísio Magalhães, mas em que se incluem também as sociedades de folcloristas, os movimentos negros e de defesa dos direitos indígenas”. (FONSECA, 2003, p. 62).

O processo de Registro se assemelha com o Instituto de tombamento, pois ambos são realizados através de livros que contém as modalidades de cada bem cultural.  Entretanto, não se pode confundir registro com tombamento, o tombamento resguarda o patrimônio material e impede o uso, gozo e desfruto deste, enquanto, o registro salvaguarda os bens imateriais e não acarretam este efeito.  Nas palavras de Márcia Sant’Anna, o instrumento de registro “não é um instrumento de tutela e acautelamento análogo ao tombamento, mas um recurso de reconhecimento e valorização do patrimônio imaterial, que pode também ser complementar a este” (SANT’ANNA, 2003,p.52).

O Decreto-Lei n°3.551, de 2000, institui o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), este é um “programa de apoio e fomento que busca estabelecer parcerias com instituições dos governos federal, estaduais e municipais, universidades, organizações não governamentais, agências de desenvolvimento e organizações privadas ligadas à cultura e à pesquisa” (IPHAN, 2014), para o reconhecimento, salvaguarda e promoção do Patrimônio Cultural Brasileiro Imaterial, “com respeito e proteção dos direitos difusos ou coletivos relativos à preservação e ao uso desse bem.” (IPHAN, 2014).

Outros escopos do programa é a captação de recursos e a formação de grupos que estariam dispostos a auxiliar na salvaguarda, valorização e buscar outros bens que podem compor o patrimônio cultural brasileiro. Os Patrimônios Imateriais registrados estão inscritos em quatro livros diferentes, como garante o Decreto-lei de n° 3.551, de 2000, eles são denominados:

“I – Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;

II – Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;

III – Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;

IV – Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas”. (BRASIL, 2000)

Ao ter sua inscrição confirmada em um dos livros supracitados acima, o bem cultural imaterial é resguardado, possibilitando sua preservação para que gerações futuras usufruam e utilizam destes saberes, como garante Humberto Cunha Filho (2000, p. 125) “esta perenização dá-se por diferentes meios os quais possibilitam às futuras gerações o conhecimento dos diversos estágios porque passou o bem cultural.” (CUNHA FILHO, 2000, p.125).

Para se iniciar o procedimento de registro é necessário, que um órgão legitimado ao Ministério da Cultura, como por exemplo, o IPHAN, ou as Secretárias Estaduais e municipais e do Distrito Federal, apresente uma proposta de inscrição do bem desejado ao presidente do IPHAN. Este, levará até o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural que irá decidir se faculta ou não tal propositura. Caso a resposta seja positiva, o bem começará a participar do Patrimônio Cultural do Brasil. “O IPHAN fará a reavaliação dos bens culturais registrados, pelo menos a cada dez anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural para decidir sobre a revalidação do título de Patrimônio Cultural do Brasil”. (BRASIL, 2000).

5 CONCLUSÃO

Os direitos culturais são poucos conhecidos pela população brasileira. Por serem considerados fundamentais, as formas de acesso ainda são escassas e de pouco investimento. O Brasil, essencialmente é conhecido pelo Carnaval, mas o país enreda em seu território conhecimentos que vão além da maior festa popular mundialmente conhecida. Ele oculta saberes e lugares incríveis e que são poucos explorados. Para preservar o Patrimônio Cultural Brasileiro, a nação adotou várias formas de proteção legalmente reconhecidas.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, os direitos culturais alcançaram um capítulo inteiro da Lei Maior. Nele é encontrado o conceito de Patrimônio Cultural Brasileiro e a divisão dos bens materiais e imateriais. A presença dos bens materiais se caracterizou como novidade, pois em nenhuma outra constituição eles foram mencionados. Inúmeros instrumentos são utilizados para salvaguardar os bens materiais e imateriais, toda cultura brasileira é rica em diversidade. Em qual outro país existe tantas sapiências distintas? A cultura brasileira foi construída através do tempo, é essencial que seja valorizada e preservada. Ao mesmo tempo em que é protegido os direitos culturais, são protegidos a identidade nacional.

 

Referências
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Nota
[1] Artigo vinculado ao Grupo de Pesquisa “Direito e Direitos Revisitados: Fundamentalidade e Interdisciplinaridade dos Direitos em pauta”.

Informações Sobre os Autores

Afonso Bandeira Coradini

Acadêmico de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo IESES Unidade Cachoeiro de Itapemirim

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


Equipe Âmbito Jurídico

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