Resumo: O artigo trata-se de uma análise de uma decisão proferida pelo TJ-RS no caso que tem como objeto de litígio a Fazenda Rio Bonito, localizada em Pontão (RS), cujas terras foram ocupadas por integrantes do MST. Os agravantes asseveram que a demanda não é sede adequada para o debate acerca do cumprimento da função social da propriedade. É de conhecimento o posicionamento da jurisprudência tradicional que tem como pretensão assegurar o direito a propriedade privada e repudiaria uma decisão em favor dos requeridos em defesa da “segurança jurídica”. No entanto, a nosso ver, os juristas devem ir além das tradições do sistema jurídico para garantir uma discussão sobre as reais necessidades da classe oprimida. Portanto, faremos análise do caso à luz do Direito Alternativo, que vê o sistema legal como um espaço de disputa política, e da importância dos movimentos sociais como fonte do direito na perspectiva do pluralismo jurídico. Este artigo foi orientado pela Profª. Maria Sueli de Sousa Rodrigues.
Palavras-chaves: Direito Alternativo – MST – Função social da terra – Direito à posse.
Abstract: The article this is a review of a decision by TJ-RS in the case which is the subject of litigation Fazenda Rio Bonito, located in Pontoon (RS), whose lands were occupied by members of the MST. The aggravating assert that demand is not appropriate for discussion based on fulfilling the social function of property. It is known the position of the traditional case-law whose claim to ensure the right to private property and repudiate a decision in favor of defendants in defense of “legal certainty”. However, in our view, the lawyers must go beyond the traditions of the legal system to ensure a discussion about the real needs of the oppressed class. Therefore, we analyze the case in light of the Alternative Law, which sees the legal system as a space for political debate and the importance of social movements as a source of law in the perspective of legal pluralism.
Keywords: Alternative Right – MST – Social function of land – Right to possession.
Sumário: 1. Introdução. 2. Discussão sobre a função social x Limitar à questão da posse. 3. Os Movimentos Sociais e o Pluralismo Jurídico 4. Afinal, qual o papel do juiz na aplicação da lei? 5. Conclusão.
1. Introdução
Vivemos em uma sociedade composta por diferentes perspectivas e visões de mundo. No entanto constantemente percebemos a inclinação de uma classe detentora dos meios de comunicação e dos mecanismos legais a uma pretensão de julgar toda a sociedade para sustentar suas necessidades modernas. Dentro deste contexto, surgem inúmeras contradições e os indivíduos que vivem na periferia desse sistema são condenados às consequências de diversos problemas sociais.
Grande parte dessas contradições não chega aos olhos e não perturba a fábula em que vive a classe inclusa nesta nova Era, repleta de inovações tecnológicas. Muitas vezes é possível seguir em frente na construção de um direito para poucos sem ao menos ser incomodado pelos excluídos, que tiveram usurpado seu direito a uma vida digna. Está ai a grande importância dos movimentos sociais e dos meios de comunicações alternativos, as vozes de uma esmagadora maioria silenciada. Afinal, constantemente querem nos condenar a viver com uma visão unitária das coisas, mas para construirmos uma sociedade justa precisamos ouvir e levar em consideração as diferentes perspectivas.
Este artigo trará a tona um caso que suscita a discussão envolvendo a questão social da propriedade. Onde o MST, constantemente acusado por perturbar a fábula e gerar uma insegurança jurídica (não levam eles em consideração a insegurança que vive os oprimidos por não terem seus direitos, garantidos legalmente na constituição, assegurados e por não poderem reivindicar uma vida digna), ocupou as terras da Fazenda Rio Bonito, localizada em Pontão (RS), provocando a reação dos supostos proprietários Plinio Formighieri e Valeria Dreyer Formighieri que relutam para que seja anulada a decisão proferida pelo juiz Luís Christiano Enger Aires, o qual levantou a necessidade de que seja comprovada a função social da terra. O caso em questão ocorreu em 2001, mas casos semelhantes são presenciados recentemente.
É de grande conhecimento o posicionamento da jurisprudência tradicional nesses tipos de litigações repudiando qualquer decisão a favor dos agravados por temer proporcionar um incentivo a novas ocupações, ou invasões (termo sustentado pelos conservadores), no entanto pedimos apoio às referências do movimento Direito Alternativo para apoiarmos um novo comportamento dos juízes neste contexto. Afinal, qual deve ser o papel do juiz na aplicação da lei?
É de notório a repercussão e aceitação que vem provocando os juízes que se utilizam dos preceitos do Direito Alternativo, “uma fertilidade de idéias que fogem a racionalidade conservadora (…) e busca abandonar uma visão dogmatizada do fenômeno jurídico”[1]. Os adeptos veem o sistema legal não apenas como mero mecanismo de dominação, mas o veem como um espaço de disputa política e fazem a opção pela classe oprimida, buscando através do suporte legal conquistar direitos em prol das necessidades concretas e do bem estar de todos.
Portanto faremos uma análise do caso colocando em pauta a decisão do DES. Carlos Rafael dos Santos Júnior e, sem muita centralidade, também consideraremos os votos dos outros Desembargadores Mário José Gomes Pereira e Luís Augusto Coelho Braga e colocaremos nosso posicionamento dentro de tal discussão. Para tanto faremos uso do Direito Alternativo e do Pluralismo jurídico, suscitando a importância da pluralidade na construção do Direito e qual é a importância do poder judiciário na discussão política.
Para levantar a reflexão, o artigo será estruturado da seguinte forma: primeiro será feita uma exposição da decisão do TJ-RS tendo como centralidade o voto do Relator, mas expondo algumas considerações dos demais. Na segunda parte, será levantada uma discussão sobre a importância dos “novos atores coletivos” na construção de um direito que tem a pretensão de atender, de fato, as necessidades e as expectativas de uma população. Na parte seguinte faremos uma análise do caso tendo como referência a teoria do Direito Alternativo e por fim, concluiremos trazendo de volta a reflexão sobre o papel do juiz na aplicação da lei.
2. Discussão sobre a função social x Limitar à questão da posse
Causou espanto e levantaram-se inúmeros entraves presentes na estrutura jurídica brasileira a decisão em questão. De um lado, os juristas progressistas que acreditam que o juiz deve encarregar-se das questões políticas e trazer para o âmbito judicial os olhares para os problemas sociais. Do outro lado, encontram-se os conservadores que colocam todas as suas idéias em favor da segurança jurídica, não cabendo ao poder judicial alterar a pretensão do poder legislativo e muito menos causar alterações na jurisprudência tradicional, chegando às vezes até a acusar os juízes “alternativos” de julgarem contra legem.
O DES. Carlos Rafael dos Santos Júnior confirmou a decisão do juiz de primeira instância, da Comarca de Passos Fundos, Luís Christiano Enger Aires que indeferiu a liminar impetrada por Plínio Formighieri e Valéria Dreyer Formighieri. Os agravantes requeriam a reintegração de posse das terras da Fazenda Rio Bonito, localizada em Pontão (RS), que foram ocupadas por integrantes do Movimento dos Trabalhos Rurais sem Terra (MST). O caso ocorreu da seguinte forma:
No dia 15 de outubro de 2001, os requerentes tiveram suas terras ocupadas por integrantes do MST e ao entrarem com o pedido de reintegração de posse na 1ª vara civil de Passo Fundo, tiveram seu recurso negado com o argumento de que deveria ser comprovada a função social da propriedade. Inconformados os supostos proprietários apelaram para a segunda instância.
Os agravantes utilizam como suporte legal o Art. 927 do CPC, afirmando terem apresentados todas as exigências do referido dispositivo, como o relator colocou:
“Em suas razões recursais, sustentam os agravantes que, em 15 de outubro do corrente ano, tiveram sua propriedade invadida por pessoas integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Asseveram, que estão devidamente demonstrados os requisitos do art. 927 do CPC, e que a demanda não é sede adequada para debate acerca do cumprimento da função social da propriedade que, no entanto, afirmam produtiva. Juntaram certidão de propriedade da área, escritura pública de divisão amigável, boletim de ocorrência, certificado de cadastro de imóvel rural, declaração de ITR do exercício de 2.001, e comprovação de recolhimento do ITR, entre outros documentos.” (p. 2)
Asseguram que em tal demanda não cabe a discussão da função social da terra, devendo os competentes limitarem-se apenas para a questão de posse, segundo os Art. 926 ao 933 do CPC. Em seu voto o relator coloca que, segundo o regramento do Código do Processo Civil, o debate haveria de se limitar à questão de posse. Todavia:
“O Juiz, como intérprete da norma jurídica, com a função de dar vida concreta ao preceito abstrato, cabe extrair do direito positivo sua verdadeira concepção teleológica, adequando-o a cada fato concreto que lhe venha a ser submetido. Nessa atividade, muitas vezes, de há de buscar novos rumos, não nos satisfazendo com a interpretação jurídica tradicional. Periodicamente é necessário revisar conceitos, adequando-os aos novos fatos, de nova época, e sob contexto diverso daqueles existentes não apenas ao tempo da criação da norma, mas principalmente quando da fixação da exegese sedimentada.” (p. 4)
Relembra o Desembargador em suas argumentações a figura de Carlos Maximiliano, o qual colocava a importância da construção na prática de aplicação da lei, afirmando que a interpretação se limitava ao texto, enquanto a construção vai além, analisa o direito em seu conjunto, descobre e revela o direito. Essa apreciação da prática construtora faz referência a um poder jurídico além da determinação legislativa, juízes que tem como objetivo construir o direito além da vontade do legislador, levando em consideração as necessidades básicas de uma população e negando o caráter dogmático do direito.
Lembra ainda, o DES., que a questão da função social da terra não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro apontando o artigo 115 da constituição de 1934, artigo 160 da carta política outorgada de 1969(Emenda Constitucional n° 1/69) e o artigo 5ª da atual constituição (CF/88):
“Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;”
Pelo outro lado, afirmam que a ação de reintegração de posse não possibilita sequer a discussão da questão da propriedade. No entanto, como sempre lembrado pelo relator, até mesmo as concepções tradicionais afirmam que a noção moderna de posse de propriedade contém também obrigações e não apenas direito de usufruir da terra. O caso em questão materializa o conflito de interesses coletivos e individuais.
Portanto dentro do próprio debate tradicional ressurge um novo conceito de propriedade, é necessário conciliar o direito do possuidor e o direito coletivo a propriedade. Cabe aqui lembrar a visão, tida pelos juristas “alternativos”, de um direito como espaço de disputa política, afinal a questão da função social da terra, sendo constantemente considera pelos juízes adeptos do movimento Direito Alternativo, deve entrar no âmbito tradicional e se torna um direito conquistado.
Para o relator, a importância de tal discussão já esta bastante inserida no fenômeno jurídico brasileiro e tal posicionamento não é original do presente caso.
“De todo o exposto, a conclusão é única. Não há mais como se vedar, ao Juiz, a investigação acerca da função social da propriedade, quando se vê o Judiciário diante de conflitos agrários como o ora em pauta. Sustentar o contrário, a meu juízo, significa negar vigência ao próprio Texto Maior, submetendo-o a garrote de norma processual que tem por finalidade, exatamente, dar efetividade ao direito material, jamais impedir seu exercício. E isto é violar a lei. (…)
Por tudo isso, nego provimento a este agravo de instrumento, e mantenho a decisão recorrida.” (p. 9-10 e 11)
Na mesma decisão, está presente o posicionamento a favor dos agravantes do DES. Luís Augusto Coelho Braga, no entanto o mesmo não nega a necessidade de se prestar satisfação sobre a função social da terra, ficando contrário aos demais face a ausência do devido processo legal, já que é competência da União intervir nas propriedades inúteis com a punição da desapropriação em prol da reforma agrária. Deixaremos para criticar mais adiante esta argumentação.
Tendo em análise a discussão do processo desta litigação, percebe-se que existem dois comportamentos possíveis diante do direito: poderíamos abandonar o sistema legal e chamá-lo de simples mecanismo de dominação ou podemos utilizá-lo como arma e um propicio espaço de disputa política. É notório ainda como o direito não chegará a sua pretensão de neutralidade, como é insuficiente um direito dogmático, como é ilusória a confiança de que o ato de legislar comporta todos os conflitos, afinal, através do direito positivo pode-se encontrar base legal para duas decisões conflitantes. Portanto compreendemos que a decisão do juiz deve partir não das normas para o fato e sim da situação concreta e daí deve-se buscar base lógico-normativa para sua opinião política. O juiz não deve simplesmente interpretar o direito, mas construir, impor para o sistema a necessidade de resolver os problemas sociais.
3. Os Movimentos Sociais e o Pluralismo Jurídico
Como bem afirma Milton Santos, vivemos um processo de globalização gerador de diferenças locais. Percebemos uma barreira para proteger a liberdade que favorece o progresso do Capital em contra posição as contradições que produzem as crises sociais que caracterizam o dia-dia das pessoas marginalizadas. Ainda existem aquelas correntes crentes em um direito dogmático e monista, mostrando um desprezo em relação aos movimentos sociais.
O DES. Luís Augusto Coelho Braga fundamenta seu posicionamento a favor dos agravantes devido à ausência do devido processo legal, colocando que é competência da União como exposto no art. 184 da CF/88: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social…”. Com uma argumentação preocupada com a segurança jurídica, que cita “O Contrato Social” de Jean Jacques Rousseau, surge-se um posicionamento claramente monista e conservador. Ainda coloca que caso o TJ-RS se posicione a favor dos agravados estará proporcionando um caos, provocando constantes ocupações com a expectativa de que sejam atendidas pelo processo jurídico.
No entanto, pretendemos iniciar essa parte apontando a ineficiência do ordenamento jurídico tendo como fonte única os procedimentos formalistas do Estado. Dentro de uma conjuntura repleta de diferenças locais e composta por uma pluralidade de expectativas e interesses, o Direito precisaria ser composto por Legisladores com super poderes capazes de criar um direito mecânico que contemple toda a sociedade, na verdade, ainda sim, seria impossível. Dentro de uma sociedade estruturada na luta de classes não existe a possibilidade de existir um direito neutro.
Portanto precisa-se buscar meios para expandir a participação nas decisões jurídicas e levar em consideração os plurais interesses existentes na sociedade. Num mundo periférico, ainda lutam-se por necessidades básicas para a classe oprimida. Portanto é papel dos novos atores coletivos organizarem os interesses das classes oprimidas e exigirem a compreensão destas no âmbito jurídico-político.
As fontes clássicas e formais dos processos legislativos e jurisdicionais do Estado não são capazes de criar um direito emancipatório. Os movimentos sociais surgem como componentes de uma nova cultura político-jurídica buscando formas de participação política da base, representar os interesses dos marginalizados:
“Trata-se de extrair a constituição da normatividade não mais e apenas das fontes ou canais habituais clássicos representados pelo processo legislativo e jurisdicional do Estado, mas captar o conteúdo e a formado fenômeno jurídico mediante a informalidade de ações concretas de atores coletivos, consensualizados pela identidade e autonomia de interesses do todo comunitário, num lócus político, independentemente dos rituais formais de institucionalização.(…)
À medida que, gradativamente, as regras formais clássicas de legitimidade e os arranjos institucionais liberal-burgueses tornam-se inapropriados para canalizar e processar uma grande diversidade de demandas inerentes às sociedades de massa, os movimentos sociais inauguram um estilo de política pluralista assentado em praticas não-institucionais e auto-sustentáveis, e nele avançam, buscando afirmar identidades coletivas e promovendo um locus democrático, descentralizado e participativo”. (Wolkmer, p.119 e 139)
Não devemos ater a importância dos movimentos sociais apenas para o âmbito das decisões jurídicas, tão importante quanto o direito a terra conquistado pelos Sem-terras no caso exposto é a discussão sobre os ainda inúmeros trabalhadores rurais que ainda lutam por esse direito. Através de um caso concreto específico foi possível uma discussão maior. Os novos atores coletivos proporcionam uma discussão política que transcende o espaço político e jurídico; e interferem na cultura e formação de uma comunidade.
Deve-se invadir os espaços de formação, como as Universidades, buscando levar as discussões para os acadêmicos. Os próprios adeptos do Direito Alternativo compreendem que este movimento não deve se restringir aos profissionais que decidem os casos jurídicos, mas deve alcançar todos os operadores jurídicos. Os movimentos sociais devem ir além dos operadores jurídicos.
Mas para fins desse artigo, apontamos a importância dos movimentos como fontes informais diante da insuficiência da formalidade Estatal. Os novos atores coletivos através de suas ações e a devida pressão que proporcionam levam os interesses, no caso dos países capitalistas periféricos a luta por necessidades básicas, para o âmbito jurídico. Portanto mostramos nosso repúdio a decisões que negam o caráter de formador de direitos dos movimentos sociais.
Os juízes alternativos surgem como operadores do direito em posições estratégicas para “recepcionarem” as fontes informais utilizando-se dos dispositivos legais para se posicionarem a favor dos debates sociais.
Antes de partimos para o próximo passo devemos alertar para os intentos cooptativos que prejudicam as atividades dos movimentos sociais. Muitas vezes vemos organizações sindicais, partidos políticos, movimentos sociais com alto grau de institucionalização que uma manifestação política que favorecem os interesses da sociedade em troca de favores e incentivos materiais.
4. Afinal, qual o papel do juiz na aplicação da lei?
Não se sabe ao certo se o Relator é membro do movimento Direito Alternativo, mas este utilizou os dispositivos legais para confirmar uma decisão a favor do debate sobre a função social da terra, posicionou-se do lado do interesse coletivo em detrimento do direito individual dos proprietários a posse.
Nas universidades nos deparamos com uma formação jurídica pautada no positivismo jurídico legalista, onde “o jurista nada mais é do que instrumento frio e distante do drama social, da classe que em determinado momento tem o poder de legislar.”[2]. Existe uma verdadeira crença em um direito neutro.
No entanto, como é nítido no caso exposto, percebemos que dentro de uma moldura legalista é possível fundamentar uma base lógica para decisões conflitantes. Pode-se exigir que o Art. 5ª da CF/88 sirva para alguma coisa e pautar sua decisão na necessidade de se comprovar a função social da terra ou considerar que os agravantes apresentaram todas as exigências do Art. 927 do CPC e utilizar os Art. 926 ao 933 para limitar a demanda apenas a questão de posse.
É desta premissa que parte os adeptos do Direito Alternativo, mostrando um “agir estratégico”, invadem o sistema legal com a pretensão de lutar por direitos. Abandonam o saber positivista e pesquisam a possibilidade de apresentar outras formas de prática jurídica. Não negam que o direito dogmático é a vontade de uma classe detentora dos meios de dominação, mas não o descartam totalmente. Para eles o direito é uma arma e os juristas devem sair na neutralidade e optar pela construção de uma nova sociedade, lutar pelo valor da justiça.
O posicionamento positivista e legalista do DES. Luís Augusto Coelho Braga demonstrou como um direito dogmático rejeita a autonomia dos movimentos sociais, como um direito pautado na prática conservadora tende a se distanciar dos conflitos e do drama social. Portanto cabe aos juristas apresentarem um comportamento diferenciado diante da aplicação da lei. Não devem colocar a lei acima do justo e sim moldar a prática jurídica de acordo com as situações concretas.
O uso alternativo do direito permite ao julgador uma interpretação mais ampla do sistema jurídico, não se limitando aos métodos hermenêuticos convencionais. O juiz não deve se posicionar como mero aplicador da lei imposta, ele é um critico da lei e deve ter um compromisso com o direito.
As leis injustas muitas vezes são conseqüências da pretensão da classe detentora do poder de impor suas vontades, portanto é papel dos juízes protegerem as classes oprimidas, como bem coloca Bruno de Aquino Parreira Xavier:
“Observa-se então, que as normas jurídicas são produto da ideologia, da luta de aspirações de determinados grupos. Por certo, os processos eleitoral e legislativo sofrem reflexos da oposição de concepções. Em uma organização sóciopolítico heterogenia, dividida em classes, os interesses são contraditórios e, por conseqüência, os conflitos inevitáveis. O Estado é sempre envolvido neste antagonismo de interesses privados, afinal, não é nenhum poder colocado fora da sociedade, não é um ente supostamente neutro do conflito social. É isto sim poder político, expressão fundamental da correlação de forças e das e das condições em que os indivíduos produzem e se relacionam” (2002, p. 40-41).
Outro ponto que gostaríamos de ressaltar na decisão do DES. Carlos Rafael dos Santos Júnior é a afirmação que o mesmo coloca de que a discussão sobre a função social da terra vem sendo também trabalhada pelos pesquisadores tradicionais. O próprio estado já reconhece a dupla definição de direito à propriedade, tanto o direito do proprietário de usufruir da terra como a sua obrigação para com a sociedade. E isso deve ser um dos objetivos do uso alternativo do direito, torna as decisões a favor dos “fracos” dentro do âmbito tradicional.
No entanto, nunca deve-se acreditar em um fim estático. Os juristas alternativos devem continuar sempre com uma visão sem neutralidade, buscando conquistar sempre mais direitos para os indivíduos que se encontram excluídos do processo evolutivo da humanidade.
5. Conclusão
Uma das discussões claras que a decisão do TJ-RS levanta é sobre “o papel do juiz na aplicação da lei”, a tradição jurídica conservadora, como já foi colocado, defende aplicadores da lei que buscam aplicá-la conforme o formalismo e a vontade do poder legislativo. As universidades estão apoiadas em uma formação legalista, mostrando um direito mecânico e neutro, “tratando todos como iguais”. Colocando-nos como opostos a essa visão hegemônica, pretendemos um direito politizado e que se mostre consciente da atual conjuntura sócio-econômica. Apoiamos um comportamento inovador dos julgadores frente a aplicação da lei.
É nesse ponto que compreendemos o movimento Direito Alternativo como um comportamento estratégico dentro do espaço de disputa política. Percebendo que a pretensão de um direito neutro não é possível, apoiamos o uso do sistema legal como forma de lutar pelo justo. Dentro de uma sociedade dita “democrática”, deve-se buscar os espaços possíveis para lutar pelo direito.
Os movimentos sociais surgem como uma ponte para dar espaço na construção do direito para os interesses das classes que se veem excluídas das inovações tecnológicas, pior do que isso não tem muitas vezes o necessário para se ter uma vida com uma condição mínima de dignidade, já que as fontes clássicas e formais não são suficientes para compreender as demandas da população localizada na periferia.
Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Piauí – UFPI.
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