Resumo: O poder de polícia é conferido ao Estado para fazer valer a supremacia do interesse coletivo sobre os direitos individuais, quando estes vierem a ser utilizados de maneira a ferir aqueles. Muito embora a Constituição Federal estabelece o sistema de tripartição de Poderes, dividindo-os em Executivo, Legislativo e Judiciário, num mecanismo de freios e contrapesos, incumbe à Administração Pública editar normas e regulamentos para disciplinar os direitos individuais, tais como liberdade e propriedade, de forma que sejam compatíveis com o bem-estar social.
Palavras-chave: Direito Administrativo. Administração Pública. Direitos individuais. Direitos Coletivos. Supremacia.
Abstract: Police power is conferred on the state to assert the supremacy of the collective interest over individual rights when they are used in ways that will hurt them. Although the Federal Constitution establishes the system of tripartition of Powers, dividing them into Executive, Legislative and Judiciary, in a mechanism of checks and balances, it is incumbent upon the Public Administration to issue norms and regulations to discipline individual rights, such as freedom and property, so that they are compatible with social welfare.
Keywords: Administrative Law. Public administration. Individual rights. Collective Rights. Supremacy.
Sumário: Introdução. 1. Poder de Polícia. 2. Fundamentação do Poder de Polícia. 3. Poder de Polícia Administrativa. 4. Diferença entre Polícia Administrativa e Polícia Judiciária. 5. Características. 5.1. Auto Executoriedade. 5.2. Discricionariedade. 5.3. Coercibilidade. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
As normas e regulamentos foram criados para melhorar o convívio da coletividade e foram criadas desde que o homem passou a viver em sociedade. Tudo deriva da Constituição Federal, que é a Lei Maior. Abaixo dela existe uma infinidade de leis infraconstitucionais, estabelecendo direitos que deverão ser compatíveis com o bem-estar social.
Nesse sentido, quando se fala em liberdade e propriedade, estas não podem ser uma barreira à realização dos objetivos públicos, uma vez que estão mais condicionados aos direitos individuais e, caso a lei não seja específica quanto a limitação desses direitos, deve a Administração Pública reconhecer e averiguar. Daí surge o PODER DE POLÍCIA, um órgão incumbido pela adequação do direito individual ao interesse da coletividade. Esse poder da administração é que mantém a ordem, a tranquilidade e a salubridade pública.
No direito brasileiro, a Constituição Federal de 1824, em seu artigo 169, atribuiu a uma lei a disciplina das funções municipais das câmaras e a formação de suas posturas policiais; a lei de 1º de outubro de 1828, continha título denominado “Posturas Policiais”.
A partir desse momento, firma-se no nosso ordenamento jurídico o uso da locução poder de polícia, para definir o poder da Administração de limitar o interesse particular.
A Constituição Federal enumera o sistema tripartido de poderes, onde o Estado é dotado de poderes políticos exercidos pelo Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário no desempenho de suas funções constitucionais, e de poderes administrativos que surgem secundariamente com atos da Administração Pública e se efetivam de acordo com as exigências do serviço público e com os interesses da coletividade, não deixando que o interesse particular se sobreponha.
É para assegurar o bem estar geral que o poder de polícia existe, impedindo, por meio de ordens, censuras e apreensões, o equívoco exercício anti social dos direitos individuais, a prática de atividades prejudiciais à coletividade e o uso abusivo da propriedade. Vale dizer que é o conjunto de órgãos e serviços públicos que fiscalizam, controlam e detém as atividades individuais contrárias aos bons costumes, à higiene, à saúde, à moralidade, ao conforto público e à ética urbana, visando propiciar o equilíbrio social harmonioso e evitar conflitos advindos do exercício dos direitos e atividades do indivíduo entre si e o interesse de toda população. Tem como compromisso zelar pela boa conduta em face das leis e regulamentos administrativos em relação ao exercício do direito de propriedade e de liberdade. O poder de polícia permite expressar a realidade de um poder da administração de limitar de modo direto, as liberdades fundamentais em prol do bem comum com base na lei.
Nesse sentido, a doutrina é vasta acerca do conteúdo.
O ilústre professor Hely Lopes Meirelles, em sua magnífica obra do Direito Administrativo Brasileiro, conceitua o Poder de Polícia como uma faculdade da Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais:
“Poder de Policia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado.”
Citando outros doutrinadores renomados, o professor Meirelles elenca seus pensamentos acerca do Poder de Polícia:
“O Poder de Policia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas a Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequando, direitos e liberdades individuais” (TÁCITO, 1975, apud MEIRELLES, 2002, p. 128).
“O Poder de Policia (police power), em seu sentido amplo, compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública senão também estabelecer para a vida de relações do cidadão àquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar conflito de direitos e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, até onde for razoavelmente compatível com o direito dos demais” (COOLEY, 1903, p. 829, grifo do autor, apud MEIRELLES, 2002, p.128).
O eminente doutrinador José Cretella Júnior ratifica o conceito de Poder de Polícia na forma discricionária de agir do Administrador Público quando este resolve limitar a liberdade individual ou coletiva em prol do interesse público:
“Poder de polícia é a faculdade discricionária do Estado de limitar a liberdade individual, ou coletiva, em prol do interesse público.”
A professora Odete Medauar cita o professor Cavalcanti para que se possa concluir o entendimento do conceito de Poder de Polícia do Estado como uma faculdade, uma discricionariedade de manter os interesses coletivos e afastar ou prever quaisquer danos que os direitos individuais possam trazer:
“Poder de polícia é a faculdade de manter os interesses coletivos, de assegurar os direitos individuais feridos pelo exercício de direitos individuais de terceiros. O poder de polícia visa à proteção dos bens, dos direitos, da liberdade, da saúde, do bem-estar econômico. Constitui limitação à liberdade e os direitos essenciais do homem” (CAVALCANTI, 1956, p. 07, apud MEDAUAR, 2000, P.390).
“O poder de polícia constitui limitação à liberdade individual, mas tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais do homem” (CAVALCANTI, 1956, p. 07, apud MEDAUAR, 2000, P.390).
O que todos analisam é a faculdade que tem a Administração Pública de ditar e executar medidas restritivas do direito do individuo em benefício do bem-estar da coletividade e da preservação do próprio Estado, e esse poder é inerente a toda a administração e se reparte entre todas as esferas administrativas da União, dos Estados e dos Municípios.
O poder de polícia administrativa se fundamenta no princípio da predominância do interesse público sobre o do particular, ou seja, a Administração Pública possui uma posição de supremacia sobre os particulares. Esta supremacia é exercida pelo Estado em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades, revelando-se nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, em favor do interesse social.
O poder que a atividade da polícia administrativa expressa é o resultado da sua qualidade de executora das leis administrativas. Para exercer estas leis, a Administração não pode deixar de exercer sua autoridade indistintamente sobre todos os cidadãos que estejam sujeitos ao império destas leis. Daí manifesta-se na Administração uma supremacia geral.
Cabe a polícia administrativa, manutenção da ordem, vigilância, e proteção da sociedade, assegurando os direitos individuais e auxiliando a execução dos atos e decisões da justiça.
No momento de buscar prevenção às ações que poderiam causar danos futuros pela persistência de um comportamento irregular do indivíduo surge o poder de polícia administrativa, com o intuito de impedir que o interesse particular se sobreponha ao interesse público. Este poder manifesta-se por meio de atos normativos concretos e específicos e seu objetivo é impedir preventivamente possíveis infrações das leis, desde que não viole direitos que estão expressamente declarados na Carta Magna.
A fim de evidenciar a diferença entre polícia administrativa e polícia judiciária, enobrece o conhecimento o que se colhe da citação de Lazzarini pela professora Maria Sylvia Zanella di Pietro:
“A linha de diferenciação está na ocorrência ou não de ilícito penal. Com efeito, quando atua na área do ilícito puramente administrativo (preventiva ou repressivamente), a polícia é administrativa. Quando o ilícito penal é praticado, é a policia judiciária que age” (LAZZARINI, RJTJ-SP, v.98:20-25, apud DI PIETRO, 2002, P. 112).
No mesmo sentido, Celso Bandeira de Melo ratifica:
“O que efetivamente aparta Polícia Administrativa de Polícia Judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociais enquanto a segunda se pré-ordena a responsabilização dos violadores da ordem jurídica”
Celso Ribeiro de Bastos, ilustre doutrinador do Direito Administrativo, diferencia também a polícia administrativa da judiciária:
“Diferenciam-se ainda ambas as polícias pelo fato de que o ato fundado na polícia administrativa exaure-se nele mesmo. Dada uma injunção, ou emanada uma autorização, encontra-se justificados os respectivos atos, não precisando ir buscar o seu fundamento em nenhum ato futuro. A polícia judiciária busca seu assento em razões estranhas ao próprio ato que prática. A perquirição de um dado acontecimento só se justifica pela intenção de futuramente submetê-lo ao Poder Judiciário. Desaparecida esta circunstância, esvazia-se igualmente a competência para a prática do ato.”
Meirelles enumera a jurisdição da polícia administrativa e da judiciária:
“A polícia administrativa ou poder de polícia é inerente e se difunde por toda a Administração; a polícia judiciária concentra-se em determinados órgãos, por exemplo, Secretaria Estadual de Segurança Pública, em cuja estrutura se insere, de regra, a polícia civil e a polícia militar.”
Odete Medauar ratifica a aplicação da polícia administrativa, diferenciando sua aplicação nas atividades lícitas, enquanto que a polícia judiciária visa impedir o exercício das atividades ilícitas:
“A polícia administrativa ou poder de polícia restringe o exercício de atividades lícitas, reconhecidas pelo ordenamento como direitos dos particulares, isolados ou em grupo. Diversamente, a polícia judiciária visa a impedir o exercício de atividades ilícitas, vedadas pelo ordenamento; a polícia judiciária auxilia o Estado e o Poder Judiciário na prevenção e repressão de delitos.”
Observa-se que não se pode diferenciar o poder de polícia administrativa do poder de polícia judiciária somente pelo caráter preventivo da primeira e pelo caráter repressivo da segunda, já que tanto a polícia administrativa quanto a polícia judiciária possuem características do caráter preventivo e repressivo, mesmo que de forma implícita. A melhor maneira de diferenciar os poderes, portanto, seria analisar se houve o ilícito penal (responsabilidade da polícia judiciária) ou se a ação fere somente questões administrativas que buscam o bem coletivo (responsabilidade da polícia administrativa).
Condicionar o interesse dos particulares ao interesse da coletividade é dever da Administração Pública, fazendo-se valer do poder de polícia. Para tanto, deve dispor de alguns atributos e prerrogativas:
5.1. Auto Executoriedade
Traduz-se na possibilidade que tem a Administração, por intermédio dos seus próprios meios, executar suas decisões sem recorrer previamente ao Poder Judiciário, e ainda fazer uso da força pública para obrigar o administrado de cumprir sua decisão.
Nesse sentido, destaca-se o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“exigir-se previa autorização do Poder Judiciário equivale a negar-se o próprio poder de polícia administrativa, cujo ato tem que ser sumário, direto e imediato, sem as delongas e as complicações de um processo judiciário prévio (TJSP-Pleno, RT 138/823).”
Verificou-se que alguns autores desdobram esse atributo da polícia administrativa em dois: a exigibilidade e a executoriedade. A primeira resulta da possibilidade que tem a Administração Pública de tomar decisões executórias, sendo que pelo atributo da exigibilidade, a administração se vale de meios indiretos de coação, enquanto que a segunda consiste na faculdade que tem a Administração, quando já tomou alguma decisão executória, de realizar diretamente a execução forçada, usando, se necessário, da força pública para obrigar o particular a cumprir a decisão da Administração.
A decisão Administrativa impõe-se ao particular ainda contra a sua concordância, pois a Administração é um órgão do Estado e este, sempre busca o bem da sociedade. Se o particular quiser se opor terá que recorrer ao Poder Judiciário. Os meios eficazes que podem ser usadas pelo particular quando ele se sentir lesado por algum ato praticado pela Administração Pública através de seus agentes, são o hábeas corpus e o mandado de segurança, que são os remédios processuais mais efetivos para tais casos, mas mesmo nesse caso é o particular que tem que recorrer ao Poder Judiciário.
5.2. Discricionariedade
A discricionariedade se dá quando a lei deixa certa margem de liberdade para determinadas situações, mesmo porque, ao legislador, não é dado prever todas as hipóteses possíveis. Em vários casos a Administração terá que decidir qual o melhor meio, momento e sanção aplicável para determinada situação. Neste caso o poder de polícia é discricionário, pois é a Administração que irá escolher a melhor forma de resolver determinada situação. Na maior parte das medidas de polícia, a discricionariedade está presente, mas nem sempre ocorre, pois em alguns casos a lei determina que a Administração deva adotar soluções já estabelecidas, sem qualquer forma de discricionariedade, portanto, neste caso teremos o poder vinculado aos mandamentos da lei escrita.
5.3. Coercibilidade
A coercibilidade é traduzida por uma coação expressa nas medidas auto executórias da Administração Pública, uma vez que a coercibilidade é indissociável da autoexecutoriedade.
Há que se verificar o destaque dado por alguns autores quanto a negatividade e a positividade do poder de polícia. Esta estabelece a relação de acréscimo aos indivíduos, isoladamente ou em conjunto, traduzida numa atividade material, que vai trazer benefício comum. Como exemplo a Administração executa o serviço de transporte coletivo, impondo limites às condutas individuais. Aquela diz respeito à limitação sofrida pelo particular perante a Administração, impondo sempre uma abstenção, ou seja, uma obrigação de não fazer. Exemplo clássico é a realização de exame para concessão da Carteira Nacional de Habilitação, onde o Estado atestará que o indivíduo é um bom motorista e possui qualificações necessárias para conduzir veículo automotor, afastando o mau exercício do direito individual de dirigir em prol da sociedade.
CONCLUSÃO
O poder de polícia destina-se assegurar o bem-estar geral, impedindo, através de ordens, proibições e apreensões, o exercício antissocial dos direitos individuais, o uso abusivo da propriedade ou a prática de atividades prejudiciais à coletividade.
Quando o particular, mesmo de forma irregular, decide por ferir os preceitos que são regulamentados pela Administração Pública deve esta, portanto, fazer uso do Poder de Polícia e estabelecer sanções até que o particular faça a devida adequação de seu direito individual ao coletivo, a fim de garantir o bem-estar social.
O interesse da coletividade há de preponderar-se sobre o interesse individual.
REFERÊNCIAS
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
JÚNIOR, José Cretella. Direito Administrativo Brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
_____. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
BRASIL. Constituição da República, de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
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