Praticamente todo o Direito Administrativo trata de temas em que se colocam em tensão dois aspectos opostos: a liberdade individual e a autoridade da Administração Pública.
Quando se trata de “poder de polícia”, de forma bem clara se colocam em confronto esses dois aspectos: de um lado, o cidadão que quer exercer plenamente seus direitos; de outro, a Administração Pública, que tem por incumbência condicionar o exercício daqueles direitos ao bem-estar coletivo, e ela faz isso usando seu poder de polícia.
Os direitos individuais sofrem limitações e não há incompatibilidade entre os direitos individuais e os limites a eles impostos pelo poder de polícia do Estado. Guido Zanobini afirma que “a idéia de limite surge do próprio conceito de direito subjetivo; tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado”.
As limitações simplesmente integram o desenho do próprio perfil do direito e são a fisionomia normativa dele.
O fundamento do poder de polícia é o princípio da supremacia do interesse coletivo sobre o privado. Através dele, limitam-se os direitos individuais das pessoas em benefício do interesse coletivo. O exercício e o uso da liberdade e da propriedade devem estar entrosados com a utilidade coletiva.
O poder de polícia é exercido pela Administração Pública sobre direitos, bens e atividades que afetem ou possam afetar a coletividade. Assim, o objeto do poder de polícia administração é todo direito, bem ou atividade individual que possa afetar a coletividade. Como podem afetar a coletividade, tais direitos, bens ou atividades exigem regulamentação, contenção e controle pelo Poder Público.
Para Maria Silvia Zanella Di Pietreo o poder de polícia é “a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.”
Em essência, o poder de polícia é a atividade da Administração Pública que impõe limites ao exercício de direitos e liberdades, em prol do interesse coletivo. É o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por ele o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social. Esse poder se reparte entre todas as esferas administrativas da União, dos Estados e dos Municípios.
O Código Tributário Nacional, no art. 78, traz o conceito legal do poder de polícia:
“Considera-se poder de polícia atividade administrativa pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.
O poder de polícia reparte-se entre o Poder Legislativo e o Executivo. As limitações ao exercício de direitos individuais são previstas em lei.
O Poder Legislativo cria, por lei, as chamadas limitações administrativas.A Administração Pública regulamenta as leis e controla sua aplicação preventivamente (através de ordens, notificações, licenças ou autorizações) ou repressivamente (através da imposição de medidas coercitivas – multas, embargos).
O Poder Público, assim, compreende tanto as leis que delineiam o âmbito da liberdade e da propriedade, quanto os atos administrativos que lhes dão execução.
7.Meios de atuação
O Poder Público se manifesta tanto através de atos normativos de alcance geral quanto de atos concretos e específicos.
Considerado o poder de polícia em sentido amplo (abrangendo as atividades do Legislativo e do Executivo), os meios de que se utiliza o Estado para seu exercício são:
1. atos normativos em geral:
– Leis:
Pela lei criam-se as limitações administrativas ao exercício dos direitos e das atividades individuais, estabelecendo-se normas gerais e abstratas dirigidas indistintamente às pessoas que estejam em idêntica situação;
– Atos normativos da Administração Pública:
Disciplinando a aplicação da lei, o Executivo pode baixar decretos, resoluções, portarias, instruções.
2. Atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto, compreendendo:
– Medidas preventivas com o objetivo de adequar o comportamento individual à lei (fiscalização, vistoria, notificação, autorização, licença);
– Medidas repressivas com a finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei (interdição de atividade, apreensão de mercadorias deterioradas).
O poder de polícia que o Estado exerce pode incidir tando na área administrativa quanto na área judiciária.
A doutrina costuma apontar como diferença o fato da polícia administrativa ter caráter preventivo, pois tem por objeto impedir ações anti-sociais, e a polícia judiciária ter caráter repressivo, pois tem por objeto punir os infratores da lei penal.
Afirma-se que a diferença não é absoluta, pois a polícia administrativa tanto pode agir preventivamente, como pode agir repressivamente.
Diz-se também que a polícia judiciária, embora seja repressiva em relação ao indivíduo infrator da lei penal, é também preventiva em relação ao interesse geral, porque, punindo-o, tenta evitar que o indivíduo volte a incidir na mesma infração.
9.Discricionariedade e Vinculação
O Poder de Polícia será discricionário quando a lei deixa ao administrador certa margem de liberdade de apreciação quanto a determinados elementos.Nesses casos, a Administração Pública terá que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção cabível diante das previstas na norma legal.
Na escolha pela Administração Pública da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores é que reside a discricionariedade do poder de polícia.
Entretanto, será vinculado quando a lei estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração Pública terá de adotar solução previamente estabelecida, sem qualquer possibilidade de opção.
As medidas de polícia adotadas pela Administração Pública se impõem de forma coativa. Todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para seu destinatário).
Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem coerção estatal para torná-los efetivos. A coerção é indissociável da auto-executoriedade.O ato de polícia só é auto-executório porque dotado de força coercitiva.
É o poder da Administração Pública decidir e executar diretamente sua decisão, por seus próprios meios, sem precisar recorrer previamente ao Judiciário.
A auto-executoriedade não existe em todas as medidas de polícia e para que a Administração Pública possa usá-la, é necessário que a lei a autorize expressamente, ou que se trate de medida urgente, sem a qual poderá ser ocasionado prejuízo maior para o interesse público.
Como todo ato administrativo, a medida de polícia, mesmo que seja discricionária, sempre esbarra em limitações impostas pela lei, quando à competência e à forma, aos fins e ao objeto.
12.1 Competência e forma
Devem se observar às normas legais pertinentes à competência (o agente deve ser competente, ter competência legal para a prática do ato) e à forma (o revestimento exterior do ato, o modo pelo qual ele aparece, deve ser o previsto em lei).
12.2 Fins
O poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse coletivo e se seu fundamento é o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, o exercício desse poder perderá sua justificativa quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas. A autoridade que se afasta da finalidade pública incidirá em desvio de poder e acarretará a nulidade do ato com conseqüências nas esferas civil, penal e administrativa.
12.3 Objeto
Quanto ao objeto, ou seja, o conteúdo, a autoridade sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Aplica-se aqui o princípio da proporcionalidade entre meios e fins, ou seja, o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger.Sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social.
A regra é da indelegabilidade da atribuição de polícia administrativa. Admite-se delegação, desde que outorgada a uma pessoa governamental e por meio de lei.
Para particulares, a delegação só pode acontecer em casos muito específicos, isto porque estar-se-ia outorgando a particulares cometimentos tipicamente públicos ligados à liberdade e à propriedade.
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