Ponderações às causas de inexecução do testamento

Resumo: É possível evidenciar que a revogação, o rompimento, a caducidade e a nulidade absoluta e relativa são as causas que obstam a cédula testamentária de produzir seus efeitos jurídicos. Nesta senda, a revogação tem assento quando o disponente, de maneira legítima, manifesta sua vontade de inutilizar seu testamento ou alguma disposição testamentária que tenha feito; assim, em sendo total a revogação, ter-se-á sucessão legítima, ao passo que, em sendo parcial, subsistirá a sucessão testamentária. O rompimento da cédula testamentária dá-se em razão não só da ignorância da existência de algum herdeiro necessário, mas também da superveniência de descendente sucessível do testador. O testamento será inutilizado pela caducidade quando, conquanto esteja válido, não puder produzir efeito em decorrência de algum fato superveniente, independente da vontade do autor da sucessão, pelo qual o herdeiro instituído fica impedido de receber a herança ou, ainda, o legado fica sem objeto, dando azo à sucessão legítima, caso sua ineficácia compreenda a todos os herdeiros ou legatários, e, inexistindo substitutos, houve direito de acrescer entre eles. Nesta situação, ocorre a denominada caducidade parcial, porquanto sendo parcial subsiste a instituição de um dos herdeiros nomeados, e desde que este não seja pelo testador privado do direito de acrescer, a ele, e não aos herdeiros legítimos, pertencerão as partes caducas da herança. Por sua vez, a nulidade do testamento ocorrerá quando, em razão de um vício de origem ou mesmo defeito congênito, não satisfizer as condições que o ordenamento pátrio declara indispensáveis para a sua validade, dando lugar, então, à sucessão legítima.

Palavras-chave: Testamento. Vontade do Testador. Causas de Inexecução.

Sumário: 1 Testamento: Conceito e Aspectos Jurídicos; 2 Causas de Inexecução das Disposições Testamentárias; 3 Revogação do Testamento; 4 Rompimento da Cédula Testamentária; 5 Caducidade do Testamento; 6 Nulidade do Testamento; 7 Anulabilidade do Testamento

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1 Testamento: Conceito e Aspectos Jurídicos

Em sede de comentários introdutórios, necessário se faz colocar em destaque que o testamento, em consonância com as disposições encartadas no artigo 1.857 do Código Civil[1], consiste em um ato de natureza personalíssima e revogável, por meio do qual alguém, denominado testador, em atenção às ordenanças legais, não só dispõe, para depois de sua morte, no todo ou em parte, do seu patrimônio, mas também versa a respeito de assuntos extrapatrimoniais. Gama, ao traçar as linhas conceituais, apresenta o testamento como “ato personalíssimo, unilateral, gratuito, solene e revogável pelo qual alguém, segundo as prescrições da lei, dispõe, total ou parcialmente, do seu patrimônio para depois de sua morte, ou nomeia tutores para seus filhos menores, ou reconhece filhos, ou faz outras declarações de última vontade[2].

Ora, extrai-se, a partir do entendimento arvorado a respeito do instituto em exame, que, em se tratando de sucessão testamentária, a vontade do auctor successionis terá o condão de determinar o caminho que os seus bens observarão.  “É claro que a vontade não será absoluta, ma sim explicitada dentro dos limites previstos pela lei, que, caso inobservados, podem gerar vícios insanáveis e a nulidade do ato de última vontade[3]. A partir de tais comentários, percebe-se que o corolário da autonomia privada, que orienta a atuação da vontade humana, encontra limites estatuídos na legislação competente, notadamente quando resta violentada matéria de ordem pública. No que tange à vontade do testador, subsiste o adágio latino favor testamenti, que se traduz como no intento de atender a última vontade do de cujus.

Por oportuno, há que se apontar que, em razão do testamento contemplar situações de cunho tanto extrapatrimonial como patrimonial, restará consubstanciado um sucedâneo de efeitos no mundo jurídico. Como exemplo do expendido, pode-se assinalar que, como disposição extrapatrimonial, o testador poderá: reconhecer filhos nascidos fora da constância do casamento, como assinala o inciso III do artigo 1.609 do Estatuto Civilista; nomear tutor para seus filhos menores, com supedâneo no inciso IV do artigo 1.634 e parágrafo único do artigo 1.729, ambos do Códex Civilista, ou ainda testamenteiro, na forma que prescreve o artigo 1.976 do Código de 2002; dispor acerca do próprio corpo, destinando-o para fins altruísticos ou para fomento científico, a teor do que assinala as disposições do artigo 14 da Lei Substantiva Civil. Ainda como disposição extrapatrimonial, o testador, também, poderá permitir que o filho órfão contraia matrimônio com o tutor, como bem destaca o inciso IV do artigo 1.523 do Diploma de 2002; reabilitar o indigno ou mesmo deserdar o herdeiro, como, respectivamente, dispõem os artigos 1.818 e 1.964, ambos do Código Civil[4].

De outra banda, a partir de um viés patrimonial, o testador terá a possibilidade de traçar o cumprimento de determinadas obrigações; estabelecer renda; promover a substituição de beneficiário, no que concerne à estipulação em favor de terceiro; assinalar cláusulas restritivas. Nesse passo, cuida observar que as disposições de cunho extrapatrimonial possuem caráter familiar e pessoal, podendo, obviamente, serem estruturadas conjugadamente com as estipulações patrimoniais.

À luz do arrazoado, ao examinar o testamento, a partir de uma ótica jurídica, infere-se que o primeiro aspecto característico está assentado na revogabilidade. Tal fato decorre da premissa que, conquanto o instituto em destaque passe a produzir efeitos tão somente após o óbito do testador, a lei salvaguarda a possibilidade de a vontade ser manifestada de maneira livre. Assim, é plenamente possível que haja a modificação do testamento, no todo ou mesmo em parte, de maneira tal que o testamento posterior terá o condão de revogar o anterior, tão somente, gize-se, no que pertine às disposições de cunho patrimonial. Logo, inviável será a revogação de cláusula que reconhece indivíduo como filho, nascido fora da constância do casamento. Tartuce e Simão anotam, ao tratarem sobre o aspecto de revogabilidade, que se dá “porque o falecido pode revogá-lo ou modificá-lo a qualquer momento. Qualquer cláusula prevendo a irrevogabilidade será considerada nula e não produzirá efeitos, nos termos do art. 1.858 do Código em vigor[5].

Diz-se que o testamento é negócio jurídico unilateral, eis que só é possível o seu aperfeiçoamento com uma única vontade, qual seja: a do testador. Nesta senda, denota-se a partir de tal aspecto característico, subsiste tão somente que a vontade do testador seja exteriorizada, para que o negócio passe a produzir efeitos de cunho jurídico. Assim, é considerado irrelevante que haja a aceitação ou a renúncia do beneficiário do testamento para que o negócio possa gerar efeito. Diniz, oportunamente, salienta que o aspecto de unilateralidade encontra-se adstrita ao ideário que o testamento pode, apenas, ser efetuado pelo testador, de maneira isolada[6].

Do aspecto abordado acima, é plenamente possível colocar em evidência que, dada à sua unilateralidade, o testamento também é ato personalíssimo, notadamente em razão de, pelas disposições legais que orientam o assunto, precipuamente o artigo 1.858 do Código Civil[7], ser defeso a realização por meio de representante legal ou ainda convencional. Assinale, com efeito, que óbice não subsiste para que haja a participação indireta de terceiro, no que se refere à sua elaboração, como, por exemplo, a ajuda de um notário em sua confecção ou ainda a elaboração de um parecer, por profissional competente.

Dessarte, dado ao cunho personalíssimo existente na elaboração da cédula testamentária, é plenamente viável compreender que o Ordenamento Jurídico proíbe a realização de testamento de mão comum ou conjuntivo, estruturado com a participação de mais de uma pessoa. Gama define o testamento conjuntivo como “o pacto sucessório entre duas pessoas, em geral marido e mulher, prevendo benefício recíproco ou de terceiro, é expressamente proibido pelo direito brasileiro[8]. Igualmente, resta proibido a elaboração de testamento recíproco ou correspectivo, como expressamente aduz o artigo 1.863 do Código Civil: “Art. 1.863. É proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo[9]. Mister se revela que nada impede que os cônjuges instituam, de maneira recíproca, herdeiros, todavia, deverão fazê-lo em atos distintos, porquanto o que a lei traz como proibição é que sejam lançadas em um mesmo testamento disposições de última vontade de mais de uma pessoa.

No que tange aos efeitos, é perceptível que o ato de disposição de última vontade só poderá produzir efeitos com o óbito do testador, antes de tal evento, o testamento é considerado como ineficaz. “É o ato causa mortis, porque só produz efeitos após o óbito do autor da herança; não pode ser, obviamente, ato inter vivos, por estarem proibidos entre nós pactos sucessórios, uma vez que não pode ser objeto de contrato de herança de pessoas vivas[10]. Saliente-se, por oportuno, que antes do falecimento do de cujus, o testamento existe e válido, todavia ineficaz, pois seus efeitos são causa mortis. Ao lado disso, a fim de ilustra o pontuado, interessante se faz trazer à colação o entendimento jurisprudencial que versa:

“Ementa: Anulação de Testamento. Capacidade Civil. Ausência de Vícios de Consentimento e de Forma.  [omissis]. 2. O testamento que, foi feito com a observância dos requisitos legais, é um ato jurídico válido, perfeito e acabado, que ganha eficácia com o óbito, desencadeando os efeitos dele decorrentes. Recurso desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sétima Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70038163143/ Relator Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves/ Julgado em 25.10.2011) (destaque nosso).”

Outro aspecto característico do testamento é a gratuidade, eis que é considerado como inadmissível que o testador exija uma vantagem correspectiva, em troca das liberalidades testamentárias. “Não se trata de um negócio jurídico oneroso, não havendo qualquer remuneração ou contraprestação para a aquisição dos bens[11]. Todavia, a presença de um elemento oneroso não terá o condão de desnaturar o testamento, exceto se este apresentar aspecto preponderante. Outro caractere digno de nota, junge-se à solenidade/formalidade reclamada pelo testamento, porquanto as exigências para a sua confecção estão entalhadas no Ordenamento Civilista em vigor e afigura-se como requisito ad substanciam, ou seja, está intrínseco à confecção do próprio ato. Em restando configurada a inobservância dos aspectos formais, a sanção a ser estabelecida é a nulidade do testamento.

2 Causas de Inexecução das Disposições Testamentárias

Expendidos os comentários acimados, é possível evidenciar que a revogação, o rompimento, a caducidade e a nulidade absoluta e relativa são as causas que obstam a cédula testamentária de produzir seus efeitos jurídicos. Nesta senda, a revogação tem assento quando o disponente, de maneira legítima, manifesta sua vontade de inutilizar seu testamento ou alguma disposição testamentária que tenha feito; assim, em sendo total a revogação, ter-se-á sucessão legítima, ao passo que, em sendo parcial, subsistirá a sucessão testamentária. O rompimento da cédula testamentária, por seu turno, conforme leciona Diniz, “dá-se em razão não só da ignorância da existência de algum herdeiro necessário, mas também da superveniência de descendente sucessível do testador[12].

O testamento será inutilizado pela caducidade quando, conquanto esteja válido, não puder produzir efeito em decorrência de algum fato superveniente, independente da vontade do autor da sucessão, pelo qual o herdeiro instituído fica impedido de receber a herança ou, ainda, o legado fica sem objeto, dando azo à sucessão legítima, caso sua ineficácia compreenda a todos os herdeiros ou legatários, e, inexistindo substitutos, houve direito de acrescer entre eles. Nesta situação, ocorre a denominada caducidade parcial, porquanto sendo parcial subsiste a instituição de um dos herdeiros nomeados, e desde que este não seja pelo testador privado do direito de acrescer, a ele, e não aos herdeiros legítimos, pertencerão as partes caducas da herança. Por sua vez, a nulidade do testamento ocorrerá quando, em razão de um vício de origem ou mesmo defeito congênito, não satisfizer as condições que o ordenamento pátrio declara indispensáveis para a sua validade, dando lugar, então, à sucessão legítima.

Insta evidenciar, em conformidade com o estatuído no artigo 1.910 da Lei Substantiva Civil[13], caso uma das disposições testamentárias vier a perder sua eficácia, prevalecerão as demais, exceto se houver relação com a que se tornou ineficaz, porquanto sem esta não teriam sido estabelecidas pelo autor da sucessão. Pressupõe-se, deste modo, que exista interdependência das disposições de última vontade para que a ineficácia de uma delas importe a das demais cláusulas.

3 Revogação do Testamento

A revogação é o ato por meio do qual o testador, de maneira consciente, torna ineficaz, cédula testamentária anterior, exprimindo vontade contrária à que nele se encontra manifesta. Em virtude de ser essencialmente revogável, consoante dicciona o artigo 1.858 do Código Civil[14] , em sua parte final, o ato de última vontade pode ser desfeito livremente, a qualquer tempo, pelo auctor successionis, enquanto vivo e capaz, não importando os motivos que o levaram a isso, sejam eles justos ou não. Está alicerçado no princípio da autonomia da vontade, motivo pelo qual é irrenunciável, não prevalecendo qualquer disposição testamentária em que o testador declare que nunca efetuará a revogação de seu testamento. “A revogação será admitida ainda que o próprio testador tenha dito ser o seu testamento irrevogável[15]. Existe tão somente um único caso em que se impõe a irrevogabilidade da disposição testamentária, como bem destaca Diniz[16], que é o do reconhecimento de prole havida fora do matrimônio, em cédula testamentária, consoante estabelece o inciso III do artigo 1.609[17] e o artigo 1.610[18], ambos do Código Civil.

Desta feita, é plenamente possível que a cédula testamentária seja revogada pelo mesmo modo ou forma pelo qual tenha sido feito, como bem estabelece o artigo 1.969 do Código Civil[19], id est, “só por uma das formas autorizadas pela norma jurídica, isto é, por outro testamento, seja público, cerrado, particular, marítimo, aeronáutico ou militar; logo, são inidôneos para a revogação o codicilo e a escritura pública”[20], ainda que seja possível que uma cédula testamentária revogue o codicilo. Ao lado disso, como bem destacam Tartuce e Simão, “testamentos elaborados pela forma ordinária podem ser revogados por outros válidos praticados por forma extraordinária e vice-versa. Qualquer forma válida de testamento revoga outra forma de testamento[21]. Destarte, o testamento revogatório só terá o condão de tornar ineficaz o anterior se feito sob qualquer uma das formas legais de testar e se for válido, porquanto, em sendo declarado nulo, não produzirá efeitos; portanto, não poderá invalidar a cédula testamentária antiga.

Entretanto, “se for caduco, o anterior não readquire vigência; a herança ou o legado será recolhido pelos seus herdeiros legítimos porque a vontade revogatória subsiste como expressão da vontade do falecido[22]. Com efeito, a revogação produzirá os seus efeitos, ainda quando a cédula testamentária, que o encerra, vier a caducar em virtude de exclusão, incapacidade ou mesmo renúncia do herdeiro nele nomeado; não valerá, porém, se o testamento revogatório for anulado por omissão ou infração de solenidades essenciais ou mesmo por vícios intrínsecos, como bem assinala o artigo 1.971 do Código de 2002[23]. Tal disposição se apresenta como a regra geral, todavia, é admitida uma única exceção, a do testamento cerrado, eis que o Ordenamento Jurídico Pátrio “entende que será considerado revogado se o testador deliberadamente o abrir ou dilacerar ou consentir em sua abertura de dilaceração por outrem[24], como destaca o artigo 1.972 do Estatuto Civil[25].

Deste modo, uma vez revogada a cédula testamentária, esta só poderá voltar a vigorar-se caso a revogação seja anulada, por meio de novo testamento consoante a lei estabelece. Nesta esteira, como bem leciona Diniz, “a revogação do testamento revogatório nos revigora o ato primitivo, exige-se a confecção de novas disposições testamentárias, em que fique bem clara a vontade real do testador[26]. Desta feita, para que o testamento anterior, com a revogação da cédula testamentária revogatória, possa produzir efeitos, deverá o autor da sucessão manifestar sua vontade nesse sentido, sem que subsista a necessidade de repetir todas as cláusulas, porquanto será carecido tão somente que seja feita uma declaração genérica e inequívoca nessa acepção.

Cuida destacar que o ordenamento pátrio não consagra o efeito repristinatório automático, no qual, em revogada a revogação, repristinam-se as disposições revogadas, sem que subsista a necessidade de o testador repetir as disposições que quer revigorar. A revogação da cédula testamentária pode ser expressa ou tácita. A primeira, também denominada de direta, encontra amparo no artigo 1.969 do Código de 2002[27] e ocorre quando o disponente declarar sem efeito, no todo ou em parte, o testamento por ele feito anteriormente por meio de outro ato de disposição de última vontade, ainda que seja despicienda a necessidade de utilizar da mesma forma precedente. “A revogação poderá ser expressa, caso o testador declare sua vontade em revogar o testamento anterior[28].

Por sua vez, a revogação tácita, também denominada indireta, compreende três hipóteses distintas. A primeira ocorre quando o auctor successionis, se fizer qualquer menção que revogue as antigas, estabelecer novas disposições testamentárias que não correspondam, no todo ou em parte, às anteriores. A incompatibilidade existente produz revogação do testamento anteriormente feito. “Se o testamento feito posteriormente não mencionar expressamente a revogação, total ou parcial, do anterior, este prevalecerá no que não for incompatível com o posterior[29]. Em havendo possibilidade de se conciliarem esses atos de última vontade, serão considerados como uma única manifestação de vontade, inexistindo revogação do anterior pelo subsequente, devendo, pois, o Juízo dar cumprimento, respeitando a vontade do testador, sendo possível a coexistência e execução de ambos, desde que não se contradigam, como bem estabelece o parágrafo único do artigo 1.971 do Código de 2002[30]. É imprescindível, desta sorte, que seja delimitada, com precisão, a data da confecção das cédulas testamentárias, com o fito de saber ante a contradição das disposições, qual a mais nova, porquanto esta prevalecerá sobre a mais antiga.

A segunda situação encampada pela revogação tácita está atrelado ao aparecimento do testamento cerrado aberto ou mesmo dilacerado pelo autor da sucessão ou por terceiro com o seu consentimento, pois, com clarividência, resta patente que o disponente, com tal gesto, manifestou, de modo implícito, a vontade de promover a revogação. Da mesma maneira, é fato que se o testamento particular aparecer rasgado, riscado ou cancelado, não poderá prevalecer, porquanto a disposição de última vontade é ato escrito, de modo que riscos ou cancelamentos têm o condão de viciá-lo ou suprimi-lo. Entretanto, “não se o cancelará se o próprio autor da cédula testamentária ressalvar as rasuras[31]. Em sendo o ato de disposição de última vontade estiver riscado apenas em parte e não sendo ela substancial, subsiste a presunção que tão só nessa parte o testador quis revogar; contudo, se atingir parte considerada essencial, o testamento será considerado invalidado, no todo.

Ademais, é crucial salientar que o importante é o animus do autor da sucessão, não havendo que se falar em presunção absoluta; assim sendo, é possível que subsistam tais testamentos, caso seja possível provar que tal rompimento foi acidental. É patente, desta feita, que a matéria em destaque necessita de apreciação do magistrado, diante de cada caso concreto. Não será possível restaurar a disposição testamentária dilacerada, em que o próprio disponente colar seus fragmentos. Oportunamente, insta salientar que o testamento público não será passível de revogação dessa forma, porquanto o que vale é o contexto contido no livro notarial.  A terceira hipótese albergada pela revogação indireta se materializa quando o testador alienar, de modo voluntário, a coisa legada, de maneira que será parcial essa revogação se houver disposições alusivas a outros bens que não o legado.

Afora isso, poderá a revogação ser total ou parcial. A primeira tem assento quando a cédula testamentária superveniente retirar, no todo, a eficácia das disposições de última vontade feitas precedentemente, conquanto não alcance a parte não patrimonial. O efeito produzido pela espécie em comento está cingido na convocação dos herdeiros legítimos, atentando para as regras norteadoras da sucessão legítima. A revogação parcial, por seu turno, está estruturada quando o testamento posterior compreender uma ou mais disposições do anterior, subsistindo em tudo o que não contrariar ou mesmo for incompatível ao posterior. “Em certas situações, pode o testador apenas revogar determinada disposição que institui um legado ou cria certa restrição (…), hipótese em que a revogação será parcial[32].    

4 Rompimento da Cédula Testamentária

O rompimento da cédula testamentária, também descrita como revogação presumida, ficta ou legal, consiste na inutilização por perda na validade em virtude de certos fatos contidos no Ordenamento Pátrio. O ato de disposição de última vontade não produzirá efeitos quando ocorrer superveniência de descendente sucessível do testador, que o não tinha ou não o conhecia quando testou, situação em que o testamento se romperá em todas as suas disposições, caso esse descendente sobreviver ao autor da sucessão, eis que subsiste a presunção de que o disponente não teria disposto de seus bens, caso tivesse descendente ou se tivesse conhecimento acerca de sua existência. “Assim sendo, se após a feitura do testamento pelo testador nascer-lhe um filho, neto ou bisneto, aparecer um descendente que ele supunha falecido ou que ignorava que existisse[33], como também caso promova uma adoção ou reconhecer, voluntária ou judicialmente, filho seu, será o ato de última vontade rompido, sem que seja carecido o ajuizamento de uma ação para esse escopo. O rompimento poderá ser declarado no apostilado processual em que tramitar o procedimento de inventário. Insta trazer à baila o entendimento jurisprudencial que abaliza o expendido:

“Ementa: Testamento Público. Rompimento. Prova. 1. Sendo o testamento um negócio jurídico solene, deve observar todas as formalidades previstas na lei. 2. Verifica-se o rompimento do testamento, quando o testador declara não possuir descendentes e, após o seu óbito, é reconhecida a sua paternidade em sede de ação investigatória. Inteligência do art. 1.973 do Código Civil. 3. É roto também o testamento quando contém declaração falsa. Recurso desprovido. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Sétima Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70045211042/ Relator: Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves/ Julgado em 24.10.2012) (destaque nosso).

Ementa: Agravo de Instrumento. Inventário. Filho reconhecido após o testamento. Rompimento do testamento. Preliminares. Qualquer herdeiro tem interesse e legitimidade para postular o rompimento de testamento com base na superveniência de novo herdeiro sucessível. Prazo recursal reaberto. Inexistência de preclusão. Mérito. Sobrevindo descendente sucessível, cuja existência era ignorada pelo testador ao tempo do ato última vontade, rompe-se o testamento (art. 1.793 do CC). Nesse passo, ausentes provas de que testador reconhecia como filho o herdeiro assim declarado após a morte do testador, é de rigor o rompimento do testamento. Rejeitadas as preliminares. Deram provimento. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70040877979/ Relator: Desembargador Rui Portanova/ Julgado em 28.04.2011) (destaque nosso).”

Outra hipótese que acarretará o rompimento do ato de disposição de última vontade, consoante estabelece a redação do artigo 1.974 do Código de Civil[34], se for feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários, exceto se o autor da sucessão dispuser de sua metade disponível, não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência era conhecedor ou, ainda, quando os excluir, de maneira expressa, dessa parte, promovendo a redução das liberalidades, com o fito de não prejudicar a legítima do excluído. “Não se verifica o rompimento do testamento, quando o testador já conhecia todos os seus herdeiros necessários, e manifestou de forma inequívoca a sua intenção de beneficiar apenas alguns dos filhos, em detrimentos de outros[35].

5 Caducidade do Testamento

A disposição testamentária, conquanto seja válida, não prevalecerá, caso ocorra obstáculo superveniente ao momento da testificação, situação em que incidirá a caducidade. Assim, se o herdeiro ou legatário nomeado vier a óbito antes do testador ou no mesmo momento que ele, estará caduca a disposição testamentária, eis que, como é cediço, é requisito basilar para que o herdeiro tenha capacidade sucessória que esteja vivo quando da abertura da sucessão. “Caso seja premorto ao testador, não será seu sucessor, e o testamento caducará. Da mesma forma, se houver comoriência, inexistirá relação sucessória entre os falecidos[36]. Ao lado disso, “mostra-se correta também a decisão que declarou a caducidade do legado com relação ao beneficiário, pois não se pode exigir cumprimento de testamento que se tornou caduco por ter a morte do legatário precedido a do testador[37].

Ocorrerá, também, a caducidade “se o nomeado falecer antes do implemento da condição da qual dependia a herança ou legado[38]. Da mesma forma, se a condição suspensiva estabelecida pelo autor da sucessão não puder ser realizada, caduca estará a disposição testamentária que a ela faz menção. Em havendo renúncia por parte do herdeiro ou legatário instituído ou for incapaz de herda ou mesmo for excluído da sucessão, a disposição testamentária que o contemplava restará caduca. “Se o testador fez testamento marítimo ou aeronáutico e não morreu na viagem, nem nos 90 dias subsequentes ao seu desembarque em lugar em que poderia testar de formas ordinárias[39], como bem anota o artigo 1.891 do Código de Civil[40]. O mesmo ocorrerá se o testador, nas hipóteses ora aludidas, não promover as medidas legais para convalescer seu ato de última vontade, nos termos em que preconiza o artigo 1.895 do Estatuto Civil de 2002[41].

Outra situação que enseja à caducidade do ato de disposição de última vontade está atrelada à modificação substancial ou perecimento da coisa legada por caso fortuito, pois, caso a destruição se der por culpa do herdeiro, o legatário terá direito a perdas e danos, e, se ocorrer o fato por ato culposo do próprio legatário, nenhum direito lhe assiste. “Em se tratando de coisa certa, perecendo esta sem culpa do herdeiro extingue-se a obrigação, já que não pode o objeto certo ser substituído por outro[42]. Ao lado disso, já se firmou entendimento que “a conduta do testador ao alienar bens que compunham o legado resulta na caducidade deste[43]. É patente que, como consequência da caducidade, ocorrerá a sucessão legítima, caso a ineficácia alcance a todos os herdeiros ou aos legatários, e eles não possuam substitutos. De modo eventual, acontecerá a sucessão testamentária, caso a caducidade não abranja todos os herdeiros ou legatários e, não tendo eles substitutos, houver o direito de acrescer entre eles.

6 Nulidade do Testamento

Em sendo o testamento um ato jurídico, os efeitos jurídicos dele decorrentes só serão produzidos quando forem observados as condições intrínsecas, concernentes à vontade legalmente manifestada do disponente, tal como as extrínsecas, que ambicionam assegurar a autenticidade da manifestação volitiva do autor da sucessão. Em razão do exposto, serão aplicadas as disposições encampadas no artigo 166 do Código Civil de 2002[44]. Assim, a nulidade absoluta do testamento poderá ser alegada por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, quando couber sua intervenção, devendo o magistrado pronunciar, quando conhecer do ato ou de seus efeitos e a encontrar provada, sendo defeso, contudo, supri-la, ainda que exista requerimento no apostilado das partes.

Dentre as situações que acarretam a nulidade da cédula testamentária, pode-se destacar a incapacidade do testador, quando fez suas disposições. É considerado como incapaz de testar aquele é menor de dezesseis (16) anos, pessoa que não está em seu Juízo perfeito, surdo-mudo que não puder exprimir sua vontade ou por pessoa jurídica. “Se o beneficiário nomeado não possuir capacidade para adquirir por testamento, como, por exemplo, as pessoas não concebidas até a morte do testador (…), com exceção da disposição em favor de prole eventual ou fideicomisso[45]. Em sendo o objeto ilícito ou impossível, será considerado como nulo o ato de disposição de última vontade, como se verifica, em tom de citação, o testador que deixa um bem público em testamento.

Outra situação que enseja a nulidade da cédula testamentária é a inobservância da forma prescrita em lei para cada uma das modalidades consagradas no Ordenamento Pátrio. No mais, “a forma intrínseca do testamento (seu conteúdo e capacidade testamentária passiva) reger-se-á pela lei vigente da abertura da sucessão, podendo haver, se for o caso, redução de disposição testamentária[46], não sendo relevantes os requisitos para ser herdeiros necessário, mesmo que estes sejam distintos dos estabelecidos em norma anterior. A validade extrínseca, por seu turno, será norteada pela lei da confecção do testamento, por tal motivo diploma novo não pode retroagir para tornar válida cédula testamentária nula, em decorrência da inobservância de solenidade, ao tempo do diploma antigo. Via de consequência, carecido se faz destacar que não subsistirá a possibilidade de conversão dos atos nulos, eis que inexiste a admissão da validação do testamento nulo ante o fato do novel Diploma Civilista ter simplificado as formalidades extrínsecas, mesmo quando confrontado com o corolário da conservação dos negócios jurídicos.

Nulo será o testamento quando a lei, de maneira taxativa, assim o declarar ou, ainda, negar os efeitos a serem produzidos, porquanto, com o fito de preservar a plena autonomia da vontade do disponente, é defeso no Ordenamento Jurídico o testamento conjuntivo, em suas espécies simultânea, recíproca ou correspectivo, nos termos do artigo 1.863 do Código Civil[47]. Da mesma sorte, o testamento será considerado nulo quando suas disposições assim o forem, como ocorre quando é feita a instituição de herdeiro ou legatário sob condição captatória de que este também, por ato de disposição de última vontade, disponha em benefício do testador, ou de terceiro, porquanto tal fato atenta contra a liberdade inerente ao ato de dispor, “deturpando sua espontaneidade, pois pela captação alguém poderia iludir o testador, obtendo sua simpatia ou estima, com fingida demonstração de amizade, oferta de presente, induzindoo a dispor em seu benefício[48].

Em mesmo passo, se a disposição testamentária fizer referência a pessoa incerta, cuja identidade não seja passível de averiguação, porquanto o beneficiado deve ser individuado devidamente, para que possa ser determinado. Com efeito, o autor da sucessão deverá fazer consta, em seu ato de disposição de última vontade, elementos idôneos para a identificação do beneficiário, aludindo ao nome, sobrenome, domicílio, estado civil e outros caracteres qualificativos do indivíduo que objetiva contemplar. Entretanto, será considerado válido o legado que beneficie instituições de caridade que se destinem a certos fitos ou, ainda, que preencham determinadas condições, ainda que o testador não as individue, nos termos que estabelece o artigo 1.902 e seu parágrafo único, do Código Civil[49], porquanto o Ordenamento Pátrio objetiva valorar a caridade.

A disposição que favorecer a pessoa incerta, cometendo a determinação de sua identidade a terceiro será considerada nula, pois subtrai o caráter personalíssimo, que é fundamental, eis que estaria delegando o poder de testar a outrem. “Entretanto, será válida a disposição testamentária em favor de pessoa incerta que deva ser determinada por terceiro, dentre duas ou mais pessoas indicadas pelo testador, ou pertencentes a uma família, ou a um corpo coletivo, ou a um estabelecimento por ele designado[50], já que, nesta situação, a indeterminação é relativa, estabelecendo limites ao arbítrio do terceiro, que escolhera tão somente uma das pessoas apontadas pelo disponente. Em mesmo sentido, a cláusula que deixar ao arbítrio do herdeiro ou de outrem a fixação do valor do legado, eis que deixa de ser ato exclusivo do testador, a quem compete estabelecer o quantum do legado. O Diploma de 2002, em seu artigo 1.901, inciso II[51], estabelece exceção à regra geral, ao possibilitar que o herdeiro ou legatário afixe o valor do legado, quando remuneratório de serviços prestador por profissionais da saúde, ao testador, em virtude da moléstia que acarretou seu óbito.

A cláusula que favorecer não só pessoa legitimada a suceder, mesmo quando ocorrer simulação de um contrato oneroso ou a interposta pessoa, como ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder, tal como filho do concubino, do qual o testador não é genitor. A situação em destaque está eivada de simulação, que consiste na “declaração enganosa da vontade do testador, visando produzir efeito diferente do indicado no testamento, com intenção de violar a norma jurídica[52], sendo possível a simulação de data, protrair a simulação de doação ou de verba sobre a obrigação de colacionar, assim como quando quiser beneficiar incapaz, simulando a forma de contrato oneroso ou interpondo pessoa.

Uma vez sobrevindo a declaração de nulidade da cédula testamentária, esta deixa de prevalecer, estando a transmissão da herança subordinada à sucessão legítima. Não se pode olvidar que sempre subsistir o interesse em conservar a disposição testamentária, podendo a ineficácia de o testamento ser total ou parcial. Dessa maneira, a nulidade de uma cláusula não acarretará à de todo o ato de disposição de última vontade, devendo, sempre que possível, ser aproveitada e cumprida. Assim, se a ineficácia for de uma cláusula da cédula testamentária, a sucessão testamentária subsistirá em relação às demais, exceto se existir uma conexão tão íntima que obste uma disposição de prevalecer sem a outra.

O prazo decadencial, para que possa impugnar a validade do testamento é de cinco anos, contado da data de seu efetivo registro, como afiança o artigo 1.859 do Estatuto de 2002[53], que ocorre mediante ordem do juiz competente a quem foi apresentado, após a extinção do autor da sucessão, com a apresentação judicial do testamento, cumpridos os requisitos elencados nos artigos 1.125 a 1.127 do Diploma de Ritos Civis[54]. “Se o interessado deixar escoar tal prazo, sem exercer aquele seu direito potestativo de impugnar a validade do ato de última vontade, este será considerado como válido, não mais podendo ser contestado[55].

7 Anulabilidade do Testamento

As causas de nulidade relativa ou anulabilidade do testamento são as mesmas que vigoram nos negócios jurídicos em geral, isto é, o erro, o dolo e a coação, consoante estatui o artigo 1.909 da Lei Substantiva Civil[56]. Diniz leciona que “a nulidade relativa ou anulabilidade do testamento, que não tem efeito antes de julgada por sentença nem se pronuncia de ofício, podendo ser alegada somente pelos interessados, aproveita exclusivamente ao que a pleiteou, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade[57]. Dentre as causas que inquinam de nulidade relativa à cédula testamentária está o erro substancial na nomeação da pessoa do herdeiro, do legatário (error in personam) ou da coisa legada (error in ipso corpore rei), exceto se, pela análise do ato de disposição de última vontade, por outros documentos ou fatos considerados inequívocos, caso seja possível promover a identificação da pessoa ou da coisa a que o testador faz referência, como bem estabelece o artigo 1.903 do Código de 2002[58]. Mister se faz destacar  que o erro substancial é o que alude o Diploma Legislativo, pois interessa  à natureza do ato, ao objeto principal da declaração ou a alguma das qualidades a ele essenciais ou que tocar às qualidades essenciais da pessoa a quem faça menção o ato de disposição de última vontade, porquanto vicia a manifestação volitiva do autor da sucessão.

Tal como dito acima, o dolo terá o condão de inquinar de nulidade relativa o testamento, consistindo no “artifício malicioso para induzir o testador em erro ou para mantê-lo no erro em que já se encontrava[59]. É carecido evidenciar que o dolo que causa a anulação do testamento será necessário que: a) exista o animus de induzir o autor da sucessão a deixar a herança ou o legado, com o escopo de beneficiar ou prejudicar a outrem; b) os artifícios fraudulentos sejam considerados graves; e, c) seja a causa determinante da declaração de última vontade do testador. Nesta toada, é curial destacar que o dolo pode ser advindo do beneficiário da disposição ou pessoa alheia a ela, sendo carecido ao somente que a vontade do testador tenha sido manifestada em decorrência do dolo. Como bem anotam Tartuce e Simão, “o dolo capaz de induzir o testador em erro ou de mantê-lo sob erro que já se encontrava”[60].

A coação a que faz menção o Diploma de 2002 consiste no “estado do espírito em que o disponente, ao perder a energia moral e a espontaneidade da vontade, elabora o testamento que lhe é exigido[61]. É indispensável para que se verifique na coação, para que ela produza a anulação do ato de disposição de última vontade, os seguintes elementos: a) seja considerada a causa determinante da verba testamentária: e, b) o temor justificado seja de dano, concernente à pessoa da vítima, à sua família ou, ainda, ao seu acervo patrimonial. Trata-se da “coação contra o testador, impedindo-o livremente de testar[62], como evidenciam Tartuce e Simão. Da mesma maneira, a fraude maculará de nulidade relativa o ato de disposição de última vontade, sendo considerado tal ato como o “emprego de artifícios maliciosos por alguém para enganar o testador, induzindo-o, para lesar seus credores, a dispor de modo diverso do que ele faria, se não houvesse tais artifícios”[63]. É necessário salientar que o próprio autor da sucessão pode, em seu ato de disposição de última vontade, fraudar a credores, notadamente quando reconhece a existência de dívidas em detrimento de outras.

No prazo decadencial de quatro anos, extinguirseá o direito potestativo de anular a disposição, contados a partir da data em que o interessado tomar ciência do erro, dolo ou coação. Transcorrido in albis o lapso temporal ora mencionado, a disposição testamentária será convalidada, nos termos encampados no parágrafo único do artigo 1.909 do Códex Civilista[64]. Cuida salientar que se uma disposição testamentária vier a perder sua eficácia, as demais prevalecerão, salvo se possuírem relação com a que se tornou ineficaz, porquanto sem esta não teriam sido determinadas pelo auctor successionis. É indispensável que exista uma robusta relação de interdependência entre as disposições testamentárias, a fim de que a ineficácia de uma delas possa macular a das demais. “Se as partes do testamento puderem ser separadas, a nulidade (relativa) de uma cláusula não atingirá as demais[65], consoante lecionam Tartuce e Simão.

Referências:
BRASIL. Lei Nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em:              06 jan. 2013.
BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, vol. 06. 24 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário Básico Jurídico. Campinas: Editora Russel, 2006.
GOMES, Orlando. Sucessões. 15 Ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 06 jan. 2013.
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito das Sucessões, vol. 06. 3 Ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2010.

Notas:
[1] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.857. Toda pessoa capaz              pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para                     depois de sua morte”.
[2] GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário Básico Jurídico. Campinas: Russel, 2006, p. 364.
[3] TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito das Sucessões, vol. 06.                 3ª ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2010, p. 294.
[4] Neste sentido: DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, vol. 06. 24ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 185.
[5] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 296.
[6] DINIZ, 2010, p. 186.
[7] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.858. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo”.
[8] GAMA, 2006, p. 365.
[9] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013.
[10] DINIZ, 2010, p. 187.
[11] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 296.
[12] DINIZ, 2010, p. 280.
[13] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.910. A ineficácia de uma disposição testamentária importa a das outras que, sem aquela, não teriam sido determinadas pelo testador.”.
[14] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.858. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo”.
[15] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 398.
[16] DINIZ, 2010, p. 281.
[17] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: (omissis) III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado”.
[18] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento”.
[19] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.910. A ineficácia de uma disposição testamentária importa a das outras que, sem aquela, não teriam sido determinadas pelo testador”.
[20] DINIZ, 2010, p. 281.
[21] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 399.
[22] DINIZ, 2010, p. 282.
[23] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.971. A revogação produzirá seus efeitos, ainda quando o testamento, que a encerra, vier a caducar por exclusão, incapacidade ou renúncia do herdeiro nele nomeado; não valerá, se o testamento revogatório for anulado por omissão ou infração de solenidades essenciais ou por vícios intrínsecos”.
[24] DINIZ, 2010, p. 282.
[25] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.972. O testamento cerrado que o testador abrir ou dilacerar, ou for aberto ou dilacerado com seu consentimento, haver-se-á como revogado”.
[26] DINIZ, 2010, p. 283.
[27] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.969. O testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e forma como pode ser feito”.
[28] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 399.
[29] DINIZ, 2010, p. 283.
[30] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.970. (omissis) Parágrafo único. Se parcial, ou se o testamento posterior não contiver cláusula revogatória expressa, o anterior subsiste em tudo que não for contrário ao posterior”.
[31] DINIZ, 2010, p. 284.
[32] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 399.
[33] DINIZ, 2010, p. 285.
[34] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.974. Rompe-se também o testamento feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários”.
[35] RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação Cível Nº 70023452782. Sucessão. Ação ordinária de nulidade de testamento. Pai que contempla em testamento apenas alguns filhos em detrimento de outros, mas sem invadir a legítima. Observância da forma legal. Recurso desprovido. Órgão Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgado em 30.07.2008. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 06 jan. 2013.
[36] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 401.
[37] RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento Nº 70032180259. Inventário. Sucessão Testamentária. Caducidade do Testamento. Intempestividade da Apelação. Recurso desprovido. Órgão Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgado em 26.05.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 06 jan. 2013.
[38] DINIZ, 2010, p. 287.
[39] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 401-402.
[40] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.891. Caducará o testamento marítimo, ou aeronáutico, se o testador não morrer na viagem, nem nos noventa dias subsequentes ao seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento”.
[41] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.895. Caduca o testamento militar, desde que, depois dele, o testador esteja, noventa dias seguidos, em lugar onde possa testar na forma ordinária, salvo se esse testamento apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do artigo antecedente”.
[42] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 402.
[43] RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação Cível Nº 70012021317. Sucessões. Anulação de partilha. Alienação posterior ao testamento. Caducidade do legado. Negado provimento ao apelo. Órgão Julgador: Sétima Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Maria Berenice Dias. Julgado em 09.11.2005. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 06 jan. 2013.
[44] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção”.
[45] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 388.
[46] DINIZ, 2010, p. 291.
[47] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.863. É proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo”.
[48] DINIZ, 2010, p. 291.
[49] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.902. A disposição geral em favor dos pobres, dos estabelecimentos particulares de caridade, ou dos de assistência pública, entender-se-á relativa aos pobres do lugar do domicílio do testador ao tempo de sua morte, ou dos estabelecimentos aí sitos, salvo se manifestamente constar que tinha em mente beneficiar os de outra localidade. Parágrafo único. Nos casos deste artigo, as instituições particulares preferirão sempre às públicas”.
[50] DINIZ, 2010, p. 293.
[51] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.901. Valerá a disposição: (omissis) II – em remuneração de serviços prestados ao testador, por ocasião da moléstia de que faleceu, ainda que fique ao arbítrio do herdeiro ou de outrem determinar o valor do legado”.
[52] DINIZ, 2010, p. 293.
[53] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.859. Extingue-se em cinco anos está o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro”.
[54] BRASIL. Lei Nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013.
[55] DINIZ, 2010, p. 294.
[56] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.909. São anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação.”.
[57] DINIZ, 2010, p. 294.
[58] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.903. O erro na designação da pessoa do herdeiro, do legatário, ou da coisa legada anula a disposição, salvo se, pelo contexto do testamento, por outros documentos, ou por fatos inequívocos, se puder identificar a pessoa ou coisa a que o testador queria referir-se.
[59] DINIZ, 2010, p. 295.
[60] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 392.
[61] DINIZ, 2010, p. 295.
[62] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 392.
[63] DINIZ, 2010, p. 296.
[64] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 jan. 2013: “Art. 1.909. São anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação. Parágrafo único. Extingue-se em quatro anos o direito de anular a disposição, contados de quando o interessado tiver conhecimento do vício.
[65] TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 394.

Informações Sobre o Autor

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


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Equipe Âmbito Jurídico

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