Pornografia da revanche: violência de gênero e psicológica contra a mulher

Resumo: O presente trabalho tem por escopo fazer uma análise acerca da Pornografia da Revanche na República Federativa do Brasil como uma violência de gênero e psicológica contra a mulher. Para tanto, serão sopesadas correntes doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema. A Pornografia da Revanche será considerada enquanto divulgação de imagens e vídeos íntimos sem o consentimento da vítima, em razão de uma “revanche” praticada pelos companheiros (as), ou, ex-companheiros (as). A violência de gênero como a agressão praticada em razão do sexo pertencente ao sujeito e a violência psicológica, como a ofensiva ao desenvolvimento e autoestima da vítima. Afinal, a pornografia da revanche pode ser considerada como “produto” da liberdade sexual das mulheres? Como o tema é tratado na República Federativa do Brasil, diante da falta de norma legal específica?

Palavras- Chaves: Pornografia da Revanche; Violência de Gênero; Violência Psicológica; Liberdade Sexual; Mulher.

Abstract: The present work is about to make an analysis about the Pornography of the Revenge in the Federative Republic of Brazil as a gender and psychological violence against women. For this, doctrinal and jurisprudential currents will be weighed on the subject. Revanche Pornography will be considered as the release of intimate images and videos without the consent of the victim, due to a "rematch" practiced by the comrades or ex-comrades. Gender violence such as aggression practiced on the basis of gender belonging to the subject and psychological violence, such as offensive to development and self-esteem of the victim. After all, can revenge pornography be considered as a "product" of women's sexual freedom? How is the issue addressed in the Federative Republic of Brazil, due to the lack of specific legal norm?

Keywords: Revanche Pornography; Violence of Gender; Psychological violence; Sexual Freedom; Woman.

Sumário: Introdução. 1. Pornografia da Revanche e a Liberdade Sexual da mulher. 1.1 Conceito e Definição de Pornografia da Revanche. 1.1.1 Outras Nomenclaturas. 1.2 Breve Contexto Histórico da Pornografia da Revanche. 1.3 Liberdade Sexual das mulheres e Pornografia da Revanche. 2.A Violência de Gênero e Psicológica na Pornografia da Revanche. 2.1 Conceito e Definição de Violência de Gênero. 2.2 Conceito e Definição de Violência Psicológica. 2.3 As Violências de Gênero e Psicológica contra a mulher na Pornografia da Revanche 3. A Pornografia da Revanche na Legislação e Jurisprudência da República Federativa do Brasil. 4. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Em que pese à violência praticada contra a mulher no âmbito doméstico e familiar nos seja conhecida desde os mais remotos tempos, a contemporaneidade com seus inúmeros elementos de desenvolvimento e globalização tem contribuído para que novas formas de expor esse sujeito a depreciação social e moral surjam.

E valendo-se especificamente das inovações tecnológicas que nos permitem comunicações mais rápidas e acesso a informação em tempo real, é que vídeos e imagens íntimas de mulheres são compartilhados pelos (as) companheiros (as), ou, ex- companheiros (as), em sites e redes sociais sem a sua autorização, com o intuito de constranger e ridicularizar, a par muitas vezes de uma “suposta” revanche. 

Tal prática a qual comumente se chamou de “pornografia da revanche”, para além dos danos provocados a saúde mental da mulher e a violação aos seus direitos, enumera semelhantemente velhos dilemas sobre sua liberdade sexual.

Neste diapasão, o presente trabalho sem a intenção de esgotar o tema abordará a problemática em dois capítulos, resguardando ao primeiro deles a incumbência de definir e conceituar a pornografia da revanche, comentar a utilização de outras nomenclaturas pela doutrina e jurisprudência, o seu contexto histórico e a sua relação com a liberdade sexual das mulheres.

No segundo capítulo, versar sobre o tema como violência de gênero e psicológica contra a mulher, bem como do tratamento legal e jurisprudencial ofertado pela República Federativa do Brasil.

Afinal, a pornografia da revanche seria realmente um “produto” da liberdade sexual das mulheres, ou, seria essa “liberdade” interpretada e utilizada como subterfúgio para esconder o nosso preconceito para com elas?

1. PORNOGRAFIA DA REVANCHE E A LIBERDADE SEXUAL DA MULHER

1.1. Conceito e Definição de Pornografia da Revanche

Considerando que nosso objetivo é discorrer sobre a pornografia da revanche como uma violência de gênero e psicológica contra a mulher na República Federativa do Brasil é oportuno que inicialmente façamos breves ponderações sobre seu conceito e definição.

Para os autores Fredi, Marinho e Nedez (2016, p.53), a pornografia da revanche deve ser analisada tomando em separado o significado de cada termo, do qual se compreende ser a “revanche” a vingança praticada pelo (a) companheiro(a), ou, ex-companheiro (a) da vítima e, a pornografia, como a divulgação de material de cunho erótico sem autorização.

Na concepção de Louzada e Rocha a expressão trata-se:

“[…] da prática de expor intimidade, principalmente, de jovens mulheres por seus parceiros ou ex-parceiros, como forma de ridicularizá-las, ou vingar-se por algo cometido por elas, principalmente pelo término de um relacionamento amoroso. (LOUZADA; ROCHA, 2016, p.105)”.

Observe que é possível concluir a priori que a terminologia enumera aqueles casos de divulgação de materiais íntimos e ofensivos a personalidade dos sujeitos em razão de uma vingança, praticada por indivíduos que tenham ou tiveram uma relação amorosa com a vítima, e da qual os envios feitos anteriormente tenham sido consensuais, a exemplo, o famoso envio de “nudes”.

Contudo, devemos salientar ao leitor que não apenas de forma espontânea esse material chegará às mãos do agente agressor, vez que as fotos e vídeos poderão igualmente ser objeto de “furto” por aqueles sujeitos, ou, outros.

Para a promotora Maria Gabriela Mansur (2015, s/p), em se versando sobre o conceito e definição de pornografia da revanche é imperioso ressaltar também a discussão acerca da impropriedade do termo. Segundo ela, a expressão teria uma conotação de que a mulher está em situação de violência, por conta das imagens íntimas divulgadas, estaria cometendo algum tipo de pornografia, quando consentiu ou envio o material, bem como sobre a culpa que recai sobre os ombros das mulheres que se deixaram filmar, ou, enviaram o material de forma consensual.

Atente-se que para além da “revanche” praticada pelo sujeito em face de outro, sobretudo, da mulher, o conceito guarda um importante aspecto envolto ao comportamento da vítima, que teria cedido o material anteriormente, tal como se o exercício de sua liberdade sexual fosse à causa primária da pornografia intentada.

Assim, o conceito e definição de pornografia da revanche consistiria na divulgação de material erótico sem autorização da parte, mediante a realização de uma vingança pessoal e sagaz, embora em muitos casos tenha sido esse material cedido de livre vontade pela vítima anteriormente na relação amorosa que mantinham.

1.1.1. Outras nomenclaturas

Compreendido o conceito e definição de pornografia da revanche como a divulgação de imagens e vídeos de conteúdo erótico a par de uma revanche, é importante para a abrangência do tema comentarmos a utilização de outras nomenclaturas.

Conhecido nos Estados Unidos da América como “Revenge Porn”, como veremos com mais profundidade ao tratamos do contexto histórico, em tradução literal para a língua portuguesa a expressão se apresenta como “pornografia da vingança”, embora seja substituível por termos sinônimos como pornografia da revanche, estupro virtual, ou, vingança pornô. (BEDIN; SANDER, 2015, p.44). 

Entretanto, em consonância a orientação dada pela Organização Internacional “End Reveng Porn” devemos alertar o leitor de que as expressões acima citadas não são as mais adequadas para enquadrar todos os tipos de pornografia, sendo nesse sentido mais correta a terminologia “pornografia não consensual”, por caracterizar a distribuição de imagens e vídeos sexuais de indivíduos sem o seu consentimento. (GIONGO, 2015, s/p).

Note que é imprescindível sabermos diferenciar não apenas os casos de furtos virtuais e envios espontâneos, mas igualmente analisar a finalidade da conduta do agente que expõe os vídeos e imagens íntimas de outrem, ou seja, o que ele pretende com tais ações.

Destaque ainda que embora os termos destoem no que tange a finalidade do sujeito, quer seja de revanche, ou, simples divulgação de material, em todas elas é possível vislumbrar a exposição constrangedora e vexatória da vítima.

Dessa forma, as outras nomenclaturas da pornografia da revanche enumeram diferentes aspectos dos casos de divulgação de material erótico, do qual se destacam a revanche, vingança, ou, simplesmente o ato de expor, embora os efeitos produzidos por todas elas sejam os mesmos para a vítima.

1.2. Breve Contexto Histórico da Pornografia da Revanche

Salientadas as devidas considerações acerca das outras nomenclaturas de pornografia da revanche, analisaremos a seguir, o contexto histórico de seu surgimento no mundo e sua incidência na República Federativa do Brasil.

A conduta de divulgar imagens e vídeos íntimos sem autorização é inicialmente abordada nos Estados Unidos da América, sendo o primeiro caso operado em 1980, quando Lajuan teve suas fotos íntimas enviadas para uma revista americana chamada de “Beaver Hunt” por seu vizinho, Steve Simpson (GOMES, 2014, p. 05). 

Neste diapasão, Gonçalves e Alves (2017, s/p), argumentam que a estirpe desse comportamento remeteria aos anos oitenta, quando uma revista adulta masculina teria divulgado fotografias enviadas por seus leitores de mulheres comuns nuas, fazendo com que a seção se tornasse em pouco tempo o epicentro de inúmeros processos indenizatórios.

Advirta que a prática de envio de conteúdo erótico sem autorização da vítima ocorre inicialmente atrelada à figura de estranhos, consumidores e mantenedores da revista “Beaver Hunt”, não havendo em tese uma “vingança” a ser praticada por eles, mas o simples desejo de expor, compartilhar materiais, tal como ocorreu no caso de Lajuan e seu vizinho Simpson.

O termo “revenge porn” propriamente dito só se tornaria expressivo no ambiente jurídico e social por volta do ano de 2007, quando passaria a integrar o dicionário popular dos Estados Unidos da América, embora as primeiras condenações pela prática abusiva e violadora de direitos só viessem a ocorrer em meados de 2010. (GONÇALVES; ALVES, 2017, s/p). 

No entanto, tais condenações não impediriam a criação e manutenção do site isanyoneup.com, idealizado por Hunter Moore, em 2010, de continuar a disponibilizar conteúdos eróticos de mulheres sem autorização e perpetuar a prática em outros países de forma digital.  (GONÇALVES; ALVES, 2017, s/p).   

Note que acompanhando a evolução tecnológica os casos inicialmente lançados na forma de divulgações de fotos em revista, cujo público eram os consumidores do material, passam a configurar a exposição em sites, redes sociais e outros, atingindo um número maior de indivíduos interessados nesse tipo de material. É a tecnologia sendo utilizado para fins danosos.

Na República Federativa do Brasil, não diferente de outras nações, tal prática surge e se desenvolve por intermédio de sites, redes sociais e programas de comunicação, como skype, whattsap e outros, ressaltando o quão ainda somos tentados a violar os direitos alheios em pleno século XXI.

E, neste aspecto, poderíamos citar aqui o primeiro caso ocorrido entre nós, o mais recente, aquele que envolveu um famoso, ou, que ganhou “status” na mídia e que em nada se diferenciam dos outros casos ocorridos em outros continentes, mas preferimos salientar que a exposição da intimidade alheia sem autorização é uma prática de violência moral e psicológica contra a vítima, da qual esse trabalho objetiva discorrer sob o aspecto da vítima mulher. 

Assim, o contexto histórico da pornografia da revanche salienta a prática de expor fotos íntimas inicialmente em uma revista americana, que com a evolução tecnológica ganharia novos meios e instrumentos de exposição mais rápidos e prejudiciais a vítima chegando a todos os outros países do mundo.

1.3. Liberdade Sexual da Mulher e a Pornografia da Revanche

Feitas breves colocações sobre o contexto histórico da pornografia da revanche, cujo início ocorreu com a divulgação de fotos íntimas em uma revista americana e hoje se desenvolve por meio de aplicativos e programas eletrônicos, a seguir, para finalizarmos esse primeiro capítulo devemos comentar a relação entre a liberdade sexual da mulher e a pornografia da revanche.

A princípio devemos ressaltar que embora tenham uma relação íntima, a pornografia da revanche não pode ser concebida como produto da liberdade sexual da mulher, ou seja, como conseqüencial de relações sexuais mais abertas e descompromissadas.

Do mesmo modo que não nos voltaremos a discorrer sobre o processo de evolução e conquista dos direitos sexuais das mulheres, tendo em vista o espaço e por não se esse o objeto central do trabalho.

Em verdade, a pornografia da revanche se reveste de preconceitos e julgamentos ultrapassados sobre a figura da mulher como não detentora de direitos, sobretudo, os sexuais, mas como objeto de desejos e instintos do homem pertencente ao sexo masculino.

Como discutiremos posteriormente com mais profundidade, a pornografia da revanche é uma violência de gênero, da qual a figura da mulher é hostilizada por fazer uso de sua liberdade sexual, ou seja, por escolher seus parceiros, manter relações sexuais ou casos amorosos.

Frise-se que o exercício de seu direito á liberdade sexual não é a causa direta da pornografia da revanche, mas o julgamento feito por seus companheiros ou ex-companheiros e quiçá a sociedade que acreditam piamente que essa não tenha que manifestá-lo de qual ou tal forma.

Poderíamos caracterizar tal ação como uma forma de repressão a sexualidade feminina, embora seja a figura da mulher na contemporaneidade detentora de direitos e obrigações semelhantemente ao homem na sociedade e perante o Estado.

Por óbvio não podemos deixar de salientar também que o envio de material erótico ao companheiro no período da relação amorosa, ou, dos casos passageiros é uma escolha da mulher e um ato que manifesta o seu direito á liberdade sexual, ainda que posteriormente possa lhe acarretar situações como as tratadas por esse trabalho.

O envio de “nudes” caracterizaria o compartilhamento de um conteúdo que o sujeito deseja e consensualmente oferta a outro dentro dos limites daquela relação, não sendo de bom tom avaliar se a prática é correta ou não do ponto de vista social ou moral. Ainda, se avaliar a ingenuidade ou não por parte da vítima em sua atitude ao ceder o material, até mesmo porque tais fotos e vídeos poderão ser objeto de “furto”, como dito anteriormente.

O que realmente importa em se tratando da liberdade sexual e a pornografia da revanche é se verificar os limites da consensualidade e relação, isto é, onde começa e termina a relação amorosa, pois uma coisa é compartilhar com o companheiro que mantém relação de amor e confiança, outra, com o país inteiro.

Assim, a liberdade sexual da mulher e a pornografia da revanche, embora mantenham estrita relação não se consubstanciam como produto ou causa direta uma da outra, apesar de serem interpretadas sob o véu do preconceito e julgamento ultrapassados.

2. A VIOLÊNCIA DE GÊNERO E PSICOLÓGICA NA PORNOGRAFIA DA REVANCHE

2.1 Conceito e Definição de Violência de Gênero

Abordada a discussão acerca da pornografia da revanche e a liberdade sexual da mulher, neste capítulo, trataremos da violência de gênero e psicológica oriunda da prática de divulgação de vídeos e imagens eróticas sem consentimento da vítima mulher.

Contudo, novamente nos voltaremos a apresentar inicialmente os conceitos e definições de violência de gênero e violência psicológica para que, posteriormente, tenhamos substratos para tratá-las no campo da pornografia da revanche. A esse primeiro tópico atribuiremos à função de conceituar e definir a violência de gênero.

Segundo Marlene Strey (2004, p.13), violência de gênero é aquela que incide sobre pessoas em função do gênero ao qual pertencem, ou seja, trata-se de uma violência ocorrida em razão de ser o sujeito homem ou mulher. 

Para o Guia Mundo em foco especial (2016, p. 69), a violência sexista é caracterizada por qualquer tipo de agressão, e da qual consoante as Diretrizes Nacionais para investigar, processar e julgar com perspectivas de gênero as mortes violentas de mulheres seriam motivadas por sentimentos de posse, controle sobre o corpo, desejo e autonomia, limitação da emancipação profissional, econômica, social e intelectual, tratamento da mulher como objeto sexual, manifestações de desprezo e ódio a condição da mulher.

Ressalte que a expressão cuida da agressão ligada ao sexo pertencente ao indivíduo, que tomando suas características, tais como a fragilidade no caso das mulheres, as empregam para justificar a prática da ação, ou, definir a capacidade ou incapacidade do sujeito.

Ainda é importante ressaltar que esse tipo de violência engloba diferentes formas, sendo incorreto caracterizá-lo apenas como uma violência praticada por homens contra mulheres, pois igualmente pode ser praticada por mulheres em face dos homens, mulheres em face de outras mulheres, etc. (ARAÚJO; MARTINS, 2004, p.22).

Desta forma, a violência de gênero é aquela que incide sobre o sexo pertencente ao indivíduo como forma de justificar a agressão, ou, caracterizar a sua capacidade e posição perante o outro e a sociedade.

2.2 Conceito e Definição de Violência Psicológica

Apresentado o conceito e definição de violência de gênero como agressão incidente sobre o sexo pertencente ao indivíduo, a seguir, trataremos do conceito e definição de violência psicológica.

Atingindo o psicológico da vítima a violência psicológica pode ser definida grosso modo como a agressão que deprecia, humilha, desrespeita,ou, agrida verbalmente o outro, provocando danos emocionais.

Neste sentido, a norma do artigo 7º, da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), define- a como:

“[…] qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões,mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto,chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.

Observe que esse tipo de agressão consiste em causar abalos psicológicos a vítima, ou seja, danos emocionais que acarretem em significativa redução da autoestima e do desenvolvimento pessoal e social.

Assim, a violência psicológica é a agressão que atinge o psicológico da vítima, causando – lhe dor e sofrimento pela exposição à situação anteriormente elucidada por ela como vexatória, humilhante ou degradante.

2.3 As Violências de Gênero e Psicológica contra a mulher na Pornografia da Revanche  

Exposto o conceito e definição de violência psicológica como a agressão que causa sofrimento e dor psicológica a vítima, a seguir, cuidaremos da pornografia da revanche como uma violência de gênero e psicológica contra a mulher.

A par das linhas acima transcritas deve o leitor ter compreendido tratar-se a pornografia da revanche do ato de expor a intimidade alheia sem autorização, a par da realização de uma revanche que acabaria por inserir as mulheres numa posição vexatória e humilhante, inclusive, levando a uma discussão infundada de que a liberdade sexual das mulheres seria a sua causa.

Neste diapasão, a pornografia da revanche consistiria em uma violência de gênero e violência psicológica contra a mulher. A primeira, em razão da humilhação e constrangimento em expor a vida íntima de mulheres em razão de suas escolhas sexuais e amorosas, e a segunda, pela dor e abalo psicológicos causados a ela.

Comentando a violência sexista na pornografia da revanche os autores Gonçalves e Alves (2017, s/p), salientam que considerando a premissa de que a pornografia da vingança é um conseqüencial histórico e sociológico de dominação masculina sobre a sexualidade e autonomia das mulheres, o delito passa a ser uma forma peculiar de violência, reclamando um olhar específico sobre a questão.

Note que a “revanche” desejada pelo agente objetiva denegrir a imagem daquela mulher perante a sociedade como se fosse ela ainda um objeto, tal como fazíamos no período da família tradicional, e não um sujeito de direitos e deveres na ordem social. Novamente salientamos que não se trata de discutir se a conduta de compartilhar vídeos e fotos íntimas com seus parceiros é moral, mas da moralidade afeta a essa divulgação a outros que não fazem ou faziam parte desse contexto.

Em outras palavras, a discussão se insere no direito da mulher de exercer ou não seus direitos sexuais, de escolher seus parceiros, de dispor sobre seu corpo e imagens pessoais como uma pessoa dotada de direitos e obrigações.

Neste sentido, o site compromisso e atitude Lei Maria da Penha ressalta que:

“O próprio uso da palavra “vingança” para designar essa conduta é sinal da discriminação contra as mulheres, uma vez que a ‘vingança’ não existiria, ou ao menos seria atenuada, se normas rígidas e tradicionais construídas em relação às mulheres não autorizassem o julgamento e a ‘punição’ da vítima (COMPROMISSO E ATITUDE LEI MARIA DA PENHA, 2015, s/p).”

Tal como na qualificadora do feminicídio, ou, perante a Lei 11.340/06, a violência sexista contra a mulher ainda ressalta o nosso desrespeito e preconceito para lidar com a questão em pleno século XXI.

Semelhantemente a violência sexista, a violência psicológica também pode ser vislumbrada na pornografia da revanche, quando a exposição de material de conteúdo erótico para além daquela relação causa dor e sofrimento à vítima.

Aqui estamos a falar do julgamento feito pela sociedade a figura da mulher, que tendo cedido as fotos ao companheiro ou ex- companheiro se torna agora alvo de críticas e especulações. Certamente a vida e o convívio social dessa mulher mudará de “mulher recatada da sociedade para mulher da vida” entregue aos prazeres, ou outros títulos pejorativos e degradantes que macularão sua honra por muito tempo.

Para a promotora Maria Gabriela Mansur as conseqüências do ato vão desde a vergonha de “[…] sair de casa, de freqüentar escola, faculdade, trabalho, de sentimento de culpa, até o desenvolvimento de depressão, doenças psicossomáticas, síndrome do pânico, autolesão  e suicídio.” (MANSUR, 2015, s/p).

Assim, a pornografia da revanche como violência de gênero e psicológica salienta a exposição de vídeos e fotos íntimas da mulher, em razão de ser ela pertencente ao sexo feminino para lhe causar dor e sofrimento.

3. A PORNOGRAFIA DA REVANCHE NA LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Consubstanciada a pornografia da revanche como uma violência de gênero e psicológica contra a mulher, por fim, teceremos breves comentários acerca da pornografia da revanche na legislação e jurisprudência brasileiras.

Conquanto tenhamos em pleno vigor a Lei 12.737, de 2012, comumente conhecida como Lei Carolina Dieckman, cuja expressão é tida como um marco civil dos crimes praticados no ambiente virtual por hackers, a pornografia de revanche não foi alvo específico de sua apreciação restando sem julgamento concreto.

Basicamente a lei em si trata de forma difusa dos crimes virtuais, não se reservando a caracterizar e punir a prática específica deles, razão pela qual ainda continuamos a buscar punições no Código Penal Brasileiro, sob a acepção de crimes contra a honra, ameaça, extorsão e furto de dados eletrônicos. (MANSUR, 2015, s/p).

Para a promotora Maria Gabriela Mansur (2015, s/p),, a resposta do Estado aos fatos é ainda pífia, configurando o crime de difamação para vítimas maiores de 18 anos, com penas de 3 meses a 1 ano, ou, crime de pornografia infantil, previsto no artigo 241, “A”, do Estatuto da Criança e do Adolescente, punível com penas de 3 a 6 anos e multa.

Atente-se que a vítima poderá ainda promover ação de indenização por danos morais contra o agressor e o servidor que armazenou o conteúdo erótico em sites e outros segmentos, a par de uma responsabilidade solidária, e, igualmente requerer medidas protetivas contidas na Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), se estiver sofrendo ameaças, ou, foi vítima de outras formas de violência no contexto da pornografia da revanche.

No plano jurisprudencial, além de pouco debatidos, os casos que envolvem divulgações de materiais eróticos sem autorização da vítima são escassos e em sua grande maioria salientam apenas ofensas a honra objetiva e subjetiva do sujeito, sobretudo, da mulher. Neste sentido, o Tribunal do Rio Grande do Sul em julgamento ao Agravo de instrumento nº 00027634520158080035, ressalta:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. VÍDEO DIVULGADO EM SITE DE COMPARTILHAMENTO (YOUTUBE). HONRA OBJETIVA. OFENSA À IMAGEM E AO NOME. DEVER DE RETIRADA. INDICAÇÃO DE URL'S. DESNECESSIDADE. RECURSO PROVIDO […]. “(Agravo de Instrumento nº 00027634520158080035. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. 3ª Câmara Cível. Relatora: Ronaldo Gonçalves de Sousa. Julgado em 12/05/17).

 Posição semelhante foi adotada pelo Tribunal de Justiça do Paraná no julgamento da Apelação Criminal nº 756.367-3, ao entender como crimes de difamação e injúria qualificada a ação de agente que postou e divulgou imagens íntimas de ex-companheira sem autorização na internet, retratando-a como prostituta.(Apelação Criminal nº 756.367-3. Tribunal de Justiça do Paraná. 2ª Câmara Criminal. Relatora: Lilian Romero. Julgado em 07/07/2011).

Desse modo, na República Federativa do Brasil por falta expressa de lei penal a pornografia da revanche recorre a crimes outros para punir a prática de violação dos direitos de personalidade das mulheres, embora, seja passível no plano cível pedido de indenização pelo dano moral sofrido.

4. CONCLUSÃO

Concluímos o presente trabalho salientando que nossa pretensão não se voltou ao esgotamento do tema, mas apenas a fomentar debates acerca de sua expressão e punição na República Federativa do Brasil.

Em verdade, nosso objetivo foi alertar o leitor sobre a falta de norma legal específica para punir a pornografia da revanche em nosso ordenamento jurídico, bem como ilustrar o quanto ainda avaliamos os aspectos envoltos a liberdade sexual das mulheres de forma preconceituosa.

A violação dos direitos da mulher pela prática da pornografia da revanche é uma violência de gênero e psicológica que merece atenção por parte do legislador infraconstitucional, sobretudo, para que não continue sendo reduzida as penas atribuídas aos crimes de injúria, difamação, por exemplo.

O exercício da liberdade sexual das mulheres por intermédio do envio de vídeos ou fotos íntimas confiadas naquela relação amorosa não é justificativa para a exposição em âmbito social, quiçá, mundial, seja a par de uma revanche ou não.

É imperioso que apreendamos a respeitar a mulher como sujeito de direitos e obrigações, e não mais conceituá-la como objeto. Seu corpo, vida, imagens e vídeos são seus e não merecem ser desrespeitados.

 

Referências
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BRASIL. Agravo de Instrumento nº 00027634520158080035. Tribunal de Justiça do Espírito Santo.3ª Câmara Cível. Relatora: Ronaldo Gonçalves de Sousa. Julgado em 12/05/17. Disponível em:<http://www.tjes.jus.br> Acesso em: 4. Mar.2017.
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___________.Lei 11.340, 7 de Agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
_________. Lei 12.737, de 30 de Novembro de 2012. Dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos; altera o Decreto-Lei no2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; e dá outras providências.
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Informações Sobre o Autor

Bruna Conceição Ximenes de Araújo

Advogada. Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas de Três Lagoas AEMS. Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera- Uniderp


Equipe Âmbito Jurídico

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