Direito do Consumidor

Possibilidades de Interrupção do Fornecimento de Energia Elétrica de Acordo Com a Legislação e a Jurisprudência

TIAGO CORREIA DA SILVA – Advogado. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Direito Processual e Material do Trabalho. Juiz Leigo da Comarca de Araci, Bahia. email: tiagocorreiadasilva@hotmail.com

 

POSSIBILITIES OF INTERRUPTION OF SUPPLY OF ELECTRICITY IN ACCORDANCE WITH LEGISLATION AND JURISPRUDENCE

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RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar as hipóteses legais de suspensão do fornecimento de energia elétrica por parte da concessionária de serviço público, assim como, apontar o entendimento jurisprudencial acerca destas possibilidades.

PALAVRAS-CHAVE: Serviços públicos essenciais. Dignidade da pessoa humana. Possibilidade de interrupção. Legislação. Jurisprudência.

 

ABSTRACT: This article aims to analyze the legal hypotheses of suspension of the supply of electricity by the public utility, as well as to point out the jurisprudential understanding about these possibilities.

KEYWORDS: Essential public services. Dignity of human person. Possibility of interruption. Legislation. Jurisprudence.

 

Sumário: Introdução. 1. Serviços públicos. 1.1. Princípio da continuidade do serviço público. 1.2.      Possibilidades de interrupção e suspensão do fornecimento de energia elétrica previstas na resolução 414 da Aneel. 1.3. A interrupção e a suspensão do fornecimento de energia elétrica na jurisprudência. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente estudo se propõe a analisar as hipóteses de possibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica por parte das concessionárias de serviço Público. A abordagem será realizada sob a ótica da legislação, inclusive, da Resoluçao 414 da ANEEL, assim como, da jurisprudência.

Notadamente, a suspensão do fornecimento de serviços públicos essenciais, a exemplo da energia elétrica, é tema bastante delicado, tendo merecido, ao longo dos anos, atenção especial da legislação, doutrina e jurisprudência, mormente por ser questão imbricada a própria dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil.

Nesta senda, nada obstante ser ponto pacífico na jurisprudência a possibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica em razão do inadimplemento das faturas relativas ao consumo, na doutrina há viva discussão sobre a legalidade e a legitimidade do referido ato.

Observar-se-á que este estudo não adentrará nesta questão específica, pois o seu escopo é apresentar ao leitor decisões judiciais acerca da possibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica. É importante pontuar que, por questões óbvias, não é possível expor em um breve estudo toda a jurisprudência acerca da matéria, sendo possível, todavia, trazer as decisões judiciais mais relevantes sobre o tema proposto.

O objetivo deste trabalho é que ao final da leitura, tantos os operadores do Direito, quanto os próprios consumidores, possam melhor compreender o posicionamento dos tribunais acerca do assunto, inclusive, vislumbrando a interpretação que estes possuem sobre a legislação aplicável à matéria.

 

  1. SERVIÇOS PÚBLICOS

Antes de adentrarmos especificamente no tema central deste trabalho, torna-se necessário delinearmos algumas premissas básicas que servirão como pilares do presente estudo. E uma dessas premissas é no sentido de que o fornecimento de energia elétrica é um serviço público, em que pese, não raramente, ser prestado por pessoa jurídica de direito privado.

Neste sentido, impende destacar que o artigo 175 da Constituição Federal atribui ao Poder Público a incumbência de prestar os serviços públicos, podendo fazê-lo diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, conforme disposição legal.

Visando regular a matéria atinente ao regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, fora editada a Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995. A referida lei, em seu artigo 6º, assevera que toda a concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários. Mais adiante, a própria lei indica que serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

Em síntese, os princípios do serviço público estão estabelecidos no artigo 6º, §1º da Lei nº 8.987/95. Dentre estes princípios, o que mais interessa ao nosso estudo é o princípio da continuidade, que será esmiuçado no tópico seguinte.

Outra premissa básica necessária ao estudo em epígrafe é a de que a prestação de serviços públicos em prol da pessoa física ou jurídica pode caracterizar-se como uma relação do consumo, submetida, portanto, as regras do Código de Defesa do Consumidor.

Ressalte-se, por oportuno, que o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor trata justamente sobre a prestação de serviços públicos diretamente pelo Poder Público ou por meio de concessionárias e permissionárias, salientando que os serviços públicos essenciais devem ser contínuos.

Além de um serviço público prestado de forma contínua, o consumidor tem direito que o serviço seja prestado de forma eficaz e adequadada, conforme dispõe o artigo 6º, X do CDC.

Feitas estas considerações, tendo citado que o fornecimento de energia elétrica é um serviço público e, como tal, a sua prestação deverá observar determinados princípios norteadores, passaremos a analisar de forma minudenciada o princípio da continuidade do serviço público.

 

1.1.       PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO

Mais uma vez aqui, vale destacar que a própria Lei 8987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos em seu artigo 6º, §1º, assevera, dentre outras hipóteses, que o serviço para ser adequado deve ser contínuo.

O princípio da continuidade se traduz no dever de prestação ininterrupta dos serviços públicos, salvo as possibilidades de interrupção abalizadas pela lei e pela jurisprudência, inclusive, objeto central deste estudo. Uma destas possibilidades legais de interrupção da prestação dos serviços públicos é a causada pelo inadimplemento do usuário.

Carvaho (2017, p. 83) ao discorrer sobre o princípio da continuidade, assevera que:

“Traduz-se na ideia de prestação ininterrupta da atividade administrativa. Trata-se, portanto, de exigencia no sentido de que a atividade do Estado seja contínua, não podendo parar a prestação dos serviços. Não comportando falhas ou interrupções já que muitas necessidades da sociedade são inadiáveis, como é o exemplo dos serviços de fornecimento de água e energia elétrica para a população em geral.”

A própria Lei 8987/95, mais precisamente no §3º do artigo 6º, aponta três hipóteses nas quais a interrupção dos serviços públicos é legal, quais sejam: a) situação de emergência; b) após prévio aviso, motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; c) após prévio aviso, por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

Quanto às três primeiras hipóteses de interrupção, em caso de emergência, por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, não há grandes dissensos na doutrina e na jurisprudência. Por outro lado, quanto à interrupção dos serviços públicos por inadimplência do usuário, vale destacar, que ainda causa discussões doutrinárias. Atualmente, contudo, a possibilidade de interrupção dos serviços públicos por inadimplência do usuário é pacífica na jurisprudência.

Carvaho (2017, p. 85) ao discorrer sobre a possibilidade de interrupção dos serviços aos usuários inadimplentes, assevera que:

“No que tange a interrupção por inadimplemento do usuário (não obstante se trate de matéria divergente na doutrina nacional), a princípio a possibilidade de paralisação do serviço deve ser considerada constitucional, bastando que o usuário seja previamente avisado, nos moldes exigidos pela legislação. Com efeito, a maioria dos estudiosos entende que esta regra é garantidora do princípio da continuidade, uma vez que a manutenção de serviços públicos àqueles que estão inadimplentes pode ensejar a impossibilidade futura de que a atividade seja mantida a todos os que estão adimplentes com suas prestações, em virtude da inviabilidade econômica que será causada ao prestador.”

Além de instituir a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), a Lei 9.427/96 disciplina a concessão do serviço de fornecimento de energia elétrica. Este diploma legal, em seu artigo 17, autoriza a suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia elétrica a consumidor que preste serviço público ou essencial à população, exigindo, como requisito, a comunicação prévia, de quinze dias, ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual.

Contudo, em sentido oposto, no que atine a suspensão do fornecimento de energia elétrica de consumidor, por falta de pagamento, que possa causar interrupção de um serviço essencial à coletividade, Carvalho (2017, p. 86) corrobora a jurisprudência pacífica no seguinte sentido:

“Mesmo para aqueles que admitem a interrupção dos serviços, que se apresenta como o entendimento majoritário, adotado pela doutrina e jurisprudência nacionais, não se discute que será ilegal a paralisação de determinado serviço público por inadimplemento do usuário, caso enseje a interrupção de um serviço essencial à coletividade – como ocorre, por exemplo, nos casos em que uma concessionária determina o corte no fornecimento de energia elétrica de um hospital em virtude do inadimplemento.”

A impossibilidade de interrupção do fornecimento dos serviços essenciais à coletividade está fundada no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Sob esta ótica, os interesses individuais não devem prevalecer sobre o interesse coletivo, ou seja, o interesse patrimonial da concessionária de serviços públicos não pode prevalecer sobre o interesse da coletividade na utilização de um hospital ou da iluminação pública, por exemplo.

Quanto ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, Carvalho (2017, p. 82) afirma que:

“O interesse público é supremo sobre o interesse particular, e todas as condutas estatais têm como finalidade a satisfação das necessidades coletivas. Nesse sentido, os interesses da sociedade devem prevalecer diante das necessidades específicas dos indivíduos, havendo a sobreposição das garantias do corpo coletivo, quando em conflito com as necessidades de um cidadão isoladamente. Em razão desta busca pelo interesse público, a Administração se põe em situação privilegiada, quando se relaciona com os particulares.”

Ao lado do princípio da indisponibilidade do interesse público, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é considerado, pela doutrina, um supraprincípio. Neste sentido, pode-se asseverar que todos os demais princípios do direito administrativo decorrem destes dois. Dentro deste contexto, nada mais razoável que o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, analisado sob a ótica da ponderação de interesses, sobreponha-se ao princípio da continuidade dos serviços públicos em alguns casos, a exemplo dos citados no parágrafo anterior.

 

1.2         POSSIBILIDADES DE INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA PREVISTAS NA RESOLUÇÃO 414 DA ANEEL

Conforme asseverado em parágrafos anteriores, a Lei 9.427/96 instituiu a ANEEL (Agência Naciona de Energia Elétrica), assim como, apresentou regramento acerca da concessão do serviço de fornecimento de energia elétrica. No caso específico da ANEEL, há de se ressaltar, que figura como poder concedente em contratos de concessão dos serviços públicos de fornecimento de energia elétrica.

A função precípua de uma agência reguladora é controlar e fiscalizar os serviços públicos e o exercício de atividade econômica cuja prestação é concedida a pessoas jurídicas de direito privado, ainda que integrantes da administração indireta. Para o pleno desenvolvimento desta função, é atribuído à agência reguladora poder normativo técnico. Sobre o poder normativo Carvalho (2017, p. 190) leciona:

“Ressalte-se que o poder normativo concedido a estas entidades para execução de sua função de controle e regulação não poderá extrapolar os limites da lei, substituindo-se ao texto legal, devendo ater-se a orientações de natureza técnica e providências inferiores e obedientes à lei, por meio de resoluções.”

O poder normativo técnico permite que as agências reguladoras editem normas técnicas complementares, não podendo, todavia inovar na ordem jurídica. Valendo-se do poder normativo técnico, a ANEEL editou a sua Resolução 414 de 2010 que estabelece condições gerais de fornecimento de energia elétrica.

Dito isto, para fins didáticos, é importante destacar que a Resolução 414 da ANEEL diferencia a interrupção do fornecimento de energia elétrica da suspensão do fornecimento de energia elétrica.

Segundo a Resolução 414 da ANEEL, a interrupção do fornecimento de energia elétrica consiste no desligamento temporário da energia elétrica para conservação e manutenção da rede elétrica e em situações de casos fortuitos ou de força maior. Por outro lado, a suspensão do fornecimento de energia elétrica consiste no desligamento de energia elétrica da unidade consumidora, sempre que o consumidor não cumprir com as suas obrigações contratuais.

Nada obstante a distinção feita entre os dois termos, a própria Resolução, em seu bojo, adota tanto um, quanto outro, para designar qualquer hipótese de descontinuidade do serviço de fornecimento de energia elétrica. Esta circunstância depreende-se, por exemplo, da leitura do seu artigo 140, §3º, II,  quando classifica como interrupção legítima a descontinuidade da prestação do serviço em razão da inadimplência do consumidor.

Ressalte-se, que este breve apontamento serviu apenas para esclarecer que neste trabalho, seja quando tratarmos como suspensão, seja quando tratarmos como interrupção, estaremos abordando a descontinuidade da prestação dos serviços, independente dos motivos que a ensejaram, tampouco da definição atécnica esboçada na Resolução 414 da ANEEL.

Ultrapassado este ponto, verte destacar que Resolução 414 da ANEEL, em seu artigo 140 aponta algumas hipóteses legais de suspensão do fornecimento de energia elétrica, a saber: a) em situação emergencial; b) o caso fortuito ou de força maior; c) por razões de ordem técnica ou de segurança em instalações de unidade consumidora; d) pelo inadimplemento do consumidor, considerado o interesse da coletividade.

Ao conceituar situação emergencial, a Resolução 414 elenca como sendo a caracterizada por deficiência técnica ou de segurança em instalações de unidade consumidora que ofereçam risco iminente de danos a pessoas, bens ou ao funcionamento do sistema elétrico.

Observe-se, ainda, ser necessária prévia notificação quando a interrupção for ocorrer por razões de ordem técnica ou de segurança em instalações de unidade consumidora, bem como, pelo inadimplemento do consumidor. As demais hipóteses, por questões óbvias, dispensam a prévia notificação.

O artigo 170 da Resolução 414 reitera, de forma clara e explícita, a possibilidade de suspensão imediata do fornecimento quando for constatada deficiência técnica ou de segurança na unidade consumidora que caracterize risco iminente de danos a pessoas, bens ou ao funcionamento do sistema elétrico.

Quanto à interrupção do fornecimento de energia elétrica por inadimplência do consumidor, vale destacar, que esta não se refere apenas ao consumo de energia elétrica, mas, de acordo com o artigo 172 da Resolução 414 da ANEEL, abrange também: a) não pagamento de serviços cobráveis, previstos no art. 102; b) descumprimento das obrigações constantes do art. 127; c) inadimplemento que determine o desligamento do consumidor livre ou especial da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, conforme regulamentação específica; d) não pagamento de prejuízos causados nas instalações da distribuidora, cuja responsabilidade tenha sido imputada ao consumidor, desde que vinculados à prestação do serviço público de energia elétrica.

Ressalte-se, que nas hipóteses dos itens “a”, “b” e “c”, a apresentação da quitação do débito à equipe responsável, no momento precedente à suspensão do fornecimento, obsta sua efetivação, ainda que se trate de quitação intempestiva.

É importante destacar que a interrupção dos serviços públicos por inadimplemento deve ser precedida de notificação. O artigo 173, I, b da Resolução 414 da ANEEL, assevera que a notificação seja escrita, específica e com entrega comprovada ou, alternativamente, impressa em destaque na fatura, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias.

Há uma diferença, que é importante destacar, referente às unidades consumidoras classificadas nas subclasses do gênero residencial baixa renda, pois, nestes casos a suspensão do fornecimento do serviço deve respeitar um intervalo mínimo de 30 (trinta) dias, depois da data do vencimento da fatura inadimplida.

A notificação aos consumidores que prestem serviço público ou essencial à população e cuja atividade possa sofrer prejuízo, deve ser feita ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual ou Distrital, de forma escrita, específica e com entrega comprovada, conforme preconiza o artigo 173, §1º da Resolução 414 da ANEEL. Observe-se, entretanto, que, conforme será demonstrada adiante, a jurisprudência faz algumas ressalvas quanto à possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica aos consumidores que prestem serviço público essencial à população.

De forma semelhante, o §2º do artigo 173, dispõe que a notificação ao consumidor titular de unidade consumidora, devidamente cadastrada junto à distribuidora, onde existam pessoas usuárias de equipamentos de autonomia limitada, vitais à preservação da vida humana e dependentes de energia elétrica, deve ser feita de forma escrita, específica e com entrega comprovada. Impende frisar, neste caso específico, que a unidade deve ser previamente cadastrada como tal junto à distribuidora.

Analisando as normas que regem a matéria, depreende-se que a suspensão ou interrupção do fornecimento de energia elétrica, por inadimplemento, não poderá ocorrer no dia posterior ao vencimento da fatura não paga, haja vista ser imprescindível a notificação prévia, com antecedência mínima de quinze ou trinta dias, a depender da classificação da unidade consumidora.

O artigo 168 da Resolução 414 indica outra hipótese de interrupção do fornecimento de energia elétrica, sem necessidade de notificação prévia, pois deve ser realizada de forma imediata, quando constatada ligação clandestina que permita a utilização de energia elétrica, sem que haja relação de consumo.

Vale destacar, que nos casos em que há relação de consumo, todavia, o consumidor se utilize de meios ilícitos para burlar a medição ou o próprio quantitativo de consumo, não haverá incidência do dispositivo supracitado, mormente porque este se refere apenas as situações onde não há relação de consumo.

O artigo 171 da Resolução 414 traz outras hipóteses de interrupção do fornecimento de energia elétrica por razões de ordem técnica ou de segurança na unidade consumidora.

A primeira destas hipóteses é no caso de impedimento, ocasionado pelo consumidor, de acesso dos prepostos da concessionária de serviço público, para fins de leitura de consumo, substituição de medidor e inspeções. Nestes casos, a distribuidora deverá notificar o consumidor até o terceiro ciclo de faturamento seguinte ao início do impedimento. Registre-se, que ciclo de faturamento é o período correspondente ao faturamento de determinada unidade consumidora.

Outra hipótese consiste na inexecução, por parte do consumidor, das correções indicadas pela concessionária de serviço público, no prazo por ela informado, quando da constatação de deficiência não emergencial na unidade consumidora, em especial no padrão de entrada de energia elétrica.

A terceira hipótese prevista no artigo 171 da Resolução 414 se dá pela inexecução, por parte do consumidor, das adequações indicadas, pela concessionária de serviço público, no prazo informado por ela, quando, à sua revelia, o consumidor utilizar na unidade consumidora carga que provoque distúrbios ou danos ao sistema elétrico de distribuição, ou ainda às instalações e equipamentos elétricos de outros consumidores.

Destaque-se, que em todas as hipóteses do artigo 171 da Resolução 414 da ANEEL o consumidor deverá ser previamente notificado, não apenas acerca do impedimento de acesso ou das correções a serem por ele realizadas em sua unidade consumidora, mas também acerca da suspensão em razão da não realização destas adequações dentro do prazo estabelecido pela concessionária de energia elétrica.

Por fim, o artigo 175 da Resolução 414 da ANEEL assevera que a religação da unidade consumidora, à revelia da distribuidora, enseja nova suspensão do fornecimento, de forma imediata, assim como a possibilidade de cobrança do custo administrativo de inspeção. Notadamente, a religação à revelia ocorre quando a concessionária de energia elétrica suspende o fornecimento para determinada unidade consumidora e o consumidor, por conta própria, efetua a religação do serviço.

Ainda quanto a Resolução 414 da ANEEL, vale destacar o teor do seu artigo 172, §2º, que veda a suspensão do fornecimento de energia elétrica após o decurso do prazo de 90 (noventa) dias, contado da data da fatura vencida e não paga, salvo comprovado impedimento da sua execução por determinação judicial ou outro motivo justificável, ficando suspensa a contagem do prazo pelo período do impedimento.

Trata-se, no parágrafo anterior, do débito relativo ao consumo regular de energia elétrica, em que ocorre simples mora do consumidor. Isso significa que o débito referente a uma fatura vencida em 10 de janeiro de 2019, e não paga, a partir de 11 de abril de 2019, não mais poderá ensejar a interrupção do fornecimento dos serviços, haja vista o transcurso do prazo de noventa dias. Nada obstante ser possível a cobrança do débito via processo administrativo ou judicial.

 

1.3 A INTERRUPÇÃO E A SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA NA JURISPRUDÊNCIA

Iniciaremos este tópico tratando sobre a necessdade de aviso prévio para efetivação da suspensão do serviço de fornecimento de energia elétrica. Neste particular, a própria lei prevê a necessidade de aviso prévio para efetivação da suspensão ou interrupção dos serviços de fornecimento de energia elétrica. Nada obstante, os Tribunais foram instados, em diversos casos, a apontar se a ausência de aviso prévio, mesmo nos casos de inadimplência comprovada, geraria ilegalidade do ato. E não foi outra a posição do STJ senão decretar a ilegalidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica sem que tenha ocorrido o aviso prévio, mesmo ante a existência de débito (REsp 1.306.356).

Asseverada à imprescindibilidade do aviso prévio nos casos de inadimplência, impende pontuar que também é imprescindível em casos de manutenção das instalações ou por razões de ordem técnica, inclusive, sob este tema, a primeira turma do STJ, ao apreciar RESP 1.270.339-SC, decidiu que a divulgação da suspensão no fornecimento de serviço de energia elétrica por meio de emissoras de rádio, dias antes da interrupção, satisfaz a exigência de aviso prévio, prevista no art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95, notadamente, nos casos de interrupção por razões de ordem técnica ou manutenção das instalações.

Sob outro ponto, há de se salientar uma peculiaridade interesante no que tange a condição do consumidor, pois nada obstante ser pacífico o entendimento jurisprudencial acerca da possibilidade de suspensão do fornecimento de enegia elétrica com relação aos consumidores inadimplentes faz-se necessário ressaltar uma especificidade referente aos consumidores inadimplentes em situação de miserabilidade. Nos casos envolvendo pessoas em situação de miserabilidade a interrupção do serviço é absolutamente proibida, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana (STJ, REsp 684442/RS, Rel Ministro Luiz Fux, DJ 05/09/2005).

Outro consumidor que, ainda sendo considerando pela concessionária de energia elétrica como inadimplente, não pode ter os serviços suspensos é aquele que está discutindo o seu débito em processo judicial. Nesta linha, há mais de uma década o STJ firmou pacífica jurisprudência no sentido de que não é possível a suspensão do fornecimento de energia elétrica em razão de débito que está sendo discutido em Juízo (Processo: Ag 697680).

Ultrapassado este ponto, impede destacar o posicionamente jurisprudencial acerca da fraude no medidor de energia. Nestes casos, tendo a apuração se dado de forma unilaretal pela concessionária, a jurisprudência do STJ veda a interrupção do fornecimento dos serviços (AgRg no AREsp 412.849/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10.12.2013). Por outro lado, tendo havido contraditório e ampla defesa, ainda que em processo administrativo, é possível a interrupção do fornecimento de energia elétrica por fraude no medidor.

Ainda no que atine a perpetração de fraude no medidor de energia, é importante salientar a existência de decisões judiciais que apontam ser necessária realização de perícia técnica, efetuada por terceiros, para comprovar a existência de irregularidade no consumo de energia elétrica, vejamos:

Ação declaratória de inexistência de débito com pleito liminar. Energia elétrica. Termo de ocorrência de irregularidade TOI. Declaração de emissão unilateral. Cobrança da altercação feita com base na sazonalidade dos ciclos. Impossibilidade. O TOI – por si só – não é suficiente para comprovar a irregularidade do medidor. Ausência de perícia técnica. Ônus não desvencilhado. A existência de fraude e desvio de energia elétrica no medidor implicam na necessidade da difusão do fato à autoridade policial para periciar o equipamento. Hipótese do artigo 252 do RITJSP. Sentença mantida. Recurso improvido. (TJ-SP – APL: 90001940320088260506 SP 9000194-03.2008.8.26.0506, Relator: Sérgio Rui, Data de Julgamento: 05/06/2014, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/06/2014)

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Ação declaratória de inexistência de débito. Energia elétrica. Termo de ocorrência de irregularidade – TOI. Declaração de emissão unilateral. Cobrança da altercação feita com base na sazonalidade dos ciclos. Impossibilidade. O TOI – por si só – não é suficiente para comprovar a irregularidade do medidor. Ausência de perícia técnica. Ônus não desvencilhado. A existência de fraude e desvio de energia elétrica no medidor implicam na necessidade da difusão do fato à autoridade policial para periciar o equipamento. Hipótese do artigo 252 do RITJSP. Sentença mantida. Recurso improvido. (TJ-SP – APL: 00110444720068260344 SP 0011044-47.2006.8.26.0344, Relator: Sérgio Rui, Data de Julgamento: 13/02/2014, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/03/2014)

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Ação anulatória de cobrança cumulada com danos morais e pleito liminar. Energia elétrica. Termo de ocorrência de irregularidade TOI. Declaração de emissão unilateral. Cobrança da altercação feita com base na sazonalidade dos ciclos. Impossibilidade. O TOI – por si só – não é suficiente para comprovar a irregularidade do medidor. Ausência de perícia técnica. Ônus não desvencilhado. A existência de fraude e desvio de energia elétrica no medidor implicam na necessidade da difusão do fato à autoridade policial para periciar o equipamento. Sentença mantida. Recurso improvido. (TJ-SP – APL: 00028684220088260075 SP 0002868-42.2008.8.26.0075, Relator: Sérgio Rui, Data de Julgamento: 27/02/2014, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/02/2014).

Ademais, além da interrupção do fornecimento de energia elétrica, é possível à concessionária, tendo o consumidor fraudado o medidor de consumo, efetuar a cobrança dos débitos pretéritos, repita-se, desde que observados os princípios do contraditório e ampla defesa.

Verte destacar, inclusive, que o não pagamento do débito referente à recuperação de consumo oriunda de fraude no medidor poderá ensejar a suspensão do fornecimento de energia elétrica, assim como ocorre com o consumidor inadimplente da sua fatura de consumo mensal.

Dentro deste contexto, ao apreciar o Recurso Especial nº 1.412.433 – RS, o STJ fixou a seguinte tese repetitiva:

“Na hipótese de débito estrito de recuperação de consumo efetivo por fraude no aparelho medidor atribuída ao consumidor, desde que apurado em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, é possível o corte administrativo do fornecimento do serviço de energia elétrica, mediante prévio aviso ao consumidor, pelo inadimplemento do consumo recuperado correspondente ao período de 90 (noventa) dias anterior à constatação da fraude, contanto que executado o corte em até 90 (noventa) dias após o vencimento do débito, sem prejuízo do direito de a concessionária utilizar os meios judiciais ordinários de cobrança da dívida, inclusive antecedente aos mencionados 90 (noventa) dias de retroação.”

Na fundamentação deste acórdão, o STJ asseverou a possibilidade de a concessionária de energia elétrica utilizar, como meio de coação extrajudicial ao pagamento de valores pretéritos relativos à recuperação de consumo em razão de fraude no medidor de energia elétrica perpetrada pelo consumidor, a suspensão do fornecimento de energia elétrica, assim como age ante o consumidor inadimplente da fatura de consumo mensal regular.

Note-se, contudo, que esta possibilidade está restrita as hipóteses nas quais não forem pagos os débitos relativos aos últimos noventa dias de apuração da fraude, ainda que o consumidor tenha perpetrado a fraude por período superior e, consequentemente, o débito relativo à recuperação de consumo também se refira a período superior.

Nestes casos, mesmo que a possibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica se restrinja ao débito relativo aos últimos noventa dias de apuração da fraude, caso a fraude tenha se prologando por período pretérito maior, a concessionária poderá efetuar a cobrança judicial do débito, assim como, utilizar as vias administrativas de cobrança, podendo, inclusive, inscrever o consumidor nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, desde que respeitado o prazo prescricional.

Outro importante ponto que o STJ fixou no julgamento do Recurso Especial nº 1.412.433 – RS fora o prazo para suspensão do fornecimento dos serviços de energia elétrica, acaso o consumidor não pague a fatura referente ao período retroativo, equivalente aos últimos noventa dias de apuração da fraude.

Deve-se destacar, todavia, que a possibilidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica relativa à cobrança dos últimos noventa dias de consumo, almoda-se, apenas, aos casos em que for constatada fraude no medidor de energia elétrica. Em sentido oposto, nos casos em que não houver fraude no medidor de energia elétrica, é indevida a suspensão do fornecimento de energia elétrica como forma de coerção para pagamento de débitos pretéritos, coforme entendimento do STJ (AREsp 570.085-AgRg/PE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 06/04/2017).

Retornando a questão da fraude no medidor de energia elétrica, o STJ entende que é possível a suspensão do fornecimento de energia, acaso o consudmidor tenha reconhecido-a, por meio da realização de acordo extrajudicial, contudo, tenha descumprido a avença, posterioremente (REsp 806.985).

Outro ponto que merece destaque é a suspensão do fornecimento dos serviços realizada um dia depois do pagamento da fatura em atraso, sendo considerada pelos Tribunais como indevida, vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL. FUNGIBILIDADE. CONHECIDO COMO RECURSO DE AGRAVO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. IMPOSSIBILIDADE. PAGAMENTO EM ATRASO. ANTERIOR A SUSPENSÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE ARGUMENTO NOVO. RECURSO IMPROVIDO. A UNANIMIDADE. – Decisão terminativa monocrática proferida com base no Art. 557, do CPC, aplicando-se o princípio da fungibilidade, conhecendo do agravo regimental como recurso de agravo. – A ausência de repasse pelo agente arrecadador dos valores adimplidos pela consumidora não exime a responsabilidade da COMPESA. – Em que pese a usuária do serviço estar em situação de inadimplência, efetuou o pagamento devido anteriormente à suspensão. – O corte após o adimplemento extrapola os limites da legalidade. – Presente a falha na prestação do serviço, desnecessária a investigação de culpa, originária do dever de indenizar. – Montante fixado a título de danos morais em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. – Ausência de argumento novo capaz de afastar os fundamentos da decisão terminativa agravada, razão por que há de ser negado provimento ao presente recurso. – Recurso improvido à unanimidade. (TJ-PE – AGR: 2632597 PE 0004173-05.2012.8.17.0000, Relator: Itabira de Brito Filho, Data de Julgamento: 20/03/2012,  1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 58)

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. FORNECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROVA DA OCORRÊNCIA ANTERIOR DE PAGAMENTO, EMBORA COM ATRASO. AUSÊNCIA DE AVISO AO USUÁRIO NOS MOLDES DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE. AFRONTA AO ART. 6º, III, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. HIPÓTESE DE INDEVIDO CORTE NO FORNECIMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO. PROCEDÊNCIA RECONHECIDA. PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA E IMPROVIMENTO AO DA RÉ. 1. A providência da interrupção no fornecimento dos serviços de água e esgoto pela concessionária, em caso de inadimplência do consumidor quanto ao pagamento de prestações atuais, constitui exercício regular de direito, amparado no artigo 6º, § 3º, inciso II, da Lei nº 8.987/95. Entretanto, por gerar consequências sérias, deve ser adotada com extremo cuidado; no caso em exame, a dívida, embora com atraso, foi paga no dia anterior à efetivação da medida, e nem houve a indispensável comunicação formal de que seria realizada. 2. Uma vez irregular a providência, daí advém a responsabilidade da concessionária pela reparação do dano moral daí resultante, que se apresenta inequívoco, cujo montante é fixado em R$ 2.000,00. (TJ-SP – APL: 30060562420138260428 SP 3006056-24.2013.8.26.0428, Relator: Antonio Rigolin, Data de Julgamento: 26/01/2016,  31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/01/2016)

CONSUMIDOR. FORNECIMENTO DE ÁGUA. SUSPENSÃO IRREGULAR. REALIZADO O CORTE UM DIA APÓS O PAGAMENTO DA FATURA. PROCEDIMENTO ILEGÍTIMO. RESTABELECIMENTO APENAS MEDIANTE INGRESSO DE AÇÃO JUDICIAL. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM FIXADO EM PATAMAR MÓDICO, ATENTANDO PARA A EXTENSÃO DOS DANOS E CONTRIBUIÇÃO DO AUTOR, AO QUITAR A FATURA COM ATRASO. PEDIDO A QUE SE JULGA PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSO PROVIDO. (TJ-RS – Recurso Cível: 71003201639 RS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Data de Julgamento: 26/01/2012,  Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/01/2012

Verte destacar ainda, em caso de inadimplência, ser possível a suspensão ou interrupção dos serviços de fornecimento de energia elétrica prestados em prol de pessoa jurídica de direito público, ressalvando-se, entretanto, o interesse da coletividade existente na prestação dos serviços essenciais, notadamente, em razão da supremacia do interesse público sobre o privado. Outro não foi, senão, o entendimento do STJ, vejamos:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. INTERESSE DA COLETIVIDADE. PRESERVAÇÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS. […] 3. ‘A suspensão do serviço de energia elétrica, por empresa concessionária, em razão de inadimplemento de unidades públicas essenciais – hospitais; pronto-socorros; escolas; creches; fontes de abastecimento d’água e iluminação pública; e serviços de segurança pública -, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, despreza o interesse da coletividade’ (EREsp 845.982/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 24/6/2009, DJe 3/8/2009). 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, Segunda Turma, AREsp 543.404-AgRg/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe de 27/02/2015).

O acórdão, cuja ementa fora transcrita acima, traz em seu bojo uma lista dos serviços considerados essenciais, ou seja, aqueles cuja suspensão do fornecimento de energia elétrica é vedada, mesmo ante o inadimplemento das faturas. Segundo o acórdão, os serviços são os prestados por hospitais, prontos-socorros, escolas, creches, fontes de abastecimento de água e iluminação pública, além dos serviços de segurança pública.

Necessário se faz mencionar a Lei 7.783/89, conhecida no meio jurídico como a “Lei de Greve”, mas que também define as atividades essenciais, ou seja, aquelas que representam necessidades inadiáveis da comunidade. Segundo o artigo 10 da Lei 7.783/89, são serviços ou atividades essenciais os seguintes: I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II – assistência médica e hospitalar; III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV – funerários; V – transporte coletivo; VI – captação e tratamento de esgoto e lixo; VII – telecomunicações; VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais; X – controle de tráfego aéreo; XI compensação bancária; XII – atividades médico-periciais relacionadas com o regime geral de previdência social e a assistência social; XIII – atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração de equipes multiprofissionais e interdisciplinares, para fins de reconhecimento de direitos previstos em lei, em especial na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015; XIV – outras prestações médico-periciais da carreira de Perito Médico Federal indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

De acordo com a Lei 7.783/89, mesmo durante a greve, deve ser garantida a prestação a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, ou seja, os previstos em seu artigo 10, acima transcrito.

Nota-se, contudo, que o STJ, para definição das unidades públicas cujo fornecimento de energia elétrica não poderia ser suspenso, mesmo ante o inadimplemento, não adotou o rol de atividades essenciais previsto na “Lei de Greve”.

Outro ponto de extrema relevância que fora pacificado pela jurisprudência diz respeito à natureza jurídica do débito relativo ao consumo energia elétrica. Não raramente, as concessionárias de fornecimento de energia elétrica utilizavam-se da suspensão do fornecimento como forma de coagir o consumidor que passa a ser titular de unidade consumidora por débito do seu proprietário anterior, sob o fundamento de se tratar de dívida “propter rem”.

O STJ, contudo, no julgamento do Resp 1.412.433, asseverou que a dívida é de natureza pessoal, não podendo ser cobrada do consumidor que não era titular do contrato à época do débito, vejamos: “a obrigação de pagar a conta de energia elétrica é de natureza pessoal, e não propter rem, o que impossibilita qualquer tentativa da empresa concessionária de estender o instrumento do corte do serviço para aqueles que sucederem o devedor na titularidade da unidade consumidora”.

Conforme se observa, a jurisprudência acerca da matéria é ampla, pois abundam nos tribunais processos que versam sobre a legalidade ou ilegalidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica. Neste sentido, foram apresentadas neste estudo as decisões judiciais consideradas mais relevantes.

 

CONCLUSÃO

Neste trabalho, em atendimento a sua proposta inicial, foram apresentadas as hipóteses legais de suspensão do fornecimento de energia elétrica por parte da concessionária de serviço público. Assim como, fora apontado para o leitor o entendimento jurisprudencial acerca da matéria.

Da leitura do presente trabalho pôde-se concluir que as possibilidades de a concessionária de serviço público suspender a prestação dos serviços são restritas, haja vista se tratar de serviço público essencial.

Neste sentido, o número restrito de hipóteses nas quais é legal a suspensão do fornecimento de energia elétrica se deve ao fato de o gozo dos serviços públicos essenciais ser intimamente ligado a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da república federativa do Brasil.

Dentro deste contexto, basta analisar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, no que se refere à impossibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica dos consumidores que sobrevivem em estado de miserabilidade, ainda que haja inadimplência no que tange ao pagamento das faturas. Conforme exposto no deste trabalho.

Por fim, impede salientar que por se tratar de estudo que envolve a jurisprudência acerca de determinada matéria, existe grande possibilidade de se tornar defasado, ante a prolação de novas decisões por parte dos tribunais.

 

REFERÊNCIAS

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______. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 05 Setembro 2019.

 

_______. Lei nº 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em 16 Outubro 2019.

 

______.  Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 14 Outubro 2019.

 

______. Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987compilada.htm. Acesso em: 20 Outubro de 2019.

 

______. Lei nº 9.427, de 26 de Dezembro de 1996. Institui a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9427cons.htm. Acesso em: 05 Outubro 2019.

 

______. Lei nº 7.783, de 28 de Junho de 1989. Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7783.htm. Acesso em: 05 Outubro 2019.

 

_______. Resolução Normativa Nº 414, de 9 de Setembro de 2010, Agência Nacional De Energia Elétrica – Aneel. Estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica de forma atualizada e consolidada. Disponível em: http://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren2010414.pdf. Acesso em: 05 Outubro 2019.

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. rev., ampl. e atualizada até 31/12/2009. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

 

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador.JusPODIUM, 2017.

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

 

Filomeno, José Geraldo Brito. Direitos do Consumidor. 15ª ed. rev., atual e ref. São Paulo. Atlas, 2018.

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª edição. São Paulo: Malheiros editores, 2009.

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