Princípio da insignificância: um contraponto entre o direito penal e o direito penal militar à luz da doutrina e jurisprudência

Resumo: Este trabalho aborda o princípio da insignificância: um contraponto entre o direito penal comum e o direito penal militar à luz da doutrina e jurisprudência. São objetivos do estudo buscar identificar a origem do princípio da insignificância em meio a divergências doutrinárias; sua aplicação no direito penal brasileiro com prévio conhecimento da sua previsão legal, natureza jurídica, conceito, requisitos e finalidade, bem como analisar as possibilidades de aplicação do princípio da insignificância na legislação penal militar, e, a partir de então, traçar as similitudes e divergências em relação ao Direito Penal quanto à sua compreensão por parte da doutrina e jurisprudência correlata. Parta tanto, utilizou-se o método de abordagem dedutivo e qualitativo, o método de procedimento através da pesquisa bibliográfica e a técnica de pesquisa doutrinária e jurisprudencial. Pôde-se verificar que o princípio da insignificância tem aplicação extensiva no Direito Penal comum, ao passo que no Direito Penal Militar é visto com muita restrição para alguns tipos de delitos e sem possibilidade de aplicação para outros.

Palavras-chave. Princípio da Insignificância; Direito Penal comum; Direito Penal Militar.

Abstract: This paper deals with the principle of insignificance by drawing a counterpoint between common criminal law and military criminal law in the light of doctrine and jurisprudence. The study aims to identify the origin of the principle of insignificance in the midst of doctrinal divergences; Application of Brazilian criminal law with prior knowledge of its legal prediction, legal nature, concept, requirements and purpose, as well as to analyze the possibilities of applying the principle of insignificance in military criminal law and, from then on, to draw similarities and Divergences in relation to the Criminal Law regarding their understanding by the doctrine and related jurisprudence. Departing so much, the method of deductive and qualitative approach was used, the method of procedure through bibliographical research and the technique of doctrinal and jurisprudential research. It could be verified that the principle of insignificance has extensive application in the Common Criminal Law, whereas in Military Criminal Law is seen with much restriction for some types of crimes and without possibility of application for others.

Keywords. Principle of Insignificance; Common criminal law; Military Criminal Law.

Sumário: Introdução. 1. Origem do princípio da insignificância. 2. O princípio da insignificância no Direito Penal. 2.1 Conceito e requisitos. 2.2 Posicionamento doutrinário quanto à aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal. 2.3 Posicionamento jurisprudencial quanto à aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal.3. O princípio da insignificância no Direito Penal Militar. 3.1 Compreensão doutrinária. 3.2. Entendimento jurisprudencial. Conclusão. Referências

INTRODUÇÃO

A sociedade não é estática e está sujeita a mudanças. Nesse campo, determinadas práticas sociais figuram apenas no campo da etiqueta enquanto outras, de maior relevância social, carecem de um olhar mais aprofundado por parte do Estado. É nessa seara que condutas específicas são tipificadas na legislação penal comum e militar como crimes, com a finalidade de reprimir uma conduta antissocial e servir de exemplo para que outras pessoas se abstenham de pratica-las.

Ocorre que, embora haja ações ou omissões que estão inseridas como crimes nos códigos penal e militar, também é certo que o legislador não teria como prever que em situações bastante peculiares tais condutas demonstram pequeno grau de reprovabilidade. É exatamente nesse aspecto que reside o estudo em comento em relação ao princípio da insignificância. Dessa forma há possibilidade de aplicação desse princípio no Direito Penal Militar?

O estudo dessa temática pode ser justificado diante de inúmeras controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais diante da (in)aplicação do princípio da insignificância ou confusão estabelecida entre este e outros princípios do direito penal, pretendendo-se com essa análise não esgotar o conteúdo, mas melhor balizá-lo para a compreensão e aplicação do princípio de forma correta.

A abordagem em foco buscará identificar a origem do princípio da insignificância em meio a diversas contradições doutrinárias. Para tanto observar-se-á, em um primeiro momento, as teorias que tratam da convivência dos homens entre si, para, posteriormente, demonstrar a importância desse instituto e compreensão do real significado desde o seu nascedouro.

Na sequência será estudado o princípio da insignificância e sua aplicação no direito penal brasileiro. É imperioso verificar, desde logo, a previsão legal, natureza jurídica, conceito, requisitos e finalidade, correlacionando-o com outros princípios, contudo, distinguindo-o do princípio da irrelevância penal do fato. Assim, utilizar-se entendimentos doutrinários mais balizados bem como jurisprudências recentes sobre a temática.

De igual forma será estudado o princípio da insignificância na legislação penal militar, e, a partir de então, traçar as similitudes e divergências quanto à sua compreensão por parte da doutrina e jurisprudência correlata, identificando quais crimes tem aceitabilidade ou reprovabilidade quanto à sua aplicação.

Parta tanto, utilizar-se-á o método de abordagem dedutivo, o método de procedimento através da pesquisa bibliográfica e, ainda, a técnica de pesquisa doutrinária e jurisprudencial.

Consequentemente, espera-se que essa abordagem sobre o tema possa fazer com que haja uma melhor compreensão em relação ao princípio da insignificância aplicado no campo específico do Direito Penal Militar e, a partir de então, observar que não se espera encontrar nesse princípio uma fuga à lei, mas tão somente, demonstrar que algumas ações não devem envolver todo o aparato judicial para apuração de um crime insignificante.

1 ORIGEM DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Os homens são seres sociáveis e criados para viverem em comunidade. Não se concebe, nos tempos modernos, que as pessoas vivam isoladas umas das outras em condições de normalidade. O compartilhamento de ações, ideias, ideais, sonhos, frustrações, esperança, desesperança, tristeza, alegria e toda variedade de adjetivos e condutas são integrantes da vida humana.

A possibilidade de vivência harmoniosa entre os seres humanos é explicada por meio de duas teorias: a da sociedade natural e a da agrupação. A primeira ensina que a convivência é da própria natureza do homem.

A informação mais antiga que se tem acerca da sociabilidade do homem enquanto ato natural está com os ensinamentos de Aristóteles, no século IV a.C quando afirmou que o homem é naturalmente um animal. São seguidores e adeptos dessa teoria Cícero e São Tomás de Aquino. Entretanto existem três exceções para vida em sociedade: Excellentia naturae, nos casos em que o indivíduo busca o isolamento para uma comunhão com a própria divindade; corruptio naturae, nos casos de anormalidades mentais ou, ainda, malafortuna , quando em decorrência de algum acidente ou desastre o indivíduos não tivesse possibilidades de retornar ao convívio social obrigando-o ao isolamento. (DALARI, 1998, p. 08).

Já a segunda teoria afirma que a convivência é ato de escolha em face do livre arbítrio de cada indivíduo. Seus adeptos, dentre eles Platão e Thomas Hobes foram considerados contratualistas, por afirmarem que a sociedade surgiu por livre escolha humana, diante da celebração de um contrato hipotético entre aqueles que decidem viver em sociedade. Tal compreensão teórica é factível na obra Leviatã, publicada em 1961, de Thomas Hobbes, como sendo a primeira sistematização da sociedade contratualista.

Para Thomas Hobbes o ‘estado de natureza’ era vivido pelos homens em uma vida primitiva, desordenada, e, com o aparecimento do Estado grave censura e reprimenda. Tais ocorrências viabilizaram a celebração de contratos com a finalidade de pôr fim ao estado de medo em que viviam e antes que se iniciassem agressões recíprocas. (DALARI, 1998, p. 9).

A vida em sociedade fez nascer a necessidade de instrumentos que permitissem aos homens viverem em harmonia. Assim, surge o Direito. Para Reale (2007, p. 02) “O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das características da realidade jurídica é, como se vê, a sua socialidade, a sua qualidade de ser social”. Desta forma, tem por fim resolver conflitos havidos entre os litigantes para que possam conviver de forma pacífica.

A paz, ordem social e o bem comum são essenciais à sociedade e se instrumentalizam através da criação de um organismo responsável para tanto. A regência e harmonia desses valores somente poderão se concretizar por meio do Direito, indispensável a existência com um mínimo de tolerância (NADER, 2011, p. 19).

O estudo em foco não vislumbra esmiuçar o desenvolvimento do direito, mas tão somente, nesse aspecto, esboçar que o mesmo passou por fases distintas. Assim, desde a sociedade pré-histórica à moderna, o direito passou por grande evolução adaptando-se as realidade sociais quer seja por meio de uma legislação ou respeitadas as condicionantes do direito consuetudinário que se põe acima de um ritualismo e formalismo.

Wolkmer (2006, p. 28) salienta que: “Pode-se ilustrar a transição das formas arcaicas de sociedade para as primeiras civilizações da Antigüidade mediante três fatores históricos: (l) o surgimento das cidades; (2) a invenção e domínio da escrita e (3) o advento do comércio e, numa etapa posterior, da moeda metálica”.

Com o direito surgem ramificações, público e privado, bem como diversas disciplinas específicas com finalidades distintas. Nesse ótica surge o direito penal e, por conseguinte, o direito penal militar com diversas semelhanças, mas também muitas diferenças que podem ser analisadas à luz dos princípios.

Silva (2011, p. 29) conceitua os princípios como sendo “mandamentos nucleares e fundamentais de um sistema. Na seara jurídica significam a base fundamental do ordenamento normativo, atuando como critérios de direção na elaboração e aplicação das outras normas jurídicas”. A normatividade pode ser estudada tomando-se com referência três correntes jusfilosóficas: jusnaturalista, positivista e pós-positivista.

No direito brasileiro a possibilidade de utilização dos princípios está prevista de forma expressa no artigo 4º, caput, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, in verbis, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Todavia, os princípios não tiveram seu nascedouro no Brasil, como no caso do princípio da insignificância.

A origem desse princípio diverge na doutrina, contudo para Greco (2011, p. 99): “Em que pese haver divergência doutrinária quanto às origens do princípio da insignificância, pois que Diomar Akel Filho aduz que ‘o princípio já vigorava no Direito romano, onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no brocárdio mínima non curat praetor’.”

Já para Bitencourt (2009, p. 108) “o princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema Del Derecho Penal, partindo do velho adágio latino mínima non curat praetor”.

De fato esse princípio foi idealizado por Claus Roxim na década de 60 ao entender que determinadas condutas eram minimamente ofensivas e que por esse motivo não deveriam ocupar o Direito Penal e toda a estrutura administrativa, destacando que não há crime sem dano relevante ao bem jurídico. (NEVES e STREIFINGER, 2005, p. 41)

2 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL

2.1. Conceito e Requisitos

Os princípios são normas gerais que orientam a aplicação e elaboração da lei, com o escopo de que normas abstratas sejam empregadas e notadas como uma forma de aplicação da justiça. Os princípios são, pois, mandamentos de otimização, posto que são normas que ordenam a realização de algum acontecimento conforme arcabouço jurídico existente (ALEXY, 2008, p. 90).

Observa-se, ainda que princípios e regras são diferentes. Alexy (2008, p. 103-104) descreve que “[…] Princípios exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Nesse sentido, eles não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie” concluindo que “O caso das regras é totalmente diverso”, posto que “Como as regras exigem que seja feito exatamente o que elas ordenam, elas têm uma determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas”.

Nader (2011, p. 200) afirma que “na vida do Direito os princípios são importante em duas fases principais: na elaboração das leis e na aplicação do Direito, pelo preenchimento das lacunas da lei”. Isso traz aos princípios grande importância vez que o legislador está elaborando um texto normativo, quanto o jurista está aplicando esta norma abstrata ao caso concreto.

Para Reale (2002, p. 303): “Restringindo-nos ao aspecto lógico da questão, podemos dizer que os princípios são “verdades fundantes” de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades de pesquisas e da práxis.”

Existem princípios explícitos e implícitos no ordenamento jurídico brasileiro, neste último caso o princípio da insignificância que tem elevada incidência de aplicação no campo do direito penal, quando alguns bens jurídicos, embora tutelados juridicamente, não proporcionam punibilidade ao agente, ocasião em que não surte efeito positivo na órbita jurídica e social.

Para Greco (2009, p. 65): “Além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeição a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa adequação, isto é, para que a conduta do agente se amolde com perfeição ao tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo objeto de proteção”.

A legislação busca, por meio da legislação penal, impor condutas negativas as pessoas de forma que se abstenham de praticar condutas que são tipificadas como crime, portanto, condutas com tipicidade material. Todavia, é impossível que o legislador preveja todos os tipos de transgressões em meio as suas especificidades, razão pela qual, determinadas condutas sem relevância jurídica e social, embora sejam catalogadas como crime, não devem ser punidas.

O princípio da insignificância tem em sua nomenclatura o ideal que se busca dentro do direito penal, já que sua natureza fragmentária persegue a proteção jurídica extremamente necessária, não devendo ocupar o Poder Judiciário e toda uma estrutura física e de pessoal com casos de bagatela. (TOLEDO, 1998, p. 133).

Entretanto, O princípio em discussão não deve ser aplicado indistintamente e sem qualquer responsabilidade como destaca Prado (2008, p. 147): “De qualquer modo, a restrição típica decorrente da aplicação do princípio da insignificância não deve operar com total falta de critério, ou derivar de interpretação meramente subjetiva do julgador, mas ao contrário há de ser resultado de uma análise acurada do caso em exame, com o emprego de um ou mais vetores – v.g, valoração sócio-econômica média existente em determinada sociedade – tidos como necessários à determinação do conteúdo da insignificância. Isso do modo mais coerente e equitativo possível, com o intuito de afastar eventual lesão ao princípio da segurança jurídica.”

Corroborando com o entendimento anterior pode-se observar que existem requisitos essenciais para concretização do princípio da insignificância por meio da relevância da tipicidade penal. É o caso da mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade de comportamento; e, a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Esses balizamentos devem ser observados para que o Poder Judiciário só intervenha em situações que sejam suficientemente necessárias

É dessa forma que caminha a jurisprudência do STJ tem decidido. É o caso do agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus n. 32.220/RS, julgado pelo STJ, in verbis:

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Considerando-se a inexistência de lesão ao meio ambiente (fauna aquática), tendo em vista a quantidade ínfima de pescado apreendido com o acusado, deve ser reconhecida a atipicidade material da conduta. 3. Agravo regimental improvido”. (AgRg no RHC 32.220⁄RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 04⁄10⁄2012, DJe 15⁄10⁄2012) (BRASIL, 2012) 

A decisão do Ministro Jorge Mussi é referência para identificação dos requisitos que deve ter o princípio da insignificância, o que, no caso do exemplo foi reconhecido a atipicidade material da conduta do agente.

2.2 Posicionamento doutrinário quanto à aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal.

No Direito Penal brasileiro o princípio da insignificância não tem aplicação absoluta, havendo divergências doutrinárias quanto a sua utilização, contudo, é factível que a maior parte da doutrina considera possível e plausível sua utilização.

 Na doutrina o tema ainda é pouco discutido o que dificulta o estudo da aplicação do princípio aos crimes ambientais. No entanto, podemos observar que existe dissensão entre os autores que já se posicionaram sobre o assunto.

No que toca ao direito penal ambiental, Silva (2006, p. 383) posiciona-se contrariamente à aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais, como podemos observar abaixo: “Por mais que possa parecer um exagera a realidade é límpida, clara e implacável: é com o somatório das insignificâncias que se elimina por completo a existência de toda uma espécie de animal. A ilegalidade que parece pequena e aceitável é a semente para o desaparecimento completo do bem ambiental juridicamente tutelado. A aplicação da legislação penal ambiental deve ser rigorosa, desde o pequeno delito até aqueles que mais impressionam a opinião pública”.

O entendimento transcrito é no sentido de que todos os delitos ambientais devem ser punidos, independente do grau de reprovabilidade ou aparência de insignificação já que um crime cometido em desfavor do meio ambiente também é um ato lesivo contra toda a sociedade o que muitas vezes pode gerar danos irreversíveis.

Por outro lado Barros (2008, p. 244) se posiciona de maneira favorável quanto à aplicação desse princípio: “O dano ambiental para merecer a coerção administrativa necessita produzir certa gravidade ao meio ambiente. Aqui, como no direito penal, a lesão ambiental de pequena gravidade caracteriza infração atípica e por isso mesmo não deve ser penalizada. Trata-se de aplicação do princípio da insignificância, de lesão mínima ou de bagatela”.

Nesse outro entendimento compreende-se que o crime ambiental, da mesma forma que no código penal, só deve ser punido quando sua lesão é realmente significante não merecendo penalização por ser considerada uma espécie de infração atípica.

Para Bonfim e Capez (2004, p. 121-122): “Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância […] não tem previsão legal no direito brasileiro […], sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil minimis non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico”.

2.3 Posicionamento jurisprudencial quanto à aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal

A jurisprudência, semelhante ao que acontece na doutrina, ainda possui posicionamento divergentes, sendo que em alguns julgados o princípio da insignificância é aplicado em outros é afastado por entender que o meio ambiente é bem essencial à sadia qualidade de vida de todos, devendo ser protegido independente do tamanho da lesão. Afirmam ainda que a junção de pequenas lesões resulte em um grande dano ao meio ambiente e consequentemente irreparável, devendo todos os crimes ambientais ser punido penalmente.

O entendimento do STF pode ser observado de acordo com o Habeas Corpus nº 84.412/SP:

“PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – "RES FURTIVA" NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL . – O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR" . – O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (STF – HC: 84412SP, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 19/10/2004, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 19-11-2004 PP-00037 EMENT VOL-02173-02 PP-00229 RT v. 94, n. 834, 2005, p. 477-481 RTJ VOL-00192-03 PP-00963) (BRASIL, 2004)

O Supremo Tribunal Federal assim como o Superior Tribunal de Justiça, vêm se posicionando favoravelmente ao princípio em exame, o que resulta que a depender do caso concreto tal teoria será ou não aplicada.

O STJ inclusive em alguns dos seus julgados vem fundamentando seu posicionamento, in verbis:

“HABEAS CORPUS. FURTO. 1 BICHO DE PELÚCIA, UMA ALMOFADA DE PELÚCIA E DOIS CHAVEIROS. CRIME DE BAGATELA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, TODAVIA, PARA, APLICANDO O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, DECLARAR ATÍPICA A CONDUTA PRATICADA, COM O CONSEQUENTE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado. 2. Verificada a excludente de aplicação da pena, por motivo de política criminal, é imprescindível que a sua aplicação se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a ausência total de periculosidade social da ação; (c) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.2004). 3. Tem-se que o valor dos bens furtados pelo paciente, além de ser ínfimo, não afetou de forma expressiva o patrimônio da vítima, razão pela qual incide na espécie o princípio da insignificância, reconhecendo-se a inexistência do crime de furto pela exclusão da tipicidade material. 4. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 5. Ordem concedida para, aplicando o princípio da insignificância, declarar atípica a conduta praticada, com o consequente trancamento da Ação Penal”. (STJ – HC: 192534 SP 2010/0225626-7, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 07/04/2011, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/04/2011) (BRASIL, 2011)

Pode-se concluir que tanto o STF quanto o STJ compreendem que o princípio da insignificância, quando respeitados os seus requisitos, é perfeitamente aplicado, pois o direito penal ambiental, assim como o direito penal geral, não deve ser utilizado para discutir matérias de pouca reprovação ou pequena lesão, tendo em vista a grande quantidade de altercação que está aguardando a análise dos referidos Tribunais. Deve ser lembrado que, apesar de o princípio da insignificância transformar um fato típico em atípico não impede que haja legislações extrapenais que qualifiquem tal ato como ilícito civil, administrativo etc. Logo, o agente da conduta poderá ser agraciado pelos resultados da aplicação do princípio da insignificância e, ainda assim, receber alguma sanção pela legislação extrapenal vigente.

Em relação à aplicação do Princípio da Insignificância pode-se observar que estando caracterizada a insignificância do dano causado a outrem poderá ser extinta a punibilidade. Nesse caso, o ressarcimento do dano de pequena monta extingue a incidência da punibilidade.

3 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL MILITAR

O conceito, requisitos, previsão legal, natureza jurídica e finalidade do princípio da insignificância no Direito Penal Militar segue as mesmas disposições do Direito Penal já analisados no tópico anterior. Assim, objetiva-se a partir de então verificar o entendimento doutrinário e jurisprudencial quanto à aplicação desse princípio observando suas semelhanças e divergências em relação ao Direito Penal.

Quanto ao aspecto da discussão doutrinária e jurisprudencial não se pretende, neste trabalho, analisar todos os crimes militares que já foram objeto de apreciação da justiça Castrense, mas sim, identificar algumas situações para que se trace um parâmetro entre a Justiça Comum e a Justiça Militar.

3.1 Compreensão doutrinária

A doutrina penalista e processualista militar têm compreensões diversas quanto à aplicação desse princípio.

Neves e Streínfiger (2005, p. 41) compreendem que: “se o incorporarmos ao Direito Castrense, estaremos dotando o aplicador da lei de um poder que não lhe cabe, ou seja, o de legislar. Ademais, fomentaríamos o esquecimento da regularidade das instituições militares, de acordo com o que já sustentamos ao tratar do principio da intervenção mínima, incentivando a falência da prevenção geral positiva”.

Essa compreensão se dá porque o Princípio da Insignificância na Justiça Militar é relativizado, não ficando adstrito aos requisitos jurisprudenciais da Justiça Comum, ocasião em que o juiz pode aplicar tal princípio nas situações em que a legislação permite essa discricionariedade para o magistrado invocar a bagatela. (NEVES e STREINFINGER, 2005, p. 43)

Todavia, não é porque se tem restrição em relação a esse princípio que o Direito Penal Militar não o utiliza ou mesmo que não tenha entendimento do STM. O Código Penal Militar é uma legislação severa e inflexível até certo ponto, já que abre espaço para aplicação desse princípio.

Pode-se observar a aplicação do mesmo diante de lesões levíssimas. O Código Penal Militar anui em seu artigo 209 a lesão corporal de natureza leve estabelece pena de detenção de três meses a um ano. O § 6º do mesmo dispositivo, que trata da lesão corporal levíssima – instituto inexiste no direito penal comum – descreve que “No caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como disciplinar”, isto é, não haverá aplicação de pena pelo magistrado.

Os crimes de lesão corporal de natureza levíssima podem sofrer desclassificação pelo juiz para mera infração disciplinar o que é bastante conhecido dentro da vivência militar. Nesse caso, o juiz poupa o acusado do encargo de um processo por considerar a conduta do agente como um fato de pequena monta. (CHAVES JÚNIOR, 1994, p. 16)

Ao desconsiderar a infração, o magistrado está absolvendo o acusado por considerar tal crime como infração disciplinar. O processo será remetido para uma instância administrativa que é distinta e independente da esfera judicial, motivo pelo qual o acusado pode sofrer ou não punição disciplinar, e, em caso negativo, não haverá qualquer reprimenda por uma conduta que inicialmente era considerada por crime. O juiz poderá absolver o acusado pelo princípio da insignificância, mas não considerar tal fato como infração disciplinar (ASSIS, 2011, p. 456)

Por outro lado há consenso de que não há possibilidade de se permitir a aplicação do Princípio da Insignificância nos crimes de posse e uso de substâncias entorpecentes.

O art. 290 estabelece que: “Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacôrdo com determinação legal ou regulamentar”.

Esses tipos de crimes que estabelecem pena de reclusão de até 5 anos ocorrem contra a saúde, motivo pelo qual, mesmo tratando-se de pequena quantidade de entorpecente o crime se configura, pois o que se busca tutelar é a disciplina militar que sempre será atingida quando o militar traz consigo essas substâncias para o interior do espaço militar sem autorização do superior legal.

O furto, dependendo da quantidade e do valor, pode ensejar aplicação do princípio da insignificância na Justiça Comum, entretanto, na Justiça Castrense tal aplicação não é pacífica.

A Instituição militar tem como primado a hierarquia e a disciplina. Associe-se a isso a ética e a moral, os militares tem a obrigação quanto ao cumprimento da ordem imposta, não manifestamente ilegal, bem como o dever de proteger a pátria e preservar a ordem pública muito mais do que os cidadãos não militares. (ASSIS, 2011, p. 639)

O art. 240 do CPM estabelece que “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, até seis anos. § 1º Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país”.

O dispositivo em comento trata da res furtiva quando o agente é primário e a coisa furtada é de pequeno valor que corresponde, em um critério objetivo, a um décimo do maior salário mínimo vigente no país. Utilizando-se o salário mínimo vigente nacionalmente unificado como parâmetro, tem-se que furto de algum objeto até o valor de R$ 88,00 (oitenta e oito reais) considerar a infração como disciplinar e deixar de aplicar a pena, dentro do mesmo entendimento da lesão corporal de natureza levíssima.

O § 2º do art. 240 descreve que “A atenuação do parágrafo anterior é igualmente aplicável no caso em que o criminoso, sendo primário, restitui a coisa ao seu dono ou repara o dano causado, antes de instaurada a ação penal”. Nesse caso também se chega ao entendimento de que pode haver substituição da pena de reclusão ou detenção pela infração disciplinar.

Já os crimes contra a Administração Militar visa-se proteger o funcionamento da administração pública militar, tal qual ocorre nas disposições do Código Penal comum. Em relação a esses tipos de crimes nem a doutrina ou a jurisprudência entendem ser possível a aplicação do princípio da insignificância. É o caso do crime de peculato previsto no art. 303, concussão no 305 e 316, corrupção passiva no art. 308 e 317, todos do CPM.

Verifica-se, portanto, que as possibilidades de aplicação do princípio da insignificância no âmbito da Justiça Penal Militar ocorre de forma bastante restritiva se comparada com a Justiça Penal Comum. À título exemplificativo, seguem algumas jurisprudências do STM para corroborar com esse direcionamento.

3.2 Entendimento jurisprudencial

O Superior Tribunal Militar possui inúmeras decisões que afastam a incidência do princípio da insignificância considerando como crimes essas condutas específicas nesse ramo de direito apoiando-se no entendimento de que a aceitação da insignificância nos crimes de natureza militar trazem graves prejuízos.

Em um caso concreto que o autor pretendia desclassificação do crime de lesão corporal leve para levíssima, previsto no § 6º do art. 209 do CPM, o TJMMG decidiu:

“CRIME DE LESÃO CORPORAL – LESÃO CONTUSA NA REGIÃO OCCIPTO-PARIETAL COM CORTE DE 4 CM – IMPOSSIBILIDADE DE CONSIDERAR-SE LESÃO LEVÍSSIMA E DESCLASSIFICAÇÃO PARA TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR, NOS TERMOS DO ART. 209, § 6º, DO CPM – IMPOSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO PELA PRESCRIÇÃO EXECUTÓRIA RETROATIVA, NOS TERMOS DO ART. 439, LETRA “F” DO CPPM.

O Código Penal Militar não define o que venha a ser lesão levíssima, conceito que ficará, pois, em cada caso concreto, ao critério subjetivo do juiz, dentro de seu convencimento pessoal e, sobretudo, igualmente dentro do princípio da razoabilidade.” […](TJMMG – Apelação nº 2.358 – Relator: Juiz Cel PM Jair Cançado Coutinho – Pub.: 31/05/2005) (grifamos)

Há, todavia, entendimento de desclassificação de para lesão levíssima com o reconhecimento de transgressão disciplinar. Veja-se o Julgado do Tribunal de Justiça Militar no Rio Grande do Sul:

“Não há delito de lesão corporal inclusive na forma tentada, quando o auto de corpo de delito, na vítima, é negativo, mesmo que o agente tenha reconhecido que usara o bastão policial em revide à agressão sofrida. Pequenos hematomas e escoriações orbitárias da vítima, provocados por um soco, são lesões levíssimas, devendo o fato ser considerado como transgressão disciplinar, na forma do § 6º do art. 209 do COM” (TJM/RS – Ap. 2.383/90 – Rel. Juiz Cel. Antônio Cláudio Barcellos de Abreu – Acórdão de 17.10.1990) (ASSIS, 2011 p. 457)

Ainda em relação a lesões levíssimas também existem jurisprudências de com sentença de absolvição com fulcro no art. 439, alínea “b” e “e” do CPPM. Há ainda acórdão com reconhecimento de caso fortuito (ASSIS, 2011, p. 457). Já em relação a jurisprudência com o reconhecimento do princípio da insignificância segue uma decisão do STM:

“Ementa: LESÃO CORPORAL LEVÍSSIMA. ARTIGO 209, § 6º, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. Caracteriza-se como levíssima a lesão que não deixa seqüela no ofendido, devendo aplicar-se o princípio da insignificância. Em se aplicando o § 6º do art. 209 do CPM, considerar-se-á a infração como disciplinar. Embora o acusado não pertença mais ao serviço ativo da aeronáutica, o tempo de nove dias que ficou preso é suficiente para considerar reparado administrativamente o dano causado. Apelo Ministerial improvido. Decisão Unânime.” (STM – Apelfo: 49822 PA 2004.01.049822-2, Relator: OLYMPIO PEREIRA DA SILVA JUNIOR, Data de Julgamento: 04/10/2005, Data de Publicação: Data da Publicação: 01/12/2005 Vol: Veículo: DJ) (BRASIL, 2005)

Em relação ao uso de entorpecente, o STF, embora com decisões divergentes, aceita a aplicação do princípio da insignificância, ao passo que o STM não. Veja-se o julgado:

“SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. POSSE E CONSUMO NO INTERIOR DE QUARTEL. PRINCÍPIOS DA BAGATELA OU DA INSIGNIFICÂNCIA. LEI Nº 11. 343/2006 PRELIMINAR. INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 11. 343/2006 não revogou expressamente o artigo 290 do Código Penal Militar. Quisesse o legislador alterar qualquer regra do Código Penal Militar, o teria feito no artigo 75, quando determinou a revogação de outras leis. Preliminar rejeitada. Comete crime tipificado no art. 290 do CPM o militar que traz consigo, no interior do quartel, substância entorpecente conhecida vulgarmente como maconha. O fato relacionado à pequena quantidade da substância (maconha) apreendida em poder do Acusado não descaracteriza o delito, por aplicação dos princípios da bagatela ou da insignificância. Precedentes majoritários da Corte. Preliminar de aplicabilidade da lei nº 11. 343/2006 rejeitada por decisão unânime. No mérito provido o Apelo Ministerial, por Decisão majoritária”. (STM – Apelfo: 51170 RJ 2008.01.051170-9, Relator: FLAVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH, Data de Julgamento: 08/09/2009, Data de Publicação: 09/11/2009 Vol: Veículo:) (BRASIL, 2009)

Em outra decisão:

“APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. TRÁFICO, POSSE OU USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM LOCAL SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PEQUENA QUANTIDADE DA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA, MATERIALIDADE E CULPABILIDADE COMPROVADAS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. UNANIMIDADE. O Princípio da Insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: "(i) mínima ofensividade da conduta do agente, (ii) nenhuma periculosidade social da ação, (iii) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada". No contexto da conduta de tráfico, posse ou uso de substância entorpecente em local sujeito à Administração Militar, os citados requisitos devem ser analisados sob o prisma da preservação dos princípios da hierarquia e da disciplina militares. Tratando-se de crime de perigo abstrato, para a configuração do tipo penal militar de tráfico, posse ou uso de substância entorpecente não se faz necessária a comprovação de resultado lesivo, haja vista que em ambiente militar a potencial lesividade da substância entorpecente é bastante para incriminar o seu possuidor, bastando, para tanto, que o agente pratique qualquer das figuras nucleares do tipo penal em apreço, sem a necessidade de efetiva comprovação da existência de qualquer lesão ou ameaça de lesão ao bem juridicamente tutelado pela norma penal, in casu, a saúde pública. Além disso, consideradas as particularidades da carreira das armas, a conduta, além de absolutamente reprovável, possui elevado grau de ofensividade e periculosidade, representando grave violação ao bem jurídico tutelado pela norma penal descrita no art. 290 do CPM, não sendo possível apreciá-la na esfera administrativa. Comprovadas a autoria, a materialidade e a culpabilidade na conduta do Réu, impõe-se a sua condenação. Negado provimento ao Apelo defensivo. Unanimidade.” (STM – AP: 00000890920157030103 RS, Relator: Cleonilson Nicácio Silva, Data de Julgamento: 03/11/2016, Data de Publicação: Data da Publicação: 25/11/2016 Vol: Veículo: DJE) (BRASIL, 2016)

Em uma situação, o STF confirma o entendimento do STM. Veja-se:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. POSSE DE REDUZIDA QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM RECINTO SOB ADMINISTRAÇÃO CASTRENSE. INAPLICABILIDADE DO POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA DA LEI CIVIL Nº 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. ESPECIALIDADE DA LEGISLAÇÃO PENAL CASTRENSE. ORDEM DENEGADA. 1. A questão da posse de entorpecente por militar em recinto castrense não é de quantidade, nem mesmo do tipo de droga que se conseguiu apreender. O problema é de qualidade da relação jurídica entre o particularizado portador da substância entorpecente e a instituição castrense de que ele fazia parte, no instante em que flagrado com a posse da droga em pleno recinto sob administração militar. 2. A tipologia de relação jurídica que se instaura no ambiente castrense é incompatível com a figura própria da insignificância penal, pois, independentemente da quantidade ou mesmo da espécie de entorpecente sob a posse do agente, o certo é que não cabe distinguir entre adequação apenas formal e adequação real da conduta ao tipo penal incriminador. É de se pré-excluir, portanto, a conduta do paciente das coordenadas mentais que subjazem à própria tese da insignificância penal. Pré-exclusão que se impõe pela elementar consideração de que uso de drogas e o dever militar são como água e óleo: não se misturam.” (STF – HC: 104923 RJ, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 26/10/2010, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-027 DIVULG 09-02-2011 PUBLIC 10-02-2011 EMENT VOL-02461-02 PP-00359) (BRASIL, 2010)

No julgamento do HC 81.734/PR, o relator do Supremo Tribunal Federal, Ministro Sydney Sanches, decidiu da seguinte forma: “O uso de entorpecentes por um soldado, que se utiliza de armas e explosivos para treinamento e vigilância, pode causar danos irreparáveis a si, a seus colegas de farda e à própria unidade onde serve. A circunstância de ser mínima a quantidade de droga em poder do acusado não exclui o risco de dano à vida militar”. (BRASIL, 2002)

Em decisão da 2ª Turma do STF observou-se que:

“Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.Com relação à aplicabilidade do princípio da insignificância em delitos relacionados a entorpecentes, registro que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que, mesmo nos casos em que a quantidade de droga apreendida é reduzida, não se aplicaria o princípio da insignificância. Nesse ponto, arrolo os seguintes precedentes:"1. Princípio da insignificância e tráfico de entorpecentes. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que não se aplica o princípio da insignificância ao delito de tráfico de entorpecentes: precedentes. De qualquer sorte, as circunstâncias do caso, especialmente se considerada a espécie da substância apreendida e a forma como estava acondicionada, não convencem de que o fato pudesse ser considerado penalmente insignificante […] Sem o interesse de vincular a análise do caso concreto (HC no 87.319/PE, Rel. Min. Março Aurélio, Primeira Turma, unânime, DJ 15.12.2006) ora em apreço à tese firmada pelos precedentes acima transcritos, quanto a esse ponto, não vislumbro, de plano, os elementos para o deferimento da medida liminar.[…]” (STF – HC: 91356 SP, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 28/06/2007, Data de Publicação: DJ 01/08/2007 PP-00079) (BRASIL, 2007)

Porém, em outra decisão da 2ª Turma do STF tem-se a aplicação do princípio da insignificância, in verbis:

“HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando fumava um cigarro de maconha e tinha consigo outros três. 2. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância. 4. A Lei n. 11.343/2006 — nova Lei de Drogas — veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas. 5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III). 7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em vez de apenar — Lei n. 11.343/2006 — possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta. 8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar. 9. A aplicação do princípio da insignificância no caso se impõe, a uma, porque presentes seus requisitos, de natureza objetiva; a duas, em virtude da dignidade da pessoa humana. Ordem concedida.” (STF – HC: 92961 SP, Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 11/12/2007, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-031 DIVULG 21-02-2008 PUBLIC 22-02-2008 EMENT VOL-02308-05 PP-00925 RTJ VOL-00205-01 PP-00372 LEXSTF v. 30, n. 356, 2008, p. 440-449) (BRASIL, 2007)

Nas decisões do STM percebe-se a preocupação com os delitos de posse ou uso de entorpecente, posto que os delitos de tal natureza, embora de pequena monta, são capazes de trazer grave prejuízo a administração militar e aos demais profissionais que estão no ambiente da caserna.

Por outro lado, se pode encontrar no STF em que se permite a aplicação desse princípio, especialmente porque não poderia discriminar o militar e o civil concedendo o direito a um e a outro não em situações semelhantes (ASSIS, 2011, p. 644)

A análise do princípio da insignificância à luz da doutrina e da jurisprudência constatou a discrepância para aplicação desse princípio entre o STM e o STF nos crimes estudados de lesão corporal levíssima e uso e posse de entorpecentes no interior do espaço de Organização Militar. Dessa forma, chega-se ao entendimento de que o Código Penal Comum é mais maleável quanto à aplicação do princípio da insignificância, ao passo que o Código Penal Militar possui diversas limitações quanto a esse princípio, especialmente nos crimes que envolvam entorpecentes mesmo com pequena quantidade o que só beneficia o acusado em relação ao quantum da pena aplicada.

CONCLUSÃO

Em face de inúmeras controvérsias na doutrina e jurisprudência, o trabalho em foco objetivou responde ao seguinte questionamento: é possível aplicar o princípio da insignificância no Direito Penal Militar? Buscou-se responder a esse questionamento estudando-se, em um primeiro momento, concretizar o alcance do primeiro objetivo: compreender a origem histórica desse princípio por meio das Teorias que tratam da convivência entre os homens observando-se que os seres humanos têm relações entre si, independentemente da forma como desejam viver e do local onde pretendam habitar. E, em face de tais relacionamentos, ocorrem crimes que são tutelados pela proteção estatal.

Por tratar-se de um princípio, o segundo objetivo específico foi realizar uma diferenciação entre princípios e regras a partir da Teoria de Robert Alexy, com a finalidade de uma melhor compreensão do objeto de estudo. Chegou-se a compreensão de que a insignificância só tem reconhecimento diante da fragmentação da proteção jurídica, quando não se pretende ocupar o judiciário com questões de bagatela. Assim, a aplicação desse princípio não é feita de maneira indistinta e irresponsável, mas com a observância de determinados requisitos.

A legislação não estabelece aplicação do princípio da insignificância. Dessa forma, o estudo se deteve em uma abordagem doutrinária e jurisprudencial para sua compreensão e alcance. Dessa forma, a jurisprudência do STF inaugurou esse princípio ao listar a observância dos requisitos com a mínima ofensividade da conduta do agentes, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

O último objetivo desse trabalho foi analisar as possibilidades de aplicação do princípio da insignificância na legislação penal militar, especialmente quanto aos crimes de lesão corporal levíssima e posse e uso de entorpecentes, e, a partir de então, traçar as similitudes e divergências em relação ao Direito Penal quanto à sua compreensão por parte da doutrina e jurisprudência correlata. Viu-se que a doutrina penalista e processualista comum é unânime quanto a utilização desse princípio da insignificância. Já a doutrina penalista e processualista militar também é uníssona em não acatar esse princípio.

Quanto à jurisprudência, apesar de que o STF tem entendimento pacífico para utilização desse princípio no Direito Penal Comum, com ressalvas no Direito Penal Militar, o mesmo não se pode dizer que há aplicação incontroversa na legislação penal militar por parte do STM. Para tanto, estudou-se dois crimes na legislação penal militar como forma de se chegar a esse entendimento. O primeiro foi o crime de lesão corporal levíssima previsto no § 6º do art. 209 do CPM. Viu-se que o STM entende, via de regra, que a desclassificação do crime de lesão corporal de natureza leve para levíssima não implica necessariamente no reconhecimento da insignificância, e sim, na absolvição do acusado com fundamento no art. 439 alíneas “b” e “e” do CPPM. Entretanto, também pôde-se constatar que o STM reconheceu esse princípio em um caso de desclassificação de lesão corporal leve para lesão levíssima e considerou o fato cometido como infração disciplinar, absolvendo o réu.

Por fim, percebeu-se que o objetivo geral desse trabalho foi atendido, vez que embora haja divergência quanto à aplicação desse princípio no caso de lesão levíssima, há unicidade doutrinária e jurisprudencial quanto a não aplicação do princípio da insignificância diante de posse e uso, em pequena escala, de entorpecentes no interior de espaço da administração, especialmente dentro da Organização Militar. O entendimento é de que se busca tutelar o funcionamento da administração militar, a disciplina militar e os valores militares com o dever de proteção da pátria e da ordem pública, evitando-se, inclusive, que maiores problemas sejam causados aos pares dos militares que cometem tais crimes.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Alex Silva Gonçalves

Advogado. Graduado em Direito Pela Universidade Regional do Cariri URCA. Especialista em Direito Ambiental pelas Faculdades Integradas de Patos FIP. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC. Professor da Faculdade Paraíso do Ceará FAP


Equipe Âmbito Jurídico

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