Resumo: Este artigo tem por objetivo discorrer sobre o viés constitucional do Direito Processual Civil. Nos artigos iniciais do Código de 2015 o legislador elencou os princípios constitucionais que deverão orientar a interpretação e a aplicação dos dispositivos ali colacionados. Desta forma, correlacionei os artigos do 1º ao 12, da atual legislação processual, com os dispositivos constitucionais e com o código processual civil de 1973. No decorrer deste artigo verifiquei que a recepção de princípios constitucionais consagrados, como a inafastabilidade da jurisdição, a duração razoável do processo, o contraditório e a ampla defesa, boa-fé, entre outros, objetivou dar guaria às garantias individuais valorizando a celeridade e a satisfação do jurisdicionado, ou seja, consolidar o livre exercício da cidadania.
Palavra chave: Processo Civil. Princípios. Constitucional.
Sumário: 1. Introdução – 2. Correlação entre os princípios constitucionais e os processuais civis – 3 Normas fundamentais – 4 Inafastabilidade da jurisdição – 5. Duração razoável do processo – 6. Contraditório e da ampla defesa – 7. Dignidade da pessoa humana – legalidade – publicidade – eficiência – 8 Fundamentação das decisões judiciais – 9 – Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil de 2015 integra-se à Constituição Federal ao adotar seus princípios como o vetor a ser considerado na interpretação processual. Desta forma, na Parte Geral o Capítulo 1 determinou a norma constitucional que deve ser aplicadas à legislação processual. Notemos que o texto da lei diz “o Processo Civil será ordenado, disciplinado e interpretado, conforme os valores e as normas fundamentais” estabelecidas na Constituição Federal.
Ana Paula Pedro, professora do Departamento de Educação da Universidade de Aveiro, Portugal, no artigo publicado pela Kriterion vol.55, número 130, Belo Horizonte, intitulado Ética, moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um conceito comum, enfrenta a conceituação do que é valor, e esclarece que: “Deste modo, os valores acham-se referenciados ao que de comum existe e caracteriza o ser humano e não ao individuo, em particular, não sendo, portanto, algo de subjetivo ou de arbitrário. Ou seja, a problemática dos valores esta presente no mais intimo de todo e cada sujeito e constitui o fundamento da sua essência”.
Desta forma, podemos concluir que é da essência da nova legislação consagrar e aplicar os princípios que assegurem a cidadania do jurisdicionado, assegurando a inafastabilidade da jurisdição, a duração razoável do processo, o contraditório e da ampla defesa, boa-fé, entre outros.
2 CORRELAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E OS PROCESSUAIS CIVIS
Antes de adentrarmos aos princípios constitucionais aplicados ao processo civil é necessário que façamos, de forma sistemática, a correlação entre eles.
Elencados os artigos que serão objetos deste estudo passemos à analise dos princípios processuais.
3 NORMAS FUNDAMENTAIS.
A legislação processual será ordenada, disciplinada e interpretada segundo os fundamentos da Constituição Federal do Brasil, portanto, deverá ser analisada pela ótica da cidadania, da dignidade da pessoa humana, visando contribuir para uma sociedade livre, justa e solidária.
Neste diapasão a leitura que devemos fazer é no sentido de que o acesso à justiça, a duração razoável do processo e a necessidade de fundamentação das decisões judiciais são fatores preponderantes para a consagração da segurança jurídica dentro do cotidiano nacional, fator garantidor de progresso e desenvolvimento social, caminho que leva à realização da justiça social e à consagração da cidadania e da dignidade dos cidadãos. Não há que se falar em consagração dos princípios fundamentais se não houver o império da segurança jurídica de uma justiça satisfativa e tempestiva.
4 INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO:
Sabemos que a “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e que são assegurados a todos o “direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. (Artigo 5º, XXXIV, XXXV da CFRB)
A inafastabilidade da jurisdição estatal é amplamente exercida na prática forense, sendo forma de exercício habitual da cidadania. O Código de 2015 inova ao recepcionar no artigo 3º o juízo arbitral, que nada mais é que a apreciação de lesão ou ameaça a direito por uma justiça não estatal.
A nova legislação ampliou o conceito de acesso à justiça, nos dizeres de Cintra, Grinover e Dinamarco (apud, SILVA, 2015, p.24) “alarga-se o conceito de acesso à justiça, compreendendo os meios alternativos, que se inserem em um amplo quadro de política judicial”.[1]
Essa amplitude deriva da redação do artigo 3º do NCPC que determina: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.” “§ 1º é permitida a arbitragem na forma da lei.” “§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”.
Em outra oportunidade me manifestei sobre a possibilidade de a Justiça do Trabalho acolher a arbitragem como forma extrajudicial de solução de dissídios individuais, contudo, a interpretação da legislação trabalhista veda essa forma de acesso à justiça.
A intenção do legislador ao ampliar as formas de acesso à justiça visa alcançar outro objetivo de mesma grandeza que é a duração razoável do processo. O Judiciário lida com questões de difícil solução a curto prazo, e não estou a me referir a questões jurídicas, a falta de investimento e a crescente demanda dos cidadãos inviabilizam a rápida solução dos processos e colaboram com a tardia satisfação às partes. Os métodos extrajudiciais, conciliação, mediação e arbitragem, são instrumentos necessários para o exercício da cidadania. Não são institutos novos na legislação brasileira, mas, a inclusão no código processual civil representa um avanço significativo.
5. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO.
“Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada” (Rui Barbosa)
Pela própria sistematização constitucional o Código de Processo Civil trouxe de forma expressa o inciso LXXVIII do artigo 5º da CFRB. A duração do processo é um antigo clamor social. A previsão constitucional não teve o condão de possibilitar a sua realização no plano fático. Não adianta dizer que o processo tem que ser célere se toda a estrutura normativa possibilita o inverso, ou se o Judiciário não possui condições materiais que permita a razoabilidade temporal do trâmite processual. Perguntas ainda não foram respondidas como qual é o tempo razoável? A imposição parte de um termo vago, pois, o razoável depende do sujeito e do objeto em questão, o que para “a” é razoável para “b” pode não ser e vice-versa.
Contudo, a questão está posta e devemos salientar quais são as novidades que poderão auxiliar na efetividade da razoável duração do processo. O Fórum Permanente de Processualistas Civis destacam os enunciados, 278, 372, 373, 386 e 387, como forma de implementação da “razoável duração do processo”.[2] [3] [4] [5] e [6]
6. CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
O contraditório e a ampla defesa são princípios consagradores do Estado Democrático de Direito, não há como pensar o processo, seja ele civil, penal, tributário, trabalhista, sem que seja garantido o contraditório e a ampla defesa.
Nelson Nery Junior, (2002, p. 172, apud Eduardo Arruda Alvim, 2015, p. 40), orienta-nos afirmando que “se deve dar “conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes são desfavoráveis””.[7]
Assim o princípio da ampla defesa e do contraditório não é um direito exclusivo do réu, ele se estende a todos as partes envolvidas na ação, que as acompanhará até o término da ação de conhecimento, e persistirá na fase de cumprimento de sentença.
Para Carnelutti o contraditório existe para garantir o interesse das partes, seja a condenação ou a absolvição.
“Convém partir do princípio de que cada uma das partes tem interesse em que o processo conclua de modo determinado: o imputável tende a ser absolvido; quem pretende ser credor aspira à condenação do devedor; e este, por seu turno, a que seja absolvido. Portanto, é natural que a parte ofereça ao juiz as provas e as razões que considere idôneas para determinar a solução por ela desejada. Dai uma colaboração das partes com o Juiz, que tem, entretanto o defeito de ser parcial: cada uma delas opera a fim de descobrir não toda a verdade, mas aquele tanto da verdade que a ela é conveniente”.[8]
À luz do Código Civil de 2015 as partes, para exercerem o contraditório, devem se portar de acordo com a boa-fé; (artigo 5º): devem cooperar entre si, (artigo 6º), estes artigos visam mitigar a parcialidade citada por Carnelutti, com o dever de cooperação os litigantes terão de trazer toda a verdade ao processo e não somente parte desta verdade, com o intuito de salvaguardar somente seus interesses pessoais.
Sem questionamentos uma norma processual ancorada pelos fundamentos da república deve tratar da dignidade do jurisdicionado.
7. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – LEGALIDADE – PUBLICIDADE – EFICIÊNCIA
O Código Civil de 2015 incorporou o caráter social da Constituição de 1988, nos parecendo claro que a lei processual vem a proteger, amparar, a dignidade da pessoa humana através da legalidade, publicidade e eficiência dos atos processuais. Não concordo em tratar a dignidade da pessoa humana como um princípio processual, porque esse princípio constitucional possui uma largueza muito maior, seria mais correto relacionar os princípios da legalidade, publicidade como o livre exercício da cidadania.
A Constituição cidadã impõe que:
“Artigo 5º:
XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:” (Redação dada pela Emenda constitucional nº 19, de 1998) CFB.
O Código de Processo de 2015 preceitua:
“Art. 8o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. CPC/15”
Esses artigos e incisos nada mais são que a garantia do devido processo legal e exercício pleno do contraditório, ou seja, a garantia do livre exercício da cidadania do jurisdicionado.
8 FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS.
O estudo proposto por Aarnio tem por objetivo a combinação de três pontos de vista a chamada nova retórica, a linguística de Wittgenstein e o enfoque racionalista representado por Jürgen Habermas. (1991, p.17). No prólogo da edição inglesa algumas questões foram propostas: “como cidadãos não admitiríamos a ideia de que nosso caso seja decidido por um tribunal sem que “decisor” tenha uma imagem clara do que ordena proíbe ou permite o ordenamento jurídico”. A exigência é que a decisão seja baseada no direito. Isto porque o objetivo ou o desejo dos cidadãos é a certeza jurídica das decisões, em especial as dos casos complexos. Assim, o direito é a base dotada de “autoridade”. Contudo, a base pode ser ambígua, vaga podendo possuir inúmeras lacunas, segundo Aarnio, o interprete parece mover-se em círculos “o direito vincula o intérprete – nem toda interpretação está de acordo com o direito – Para o aclaramento dos conteúdos do direito requer uma eleição entre as diferentes alternativas de interpretação”. Entretanto, este clareamento não é uma questão simples e cartesiana. A ideia, ou ideal, de se encontrar uma fórmula precisa que nos diga que se adotando este ou aquele procedimento o interprete chegará na solução dos casos difíceis ou complexos.
Neste prisma o artigo 93, inciso IX determina que todos os julgamentos serão públicos, e fundamentadas todas as decisões.[9] Logo o artigo 11 do novo Código processual fez repetir o comando constitucional, acrescentando que se as decisões não forem públicas e fundamentadas poderão ser consideradas nulas.[10]
Acredito ser esse aspecto de fundamental importância, a fundamentação das decisões é o que garante a certeza jurídica, que é o que o jurisdicionado procura quando recorre ao Poder Judiciário, é o saber o porque perdeu a demanda, elemento “sine qua non” para balizar sua apelação. As decisões judiciais são forma de dar vida ao ordenamento, seu caráter satisfativo ou não, determinará a conduta da sociedade, por esses motivos, embora a Constituição de 1988 tenha trazido em seu bojo essa necessidade, a referencia da justificativa no Código de 2015, reforça a obrigação do prolator da sentença justificar seu entendimento com maior rigor e teor.
9. CONCLUSÃO
Todo cidadão tem direito ao livre acesso ao judiciário, no novo Código de Processo Civil brasileiro o artigo 3º recepcionou o comando constitucional ao dizer que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. Muito embora a obra estudada neste breve monografia é relativa ao direito finlandês ficou patente que alguns conceitos não se afastam do direito brasileiro. Vimos no capítulo 4 as fontes do direito que, com algumas exceções, coincidem com as fontes exemplificadas nos artigos 4º e 5º da lei de introdução às normas do direito brasileiro, “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Art.5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Ao cidadão poderia ficar a pergunta, por que é necessário que se especifique o “material” que o julgador deve utilizar para a interpretação e final julgamento do caso a ele apresentado? Para evitar injustiças, para evitar arbitrariedades, para a garantia da certeza jurídica. A obtenção da justiça e de decisões imparciais é objetivo da limitação da discricionariedade, contudo, não há uma fórmula cartesiana para se averiguar se a sentença proferida seguiu os trâmites científicos pretendidos, não é possível dizer que o julgador deverá seguir um modelo pronto para a tomada de decisões, estas são ainda subjetivas, cada juiz julga conforme a sua consciência, sua percepção, sua vivência, seus valores morais, etc. Imaginemos um sistema hipotético que no dia a dia forense não é incomum verificar-se que decisões monocráticas ou mesmo acórdãos são exaradas ora concedendo um direito x e ora negando o mesmo direito x, neste sistema hipotético não existe certeza de justiça. A paz, que a certeza jurídica traz à sociedade, é substituída pelo caos. Assim, chegamos ao final deste trabalho afirmando que a sociedade deve ao menos ter respeitado o direito de ter decisões razoáveis e racionais. Racionalidade com a capacidade de pessoas diferentes chegarem ao mesmo resultado em um determinado estudo ou caso.
Nas palavras de Chauí, 1999, citada por José Paulo A. Teixeira.
“Tradicionalmente à ideia de racionalidade está associado o conhecimento objetivo da realidade. Para tanto, é necessário reduzir o espaço para interferências oriundas de paixões, crenças e demais expressões de subjetividade. Isso permite uma progressiva identificação entre racionalidade e verdade, objetividade e necessidade, não sendo considerado racional aquilo que é meramente subjetivo e contingente. Toda forma de pensamento que fuja desse esquema será considerada falsa e irracional” (cf. CHAUÍ, 1999).
Nas palavras de Nudler,1996, citado por José Paulo A. Teixeira.
“De acordo com essa perspectiva, a racionalidade consistiria na singular capacidade da mente humana em buscar a verdade. Isso seria possível pela adoção de uma forma de pensar capaz de estabelecer uma relação de necessidade entre os pontos de partida e os pontos de chegada. Assim, duas pessoas diferentes poderiam chegar aos mesmos resultados apesar da diferença entre suas vivências e experiências pessoais. Uma vez seguindo as regras lógicas, o resultado alcançado seria sempre o mesmo” (cf. NUDLER, 1996).
Por fim, concluo que a aplicação dos princípios fundamentais e constitucionais da República Federativa do Brasil, em médio prazo, proporcionará ao jurisdicionado que o processo seja racional e que as decisões sejam justas, aceitáveis, adequadas e, por via de consequência, estaremos todos mais próximos à verdade processual.
Advogada formada pela Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, devidamente inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo. É especialista em Direito Constitucional pela Escola de Direito Constitucional – ESDC, quando adquiriu o título de professora em Direito Constitucional. Com formação anterior em Ciências Contábeis pela Faculdade de Economia São Luís, atua nas áreas: trabalhista; cooperativista e tributária há vinte e três anos. Mestranda na PUC de São Paulo e sócia da Gonçalves e Pichini Advogados Associados
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