Francisco Nelson de Alencar Junior[1]
José Carlos Martins[2]
Resumo: Presente no ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da prisão civil pode ser definido como uma sanção com previsão legal imposta pelo poder público com eminente intuito econômico, finalidade esta que transformou este instituto em uma poderosa ferramenta coercitiva utilizada pelo poder judiciário, tendo como objetivo direto de fazer com que o devedor cumpra sua obrigação civil de adimplir os alimentos.
O objetivo deste trabalho foi analisar a possibilidade da não expedição do mandado de prisão em razão da falta de pagamento de pensão alimentícia decorrente da hipossuficiência financeira pelo desemprego.
Os resultados encontrados na pesquisa sobre a questão da hipossuficiência financeira decorrente do desemprego como justificativa para o não adimplemento da obrigação de prestar alimentos concluem que parece ser consolidado pelos Tribunais de Justiça que tal situação pura e simplesmente, em regra geral, não desobriga o alimentante de cumprir a obrigação, buscando com este entendimento, proteção e a manutenção da garantia da dignidade e da saúde do alimentado.
Palavras-chave: Prisão civil. Prestação de alimentos. Hipossuficiência financeira. Direito de família.
Abstract: Present in the Brazilian legal system, the civil prison institute can be defined as a sanction with legal provision imposed by the public power with an eminent economic purpose, a purpose that transformed this institute into a powerful coercive tool used by the judiciary, with the direct objective of make the debtor comply with his civil obligation to pay maintenance.
The objective of this study was to analyze the possibility of non-issuance of the arrest warrant due to the lack of payment of alimony due to financial insufficiency due to unemployment.
The results found in the research on the issue of financial insufficiency resulting from unemployment as a justification for non-compliance with the obligation to provide maintenance conclude that it seems to be consolidated by the Courts of Justice that such a situation purely and simply, as a general rule, does not release the maintenance provider from fulfill the obligation, seeking with this understanding, protection and maintenance of the guarantee of the dignity and health of the fed.
Keywords: Civil prison. Provision of food. Financial insufficiency. Family right.
Sumário: Introdução. 1. A família e a dissolução do vínculo conjugal 2. Prisão Civil 3. Exceções no cumprimento da Prisão Civil. 4. Desemprego frente a obrigação de prestar alimentos. Conclusão. Referências.
Introdução
Tratando-se de prestação de alimentos, é muito importante destacar que tal obrigação apresenta um significado com valor imensurável à dignidade humana, pois esta obrigação penetra no universo da subsistência, no desenvolvimento e na dignidade do alimentando. Comuns como demandas judiciais nas varas de famílias, as ações de alimentos, bem como, ações de execução pelo inadimplemento desta obrigação, tornaram-se uma realidade relevante, presente na sociedade e com impacto na vida das partes envolvidas. O descumprimento desta obrigação não fere apenas o ordenamento jurídico devido à desobediência de uma decisão judicial, mas também coloca em risco o respeito e a proteção à vida.
Neste momento, o mundo apresenta um cenário econômico muito enfraquecido, este seguimento foi devastado pela pandemia de coronavírus. O Brasil não é exceção, pois economicamente apresenta uma realidade com altíssima taxa de desemprego, a escalada da inflação, aumento de preços em vários seguimentos como alimentação, derivados de petróleo, transporte, remédios entre outros, fazendo com que milhares de brasileiros sofram consequências devastadoras em suas vidas por conta da situação econômica em nosso país. Deve-se ter um olhar para este contexto, pois qual seria a fonte do dinheiro para adimplir a prestação de alimentos de um trabalhador honesto caso este esteja desempregado, se tal recurso para prestar alimentos, bem como seu próprio sustento advém do trabalho, qual será a outra maneira de conquistar o ganho financeiro para suprir a escassez de emprego e consequentemente não ser submetido a sanção coercitiva do Estado através da prisão civil.
Sabendo-se que o Estado não tem olhar diferenciado entre aquele de má-fé, e um cidadão honesto e trabalhador que realmente encontra-se impossibilitado de prestar alimentos, não pela inercia, mas pela real inexistência da possibilidade de exercer alguma atividade remunerada, levando em consideração essa realidade econômica, e todas as suas consequências para sociedade, faz-se necessário pensar de forma concreta sobre a existência real da impossibilidade do ganho financeiro por uma parcela da população afetada pelo desemprego, levando a reflexão quanto que esta realidade caótica torna possível evitar a prisão civil por falta de pagamento de pensão alimentícia com base na economia atual pós-pandemia, e especificamente nos casos de desemprego, onde tal ausência da possibilidade de ganho financeiro ficou mais distante para uma parcela da população.
Tudo dá início com a formação da família, comum no modelo estrutural da sociedade, logo cedo, na infância, aprende-se o formato doméstico desenhado para caracterização da família, assim como os papeis de cada componente.
O Artigo 1.723, Código Civil, estabelece que: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Entretanto, pode acontecer desse vínculo ser dissolvido com o divórcio, rompimento do vínculo de casamento. Nos casos em que o casamento apresenta filhos como frutos desta relação, a dissolução deste ato produz alguns efeitos, dentre eles, aqueles que envolvem questões relacionadas a guarda e ao sustento dos menores.
A prisão civil, por inadimplência da prestação de alimentos por parte daquele que tem a obrigação de pagar, independentemente de quem seja esta responsabilidade, uma vez que já determinada pelo juízo, é claramente evidenciada no poder judiciário, tal ação coercitiva está contemplada no ordenamento jurídico, através do Código de Processo Civil em seu Artigo 528, parágrafo 3º.
O ato coercitivo sobre o alimentante, poderá ser requerida se existir uma fixação judicial ou título executivo extrajudicial, obrigando o respectivo pagamento. A prisão só poderá ser decretada quando ocorrer o descumprimento das 3 últimas prestações devidas anterior ao ato processual, além das obrigações que se vencerem durante o rito, desta forma, será admitida a hipótese de prisão em regime fechado do responsável pela prestação.
O ordenamento jurídico brasileiro abraça o direito aos alimentos, promovendo um escudo protetivo, visando o cumprimento desta obrigação para garantia de uma vida com dignidade e saúde a quem de direito. A Prisão civil, como já visto anteriormente, é uma ferramenta do direito utilizada para fazer cumprir um dever civil. Duas hipóteses estão expressas na Constituição Federal em seu Artigo 5, LXVII, “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”, (BRASIL, 1988). Sendo uma das possibilidades da prisão civil materializar-se, quando do não pagamento de obrigação alimentícia pelo responsável em fazê-lo, e a outra hipótese de Prisão civil, com previsão constitucional, seria a do depositário infiel, mas neste caso, não cabe mais a possibilidade, pois o Decreto 678 de 1992, “promulga a convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica), de 27 de novembro de 1969” (Decreto, 678), bem como a Súmula Vinculante n° 25 do Supremo Tribunal Federal, “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito” (Súmula, 25/STF), estabelecendo assim, que a prisão civil de depositário infiel será ilícita, não importando sua modalidade de depósito.
É inquestionável a importância do cumprimento da prestação de alimentos, a falta desta, pode causar danos irreparáveis à vida do alimentado, contudo, observa-se que o não pagamento da obrigação pelo responsável legal de adimpli-la, pode não estar associado com o descaso ou qualquer motivo injustificável.
A legislação parece não ser flexível quantos as possibilidades de exceção para justificativa do descumprimento da obrigação de prestar alimentos. Regra geral, possíveis exceções são bem remotas, não ocorrendo decisões favoráveis para aqueles que buscam através da justiça tal objetivo, em alguns casos pode ocorrer a minoração do valor da obrigação, mas não a desobrigação da prestação. Tais excepcionalidades não são pacificadas pelos tribunais, as interpretações para concessão de Habeas Corpus estão intimamente ligadas às singularidades de cada caso concreto.
Exemplos de situações em que talvez possam despertar justificativas quanto a impossibilidade do responsável legal de adimplir a obrigação, são excepcionalíssimas, pois os tribunais se posicionam priorizando o alimentado. Situações como a de uma doença gravíssima que leva o alimentante à impossibilidade de laborar, impossibilitando o mesmo de aferir condições financeiras para tal finalidade, talvez seja de fato uma excepcionalíssima condição, onde a questão do descumprimento da obrigação, não esteja ligado ao mal comportamento social do alimentante, mas sim, diretamente ligado a deterioração da saúde do mesmo, promovendo uma realidade desfavorável para obter recursos através do trabalho, e consequentemente adimplir a obrigação. Logo fica evidente, que tal exemplo pode se assemelhar com o alimentante que apresenta por exemplo, dependência química com necessidade de internação para reabilitação, sendo possível e provável a transferência aos avós paternos da prestação da obrigação, caso a parte responsável pelo alimentado provocar a justiça. Quanto as questões relacionadas a capacidade financeira daquele que tem obrigação de prestar alimentos, apesar do fato de existir uma diferença impactante no comportamento do alimentante, entre aquele que tem obrigação de prestar alimento e não o faz simplesmente por omissão, e aquele que não tem capacidade financeira de adimplir a obrigação, e não o faz pelo fato de um revés financeiro imponderável, a lei não distingui situações que possam justificar tal impossibilidade, pois conforme artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (BRASIL, 1988).
O texto constitucional determina que todos serão tratados sem distinção, garantindo a inviolabilidade de direitos, entre estes, está o direito fundamental da liberdade, e no mesmo artigo constitucional, em seu inciso LXVII, a Constituição da República Federativa do Brasil, determina que “LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel” (BRASIL, 1988).
Sendo assim, a citação do seguinte precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mostra-se oportuno:
HABEAS CORPUS PREVENTIVO. PRISÃO CIVIL. ALIMENTOS. ART. 528, § 3º, DO CPC. JUSTIFICATIVAS APRESENTADAS PARA O INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO. PACIENTE PORTADOR DE DOENÇA GRAVÍSSIMA. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCER SUAS ATIVIDADES LABORATIVAS. SUBMISSÃO A TRATAMENTO PROLONGADO DE QUIMIOTERAPIA. CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Trata-se de habeas corpus preventivo impetrado em favor de paciente cuja prisão foi decretada nos autos do processo de Execução de Alimentos, de acordo com o art. 528, § 3º, do CPC, movido por seus dois filhos, representados por sua genitora. 2. Matéria que envolve direito de família e neste âmbito a prisão deve ser entendida como medida excepcionalíssima, evitando a sua banalização. 3. Ponderação do disposto no art. 5º, LXV e LXVIII, da Constituição Federal, diante das afirmações e dos documentos acostados aos autos, a fim de conduzir ao equilíbrio entre as partes. 4. Em consonância às circunstâncias do caso concreto, tendo em vista a comprovação da impossibilidade absoluta de o paciente arcar com o valor dos alimentos provisórios fixados pelo Juízo a quo, observando-se que o art. 528 do CPC prevê a possibilidade de justificativa para o não pagamento dos alimentos em sede de execução, é possível a concessão da ordem para suspender a prisão. 5. Hipótese em que o Paciente ficou impossibilitado, por vários meses, de trabalhar em plena capacidade, o que repercutiu negativamente em sua vida financeira, especialmente durante as longas sessões de quimioterapia a que foi submetido, conforme demonstram os laudos, atestados, relatórios, exames e prescrições médicas, configurando impossibilidade provisória, mas absoluta, que impediu o paciente devedor de cumprir a obrigação alimentícia. 6. Tendo em conta que o executado é portador de doença grave, com elevadas dificuldades financeiras, e que a prisão iria somente agravar a situação em que se encontra, e considerando especialmente que o decreto prisional é medida extrema e excepcional, é de se concluir que restaram demonstrados fatos impeditivos ao cumprimento da obrigação alimentar, mesmo que momentâneos. 7. Não se trata de perdoar a dívida pretérita do executado, contraída, sobretudo, quando os alimentos foram fixados provisoriamente em quatro salários mínimos, mas, apenas, sopesando-se as essenciais necessidades dos alimentandos em confronto com a menor onerosidade do devedor no cumprimento da execução, sempre com vistas a equilibrar a tensão entre a efetividade da tutela jurisdicional e a preservação da dignidade da pessoa humana. 8. Em casos excepcionais, como o verificado nos autos, impõe-se a confirmação da liminar deferida em relação à prisão civil tratada nestes autos. 9. Concessão da ordem. Íntegra do Acórdão em Segredo de Justiça – Data de Julgamento: 14/03/2018. (TJRJ, Habeas Corpus (Cível) n. 0062674-19.2017.8.19.0000 – HABEAS CORPUS – 1ª Ementa Des(a). ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME – Julgamento: 14/03/2018 – DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL).
Uma decisão no mesmo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, vem ao encontro com a escassez das excepcionalidades quando as questões discutidas nas demandas abordam simplesmente o inadimplemento da prestação de alimentos por incapacidade financeira, ficando evidente que tais excepcionalidade, estão ligadas intimamente ao caso concreto, pois tal decisão abaixo, vai em sentido oposto ao Habeas Corpus supracitado:
HABEAS CORPUS. POSSIBILIDADE DE PRISÃO EM VIRTUDE DO INADIMPLEMENTO DAS PRESTAÇÕES MENSAIS RELATIVAS À PENSÃO ALIMENTÍCIA. PRISÃO CIVIL QUE CONSTITUI MEDIDA EXCEPCIONAL DE DEVEDOR DE ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUITAÇÃO DO DÉBITO ALIMENTAR. ORDEM DENEGADA. O paciente não comprovou a quitação do débito alimentar. Apenas o pagamento das 3 últimas parcelas anteriores ao ajuizamento da execução, bem como as que se vencerem no curso da demanda é que afasta a possibilidade de decretação de prisão do devedor. Sumula nº 309 do STJ. Ausente prova pré-constituída do alegado direito do paciente, não resta alternativa ao magistrado senão a denegação da ordem. Precedentes desta E. Corte de Justiça. Denegação da ordem de habeas corpus. (TJRJ, Habeas Corpus (Cível) n. 0008104-49.2018.8.19.0000 – HABEAS CORPUS – 1ª Ementa Des(a). CLEBER GHELFENSTEIN – Julgamento: 25/04/2018 – DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL).
Como já observado anteriormente, a segunda hipótese de prisão civil, no caso de depositário infiel, esta não é mais possível em nosso ordenamento jurídico, ficando a única possibilidade para aquele que não adimplir a obrigação de prestar alimentos. A prisão decorrente das ações de execução de alimentos, tem efeito extremamente coercitivo, pois a possibilidade da expedição de mandado de prisão pode se materializar juntamente ao regime fechado de cumprimento da pena. Esta possibilidade real de prisão, faz com que os genitores paguem a obrigação devido ao medo de serem privados de sua liberdade, e assim fazendo da prisão civil, o mecanismo mais eficaz para estimular o cumprimento da obrigação pelo alimentante.
É importante salientar que a dívida de alimentos que leva a possibilidade da prisão do alimentante que não cumpre com a sua obrigação de tal prestação, é aquela dos últimos três meses ao ajuizamento da ação, conforme definido pelo Superior Tribunal de Justiça na sumula 309 “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo” (Súmula, 309/STJ). Quando da existência de prestações que ultrapassem as três últimas, as mesmas deverão ser cobradas através da ação separada de cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar Alimento.
A legislação deixa claro que as possibilidades de exceção para justificativa do descumprimento da prestação de alimentos, são remotas, tornando-se assim, um desafio para os operadores do direito trilharem no rito processual em busca do êxito.
Em regra geral, é evidente e inquestionável o fato da importância do cumprimento da prestação de alimentos por aquele que tem a obrigação, o descumprimento pode levar ao alimentado prejuízo tal, que jamais serão sanados. É importante contextualizar o fato que, não se pode negar que o não pagamento da obrigação pelo responsável legal de adimpli-la, esteja simplesmente relacionado ao descaso, pois dentro da realidade econômica em que vivemos, diante do cenário econômico mundial, onde as maiores economias do planeta foram severamente desestabilizadas, promovendo um impacto social inimaginável, gerando uma realidade econômica e comercial mundial jamais vista na história recente. Convergindo com este pensamento, visto que a realidade do Brasil não se difere das demais potencias mundiais, e ainda somadas as características socioeconômicas brasileiras anteriormente à pandemia do coronavírus, é evidente que os reflexos desta realidade econômica afetaram e continuarão ainda por um período recaindo sobre uma parcela considerável da população. A taxa de desemprego atual no Brasil atinge milhões de pessoas, sendo avassalador o efeito econômico para sociedade. As ponderações relacionadas as questões financeiras, não justificam por si só, o descumprimento da prestação de alimentos, mas é evidente que tal cenário econômico, pode inviabilizar a obrigação em questão, bem como impactar na própria subsistência do alimentante.
Sendo assim, a prisão civil, medida extrema para cumprimento da obrigação, parece receber um toque de potencialidade quanto ao seu impacto na vida do alimentante.
Tal decisão adotada no habeas corpus concedido pela decima 9ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, traz a reflexão e análise da real capacidade de adimplir a obrigação pelo alimentante nos casos de prisão civil, além do fato de promover uma reflexão do efetivo resultado esperado com a sua aplicação.
HABEAS CORPUS PREVENTIVO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DESCONTO EM FOLHA DOS ALIMENTOS VINCENDOS. DECISÃO JUDICIAL DETERMINANDO A PENHORA DE MAIS 20% DOS VENCIMENTOS DO ALIMENTANTE, ATÉ ALCANÇAR O VALOR TOTAL DO DÉBITO. DESCONTO QUE TOTALIZA 60% DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS DO PACIENTE. DECRETO PRISIONAL. MANUTENÇÃO DO DECRETO QUE NÃO SE MOSTRA RAZOÁVEL. MEDIDA EXTREMA. COMPROVAÇÃO DA SATURAÇÃO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA DO PACIENTE. PRISÃO QUE DIFICULTARIA A QUITAÇÃO DO DÉBITO E CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO NORTEADOR DA FIXAÇÃO DOS ALIMENTOS. POSSIBILIDADE DE QUEM PAGA OS ALIMENTOS. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE QUE IMPLICA RESPEITO E CONSIDERAÇÃO MÚTUOS EM RELAÇÃO AOS MEMBROS DA FAMÍLIA. AUSÊNCIA DE DESCASO COM AS EXEQUENTES, FILHAS MAIORES DE IDADE. PAGAMENTO DOS ALIMENTOS E AMORTIZAÇÃO DO DÉBITO MENSALMENTE. CONCESSÃO DA ORDEM PARA AFASTAR O DECRETO PRISIONAL. (TJRJ, Habeas Corpus (Cível) n. 0012795-09.2018.8.19.0000 – HABEAS CORPUS – 1ª Ementa Des(a). LÚCIO DURANTE – Julgamento: 17/04/2018 – DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL
Como já visto, a prisão civil é uma ação coercitiva contemplada no ordenamento jurídico brasileiro, é um mecanismo usado com a finalidade de fazer o alimentante adimplir sua obrigação. Esta modalidade punitiva, apresenta-se no ordenamento através do Código de Processo Civil em seu artigo 528, parágrafo 3º.
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
Através do texto da lei no Artigo 528 do código de processo civil, nota-se que existe por parte do alimentante, a possibilidade de apresentar justificativa caso não cumpra com o pagamento da obrigação, sendo assim, percebe-se que, as decisões judiciais veem caminhando com entendimentos voltado a adequação socioeconômica, buscando o equilíbrio entre a modalidade punitiva e a realidade social, proporcionando a relativização da modalidade de pena no caso concreto, fato este percebido na decisão que concedeu o Habeas Corpus abaixo pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
HABEAS CORPUS. DIREITO DE FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DEFERIMENTO DA LIMINAR COM EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA. PAGAMENTO PARCIAL DO DÉBITO. PACIENTE QUE NÃO SE NEGOU A PAGAR A PENSÃO À FILHA MENOR, DEMONSTRANDO QUE PRETENDE ENTABULAR UM NOVO ACORDO COM A EXEQUENTE ANTE A IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DOS TERMOS ANTERIORMENTE PACTUADOS. MANUTENÇÃO DA PRISÃO SE TORNA INEFICAZ DIANTE DA PRECARIEDADE DA SITUAÇÃO FINANCEIRA DO PACIENTE. ESTANDO O PACIENTE PRESO, AS POSSIBILIDADES DE ADIMPLEMENTO, OU MESMO DE ACORDO, MOSTRAM-SE REDUZIDAS, ESVAZIANDO-SE A FINALIDADE DE SEU ENCARCERAMENTO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. CONCESSÃO DA ORDEM. (TJRJ, Habeas Corpus (Cível) n. 0056191-70.2017.8.19.0000 – HABEAS CORPUS – 1ª Ementa Des(a). AUGUSTO ALVES MOREIRA JUNIOR – Julgamento: 12/12/2017 – OITAVA CÂMARA CÍVEL
Sobre a questão desemprego, é consolidado pelos Tribunais de Justiça, que tal situação pura e simplesmente, não desobriga o alimentante de cumprir a obrigação de prestar alimentos, neste entendimento busca-se a manutenção da garantia da dignidade e da saúde do alimentado. Fica evidenciado este entendimento em diversas decisões onde o alimentante justifica por este motivo a impossibilidade da prestação, conforme decisões a seguir.
HABEAS CORPUS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. INADIMPLEMENTO. ALEGADA INCAPACIDADE FINANCEIRA ANTERIOR E RECENTE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PARCELAMENTO DO DÉBITO RECUSADO PELO CREDOR. NÃO QUITAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. Nos termos do artigo 5° da Constituição Federal, “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. 2. Prisão civil de devedor de prestação alimentícia é medida de natureza eminentemente coercitiva, que visa assegurar a subsistência do alimentando e pode se referir a inadimplemento de até três prestações anteriores ao ajuizamento da ação executiva, bem como daquelas que se vencerem no curso do processo. 3. Não é possível extrair qualquer ilegalidade ou arbitrariedade do ato que decreta a prisão de devedor de alimentos com fundamento no art. 528 do Código de Processo Civil. Cumprimento de sentença de alimentos iniciado em 2019, cobradas as três últimas prestações alimentícias e as que venceram no curso do processo; devedor que, citado, não efetua o pagamento do débito e, somente após cerca de 2 (dois) anos e 3 (três) meses desde o início do cumprimento de sentença é que compareceu aos autos, alegando em suma que a inadimplência se deu em razão de desemprego e requerendo a revogação do decreto prisional em razão de vínculo empregatício recente. 4. Desemprego formal da parte alimentante não constitui, por si só, fundamento idôneo a justificar o inadimplemento; e discussão quanto a impossibilidade financeira do alimentante de arcar com o valor já fixado no título exequendo deve ser analisada na via processual apropriada para modificação da obrigação alimentar, destacando-se que a via estreita do habeas corpus não é meio hábil para aferir capacidade econômica do paciente. 5. Ordem denegada. (Acórdão 1429626, 07133264820228070000, Relator: MARIA IVATÔNIA, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 8/6/2022, publicado no DJE: 20/6/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. INCAPACIDADE FINANCEIRA. NÃO COMPROVADA. DECISÃO MANTIDA. 1. Agravo de instrumento interposto objetivando afastar decreto prisional, por dívida de alimentos, ao argumento de impossibilidade financeira para o pagamento. 2. Não há elementos bastantes, no momento, para embasar o pleito de reforma aviado pelo agravante, porque não se desincumbiu do ônus de demonstrar sua incapacidade financeira em arcar com o valor dos alimentos justificando a manutenção do decreto prisional. 3. A decisão combatida está em sintonia com a jurisprudência no sentido de que é possível a prisão por inadimplemento de pensão alimentícia (art. 528, §3º, do CPC) com a finalidade de compelir o devedor a cumprir a obrigação intimamente relacionada à dignidade da pessoa humana, o que justifica a adoção da medida extrema. 4. Negou-se provimento ao agravo.
(Acórdão 1297590, 07254641820208070000, Relator: ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 29/10/2020, publicado no PJe: 19/11/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ALIMENTOS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRISÃO CIVIL. SUSPENSÃO. JULGAMENTO DA AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do artigo 528, parágrafo 7º do Código de Processo Civil, “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 03 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.” 2. Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar a pensão alimentícia justificará o seu inadimplemento. Inteligência do artigo 528, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil. 3. Reputa-se inviável, em sede de Cumprimento de Sentença, a análise acerca da redução da capacidade financeira do alimentante, a fim de que seja suspenso o pagamento da pensão alimentícia até o deslinde da Ação de Exoneração de Alimentos porventura proposta. 4. Enquanto a obrigação alimentar estiver vigente, qualquer inadimplemento pode ser executado acarretando, inclusive, a prisão civil do devedor. 5. Agravo de Instrumento conhecido e não provido.
(Acórdão 1314025, 07459433220208070000, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 28/1/2021, publicado no PJe: 8/2/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Podemos considerar a excepcionalidade da prisão civil frente ao descumprimento da prestação de alimentos pelo alimentante, como algo improvável se a justificativa se der pela impossibilidade financeira. Contudo, tal situação improvável, se fez presente nos tribunais, pois a justiça também teve que ponderar suas decisões nestas demandas, sopesando as questões relacionadas a pandemia, conforme julgados.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL DO ALIMENTANTE. POSSIBILIDADE. INADIMPLÊNCIA DO GENITOR COM RELAÇAO AOS VALORES REFERENTES AOS 3 ÚLTIMOS MESES ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. EXPEDIÇÃO DO MANDADO DE PRISÃO SUSPENSA. COVID-19. RECURSO DESPROVIDO. 1 – O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é aquele decorrente das 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da ação, e parcelas que se vencerem no curso do processo (art. 528, § 7º, CPC). 2 – A prisão civil é medida extrema e excepcional, razão pela qual só deve ser admitida em caso de inadimplemento voluntário e inescusável do devedor de alimento (art. 5º, LXVII), que, com seu comportamento temerário, põe em risco o bem-estar do alimentado. 3 – No caso dos autos, o agravante não comprovou o pagamento do débito alimentar e não apresentou justificativa plausível para a atual situação de inadimplência. 3.1 Observa-se, ainda, que o recorrente sequer demonstrou interesse na realização de acordo para parcelamento da dívida. 4 – Não obstante ter decretado a prisão civil do agravante, o magistrado a quo acertadamente suspendeu a expedição do mandado de prisão – em atenção às recomendações do Conselho Nacional de Justiça e de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, em razão da situação de excepcionalidade vivenciada por conta da pandemia decorrente do coronavírus (Covid-19). 5 – Agravo de instrumento conhecido e desprovido.
(Acórdão 1274466, 07117473620208070000, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 12/8/2020, publicado no PJe: 24/8/2020.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. SUSPENSÃO DO PROCESSO ORIGINÁRIO. ESTADO DE PANDEMIA. CORONAVÍRUS (COVID-19). CENÁRIO ATUAL DO DISTRITO FEDERAL. AUMENTO DO NÚMERO DE PESSOAS IMUNIZADAS. REVOGAÇÃO DO DECRETO DE ESTADO DE CALAMIDADE. PREDOMINÂNCIA DO MELHOR INTERESSE DO ALIMENTANDO MENOR. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR. POSSIBILIDADE. 1. A suspensão do cumprimento dos mandados de prisão do devedor de alimentos é medida que pode prejudicar o interesse dos alimentandos. 2. O Conselho Nacional de Justiça publicou a Recomendação 122, de 3/11/2021 recomendando que, ao analisar o pedido de prisão do devedor de alimentos, o magistrado observe o contexto epidemiológico do local. 2.1. No caso do Distrito Federal, em consulta ao sítio da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal em 13/7/2022, o índice da população vacinada (cinco anos ou mais) com esquema vacinal integral (segunda dose ou única) é de 85,41% (oitenta e cinco vírgula quarenta e um por cento), sendo que 438.042 (quatrocentos e trinta e oito mil e quarenta e duas) pessoas já receberam inclusive a segunda dose de reforço, disponibilizada para maiores de 35 (trinta e cinco) anos ? faixa etária do agravado ? desde 30/6/2022. Além disto, revogado em 10/5/2022 o decreto de estado de calamidade no Distrito Federal em 18/4/2022. 3. Nesse cenário de abrandamento dos efeitos da pandemia no Distrito Federal, alta taxa de cobertura vacinal da população, revogadas as normas restritivas de isolamento social, que vêm permitindo a retomada das atividades sociais e culturais com público, deve ser retomada a medida coercitiva da prisão do devedor de alimentos, medida mais eficaz para forçar o cumprimento da obrigação, de modo a não sacrificar o direito da alimentanda, que, por expressa previsão constitucional e legal, deve ter os seus interesses prioritários atendidos e preservados. 4. Agravo conhecido e provido. (Acórdão 1613657, 07065191220228070000, Relator: MARIA IVATÔNIA, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 14/9/2022, publicado no PJe: 16/9/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
O responsável pela obrigação, não pode se debruçar na condição de desempregado para se amparar na justificativa quanto a impossibilidade do pagamento, é fato que tal situação gera muita dificuldade ao alimentante em adimplir tal compromisso, mas entende que existem outras possibilidades de ganho para substituir mesmo que momentaneamente à mudança na atividade profissional. As excepcionalidades são de fato algo distante da simples impossibilidade de adimplir a prestação pela incapacidade financeira, mesmo se a causa for promovida por uma situação de desemprego, pois ainda assim, não será justificativa em hipótese alguma para ausência do cumprimento da obrigação.
Conclusão
É evidente a previsibilidade na legislação brasileira do instituto da prisão civil, sendo esta, uma medida extrema aplicável em caso de inadimplência no pagamento de prestação alimentícia. A falta do pagamento pode ser motivada por vários fatores, sendo o fator econômico algo provável nos tempos atuais, onde o desemprego está presente de forma impactante na vida da população, promovendo resultados socioeconômicos desastrosos e potencializados em decorrência da pandemia do coronavírus. Tal situação de desemprego, associado à economia fragilizada, algo presente nos tempos atuais em nível mundial devido os reflexos da situação pandêmica, pode fazer com que o potencial financeiro de uma pessoa com obrigação de prestar alimentos, seja completamente comprometido.
A exceção da expedição do mandado de prisão civil, decorrente do não pagamento da obrigação de prestar alimentos pela incapacidade financeira gerada pelo desemprego, parece ser muito improvável, pois fica claro baseado nas decisões dos tribunais quando da análise de Habeas Corpus e demais recursos associados com estas demandas, que para tal finalidade, pura e simplesmente, não servirá de justificativa.
Conforme abordado na pesquisa, as questões relacionadas com as excepcionalidades do descumprimento da obrigação da prestação de alimentos, não se relacionam com a simples justificativa do desemprego ou da hipossuficiência financeira daquele que tem a obrigação de prestar, tais excepcionalidades se distanciam desta simples e objetiva justificativa, pois apresentam situações com teor de maior complexidade devendo ser avaliadas individualmente ao caso concreto, tornando-se assim, um grande desafio para aos operadores do direito.
Referências
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[1] Mestre em Direitos Fundamentais pela UNIFIEO. Coordenador e professor do curso de Direito da Faculdade Anhanguera de Taboão e Itapecerica da Serra e advogado.
[2] Coordenador e Professor do curso de Fisioterapia na Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra. Graduado em Direito pela Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra.
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