Resumo: Trata o presente trabalho de uma análise relativa aos efeitos da decisão definitiva proferida no processo administrativo tributário federal, especificamente sobre a possibilidade de revisão judicial, por iniciativa do Fisco, quando a mesma lhe for adversa. Utilizou-se o método de pesquisa hipotético-dedutivo, através do exame e interpretação de referenciais normativos, doutrinários e jurisprudenciais. Procurou-se balizar o estudo no conjunto de princípios norteadores do processo administrativo fiscal, insculpidos na Constituição e em legislação infraconstitucional, tendo relevo a contraposição suscitada pelas correntes doutrinárias antagônicas, as quais invocam, especialmente, os princípios da unidade da jurisdição e da isonomia, favoravelmente ao Erário, face os princípios da segurança jurídica e moralidade administrativa, contrariamente aos interesses fazendários. Para uma ampla compreensão do assunto, optou-se por detalhar o funcionamento do contencioso administrativo da União com as peculiaridades de cada instância. Também é explicitado o contexto em que foi emitido o Parecer PGFN/CRJ nº 1.087/2004 e a Portaria PGFN nº 820/2004, os quais reacenderam a discussão sobre o tema por normatizarem a possibilidade jurídica de anulação de decisão de mérito proferida pelo antigo Conselho de Contribuintes, atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. A proposta de conclusão é pela impossibilidade de a própria Fazenda Pública, por meio da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, pleitear revisão judicial de decisão terminativa proferida pelos seus órgãos julgadores, ressalvando-se, porém, a faculdade de utilização do recurso hierárquico, pela Administração, como instrumento de controle interno no exercício do seu poder de autotutela, restrito aos aspectos legais do ato, assegurado o devido contraditório ao contribuinte[1].
Palavras-chave: Processo administrativo tributário. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Decisão definitiva. Fazenda Nacional. Revisão judicial. Controle.
Abstract: The present article is an analysis on effects of the final decision handed down in federal tax administrative procedure, specifically about the possibility of judicial review, initiated by the IRS, when it is adverse to it. It was used the method of hypothetical-deductive research through the examination and interpretation of normative, doctrinal and jurisprudential standards. The study was based on the set of guiding principles of the tax administrative process, inscribed in the Constitution and underconstitucional rules, having emphasis on the contrast between two doctrinal positions, the first one supported by the principles of jurisdiction unity and equality, in favor of the Treasury, and by the other side, the second one supported by the principles of juridical security and the administrative morality, these ones contrary to the Treasury interests. For a complete understanding of the subject, it was chosen to detail the workings of administrative litigation of the Union with the peculiarities of each instance. It was also explained the context in which it was issued Opinion PGFN / CRJ No 1.087/2004 and Ordinance No. 820/2004 PGFN, which restarted the discussion on the subject by regulating the legal possibility of annulment of merit decision presented by the former Board of taxpayers, current Board of Tax Appeals. The proposed finding is the impossibility of the Treasury itself, through its General Attorney, plead judicial review of the decision presented by its own judgement departments, except the option of use of the hierarchical appeal by the Treasury as an instrument of internal control in exercising of its power of self-protection, restricted to the legal aspects of the act, ensuring the due contradictory to the taxpayer.
Keywords: Administrative tax process. Board of Tax Appeals. Final decision. National Treasury. Judicial review. Control.
Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais do processo administrativo tributário. 1.1 Relevância e utilidade. 1.2 Processo e procedimento administrativo fiscal. 1.3 Distinções entre o processo administrativo tributário e o processo judicial tributário. 2. Princípios norteadores. 2.1 Princípios de natureza constitucional. 2.1.1 Legalidade. 2.1.2 Contraditório. 2.1.3 Ampla defesa. 2.1.4 Devido Processo Legal. 2.1.5 Duplo grau de jurisdição. 2.1.6 Segurança Jurídica. 2.1.7 Direito de Petição. 2.2 Princípios de natureza administrativa. 2.2.1 Interesse Público. 2.2.2 Impessoalidade. 2.2.3 Moralidade. 2.2.4 Proporcionalidade e razoabilidade. 2.2.5 Publicidade. 2.2.6 Eficiência. 2.2.7 Finalidade. 2.2.8 Motivação. 2.2.9 Hierarquia. 2.3 Princípios setoriais do processo administrativo tributário federal. 2.3.1 Verdade Material. 2.3.2 Formalismo moderado. 2.3.3 Oficialidade. 2.3.4 Gratuidade. 2.3.5 Objetividade da ação fiscal. 3. Situação atual do processo administrativo tributário no âmbito federal. 3.1 Base legislativa infraconstitucional. 3.2 Julgamento em primeira instância. 3.2.1 Competência. 3.2.2 Estrutura funcional. 3.2.3 Julgamento. 3.2.4 Recursos. 3.3 Julgamento em segunda instância. 3.3.1 Competência. 3.3.2 Estrutura funcional. 3.3.3 Julgamento. 3.3.4 Recursos. 3.4 Julgamento em instância especial. 3.4.1 Competência. 3.4.2 Estrutura funcional. 3.4.3 Julgamento. 3.4.4 Recursos. 4. Definitividade das decisões no âmbito administrativo tributário e a possibilidade de revisão. 4.1 Decisões definitivas e seus efeitos. 4.2 O contexto e o teor do Parecer/PGFN/CRJ nº 1.087/2004 e da Portaria PGFN nº 820/2004. 4.3 Posição doutrinária. 4.3.1 Argumentos da corrente doutrinária favorável. 4.3.2 Argumentos da corrente doutrinária contrária. 4.4 A jurisprudência. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A atual Constituição brasileira consagra, em seu artigo 5º, o processo administrativo tributário como uma garantia fundamental do administrado, na medida em que lhe assegura o direito de petição aos Poderes Públicos contra a ilegalidade ou abuso de poder, o devido processo legal, o direito à ampla defesa e ao contraditório.
É cediço que o processo administrativo fiscal é um instrumento importante para solução de conflitos, de forma mais célere e menos dispendiosa, tanto para o contribuinte como para o próprio Fisco, tendo por objetivo o autocontrole do ato administrativo do lançamento e o acertamento do crédito tributário, visando, em última análise, a efetiva justiça fiscal.
No âmbito federal, o contencioso tributário é desenvolvido por órgãos integrantes do próprio Ministério da Fazenda, quais sejam as Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (primeira instância); o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (segunda instância); e a Câmara Superior de Recursos Fiscais (instância especial).
Destaque-se que o sujeito passivo, inconformado com ato praticado pelo Fisco e optando por discutir administrativamente a imposição tributária pode, a qualquer momento, recorrer ao Judiciário.
Entrementes, tem suscitado relevante e atual discussão no âmbito acadêmico e doutrinário saber se o direito de recorrer ao Judiciário, no contexto peculiar do processo administrativo tributário federal, é exclusivo do administrado ou pode ser estendido à Fazenda.
O presente estudo propõe-se a analisar, sob a égide dos princípios, normas, doutrina e jurisprudência, os aspectos e as decorrências das decisões contrárias ao Erário no processo administrativo tributário federal.
Especificamente, objetiva-se investigar a possibilidade de a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ajuizar ação para tentar reverter decisão administrativa em caráter definitivo, julgada de forma favorável ao contribuinte.
Esta monografia inicia-se abordando aspectos funcionais do processo administrativo fiscal e com uma breve diferenciação deste para com o processo judicial.
Na sequência explanam-se os princípios dirigentes do contencioso administrativo tributário, notadamente os de natureza constitucional, administrativa e específica.
Prosseguindo, já no terceiro capítulo, aclara-se o funcionamento do contencioso administrativo da União, perpassando a legislação infraconstitucional regente e dissecando a estrutura atinente a cada instância julgadora.
A temática central é explorada no capítulo quarto. Nele é estudada a definitividade das decisões administrativas nas lides tributárias, analisados os atos normativos que disciplinam a matéria em apreço no âmbito da Fazenda Nacional, explicitados os argumentos doutrinários favoráveis e contrários, e referenciado o posicionamento predominante nos tribunais.
Por fim, no desfecho do trabalho, é emitido posicionamento do autor acerca do questionamento judicial, pela Fazenda Pública, de decisões dos seus órgãos julgadores, irreformáveis administrativamente. Propõe-se, ainda, uma superação para o impasse com conciliação do interesse público e do particular.
1 ASPECTOS GERAIS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTARIO
1.1 Relevância e utilidade
A Constituição Federal de 1988 trouxe o processo para o rol das garantias fundamentais do cidadão, por meio dos incisos LIV e LV do artigo 5°:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”; (BRASIL, 1988)
Garantiu-se aos litigantes o direito constitucional de discutir, em processo administrativo ou judicial, o seu direito violado. Tal comando constitucional abrange a Administração Tributária, devendo os fiscos federal, estadual e municipal manterem órgãos especializados no julgamento do contencioso administrativo tributário.
Nesse liame, Machado conceitua:
“A expressão processo administrativo fiscal pode ser usada em sentido amplo e em sentido restrito. Em sentido amplo, tal expressão designa o conjunto de atos administrativos tendentes ao reconhecimento, pela autoridade competente, de uma situação jurídica pertinente à relação fisco-contribuinte. Em sentido estrito, a expressão processo administrativo fiscal
designa a espécie do processo administrativo destinado à administração e
exigência do crédito tributário”. (MACHADO, 2008, p. 445)
Hodiernamente o processo administrativo tributário vem se consubstanciando em um meio útil na busca da pacificação e do equilíbrio da relação jurídica tributária, firmada entre o Estado (sujeito ativo) e contribuinte (sujeito passivo).
Embora o processo administrativo fiscal não tenha poder jurisdicional, a sua existência se justifica e se faz necessária por oferecer, dentre outras, as seguintes vantagens:
– dispensa formalidades excessivas e complexos ritos processuais. O contribuinte não será obrigado a se fazer representar por intermédio de advogado, como ocorre no processo judicial;
– possibilita à Administração a oportunidade de rever o ato de lançamento praticado pelos seus agentes , em conformidade com as Súmulas nº 346 e nº 473, editadas pelo Supremo Tribunal Federal – STF, em observância ao poder de autotutela administrativa;
– é gratuito;
– suspende a exigibilidade do crédito tributário enquanto a matéria estiver pendente de apreciação nos órgãos julgadores, em virtude de impugnação ou recurso administrativo;
– permite a verificação dos requisitos de liquidez e de certeza inerentes ao crédito tributário, nos termos dos artigos 201 a 204, da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional – CTN) e da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal);
– enseja uma decisão mais precisa e especializada, dado o grau de conhecimento técnico dos julgadores tributários administrativos.
Dessa forma, verifica-se que o contencioso administrativo tributário serve tanto ao Fisco, à medida que possibilita a revisão interna do ato administrativo, principalmente o do lançamento, quanto ao contribuinte, já que é colocado à sua disposição um instrumento eficaz e ágil para análise da exigência a ele imposta. Presta-se, ainda, ao próprio Poder Judiciário, pois evita a interposição de demandas judiciais desnecessárias.
1.2 Processo e procedimento administrativo fiscal
Com a evolução da doutrina processual, tornou-se necessário diferenciar processo de procedimento.
Di Pietro (1999) define procedimento como formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos, equivalendo a rito, a forma de proceder, sendo normalmente desenvolvido dentro de um processo administrativo.
Meirelles, ao seu turno, ressalta:
“O processo, portanto, pode realizar-se por diferentes procedimentos, consoante a natureza da questão a decidir e os objetivos da decisão. Observamos, ainda, que não há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos que não constituem processo, como, por exemplo, os de licitações e concursos. O que caracteriza o processo é o ordenamento de atos para a solução de uma controvérsia; o que tipifica o procedimento de um processo é o modo específico do ordenamento desses atos.” (MEIRELLES, 2004, p. 658)
Sinteticamente, pode-se aduzir que o procedimento é a forma de desenvolvimento dos atos processuais, enquanto o processo reúne os atos harmônicos e coordenados, praticados pelos sujeitos processuais de acordo com regras e princípios previstos em lei, visando assegurar a unidade do conjunto para a solução da lide.
Nessa esteira, Marins (2002) destaca que o procedimento fiscal tem caráter fiscalizatório ou apuratório, tendo a finalidade de preparar o ato de lançamento (etapa intermediária entre o procedimento e o processo), ao passo que o processo administrativo tributário refere-se ao conjunto de normas que disciplina o regime jurídico para a solução das lides fiscais formalizadas perante a Fazenda Pública.
Assim, na opinião de Marins (2002), ocorrem no âmbito administrativo fiscal três momentos distintos:
1. procedimento preparatório do ato de lançamento tributário;
2. ato de lançamento;
3. processo de julgamento da lide fiscal.
Na ação fiscal de determinação e exigência de crédito tributário, o procedimento vai desde a fiscalização até a formalização do ato administrativo de lançamento ou de aplicação de penalidade.
O lançamento aparece como etapa intermediária entre o procedimento e o processo. O procedimento é a fase de fiscalização e apuração, com o objetivo de alcançar o lançamento.
Entretanto, nem sempre o lançamento será precedido de procedimento. Há casos em que a Administração utiliza-se de dados pré-fixados para o lançamento do tributo.
Nesta etapa fiscalizatória, a priori, não há que se falar em contraditório ou ampla defesa, já que inexiste qualquer pretensão fiscal exigida.
Com a realização do lançamento, através de Auto de Infração ou Notificação de Lançamento, ganha exigibilidade o crédito tributário, o que confere ao contribuinte as opções de pagar ou de impugnar a pretensão fiscal.
Se o contribuinte optar pelo pagamento, extingue-se o crédito tributário e com ele a relação jurídica tributária. Neste caso, não há que se falar em processo.
Entretanto, se houver a entrega de uma impugnação dentro do prazo estabelecido em lei, instaurar-se-á a fase litigiosa, passando a assistirem ao contribuinte as garantias constitucionais e legais do devido processo legal.
Marins defende a ocorrência de uma transformação do procedimento para processo administrativo tributário, antes da fase judicial:
“[…] a etapa contenciosa (processual) caracteriza-se pelo aparecimento formalizado do conflito de interesses, isto é, transmuda-se a atividade administrativa de procedimento para processo no momento em que o contribuinte registra seu inconformismo com o ato praticado pela administração, seja ato de lançamento de tributo ou qualquer outro ato que, no seu entender, lhe cause gravame, como a aplicação de multa por suposto incumprimento de dever instrumental”. (MARINS, 2002, p. 164)
Conclui-se que na atividade administrativa fiscal é visível a distinção entre processo e procedimento. Em geral, o procedimento precede o processo.
1.3 Distinções entre o processo administrativo tributário e o processo judicial tributário
Em geral, o processo tributário é constituído por um conjunto de atos administrativos ou judiciais tendentes à apuração de obrigação tributária ou do descumprimento desta, com o objetivo de resolver controvérsias entre o Fisco e o contribuinte.
Quanto ao processo administrativo fiscal, Cais assevera:
“Em senda administrativa, o contencioso tributário constitui uma continuação, ou a antecipação, ou, ainda, a reabertura do processo de lançamento, no sentido de que essa discussão é dotada da mesma natureza do processo de lançamento, que fica suspenso até a sua decisão final, a qual constituirá o lançamento definitivo. […]” (CAIS, 2007, p. 250)
Balizando-se no ensinamento da doutrina pátria, extraem-se as seguintes características inerentes ao processo administrativo fiscal:
– controle interno da legalidade do lançamento: a Administração controla a legalidade de seus próprios atos, podendo até anulá-los face ao seu poder de autotutela;
– inexistência de uma relação triangular: a Fazenda Pública é, ao mesmo tempo, parte e julgador;
– limitação da eficácia das decisões: os órgãos administrativos julgadores não possuem jurisdição e também não detém competência para reconhecer a ilegalidade ou a inconstitucionalidade das normas tributárias. As decisões administrativas, mesmo que proferidas em última instância, são passíveis de revisão pelo Poder Judiciário;
– não possui caráter expropriatório: mesmo que a procedência do crédito tributário seja decidida em caráter definitivo, no âmbito administrativo, a administração só poderá executar o patrimônio do sujeito passivo pela via judicial, através de uma ação de execução fiscal;
– a estrutura da administração julgadora é montada dentro do próprio Poder Executivo. Não há total independência para julgar;
– cada pessoa política, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tem capacidade para estabelecer normas acerca de seus respectivos processos administrativos fiscais;
– é regido pelo Princípio do Informalismo: a principal característica do informalismo é a não exigência de formas rígidas para sua instauração, instrução e decisão, a não ser quando a lei assim o exigir;
– obedece ao Princípio da Verdade Material: diferentemente do processo judicial em que vigora o princípio da verdade formal resultante das provas e dos fatos incluídos pelas partes nos autos, o que se busca no processo administrativo é a verdade real. Serão consideradas todas as provas e fatos novos, ainda que desfavoráveis à Fazenda Pública.
Há de se registrar, contudo, que em decorrência do preceito insculpido no artigo 5º, XXXV, do Diploma Constitucional, a matéria objeto do processo administrativo pode, a qualquer tempo, ser submetida à apreciação do Poder Judiciário, não sendo necessária a formulação prévia do pleito na esfera administrativa.
A título ilustrativo, as ações judiciais mais utilizadas nas discussões travadas em torno da relação jurídica tributária são: ação de execução fiscal (tem por objeto a cobrança de créditos fiscais atribuídos à União, aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios e às respectivas autarquias); ação declaratória (é promovida em face do ente público com a finalidade de se reconhecer a existência ou inexistência de dada relação jurídica tributária); ação de repetição de indébito (visa a obter o reconhecimento de direito à devolução de tributo pago indevidamente); ação anulatória (possui o escopo de obter a nulidade do ato que constituiu o crédito tributário); mandado de segurança (utilizado para afastar qualquer ato de autoridade pública que afronte direito líquido e certo); e a ação popular (dirigida a anular os atos lesivos ao patrimônio público).
Cabe aqui elencar peculiaridades do processo judicial tributário, levantadas por vários doutrinadores, que o distingue do contencioso administrativo fiscal:
– controle externo da legalidade: o Poder Judiciário controla os atos praticados pela Administração;
– relação triangular: estão presentes os três elementos subjetivos que lhe são típicos: o autor, o réu e o julgador;
– formalismo: é revestido de aspectos e regras determinados por dispositivos legais;
– obedece ao Princípio da Verdade Formal: o juiz deve ater-se às provas indicadas, no devido tempo, pelas partes, obedecendo ao brocado "o que não está nos autos, não está no mundo";
– definitividade dos julgados: das decisões judiciais em última instância não se pode mais interpor recurso.
– poder expropriatório: a ação de execução fiscal pode resultar na perda, por parte do sujeito passivo, de parte de seu patrimônio, com o objetivo de cumprir a decisão que lhe tenha sido desfavorável.
– a lei de regência é de competência privativa da União, que legisla sobre direito processual, conforme o art. 22 da CF;
– privilégios processuais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: possuem prazo em quádruplo para contestar, prazo em dobro para recorrer, direito a execução por precatórios e a duplo grau obrigatório em caso de decisões a eles contrárias.
Ademais, o processo judicial, diferentemente do processo administrativo, somente tem a suspensão da exigibilidade do crédito tributário se for oferecida garantia ou concedida antecipação de tutela ou liminar ao autor. O que, muitas das vezes, representa um óbice ao contribuinte para questionar a cobrança ilegal de tributos, principalmente àqueles de poucos recursos financeiros.
Cumpre ressaltar que, caso haja propositura de ação judicial pelo contribuinte, o processo administrativo terá o seu curso cessado, em face da reserva jurisdicional contemplada no sistema brasileiro, consoante o parágrafo único do art. 38 da Lei nº 6.830/1980. Esta renúncia às instâncias administrativas diz respeito, apenas, à matéria comum aos dois processos e está fundamentada no fato de as decisões judiciais serem autônomas e definitivas.
Questão de grande relevo é a análise da decadência face à interposição de ação judicial pelo sujeito passivo, situação em que o contribuinte se antecipa à autoridade lançadora e obtém judicialmente a suspensão do crédito tributário antes mesmo de sua constituição.
Na visão de Machado Segundo (2009), a realização do lançamento nos casos em que o contribuinte esteja protegido por medida judicial, não implica violação de direito individual e sim, resguardo do crédito tributário em relação à decadência. Caso não se efetue o lançamento no curso do prazo decadencial e a ação judicial não seja decidida em definitivo nesse prazo, a Fazenda Nacional não mais poderá exercer o seu direito.
Tal entendimento, ainda de acordo com Machado Segundo (2009), advém do fato de que o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário mediante lançamento é, reconhecidamente, um direito potestativo, o qual pode ser exercitado unilateralmente, independente de qualquer condição ou da colaboração de terceiros.
Destarte, a suspensão da exigibilidade prevista no CTN refere-se ao crédito tributário regularmente constituído e não à possibilidade de a autoridade administrativa efetuar o lançamento. Assim, o que se impede é a cobrança do crédito tributário quando esse se encontra com exigibilidade suspensa. Portanto, a Fazenda Pública não está impedida de proceder ao ato administrativo de lançamento, tendo expressa autorização legal, qual seja o art. 63 da Lei n° 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
2 PRINCÍPIOS NORTEADORES
O sistema jurídico pátrio apresenta rigidez em sua hierarquia normativa, de forma que as normas jurídicas inferiores encontram fundamento de validade nas normas jurídicas superiores até que se alcance o Texto Constitucional, de maneira que a unidade do ordenamento deriva da relação de interdependência e irradiação de efeitos decorrentes das aludidas normas jurídicas.
Nesse liame, Mello norteia:
“Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. (MELLO, 2009, p. 53)
Os princípios têm grande importância no sistema jurídico e, igualmente, no subsistema processual tributário, posto que aqui também informam rumos a serem seguidos para que as decisões proferidas no âmbito do processo administrativo tributário alcancem seu fim maior, qual seja, o da efetiva justiça fiscal.
Os princípios aplicáveis ao processo administrativo tributário, inicialmente deduzidos na doutrina, são encontrados na Constituição Federal, em regras de direito objetivo que condicionam o funcionamento global do sistema e em atos específicos que os regulam.
2.1 Princípios de natureza constitucional
2.1.1 Legalidade
O artigo 5º, inciso II, do Texto Constitucional de 1988, determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, impondo a reserva formal da lei pela autoridade competente.
Meirelles, a respeito, adverte que:
“A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2º da Lei n. 9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme à lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos”. (MEIRELLES, 2004, p. 87)
Trata-se, aqui, do princípio capital para a configuração do regime jurídico administrativo. É fruto da submissão do Estado à lei, que consagra a idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da norma legal, encontrando amparo no artigo 37 da Constituição Federal.
Na verdade, esse princípio é tão importante na aplicação do Direito Tributário, que o CTN, em seu artigo 142, determinou que todos os atos praticados no interesse da atividade administrativa de cobrança de tributos sejam estritamente vinculados. Significa que o procedimento administrativo tributário deve seguir rigorosamente as determinações legais, ou seja, a legalidade deve abranger o desenvolvimento dos, objetivando enquadrá-los nos estritos e precisos termos normativos.
A Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999, estabeleceu expressamente em seu art. 2º o atendimento do princípio da legalidade no processo administrativo como dever da Administração.
2.1.2 Contraditório
Previsto na Constituição Federal (art. 5°, inc. LV), trata-se de manifestação do princípio do devido processo legal, e decorrente do brocardo latino audiatur et altera pars, exprimindo a possibilidade, conferida aos contendores no processo, de praticar todos os atos tendentes a influir no convencimento do juiz. Tem estreita ligação com o princípio da igualdade das partes e se traduz na necessidade de se dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, bem como na possibilidade de estas reagirem aos atos que lhes forem desfavoráveis.
A esse propósito, Xavier pontifica:
“[…] o princípio do contraditório reporta-se ao modo do seu exercício. Esse modo de exercício, por sua vez, caracteriza-se por dois traços distintos: a paridade das posições jurídicas das partes no procedimento ou no processo, de tal modo que ambas tenham a possibilidade de influir, por igual, na decisão (“princípio da igualdade de armas”); e o caráter dialético dos métodos de investigação e de tomada de decisão, de tal modo que a cada uma das partes seja dada a oportunidade de contradizer os fatos alegados e as provas apresentadas pela outra”. (XAVIER, 2005, p. 10)
Os litigantes têm, portanto, direito de deduzirem pretensões e defesas, apresentarem provas para demonstrar a existência de seus direitos e serem ouvidos paritariamente. (NERY JR., 2004)
O contraditório traduz-se na faculdade da parte de manifestar sua posição sobre fatos ou documentos, trazidos ao processo, pela outra parte.
2.1.3 Ampla defesa
O princípio da ampla defesa, previsto no artigo 5º, inciso LV, da Carta Magna, decorre igualmente do princípio do devido processo legal (due process of law) inerente à Constituição dos Estados Unidos da América, por meio do qual impera a idéia de que as partes litigantes transcorram um processo de forma justa (fair procedure).
Como elucida Xavier (2005), o direito de defesa e o contraditório são manifestações do Princípio do Devido Processo Legal. Apesar de ser possível separá-los por uma abstração, pode-se dizer que estão intimamente relacionados. Não há ampla defesa se o contraditório inexistir.
O princípio do contraditório, na realidade, encontra-se relacionado com a ampla defesa por um vínculo instrumental. Ele representa o modo de exercício de um direito, afirmado pela ampla defesa.
A observância do princípio da ampla defesa garante aos contribuintes o exercício do direito da defesa de seus interesses de forma incondicional e irrestrita, não sendo admitidas quaisquer limitações.
Na concepção de Medauar:
“A Constituição Federal de 1988 alude, não ao simples direito de defesa, mas, sim, à ampla defesa . Nesse sentido, tem-se a expressão final do inciso LV: “com os meios e recursos a ela inerentes”, englobados na garantia, refletindo todos os seus desdobramentos, sem interpretação restritiva.” (MEDAUAR, 1993, p. 111)
Assim, admitir-se-á a produção de provas e a dedução das razões da pretensão que se quer ver atendida, a fim de demonstrar cabalmente o direito que foi violado. Consiste, portanto, na efetiva participação das partes no processo, prestando os esclarecimentos e juntando as provas necessárias à obtenção de justo julgamento.
2.1.4 Devido Processo Legal
Esse princípio tem origem na cláusula due process of law do Direito inglês e norte-americano, conforme registra a doutrina e já referenciado anteriormente. Consiste em assegurar ao contribuinte o direito de não ser privado de seu patrimônio sem a garantia de um processo desenvolvido na forma estabelecida pela lei.
Na Carta Política encontra-se expresso no ordenamento constitucional, artigo 5º, LIV, que dispôs: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e, mais especificamente direcionado aos processos judicial e administrativo, no inciso LV, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa”. Assim, verifica-se que é por meio do contraditório e da ampla defesa que esse princípio se manifesta.
Representa garantia inerente ao Estado Democrático de Direito de que ninguém será condenado sem que lhe seja assegurada a plenitude da defesa. Genericamente, caracteriza-se pela tutela do trinômio vida-liberdade-propriedade em seu sentido mais amplo e genérico. Em sentido processual, a expressão tem significado mais restrito e compreende a garantia de ampla defesa, o contraditório, a prévia determinação de competência (juiz natural) e o direito a uma decisão fundamentada e que ponha fim ao processo.
Nesse caminho, Silva esclarece:
“O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Carta Magna inglesa: ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude de defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e quando se fala em “processo”, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica.” (SILVA, 2002, p. 430)
O princípio do devido processo legal é fundamental, por ser a base sobre a qual se assentam todos os demais princípios. A inobservância aos princípios informadores do processo administrativo tributário (constitucionais, administrativos e processuais específicos), portanto, em última análise, acaba por desrespeitar o princípio do devido processo legal.
2.1.5 Duplo grau de jurisdição
Neder e López (2002) lembram que, não apenas a Constituição (art. 5º, LV), mas, também, o Código Tributário Nacional (art. 151, III) e a legislação ordinária são plenos de referências que prestigiam a dupla instância no âmbito do processo administrativo fiscal.
A propósito, Melo assevera:
“Na medida em que a CF (art. 5º, inciso LV) outorga aos litigantes em processo judicial ou administrativo, o direito à ampla defesa com os recursos a ela inerentes, está pressuposto a instância recursal para que as decisões singulares (normalmente mantendo as exigências tributárias), sejam revistas em caráter devolutivo e suspensivo. Tendo em vista que os julgadores singulares usualmente homologam as exigências tributárias, é necessária a previsão de recursos, para que os órgãos de segunda instância administrativa (normalmente de composição paritárias), possam reexaminar toda a matéria posta na lide”. (MELO, 2006, p. 88)
A Lei n° 9.784/1999, por seu turno, estabeleceu que os apelos dos administrados fossem apreciados em, pelo menos, duas instâncias independentes. O artigo 56, parágrafo único, prescreve que o "recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior".
Destarte, poderá a parte insatisfeita com a decisão prolatada no processo administrativo ou judicial recorrer a um segundo órgão julgador, com igual poder e amplitude de conhecimento do órgão recorrido, possibilitando-se, assim, a eventual reforma da decisão.
2.1.6 Segurança Jurídica
Trata-se de princípio geral do direito que informa a manutenção dos atos administrativos geradores de direito. Esse princípio encontra-se positivado no preâmbulo do texto constitucional e tem como corolários o princípio da irretroatividade da lei e o respeito ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito, bem como os institutos da prescrição e da decadência.
Discorrendo sobre o tema, Xavier comenta:
“[…] as leis tributárias devem ser elaboradas de tal modo que garantam ao cidadão a confiança de que lhe facultam um quadro completo de quais as suas ações ou condutas originadoras de encargos fiscais. […] o princípio da confiança na lei fiscal, como imposição do princípio da segurança jurídica, traduz-se praticamente na possibilidade dada ao contribuinte de conhecer e computar os seus encargos tributários com base direta e exclusivamente na lei.” (XAVIER, 1978, p. 46)
Nesse sentido, a Lei n° 9.784/1999 impõe, de modo expresso, o princípio da segurança como critério a ser obedecido pela administração pública federal. O preceito constante do parágrafo único, inciso XIII, do art. 2° da referida lei, prevê a "interpretação da norma administrativa que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação".
O próprio Código Tributário Nacional segue essa orientação, pois estabelece limites para a ação revisora da Administração nos seus artigos 146 e 149. Em outras situações, em razão da segurança jurídica, o direito estabelece limites temporais ao exercício da invalidação dos atos administrativos. É o caso do artigo 54 da Lei n° 9.784/1999, que prescreve o prazo de cinco anos para a Administração invalidar os atos administrativos, viciados de efeitos jurídicos, favoráveis aos contribuintes por mecanismos internos. Introduz, portanto, nova regra de decadência, pois a Administração Pública não precisa recorrer às vias judiciais para invalidar o ato administrativo.
2.1.7 Direito de Petição
O direito de petição é um direito político, que pode ser exercido por qualquer um, pessoa física ou jurídica, sem forma rígida de procedimento para fazer-se valer, caracterizando-se pela informalidade. Basta a identificação do peticionário e o conteúdo sumário do que se pretende do órgão público destinatário do pedido.
Pode vir exteriorizado por intermédio de petição, no sentido estrito do termo, representação, queixa ou reclamação. Para legitimar-se ao direito de petição, não é necessário que tenha sofrido gravame pessoal ou lesão de direito, porque se caracteriza como direito de participação política, onde está presente o interesse geral no cumprimento da ordem jurídica. (NERY JR., 2004)
Direito de petição e direito de ação não se confundem. Enquanto este é público, subjetivo, pessoal e reclama a necessidade de preenchimento da condição da ação, aquele é político e impessoal, prescindindo-se da perquirição do interesse pessoal, bastando estar presente o interesse geral no cumprimento da ordem jurídica.
O acesso ao processo administrativo está assegurado no artigo 5°, inciso XXXIV, alínea a, da Lei Maior.
A garantia do direito de petição também pode ser entendida como o direito de obter do poder público a manifestação fundamentada a respeito da providência que lhe seja solicitada, ainda que seja para negá-la.
2.2 Princípios de natureza administrativa
2.2.1 Interesse Público
O interesse público, ao contrário do particular, é o que se assenta em fato ou direito de proveito coletivo ou geral. Está, pois, ligado a todos os fatos ou coisas que se entendam de benefício comum ou para proveito geral, ou que se imponham por uma necessidade de ordem coletiva.
No que tange ao princípio em referência, Meirelles elucida:
“O princípio do interesse público está intimamente ligado ao da finalidade. A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral. Em razão dessa inerência, deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviços públicos forem delegados aos particulares.
Dele decorre o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado, que, por isso, mediante lei poderá autorizar a disponibilidade ou a renúncia.” (MEIRELLES, 2004, p. 101)
Nas relações processuais instauradas entre Fisco e contribuinte não se pode confundir o interesse público com o interesse da Administração Pública, sendo vedada a prática de ato administrativo valorado por interesses pessoais, arbitrários e confiscatórios que persigam, a qualquer custo, exigências indevidas ou injustas do contribuinte.
2.2.2 Impessoalidade
A impessoalidade decorre do princípio constitucional da isonomia (CF/88, art. 5º, caput) e pode ser entendida pela impossibilidade de agir, o gestor da coisa pública, com vistas a beneficiar ou prejudicar determinados grupos ou pessoas, tendo em vista que compete ao poder público atuar pelo interesse da coletividade.
Acerca do princípio da impessoalidade, Di Pietro analisa:
“[…] Exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração. No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento […].
No segundo sentido, o princípio significa, segundo José Afonso da Silva (1989:562), baseado na lição de Gordillo que “os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da Administração Pública, de sorte que ele é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal”. (DI PIETRO, 1999, p. 64)
Em decorrência do princípio da impessoalidade prega-se o completo desligamento entre a figura do administrador e a Administração Pública, vedando-se a promoção pessoal. Almeja-se uma atuação administrativa neutra e objetiva.
2.2.3 Moralidade
A conduta do administrador público, além de guiar-se por critérios de conveniência, oportunidade e justiça de suas decisões, deve pautar-se pela obediência aos valores morais definidos em função de comportamento ético, aceitos pela opinião pública.
Previsto, expressamente, no caput do art. 2° da Lei n° 9.784/1999, o princípio da moralidade tem sua aplicação, no processo administrativo, orientada pelo critério contido no inciso IV deste artigo, o qual dispõe: "atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé".
A respeito da questão vertente, Meirelles revela:
“O certo é que a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além de sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima”. (MEIRELLES, 2004, p. 89)
Resta evidenciado que ao agir o agente administrativo não pode desprezar o elemento ético de sua conduta, devendo sempre pautar o seu comportamento funcional de acordo com valores republicanos, sobretudo a lealdade e a boa-fé.
2.2.4 Proporcionalidade e razoabilidade
O princípio da razoabilidade tem por objetivo verificar a compatibilidade entre os meios empregados e as finalidades almejadas na prática de determinado ato administrativo, no intuito de evitar restrições inadequadas, desnecessárias, arbitrárias ou abusivas aos administrados por parte do Poder Público.
Por sua vez, o princípio da proporcionalidade é concebido, assentando-se nos ensinamentos doutrinários, sob três enfoques:
a) da adequação: a medida adotada deve ser eficiente para alcançar seu objetivo, isto é, o meio adotado na atuação deve ser compatível com o fim colimado;
b) exigibilidade ou necessidade: a medida deve ser a menos gravosa possível, ou seja, a conduta deve ter-se por necessária, não havendo outro meio menos gravoso ou oneroso para alcançar o fim público;
c) proporcionalidade estrita: o benefício obtido com a medida deve compensar o sacrifício imposto (relação custo/benefício).
Nesse diapasão, Meirelles discorre:
“Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais. Como se percebe, parece-nos que a razoabilidade envolve a proporcionalidade, e vice-versa. Registre-se, ainda, que a razoabilidade não pode ser lançada como instrumento de substituição da vontade da lei pela vontade do julgador ou do intérprete, mesmo porque “cada norma tem uma razão de ser”. (MEIRELLES, 2004, p.92)
Vale destacar que esse princípio está implícito no Texto Constitucional e previsto claramente no art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei n. 9.784/1999, como critério de atuação da administração nos processos administrativos, “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.
2.2.5 Publicidade
O princípio deriva da necessidade de transparência e visibilidade da atuação administrativa, reivindicação das sociedades democráticas. Em decorrência do princípio, os atos administrativos, e os processuais inclusive, hão de ser públicos. Já os particulares, mesmo aqueles que não são parte interessada em determinado processo, terão meios para cientificar-se das ocorrências na Administração.
A publicidade dos atos do processo administrativo fiscal deve ser analisada tanto de acordo com a norma constitucional para os atos processuais (art. 5°, inc. LX) quanto com o princípio da publicidade dos atos praticados pela Administração (art. 37, caput).
Hoffmann (2000) entende, com base nos fundamentos do Estado Democrático de Direito, que a publicidade deve ser a regra no que tange aos processos e aos dados administrativos fiscais, sobretudo porque o princípio consiste numa das formas de controle da moralidade administrativa.
A autora, no entanto, distingue a publicidade dos atos ocorridos no processo administrativo (decisões, votos, pedidos de diligências) da publicidade do processo administrativo em si. Segundo a mesma, o acesso às informações do primeiro grupo não feriria a garantia constitucional de sigilo. Ao contrário, a Administração teria o dever de publicar atos e decisões concernentes aos processos para viabilizar o controle de sua atuação. No segundo caso, todavia, há de se restringir o acesso de pessoas aos autos, sob pena de expor dados sigilosos dos contribuintes. O princípio da publicidade, portanto, comporta exceções derivadas da necessidade de preservar a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, bens declarados invioláveis pela Constituição (art. 5°, inc. X).
2.2.6 Eficiência
A eficiência é um objetivo que está presente desde a Reforma do Estado, insculpida no Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, submetendo toda atividade pública ao controle de resultado (arts. 13 e 25, V), fortalecendo o sistema de mérito (art. 25, VII), sujeitando a Administração indireta a supervisão ministerial quanto à eficiência administrativa (art. 26, III) e recomendando a demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100).
A Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, inseriu o princípio da eficiência entre os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no artigo 37, caput.
No entender de Medauar o princípio em comento:
“[…] determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão.” (MEDAUAR, 2002, p. 157)
A aplicação do princípio da eficiência faz com que o processo seja instrumento, não se podendo exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa. Como consequência, não se anulam atos processuais imperfeitos quando não prejudicarem as partes e não influírem na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.
Cumpre observar, no entanto, que a busca pela obtenção de resultados de forma satisfatória e eficiente, somente pode ser concebida dentro dos parâmetros estabelecidos pelos princípios da legalidade e moralidade.
2.2.7 Finalidade
Quer este princípio que a atuação do agente estatal vincule-se ao interesse público, bem como à finalidade específica que anima a lei que esteja sendo aplicada.
Nessa trilha, Mello (2009) salienta que o princípio da finalidade é uma inerência do princípio da legalidade, estando nele contido, correspondendo à aplicação da lei consoante o objetivo pelo qual foi editada.
Depreende-se que a norma administrativa deve ser interpretada e aplicada da forma que melhor garanta a realização do fim público a que se dirige. O administrador público, quando da consecução de seu mister, deve levar em conta não apenas a letra da lei, sob o pálio de estar cumprindo a legalidade exigida em sua atuação. Deve observar também a razão de ser da norma, o objetivo que gerou sua criação, buscando o resultado prático e eficiente, autorizado pela mesma.
No que tange ao processo administrativo fiscal, este possui finalidades próprias, nelas incluídas o resguardo das demandas dos contribuintes e a revisão interna do ato de lançamento.
2.2.8 Motivação
Decorrência lógica do princípio da ampla defesa, exige que os atos processuais de conteúdo decisório sejam motivados, isto é, devem se fazer acompanhar, expressamente, dos seus fundamentos, de forma a dar conhecimento ao seu destinatário das razões que levaram a autoridade a decidir de determinada forma, possibilitando, com isso, o pleno exercício do direito de defesa.
Ao definir referida espécie, Meirelles assim dispõe:
“Pela motivação o administrador público justifica sua ação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática […].
A motivação, portanto, deve apontar a causa e os elementos determinantes da prática do ato administrativo, bem como o dispositivo legal em que se funda”. (MEIRELLES, 2004, p. 99)
No que diz respeito ao processo administrativo federal, a Lei n° 9.784/1999 positivou o princípio em seu artigo 50. A administração tem o dever de emitir, expressamente, decisão nos processos administrativos e sobre solicitações e reclamações, em matéria de sua competência.
Especificamente em relação ao processo administrativo fiscal, a obrigatoriedade de o julgador se pronunciar sobre todas as razões de defesa suscitadas pelo impugnante, bem como especificar os fatos e fundamentos legais da decisão está explicitada no artigo 31 do Decreto n° 70.235/1972. A jurisprudência administrativa entende que a omissão desses requisitos enseja a nulidade da decisão.
2.2.9 Hierarquia
A hierarquia consiste na relação de subordinação decorrente da distribuição de funções, competências e níveis de autoridade existente nos órgãos do Poder Executivo. “Do poder hierárquico decorrem faculdades implícitas para o superior, tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar atribuições e a de rever os atos dos inferiores”. (MEIRELLES, 2004, p. 120).
Segundo o princípio em análise, os órgãos julgadores estão adstritos ao poder hierárquico dos seus dirigentes máximos somente no que diz respeito às suas funções administrativas típicas (execução orçamentária, horário de funcionamento, nomeação de servidores), mas não no que se refere ao mérito de suas decisões.
Desta feita, tem-se que o poder hierárquico é aplicável somente aos meros procedimentos, tendo em vista não existir subordinação hierárquica no que concerne aos órgãos julgadores e à sua atividade judicante.
2.3 Princípios setoriais do processo administrativo tributário federal
2.3.1 Verdade Material
Esse princípio se efetiva por intermédio do exame pormenorizado e da valoração das provas carreadas aos autos pelas partes (tanto pelas autoridades fazendárias quanto pelos contribuintes).
Eis a visão de Mello:
“Deveras, se a Administração tem por finalidade alcançar verdadeiramente o interesse público fixado na lei, é óbvio que só poderá fazê-lo buscando a verdade material, ao invés de satisfazer-se com a verdade formal, já que esta, por definição, prescinde do ajuste substancial com aquilo que efetivamente é, razão por que seria insuficiente para proporcionar o encontro com o interesse público substantivo”. (MELLO, 2009, p.502)
No tocante às provas, a Administração detém liberdade plena de produzi-las desde que obtidas por meios lícitos. A investigação dos fatos deve trazer aos autos o que realmente ocorreu, ou seja, a realidade, ao contrário do processo em que vigora a verdade formal, onde o julgador deve apreender os fatos que contiverem os autos.
No contencioso administrativo tributário a regra é que as provas devem ser apresentadas juntamente com a impugnação ou com a manifestação de inconformidade, no devido prazo legal, conforme artigo 15 do Decreto n° 70.235/1972. No parágrafo 4° do artigo 16, a disposição foi repetida, mitigando a regra preclusiva nas circunstâncias elencadas nas alíneas de "a" a "c", quais sejam: i) demonstração da impossibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de força maior; ii) refira-se a fato ou a direito superveniente; iii) destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos.
Determina ainda o mesmo diploma legal retromencionado, nos parágrafos 5º e 6º do artigo 16, que a juntada de documentos após a impugnação deverá ser requerida à autoridade julgadora, mediante petição em que se demonstre, com fundamentos, a ocorrência de uma das condições acima destacadas. No caso de já ter sido proferida decisão, os documentos apresentados permanecerão nos autos para, em se interpondo recurso, serem apreciados pela autoridade julgadora de segunda instância.
A despeito dessa norma restritiva, em busca da verdade material, a atual tendência do CARF tem sido no sentido de abrandar o rigor da regra, admitindo o exame de provas a qualquer tempo.
2.3.2 Formalismo moderado
Desse princípio decorre o desapego às formalidades excessivas e aos complexos ritos processuais. O processo administrativo deve ser simples e informal, sem que isso signifique, obviamente, a inobservância da "forma e de requisitos mínimos indispensáveis à regular constituição e segurança jurídica dos atos que compõem o processo" (BONILHA apud NEDER e LOPEZ, 2002, p.65).
Deve-se sempre ter em conta que o Estado não possui interesse subjetivo nas questões controvertidas no processo, senão para certificar-se da validade jurídica dos atos praticados por seus agentes. Portanto, ressalvadas as situações em que a lei exija, expressamente, certa formalidade, devem ser relevadas pequenas incorreções de forma, corrigida a instância quando a petição for dirigida à autoridade diversa da competente para proferir o despacho ou a decisão, de maneira a tornar simples o acesso do administrado ao processo, desde que não prejudique a sistematização necessária à sua tramitação.
E é esta a orientação do artigo 2º, inciso IX da Lei 9.784/1999, o qual preconiza a “adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado graus de certeza e respeito aos direitos dos administrados".
Ainda que não se desprezem algumas formalidades, a regra não é a predeterminação de forma para regularidade do ato processual. A exemplo do estabelecido no artigo 154 do Código de Processo Civil, os atos e termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente o exigir. Ainda assim, reputam-se válidos os atos que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
2.3.3 Oficialidade
Para Maia (1999), o princípio da oficialidade (impulso oficial) resume-se na obrigatoriedade da própria Administração, sob pena de responsabilização dos seus agentes, de ter que executar de ofício todos os atos que estejam dentro de sua competência, independentemente de provocação do sujeito passivo ou de qualquer ato ou ordem superior.
Contrapõe-se ao princípio da inércia, aplicável ao processo civil e que procura preservar a neutralidade do julgador que age apenas quando provocado pelas partes e no limite dos seus pedidos. Nesse caso, a falta de iniciativa das partes enseja o encerramento do processo.
A Lei 9.784/1999, artigo 2°, inciso XII, determina a impulsão de ofício do processo administrativo, sem prejuízo da iniciativa dos interessados.
O Decreto n° 70.235/1972, a seu turno, prescreve, no artigo 18, que a autoridade julgadora pode determinar ex officio a realização de diligências ou perícias que entender necessárias.
2.3.4 Gratuidade
Mello (2009) expõe que os procedimentos administrativos fiscais devem ser gratuitos porque são realizados no atendimento do interesse do Estado em promover sua autotutela, através dele pretende-se garantir que o procedimento administrativo não seja causa de ônus econômicos ao administrado.
No âmbito do processo administrativo federal, o princípio em referência fora consagrado no inciso XI, do parágrafo único, do artigo 2º, da Lei nº 9.784/1999, ao estabelecer a proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei.
Destarte, o princípio da gratuidade resulta na impossibilidade de cobrança de quaisquer despesas processuais, no âmbito do contencioso administrativo tributário, de forma que não sejam impostos obstáculos ao acesso dos administrados à instância administrativa.
2.3.5 Objetividade da ação fiscal
O princípio da objetividade não permite que se invoque, no curso do processo administrativo fiscal, outras situações ou tributos não especificados no escopo original do procedimento.
Emerenciano citado por Janczeski explica:
“[…] O fiscalizado, para poder realizar eficaz defesa, necessita possuir elementos para poder insurgir-se contra os atos que afetem a órbita de seus direitos públicos subjetivos. Conhecer as razões constitui-se em garantia mínima para um adequado exercício de eventual direito de defesa e acesso ao judiciário para impedir eventuais violações”. (JANCZESKI, 2006, p.93)
A Suprema Corte Brasileira homenageou o princípio da objetividade da ação fiscal em sua Súmula 439, a qual preceitua que “estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais, limitado o exame aos pontos objeto da investigação”.
No âmbito da Receita Federal do Brasil o procedimento de fiscalização é instaurado por meio de instrumento específico denominado Mandado de Procedimento Fiscal, o qual, previamente, define os limites da ação fiscal a que estará submetido o sujeito passivo, coibindo incidentes arbitrários por parte do agente fiscalizador e conferindo maior transparência à relação Fisco-contribuinte.
3 SITUAÇÃO ATUAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO NO ÂMBITO FEDERAL
3.1 Base legislativa infraconstitucional
O Poder Executivo editou o Decreto n° 70.235 em 06 de março de 1972 objetivando a unificação da legislação processual tributária. Além disso, estabeleceu regras de estrutura dos órgãos de julgamento do Ministério da Fazenda e reorganizou os Conselhos de Contribuintes, responsáveis, em segunda instância, pela revisibilidade das decisões de primeira instância.
A partir daí iniciou-se uma discussão doutrinária sobre a posição hierárquica do Decreto n° 70.235/1972. O antigo Tribunal Federal de Recursos, através do AMS nº 106.747-DF, lhe outorgou status de lei e, dessa forma, foi recepcionado pela atual Constituição. Posteriormente, suas alterações se realizaram através de lei ordinária.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, que trouxe no rol dos direitos fundamentais o direito de petição aos órgãos públicos e o direito ao contraditório e à ampla defesa em processos judiciais e administrativos, iniciou-se a busca por regras gerais ao contencioso administrativo. Esta busca culminou na edição da Lei n° 9.784/1999, a qual passou a regular o processo administrativo na esfera federal.
Desta feita, a lei geral do processo administrativo federal veio dar contornos de processualidade à atividade administrativa, trazendo requisitos materiais, formais e principiológicos, com o objetivo de assegurar a proteção dos direitos do administrado e melhorar a execução dos fins da Administração Pública Federal, direta e indireta. Passou a influenciar, de forma subsidiária, vários procedimentos regulados por leis específicas, inclusive o processo administrativo tributário.
Oportuno lembrar que a partir de 01/04/2008, com o advento da Lei 11.457/2007 (consolidou a fusão entre a Secretaria da Receita Federal e a Secretaria da Receita Previdenciária, fazendo surgir a Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB), os procedimentos fiscais e os processos administrativos referentes às contribuições previdenciárias e às devidas a outras entidades ou fundos, também passaram a ser regidos pelo Decreto nº 70.235/1972.
Em suma, pode-se dizer que o Decreto nº 70.235/72 é a lei básica que regula os procedimentos realizados no âmbito do processo administrativo tributário federal e a Lei 9.784/99 é a base de sustentação, de forma subsidiária, que positivou vários princípios aplicáveis aos processos administrativos.
3.2 Julgamento em primeira instância
3.2.1 Competência
De acordo com o Decreto nº 70.235/1972, em seu artigo 25, I, compete às Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento – DRJ o julgamento em primeira instância de processos de exigência de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. São órgãos de deliberação interna e natureza colegiada.
O Regimento Interno da RFB (Portaria MF nº 125, de 04/03/2009), em seu artigo 212, estabelece que as DRJ possuem jurisdição nacional, com competência para julgar em primeira instância os seguintes processos:
1. de determinação e exigência de créditos tributários, inclusive devidos a outras entidades e fundos, e de penalidades;
2. relativos a exigência de direitos antidumping, compensatórios e de salvaguardas comerciais;
3. de manifestação de inconformidade do sujeito passivo contra apreciações das autoridades competentes relativas à restituição, compensação, ressarcimento, reembolso, imunidade, suspensão, isenção e à redução alíquotas de tributos e contribuições.
A Portaria RFB nº 1.916, de 13 de outubro de 2010, disciplina a competência territorial e por matéria das DRJ, relacionando, também, as matérias de julgamento por Turma. Conforme o Regimento Interno da RFB são dezoito DRJ distribuídas pelas cidades de Belém/PA, Belo Horizonte/MG, Brasília/DF, Campinas/SP, Campo Grande/MS, Curitiba/PR, Florianópolis/SC, Fortaleza/CE, Juiz de Fora/MG, Porto Alegre/RS, Recife/PE, Ribeirão Preto/SP, Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA e São Paulo/SP.
Impende registrar que os critérios definidores da jurisdição das DRJ são distintos da regra geral que estabelece a unidade administrativa onde deve tramitar e haver o preparo do processo. Isto porque é o domicílio tributário do contribuinte que define a unidade onde vai tramitar e ser preparado o processo, independentemente, portanto, do local da unidade em que foi formalizado o lançamento.
Já o julgamento é feito, em geral, justamente pela DRJ que jurisdiciona a unidade onde foi formalizado o lançamento.
Para os casos de manifestação de inconformidade contra o indeferimento de pedido de restituição, ressarcimento ou reembolso, ou contra a não-homologação de compensação, o julgamento é realizado pela DRJ competente para o julgamento de litígios que envolvam o tributo ou a contribuição ao qual o crédito se refere.
Como as DRJ possuem jurisdição nacional, o Secretário da RFB pode, ainda, transferir a competência para julgamento de processos entre esses órgãos, relacionando-os em portaria específica neste caso. Esse procedimento leva em conta os estoques de processos prioritários e as horas disponíveis para julgamento em cada DRJ, visando ao cumprimento de metas estabelecidas em nível nacional e atendendo ao princípio da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, da Constituição).
3.2.2 Estrutura funcional
O funcionamento das Delegacias de Julgamento está disciplinado na Portaria MF nº 58/2006, conforme a seguir:
– as DRJ são constituídas por turmas de julgamento, cada uma delas integrada por cinco julgadores e dirigida por um presidente nomeado dentre os seus integrantes;
– o Delegado da DRJ também atua como julgador e, obrigatoriamente, preside a Turma a qual integra;
– excepcionalmente, as turmas de julgamento podem funcionar com até sete julgadores, titulares ou pro tempore;
– o julgador pro tempore tem mandato limitado ao prazo máximo do mandato de titular, admitida a recondução, ou, na hipótese de afastamento legal do titular, à duração da ausência;
– o julgador titular é aquele designado para mandato de até dois anos, com término no dia 31 de dezembro do ano subseqüente ao da designação, admitida a recondução;
– para garantir o quórum mínimo de julgadores para a realização de sessão de julgamento, o Delegado da DRJ pode, ainda, designar julgador ad hoc escolhido dentre aqueles que compõem outras turmas;
– o julgador ad hoc participa da sessão sem relatar processos.
A designação dos julgadores e a nomeação do Presidente de Turma são de competência do Secretário da RFB, mediante indicação do Delegado da DRJ.
O julgador deve ser ocupante do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB), ou aposentado nesse cargo, preferencialmente, em ambos os casos, com experiência na área de tributação e julgamento ou habilitado em concurso público nessa área de especialização. O AFRFB aposentado pode ser designado julgador desde que exerça a função de Presidente de Turma.
Os julgadores estão impedidos de participar do julgamento de processos em que tenham participado da ação fiscal ou que sejam interessados no litígio cônjuge ou parentes, consangüíneos ou afins, até o terceiro grau, inclusive.
3.2.3 Julgamento
O artigo 9º da Portaria MF nº 58/2006 atribui ao Delegado da DRJ o estabelecimento dos critérios para distribuição dos processos, observadas as prioridades e preferências estabelecidas na legislação, além da semelhança e conexão de matérias. Isto possibilita aos Presidentes de Turma a distribuição simultânea, a um mesmo julgador, de vários processos cuja exigência fiscal verse sobre a mesma matéria ou tenha a mesma fundamentação legal, agilizando o julgamento.
Somente pode haver deliberação quando presente a maioria dos membros da turma, sendo essa tomada por maioria simples, cabendo ao Presidente, além do voto ordinário, o de qualidade. Assim, numa turma composta por sete julgadores, em caso de empate de votos em sessão realizada com o quorum mínimo de quatro julgadores, prevalece o entendimento esposado pelo Presidente.
Segundo o artigo 29 do Decreto nº 70.235/1972, na apreciação da prova o julgador formará livremente sua convicção, podendo determinar as diligências que entender necessárias. Cabe-lhe a valoração das provas, não havendo qualquer disposição na legislação processual que o vincule a critérios predeterminados de hierarquia de provas, bem como a decisão de quais delas têm maior ou menor peso para o julgamento do litígio, devendo constar da decisão as razões que motivaram seu convencimento, a fim de possibilitar o pleno exercício do direito de defesa.
Em relação ao direito aplicável aos fatos, a liberdade de convencimento do julgador é limitada em razão de alguns aspectos, tais como:
– o artigo 7º da Portaria MF nº 58/2006 determina a observância às normas legais e regulamentares e ao entendimento da RFB expresso em atos normativos;
– os pareceres da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN, quando aprovados pelo Ministro da Fazenda, são de aplicação obrigatória por todos os órgãos integrantes do Ministério da Fazenda, uma vez que a Procuradoria é o órgão competente para desempenhar as funções de consultoria e assessoramento jurídicos desse Ministério, nos termos da Lei Complementar nº 73/1993, art. 13;
– os pareceres do Advogado-Geral da União, aprovados e publicados juntamente com o despacho do Presidente da República, vinculam a Administração Federal (Lei Complementar nº 73/1993, art. 40);
– é incabível a apreciação de inconstitucionalidade argüida na esfera administrativa.
Ademais, o artigo 30 do Decreto nº 70.235/1972 estabelece uma presunção relativa de veracidade dos laudos ou pareceres técnicos emitidos por órgãos da Administração Federal. Assim sendo, quanto aos aspectos técnicos, cabe ao órgão julgador demonstrar a improcedência dos laudos ou pareceres, podendo, inclusive, solicitar outros de quaisquer dos órgãos referidos no caput do artigo 30. Nesse sentido, a Lei nº 9.784/1999, em seu artigo 50, inciso VII, determina que os atos administrativos que discrepem de pareceres e laudos oficiais sejam motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos.
No que tange ao prazo para que seja proferida a decisão, impende informar que a Lei 11.457/2007 estabeleceu o limite de trezentos e sessenta dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte. Como é cediço, essa celeridade não tem sido alcançada na grande maioria dos processos julgados, por motivos de variadas ordens.
3.2.4 Recursos
Tem-se que a decisão proferida em primeira instância pode ser contestada tanto pelo sujeito passivo (recurso voluntário), como pela a própria Fazenda Pública (recurso de ofício), por intermédio da PGFN.
Após a ciência do acórdão, ao contribuinte é conferido o direito de apresentar novamente suas razões de defesa dentro de trinta dias contados da ciência. Caso o lançamento tenha sido mantido no todo ou em parte, ele tem o direito de apresentar um recurso voluntário total ou parcial, conforme artigo 33 do Decreto nº 70.235/1972, o qual será submetido a um novo julgamento. Mesmo que o recurso voluntário tenha sido apresentado após o prazo legal, compete ao órgão de segunda instância examinar a sua perempção (artigo 35 do Decreto nº 70.235/72).
O recurso voluntário tem efeito suspensivo e, em conseqüência, a eficácia do acórdão de primeira instância fica sobrestada até que se decida este recurso.
No que concerne ao recurso de ofício, é obrigatória a sua interposição sempre que a autoridade julgadora de primeira instância exonerar o sujeito passivo do pagamento de tributo e encargos de multa de valor total (lançamento principal e decorrentes) superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
O valor da exoneração é verificado por processo e o recurso de ofício interposto pelo Presidente da Turma, mediante declaração na própria decisão, conforme artigo 34, inciso I e § 1º, do Decreto nº 70.235/1972 c/c a Portaria MF n° 3, de 03 de janeiro de 2008.
O recurso de ofício deve ser interposto também nos casos em que a decisão de primeira instância deixe de aplicar a pena de perda de mercadorias ou outros bens cominada à infração denunciada na formalização da exigência (art. 34, II, Decreto nº 70.235/1972).
Ocorrendo recurso de ofício em processo onde o lançamento original não foi totalmente extinto, continua o direito do contribuinte de apresentar recurso voluntário da parte mantida pelo julgamento de primeira instância, o que, se acontecer, fará o processo ter dois recursos simultâneos.
3.3 Julgamento em segunda instância
3.3.1 Competência
O julgamento em segunda instância também é feito por um órgão colegiado, denominado Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, composto por julgadores mandatários da Fazenda Nacional e por representantes dos contribuintes. É órgão paritário e figura no organograma do Ministério da Fazenda.
O CARF foi criado pelo artigo 23 da Medida Provisória n° 449, de 03 de dezembro de 2008, convertido no artigo 25 da Lei n° 11.941, de 27 de maio de 2009, que transformou os antigos Conselhos de Contribuintes nesse novo órgão colegiado uno. Resultou, portanto, da unificação das estruturas administrativas do Primeiro, Segundo e Terceiro Conselho de Contribuintes em um único órgão, mantendo a mesma natureza e finalidade dos Conselhos, de órgão colegiado, paritário, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, com a finalidade de julgar recursos de ofício e voluntário de decisão de primeira instância, bem como os recursos de natureza especial, que versem sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. É composto por três Seções (especializadas por matéria) e pela Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF.
O artigo 49 da Lei n° 11.941/2009, especialmente em seu § 1º, manteve na atribuição do titular do Ministério da Fazenda dispor quanto às competências do CARF para julgamento em razão da matéria, o que foi estabelecido através da Portaria MF n° 256, de 22 de junho de 2009, a qual estabeleceu o regimento do novo Conselho, prevendo detalhadamente as competências de julgamento de cada Seção, resumidas como segue:
Primeira Seção: Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) com seus reflexos, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), e a exclusão, inclusão e exigência de tributos decorrentes da aplicação da legislação referente ao SIMPLES e ao SIMPLES-Nacional;
Segunda Seção: Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF), Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), Imposto Territorial Rural (ITR) e Contribuições Previdenciárias, inclusive as instituídas a título de substituição e as devidas a terceiros;
Terceira Seção: Contribuição para o PIS/PASEP, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Contribuição para o Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro e sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), Imposto sobre a Importação (II) e sobre a Exportação (IE) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE).
Incluem-se ainda na competência das Seções os recursos interpostos em processos de compensação, ressarcimento, restituição e reembolso, bem como os de reconhecimento de isenção ou de imunidade tributária. A competência para o julgamento de compensação é definida pelo crédito alegado, mesmo se houver lançamento de crédito tributário de matéria que se inclua na especialização de outra Câmara ou Seção.
Por proposta do Presidente do CARF, o Pleno da CSRF poderá, temporariamente, estender a especialização estabelecida originalmente para outra Seção de julgamento, visando à adequação do acervo e à celeridade de sua tramitação, exclusivamente, porém, em relação aos processos ainda não distribuídos às Câmaras.
3.3.2 Estrutura funcional
De acordo com o Regimento Interno do CARF (Portaria MF nº 256/2009), as Seções são compostas por quatro Câmaras, cada uma delas integrada por turmas ordinárias e especiais, estando as turmas ordinárias distribuídas pelas Câmaras de acordo com a necessidade de julgamento decorrente da quantidade e complexidade dos processos existentes em estoque. Observe-se que as turmas especiais possuem caráter temporário, sendo criadas ou extintas por ato do Ministro de Estado da Fazenda.
Cada turma ordinária ou especial é formada por seis conselheiros titulares, metade constituída de representantes da Fazenda Nacional, e outra metade por representantes dos contribuintes. A escolha de conselheiros recairá dentre nomes constantes de lista tríplice, sendo que os representantes da Fazenda Nacional serão indicados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e os representantes dos contribuintes pelas confederações representativas de categorias econômicas de nível nacional e pelas centrais sindicais.
O Ministro da Fazenda designará os presidentes das turmas, escolhidos dentre os conselheiros representantes da Fazenda Nacional, e seus vice-presidentes, escolhidos dentre os conselheiros representantes dos contribuintes, bem como os presidentes e vice-presidentes das Câmaras, escolhidos respectivamente dentre os presidentes e vice-presidentes das turmas a elas vinculadas. A autoridade máxima fazendária nomeará ainda os presidentes e vice-presidentes das Seções, da mesma forma escolhidos respectivamente dentre os presidentes e vice-presidentes das suas Câmaras.
A presidência do CARF será exercida por conselheiro representante da Fazenda Nacional, nomeado pelo Ministro da Fazenda, implicando na sua designação como conselheiro de turma ordinária de Câmara da Seção, independentemente da existência de vaga.
Por fim, atuarão junto ao CARF, em defesa dos interesses da Fazenda Nacional, Procuradores designados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Mister ressaltar que o Procurador não integra a Câmara, nem toma parte nas decisões. Incumbe-lhe, basicamente, zelar pela fiel observância das leis e demais normas, podendo para isto ter vista dos autos fora da secretaria da Seção ou da Câmara.
3.3.3 Julgamento
Os processos serão distribuídos às Seções e Câmaras por meio de sorteio em sessão pública, observada a competência por matéria, inclusive do processo principal nos casos de exigências de tributos em processos separados, relativos a um mesmo recorrente, quando a comprovação da infração decorrer de um mesmo procedimento de fiscalização ou que dependam dos mesmos elementos de prova, e posteriormente aos conselheiros também mediante sorteio.
Reza o regimento interno do CARF que havendo multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, cuja solução já tenha jurisprudência firmada na CSRF, poderá o presidente da Câmara escolher dentre aqueles um processo para sorteio e julgamento. Decidido este processo, o presidente do colegiado submeterá a julgamento, na sessão seguinte, os demais recursos de mesma matéria que estejam em pauta, aplicando-se-lhes o resultado do caso padrão.
Em geral os processos devem obedecer à ordem cronológica de ingresso, contudo alguns possuem tramitação prioritária, sobretudo os que:
– contenham circunstâncias indicativas de crime contra a ordem tributária, objeto de representação fiscal para fins penais;
– tratem de exigência de crédito tributário de valor igual ou superior ao determinado pelo Ministro de Estado da Fazenda, inclusive na hipótese de recurso de ofício;
– sejam de interesse de idosos, nos termos do artigo 71 do Estatuto do Idoso, mediante requerimento do interessado, ou;
– atendam a outros requisitos estabelecidos pelo Ministro da Fazenda ou cuja preferência tenha sido requerida pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional.
Quando houver mais de duas soluções distintas para o litígio, as quais impeçam a formação de maioria, a decisão será adotada mediante votações sucessivas, das quais serão obrigados a participar todos os conselheiros presentes.
Imperioso registrar que, no julgamento de recursos, é vedado aos membros das turmas de julgamento afastar a aplicação de tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade, exceto se já tiver sido declarado inconstitucional por decisão plenária definitiva do Supremo Tribunal Federal ou se o crédito tributário apreciado já tenha sido dispensado de constituição pela PGFN ou pela Advocacia-Geral da União.
As decisões reiteradas e uniformes do Conselho serão consubstanciadas em súmula, de aplicação obrigatória pelos seus membros, que será publicada no Diário Oficial da União. Será negado seguimento pelos presidentes de Câmara, de ofício ou por proposta do relator, ao recurso que contrarie enunciado de súmula ou de resolução do Pleno da CSRF, em vigor, bem como de parecer da Advocacia Geral da União, na forma do § 1º do artigo 40 combinado com o artigo 41, da Lei Complementar nº 73/1993, quando não houver outra matéria objeto do recurso.
É de bom alvitre frisar que a qualquer momento o sujeito passivo poderá desistir de seu recurso junto ao CARF, por meio de petição que será juntada ao processo, implicando em desistência o pedido de parcelamento, a confissão irretratável ou a extinção sem ressalva do total do débito discutido no processo, e a propositura, pelo contribuinte contra a Fazenda Nacional, de ação judicial com o mesmo objeto do processo administrativo.
3.3.4 Recursos
Contra os acórdãos proferidos pelos colegiados do CARF são cabíveis dois tipos de recursos, quais sejam os embargos de declaração e o recurso especial contra decisão divergente.
Os embargos de declaração podem ser apresentados quando existir no acórdão obscuridade, omissão ou contradição entre a decisão e seus fundamentos, ou for omitido ponto sobre o qual deveria pronunciar-se a turma. A petição fundamentada, dirigida ao presidente da Câmara, pode ser apresentada no prazo de cinco dias contados da ciência do acórdão, por conselheiro da turma, pelo Procurador da Fazenda Nacional, pelos Delegados de Julgamento, pelo titular da Unidade da Administração Tributária encarregada da execução do acórdão, ou pelo recorrente.
Quando opostos tempestivamente, os embargos interrompem o prazo para interposição do recurso especial e serão apreciados pelo presidente da Câmara, que poderá declará-los improcedentes por meio de despacho definitivo. Caso sejam aceitos, serão encaminhados ao conselheiro relator ou outro para isto designado, que os analisará e submeterá à apreciação da turma.
De outro lado, quando houver decisão que der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara, turma de Câmara ou da própria Câmara Superior de Recursos Fiscais, bem como das antigas Câmaras do Conselho de Contribuintes, pode ser apresentado um recurso especial tanto pelo Procurador da Fazenda Nacional como pelo sujeito passivo. Antes das alterações efetuadas pela Medida Provisória n° 449/2008, convertida na Lei n° 11.941/2009, quando houvesse decisão não-unânime na segunda instância, contrária à lei ou à evidência da prova, também podia ser apresentado um recurso especial, porém só por Procurador da Fazenda Nacional, hipótese hoje extinta.
A interposição do recurso especial de divergência, de competência do Procurador da Fazenda Nacional, não é obrigatória, situando-se no campo da conveniência e oportunidade.
Já o parágrafo 3º do artigo 67 da Portaria MF nº 256/2009 condiciona o seguimento do recurso especial interposto pelo contribuinte ao pré-questionamento da matéria e à demonstração da divergência apontada, com precisa indicação, nas peças processuais. O recurso deverá demonstrar a divergência arguida citando até duas decisões divergentes por matéria, com a indicação dos pontos nos paradigmas colacionados que divirjam de pontos específicos no acórdão recorrido.
O recurso especial deverá ser apresentado, no decurso de quinze dias a contar da ciência da decisão, em petição dirigida ao presidente da Câmara à qual esteja vinculada a turma que houver prolatado a decisão recorrida que, em despacho fundamentado, poderá admiti-lo ou não, conforme se verifiquem ou não os pressupostos de sua admissibilidade. Admitido o recurso, o processo será encaminhado à outra parte, que igualmente terá prazo de quinze dias para apresentação de suas contrarrazões.
Registre-se que, anteriormente às modificações introduzidas pela Medida Provisória n° 449/2008, convertida na Lei n° 11.941/2009, após o julgamento dos recursos de ofício pelos antigos Conselhos de Contribuintes, era admissível a interposição de recurso à Câmara Superior de Recursos Fiscais, sendo ele considerado um recurso especial, quando a decisão negava provimento ao recurso de ofício, ou um recurso voluntário, quando a decisão de segunda instância lhe desse provimento. Atualmente, consoante o parágrafo 11 do artigo 67 do Regimento interno do CARF, contra decisão que der ou negar provimento a recurso de ofício apenas é cabível recurso especial de divergência.
Por último, é oportuno registrar que em sendo constatadas no acórdão inexatidões materiais devidas a lapso manifesto e erros de escrita ou de cálculo, pode ser apresentado um requerimento para sua correção, dirigido ao presidente de turma, a qualquer tempo, o qual poderá rejeitá-lo por meio de despacho irrecorrível, quando não demonstrar com precisão a inexatidão ou erro, ou encaminhá-lo ao conselheiro relator ou outro para isto designado, que o analisará e poderá propor que a matéria seja submetida à deliberação da turma.
3.4 Julgamento em instância especial
3.4.1 Competência
Após o julgamento em segunda instância nas turmas das Seções do CARF, há a previsão legal de mais um julgamento do processo, em alguns casos, por um órgão colegiado paritário integrante da estrutura judicante do próprio CARF, denominado Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF, criada por meio do Decreto nº 83.304, de 28 de março de 1979, atualmente disciplinada pela Lei nº 11.941/2009.
A Câmara Superior de Recursos Fiscais possui três turmas, cujas composições decorrem da matéria tributária que está sendo analisada, resultando nas seguintes competências, previstas na Portaria MF nº 256/2009:
Primeira turma: Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) com seus reflexos, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), e a exclusão, inclusão e exigência de tributos decorrentes da aplicação da legislação referente ao SIMPLES e ao SIMPLES-Nacional;
Segunda turma: Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF), Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), Imposto Territorial Rural (ITR) e Contribuições Previdenciárias, inclusive as instituídas a título de substituição e as devidas a terceiros;
Terceira turma: Contribuição para o PIS/PASEP, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Contribuição para o Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro e sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), Imposto sobre a Importação (II) e sobre a Exportação (IE) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE).
Importante lembrar que os processos de restituição, compensação, ressarcimento e reconhecimento de isenção ou imunidade tributária são julgados na instância especial de acordo com a competência para julgar o tributo objeto destes pedidos.
Além de apreciar os recursos interpostos contra os acórdãos de segunda instância, cada turma pode também aprovar súmula de jurisprudência sobre as matérias de sua competência de julgamento.
3.4.2 Estrutura funcional
A CSRF está dividida em três turmas, todas com dez conselheiros, sendo sempre metade dos conselheiros representantes da Fazenda Nacional (presidente do CARF e presidentes de Câmaras) e a outra metade representantes dos contribuintes (vice-presidente do CARF e vice-presidentes de Câmaras).
De acordo com o artigo 15 da Portaria MF nº 256/2009, a presidência da CSRF, das respectivas turmas e do Pleno será exercida pelo Presidente do CARF, enquanto que a vice-presidência da CSRF, das turmas e do Pleno será exercida pelo vice-presidente do CARF.
O Pleno da CSRF é composto pelo presidente e vice-presidente do CARF e pelos demais membros das turmas da CSRF. Sua principal atribuição é a uniformização de decisões divergentes, em tese, das turmas da CSRF, por meio de resolução. Cabe-lhe, ainda, por proposta do Presidente, dirimir controvérsias sobre interpretação e alcance de normas processuais aplicáveis no âmbito do CARF.
Igualmente ao que sucede em segunda instância, atuarão junto à Câmara Superior, em defesa dos interesses da Fazenda Nacional, Procuradores credenciados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, sem integrá-la nem tomar parte nas decisões.
3.4.3 Julgamento
Os processos serão distribuídos às turmas de acordo com a matéria a ser julgada e aos conselheiros mediante sorteio, observando-se às mesmas prioridades determinadas para as instâncias inferiores.
Cada turma realizará uma reunião quando convocada pelo seu presidente, para apreciação dos processos previamente selecionados e colocados em pauta pelos julgadores. A turma só deliberará quando presentes a maioria de seus membros, e suas deliberações serão tomadas por maioria simples, cabendo ao presidente, além do voto ordinário, o de qualidade.
Iniciado o julgamento de cada recurso, em sessão pública (exceto casos de matéria sigilosa), o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao conselheiro relator, para ler o relatório, ao recorrente para fazer defesa oral de seu processo e à parte adversa, que pode ser o Procurador da Fazenda Nacional ou o sujeito passivo, diretamente ou por meio de procurador, para, igualmente, produzir sustentação oral. Finalmente, após o debate entre os demais conselheiros, será feita a votação de matéria preliminar, se houver, a qual, após superada, permitirá a votação do mérito, ou, se com ele for incompatível, impedirá que ele seja apreciado.
À luz do Regimento Interno do CARF, as decisões unânimes, reiteradas e uniformes da Câmara Superior de Recursos Fiscais serão consubstanciadas em súmula, de aplicação obrigatória pelas suas turmas e pelos respectivos membros, a qual será publicada no Diário Oficial da União.
Compete ao Pleno da CSRF a edição de enunciado de súmula quando se tratar de matéria que, por sua natureza, for submetida a duas ou mais turmas da CSRF. Já as turmas da CSRF poderão aprovar enunciado de súmula que trate de matéria concernente à sua atribuição.
Por proposta do Presidente do CARF, do Secretário da Receita Federal do Brasil ou do Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou de presidente de confederação representativa de categoria econômica de nível nacional, habilitadas à indicação de conselheiros, o Ministro da Fazenda poderá atribuir à súmula do CARF efeito vinculante em relação à administração tributária federal. Tal vinculação dar-se-á a partir da publicação do ato do Ministro da Fazenda no Diário Oficial da União.
Recentemente, com a edição da Portaria MF nº 383, de 12 de julho de 2010, o Ministro da Fazenda atribuiu a 14 (catorze) súmulas do CARF efeito vinculante.
3.4.4 Recursos
Antes da criação do CARF era possível interpor junto ao Pleno recurso extraordinário de decisão de Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais que desse à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Turma ou o próprio Pleno, hipótese presentemente abolida.
Modernamente, contra os acórdãos proferidos pela CSRF, é cabível embargos de declaração, nas mesmas circunstâncias já delineadas nos recursos de segunda instância. Esses embargos serão apreciados pelo presidente da turma, que poderá declará-los improcedentes por meio de despacho definitivo. Se aceitos pelo presidente, serão encaminhados ao conselheiro relator ou outro para isto designado, que os analisará e submeterá à deliberação da turma.
4 DEFINITIVIDADE DAS Decisões no âmbito administrativo tributário e a possibilidade de revisão
4.1 Decisões definitivas e seus efeitos
A definitividade da decisão significa que esta não mais poderá ser objeto de alteração pelos meios e recursos próprios previstos na esfera administrativa. O artigo 42 do Decreto 70.235/72 relaciona as situações em que a decisão administrativa torna-se definitiva.
Em primeira instância, tornam-se definitivas as decisões proferidas pelas Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento sem que tenha sido interposto recurso voluntário no prazo estabelecido (trinta dias). Também são definitivas as decisões pronunciadas pelas DRJ na parte que não for objeto de recurso voluntário, ou seja, quando o impugnante concorde parcialmente com o acórdão. Nesse caso, deve o processo ser apartado para cobrança do crédito tributário mantido nesta circunstância. Outrossim, a decisão que cancelar crédito tributário em valor inferior ao limite de alçada previsto para recurso de ofício, será da mesma forma definitiva, nos termos da Portaria MF nº 3/2008.
Quanto a não apresentação de recurso voluntário é importante notar que, ocorrendo a sua interposição extemporânea, o processo ainda assim deve ser remetido ao CARF para o julgamento da perempção, nos termos do artigo 35 do Decreto 70.235/1972.
No que concerne à segunda instância, são definitivas as decisões das quais não caiba recurso especial ou, se cabível, quando decorrido o prazo de quinze dias sem sua interposição. Frise-se que não cabe recurso especial de decisão de Câmaras do CARF que aplicarem súmula de jurisprudência do próprio Conselho ou da Câmara Superior, bem como do acórdão que decidir por anular a decisão de primeira instância.
Por último, são definitivas, na esfera administrativa, as decisões de instância especial proferidas pelas turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais de que não sejam cabíveis ou não sejam interpostos embargos de declaração.
Os efeitos da definitividade da decisão são opostos aos produzidos pela impugnação. De fato, a exigibilidade do crédito tributário, ora suspensa, volta a vigorar, possibilitando a sua cobrança e o prazo prescricional para propositura da ação de execução, por parte da Fazenda Pública, passa a fluir, pois o crédito tributário encontra-se definitivo, nos termos do artigo 174 do CTN.
A decisão definitiva contrária ao sujeito passivo será cumprida no prazo estipulado para cobrança amigável (trinta dias). Se descumprida, o crédito tributário respectivo deve ser encaminhado à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa e cobrança judicial.
Tendo sido depositado o montante integral para suspender a exigibilidade do crédito tributário, o depósito efetuado deve ser convertido em renda da União, salvo se for comprovada a propositura de ação judicial, conforme reza o § 1º do artigo 43 do Decreto 70.235/72.
De outra parte, as decisões irreformáveis favoráveis ao sujeito passivo extinguem o crédito tributário, caso não possam mais ser objeto de ação anulatória, consoante o inciso IX, do artigo 156, do CTN. Em decorrência, cumpre à autoridade preparadora exonerá-lo dos encargos decorrentes do contencioso. Isso deve ser feito, como determina a norma, de ofício, sem necessidade de qualquer requerimento do sujeito passivo, remetendo-se o processo ao arquivo, nos termos do artigo 45 do Decreto 70.235/1972.
4.2 O contexto e o teor do Parecer/PGFN/CRJ nº 1.087/2004 e da Portaria PGFN nº 820/2004
Finalizado o contencioso fiscal na esfera administrativa e tendo sido mantido o crédito tributário, é pacífico o entendimento de que, amparado no princípio constitucional do amplo acesso à Justiça, o sujeito passivo pode dele se socorrer irrestritamente.
Questão polêmica reside na possibilidade de a outra parte contendedora, isto é, o Fisco, ter o mesmo direito de recorrer ao Poder Judiciário visando anular decisão administrativa que lhe foi contrária. O Parecer/PGFN/CRJ nº 1.087, de 19 de julho de 2004, concluindo favoravelmente a essa alternativa, reacendeu a discussão sobre o tema.
A emissão do precitado ato motivou-se pela preclusão administrativa, para a Fazenda Pública, de recorrer de decisão proferida pelo Conselho de Contribuintes, atual CARF, em processo de vultosa importância, envolvendo Fundo de Previdência Privada (entidade fechada e sem fins lucrativos).
A instituição obteve sentença favorável proferida em mandado de segurança impetrado para afastar a incidência de imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos de suas aplicações financeiras, sob o argumento que estava amparada pela imunidade prevista na alínea “c” do inciso III do artigo 19 da Constituição da República de 1967, com a redação da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, o estabelecimento bancário no qual eram feitas as aplicações financeiras ficou impedido de efetuar, na qualidade de responsável tributário, a retenção na fonte do imposto devido.
Com o advento da nova ordem constitucional (CF/1988) a Secretaria da Receita Federal lavrou Auto de Infração contra o mencionado Fundo, referente ao imposto de renda do período de janeiro de 1995 a dezembro de 1997, considerando que a atual Constituição concedeu imunidade tributária apenas às instituições de assistência social, não englobando às de previdência privada complementar. Ademais, no entender do Fisco, a segurança anteriormente concedida impedia a retenção do imposto pelo responsável tributário, contudo não obstaculizava a cobrança direta do contribuinte, sujeito passivo da obrigação tributária.
A autuação foi impugnada e após confirmação do lançamento em primeira instância, o recurso foi julgado pelo Primeiro Conselho de Contribuintes (Acórdão 104-18.373, de 16 de outubro de 2001), ocasião em que foi acolhida a preliminar suscitada pelo relator de que quando a lei elege substituto tributário, o contribuinte originário perde a condição de sujeito passivo. A exigência tributária foi cancelada por ilegitimidade passiva e, conforme entendimento da Procuradoria, em face da unanimidade de votos, essa decisão não comportava recurso para a Câmara Superior de Recursos Fiscais, restando definitiva na esfera administrativa.
Por envolver crédito tributário de elevada monta a PGFN, de forma inovadora e com fulcro nos artigos 19 e 20 do Decreto-lei nº 200/1967, interpôs Recurso Hierárquico junto ao Ministro da Fazenda requerendo a supervisão ministerial dos atos administrativos, o qual foi admitido e determinado seu processamento.
Desta feita, o impugnante ingressou em Juízo com Mandado de Segurança, junto ao Superior Tribunal de Justiça, requerendo o trancamento do recurso hierárquico por ausência de previsão legal, bem como preclusão para questionamento da decisão do Conselho de Contribuintes. O STJ concedeu a segurança, entendendo que o controle externo dos atos administrativos, judicial ou ministerial, só pode ser realizado em casos de flagrante ilegalidade ou nulidade da decisão, tendo assim decidindo:
“EMENTA: ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONSELHO DE CONTRIBUINTES – DECISÃO IRRECORRIDA – RECURSO HIERÁRQUICO – CONTROLE MINISTERIAL – ERRO DE HERMENÊUTICA.
I – A competência ministerial para controlar os atos da administração pressupõe a existência de algo descontrolado, não incide nas hipóteses em que o órgão controlado se conteve no âmbito de sua competência e do devido processo legal.
II – O controle do Ministro da Fazenda (Arts. 19 e 20 do DL 200/67) sobre os acórdãos dos conselhos de contribuintes tem como escopo e limite o reparo de nulidades. Não é lícito ao Ministro cassar tais decisões, sob o argumento de que o colegiado errou na interpretação da Lei.
III – As decisões do conselho de contribuintes, quando não recorridas, tornam-se definitivas, cumprindo à Administração, de ofício, “exonerar o sujeito passivo “dos gravames decorrentes do litígio” (Dec. 70.235/72, Art. 45).
IV – Ao dar curso a apelo contra decisão definitiva de conselho de contribuintes, o Ministro da Fazenda põe em risco direito líquido e certo o beneficiário da decisão recorrida.” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Mandado de Segurança n. 8.810-DF, 2003)
Contra o veredicto acórdão a Fazenda Pública opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados, e posteriormente interpôs Recurso Extraordinário – RE ao Supremo Tribunal Federal, o qual não foi admitido pelo tribunal a quo. Ante essa inadmissão, foi interposto agravo de instrumento, tendo sido distribuído ao Ministro Carlos Britto que lhe deu provimento e o converteu no RE nº 535.077, sendo que este recurso aguarda julgamento desde 16 de novembro de 2006.
No intuito de tentar contornar essa situação desfavorável ao Fisco foi que o indigitado parecer exsurgiu, com o escopo de legitimar a propositura de ação judicial para anular a decisão administrativa irrecorrível. Através de despacho do Ministro de Estado da Fazenda o Parecer/PGFN/CRJ nº 1.087/2004 foi aprovado, tendo concluído:
“VI CONCLUSÃO
40. Assim posta a questão, em síntese, respondendo de modo objetivo, os itens 1, 2 e 3, respectivamente, da consulta, pode-se concluir que:
1) existe, sim, a possibilidade jurídica de as decisões do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, que lesarem o patrimônio público, serem submetidas ao crivo do Poder Judiciário, pela Administração Pública, quanto à sua legalidade, juridicidade, ou diante de erro de fato.
2) podem ser intentadas: ação de conhecimento, mandado de segurança, ação civil pública ou ação popular.
3) a ação de rito ordinário e o mandado de segurança podem ser propostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio de sua Unidade do foro da ação; a ação civil pública pode ser proposta pelo órgão competente; já a ação popular somente pode ser proposta por cidadão, nos termos da Constituição Federal”. (grifo nosso) (BRASIL, 2004)
Devido às críticas dirigidas ao assinalado parecer, a PGFN resolveu editar a Portaria nº 820, de 25 de outubro de 2004, disciplinando a submissão de decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais à apreciação do Poder Judiciário, da qual se transcreve o artigo 2º:
“Art. 2º As decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais podem ser submetidas à apreciação do Poder Judiciário desde que expressa ou implicitamente afastem a aplicabilidade de leis ou decretos e, cumulativa ou alternativamente:
I – versem sobre valores superiores a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais);
II – cuidem de matéria cuja relevância temática recomende a sua apreciação na esfera judicial; e
III – possam causar grave lesão ao patrimônio público.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente a decisões proferidas dentro do prazo de cinco anos, contados da data da respectiva publicação no Diário Oficial da União.” (grifo nosso) (BRASIL, 2004)
Como se observa, alguns critérios adotados, tais como “relevância temática” e “grave lesão ao patrimônio público” estão permeados de subjetividade e dão azo a variadas interpretações em sede doutrinária e jurisprudencial.
Em que pese existir regulamentação na seara administrativa no sentido de que a Fazenda Nacional pode ingressar com ações judiciais para obter do Poder Judiciário a declaração de que um determinado crédito de natureza tributária é exigível, não obstante decisão final do contencioso tributário administrativo em direção oposta, não se tem notícia da utilização desse instrumento por seus Procuradores. Hodiernamente, com RE nº 535.077 aguardando apreciação no STF, em especial quanto à aplicação do recurso hierárquico sobre o aspecto do mérito do ato administrativo, a Administração Fazendária suspendeu, até que sobrevenha decisão final, os efeitos do Parecer PGFN nº 1.087/2004 e da Portaria PGFN nº 820/2004, por intermédio da Nota PGFN/PGA nº 74, de 06 de fevereiro de 2007.
4.3 Posição doutrinária
4.3.1 Argumentos da corrente doutrinária favorável
Compõem o pensamento doutrinário favorável à revisão judicial de decisão administrativamente irretratável, dentre outros, Antonio Jose da Costa, Yoshiaki Ichihara, Edvaldo Brito, Francisco de Assis Alves, Helenilson Cunha Pontes, José Augusto Delgado, Moisés Akselrad, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, Rubens Gomes de Sousa, e Aurélio Pitanga Seixas Filho.
Na visão de Costa (2002) compartilhada por Ichihara (2002), pelo fato de o Estado se submeter às próprias normas que edita e às decisões judiciais, tem direito à jurisdição, desde que presentes os pressupostos de lesão ou ameaça a direito, nos termos do artigo 5º, inciso XXXV, da Carta da República de 1988. Acrescentam que, em atenção ao princípio da segurança jurídica, faz-se necessário observar determinados requisitos especificados em lei, a exemplo das hipóteses em que é permitida a revisão do lançamento tributário preconizadas no artigo 149 do CTN, in verbis:
“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I – quando a lei assim o determine;
II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;
III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;
IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;
V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;
VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;
IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.” (BRASIL, 1966)
Para Edvaldo Brito (1999), negar à Administração acesso ao Judiciário para questionar decisões tomadas por seus órgãos coletivos resulta em ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que o sujeito passivo não comparece ao contencioso administrativo tributário como um subordinado, mas como uma parte contendedora que também possui prerrogativas. Ressalta, ainda, que os órgãos julgadores administrativos não emitem atos jurisdicionais, tendo em vista o sistema de jurisdição adotado em nosso país:
“A jurisdição única implica em que toda e qualquer lesão ou ameaça de direito somente pode ser reparada com a apreciação do Poder Judiciário que para essa função não pode ser excluído, nem por lei.
[…] o acesso ao Judiciário, como direito público subjetivo de ação, também,
não poderia ser impedido à administração, apesar de ser tentadora a interpretação no sentido de que o disposto no inciso XXXV do art. 5° da Constituição seria um direito fundamental do administrado e não da administração. Contudo, se prevalecesse essa interpretação, ela estaria em desacordo com o próprio sistema constitucional implantado entre nós que privilegia um princípio, o da isonomia, que se põe acima de todos os outros […]” (BRITO, 1999, p. 114-115)
Alves (2002) assevera que uma decisão só se torna definitiva se proferida pelo Poder Judiciário, sendo esta condição basilar do Estado de Direito. Ademais, invoca o princípio da igualdade para garantir também ao Fisco as garantias constitucionais de acesso ao Judiciário, ampla defesa e do devido processo legal. Em suas palavras, enfatiza:
“Isto significa que toda decisão definitiva sobre uma controvérsia só pode ser exercida pelo Poder Judiciário. Esse princípio está consagrado na Constituição federal que, enfaticamente, determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV).
Com a impugnação da exigência tributária instaura-se a fase litigiosa, bilateral, do processo administrativo fiscal. Assim sendo, no nosso entender, se a decisão administrativa for contrária à Fazenda Pública, será perfeitamente admissível a esta socorrer-se do Judiciário para, desse Poder, obter a palavra final sobre o caso decidido em via administrativa. Assim permite a Lei Maior”. (ALVES, 2002, p. 463)
Pontes (2002) pondera que a matéria a ser objeto de questionamento judicial já deve ter sido amplamente discutida e estar pacificada, a ponto de fazer jurisprudência no âmbito do STJ ou do STF. Acrescenta ser igualmente plausível requerer judicialmente a anulação de decisão com vício de dolo, má-fé ou fraude. Nesse ínterim, dessume o autor:
“Contudo, o interesse de agir à propositura de tal ação judicial somente surge com a definição da interpretação judicial sobre a matéria discutida. Antes de tal momento, não possui a Administração Pública o interesse jurídico a discutir no Poder Judiciário a validade de uma manifestação dela mesma emanada.
Outra hipótese que entendemos conferir à Administração Pública o interesse a pleitear judicialmente a anulação de decisão administrativa a ela contrária, pode ocorrer nas situações em que haja evidência de que tal decisão tenha sido proferida com dolo, má-fé ou fraude pelo agente que a proferiu. Enfim, a Administração poderá pleitear a anulação de decisão administrativa a ela contrária quando conseguir demonstrar vícios na formulação da mesma”. (PONTES, 2002, p. 615)
Na ótica de Delgado (2002) somente a sentença judicial transitada em julgado é imutável. Ele partilha da idéia que é possível a retratação em Juízo quando a decisão está eivada de ilegalidade ou viciada por dolo, fraude, erro, simulação ou coação. Além disso, considera que os agentes públicos atuam em nome do Estado, mas não se confundem com o ente público, de maneira que este não pode ficar refém de decisões quando tomadas com abuso de poder, desvios de finalidade ou até mesmo imotivadas.
Akselrad (2002) explica que os princípios da isonomia, ampla defesa e o contraditório, somados ao princípio do livre acesso ao Judiciário permitem a proposição de anulação da decisão final administrativa pelo Poder Público. Contudo, em atenção ao princípio da moralidade administrativa, esse direito deve ficar circunscrito às situações que ensejem ilegitimidade, nulidade ou inconstitucionalidade do acórdão. Chama a atenção, por fim, para o fato de que o crédito tributário questionado não deve estar prescrito.
Saraiva Filho (2002) acredita que se houver total independência e desvinculação entre os órgãos julgadores administrativos e as chefias dos órgãos políticos, com a impossibilidade ou falta de previsão legal de recurso hierárquico ou avocação, é admissível que a Fazenda Nacional ingressasse em Juízo contra decisão que extinguiu o crédito tributário. Essa autonomia do tribunal administrativo em relação às autoridades do Poder Executivo, no caso Presidente da República ou Ministro de Estado, propiciaria maior isenção à decisão, a qual restaria desprovida de subordinação de vontades.
Entendendo que as decisões administrativas não poderiam fazer coisa julgada, Rubens Gomes de Sousa citado por Seixas Filho (1998) propôs que o Estado pudesse requerer em Juízo a anulação de pronunciamento da autoridade administrativa, quando este fosse revogatório ou modificativo do lançamento tributário, em prejuízo do Erário. Objetivava eliminar a possibilidade de recurso hierárquico ao Ministro da Fazenda, pois esse instrumento abalava a confiança do contribuinte. Segundo o seu pensamento, se a finalidade do processo é fazer prevalecer a lei, quer se trate de processo administrativo ou judicial, o órgão que deve pronunciar-se em última instância é o Poder Judiciário. Portanto, dizia ser incompatível com o sistema brasileiro atribuir um efeito de coisa julgada substancial à decisão administrativa.
Analisando a questão sob outro prisma, Seixas Filho (1998) aponta que a decisão proferida pelo tribunal administrativo não representa a vontade da Administração Pública, a qual denomina de Administração Ativa. Embora admita ser, a priori, um contra-senso, a Administração ajuizar uma ação para anular uma decisão administrativa, entende admissível esta ação porque a Administração Ativa não é titular da decisão final proferida no procedimento administrativo fiscal litigioso, a qual incumbe à Administração Judicante. Esta, por sua vez, tendo composição paritária, na qual metade dos julgadores não são servidores públicos, não pode representar a Administração Pública. Frise-se que o citado autor é contrário a existência dessa Administração Judicante, pois considera que a definição e utilização de regras processuais levam à obtenção de uma verdade formal, afastando a autoridade administrativa o seu objetivo maior, vale dizer, a prevalência da verdade material. O precitado professor conclui pela possibilidade de a Administração Ativa utilizar os instrumentos jurisdicionais cabíveis para corrigir erro de manifestação da Administração Judicante.
Em suma, o arcabouço teórico adepto à prerrogativa de a Administração Pública propor em Juízo anulação de decisão final, irrecorrível na esfera administrativa, funda-se nos seguintes enunciados:
– o ente público também é titular de Direitos Fundamentais insculpidos no Texto Maior, tais como isonomia, amplo acesso ao Judiciário, devido processo legal, ampla defesa e contraditório;
– pelo princípio da igualdade das partes, o particular comparece ao contencioso administrativo tributário como litigante e não como subordinado, dispondo de instrumentos processuais para influir no convencimento do colegiado;
– o Estado Democrático de Direito pressupõe o controle judicial dos atos administrativos, sem que isso implique em ofensa ao princípio da separação dos Poderes;
– as decisões definitivas na esfera administrativa não produzem efeito de coisa julgada, haja vista o sistema de jurisdição única adotado em nosso país, segundo o qual toda e qualquer ameaça ou lesão ao Direito pode ser apreciada pelo Poder Judiciário;
– o Estado, se existente ameaça ou lesão a direito, dispõe da faculdade da prestação jurisdicional, pelo fato de, assim como os administrados, se submeter às leis e às decisões judiciais;
– os agentes públicos, conquanto assumam compromissos legais para atuar em nome do Estado, não se confundem com este. Portando, o Poder Público não está obrigado a aceitar decisões proferidas com desvio de finalidade, abuso de poder ou imotivadas, podendo corrigi-las, quando possível, por ação própria, senão via Judiciário;
– os órgãos julgadores administrativos (Administração Judicante) têm composição paritária, vale dizer, são integrados por representantes do Fisco e dos contribuintes, impossibilitando que a decisão deles emanada seja representativa da vontade do Poder Público (Administração Ativa);
4.3.2 Argumentos da corrente doutrinária contrária
A corrente atualmente prevalecente defende posição no sentido de que a decisão administrativa final em matéria tributária é definitiva para a Administração Pública, quando oposta aos interesses do Fisco, considerando incabível postulação ao Poder Judiciário visando a desconstituí-las. Integram esse grupo Fábio Fanucchi, Hugo de Brito Machado, Ives Gandra da Silva Martins, José Eduardo Soares de Melo, Kiyoshi Hadara, Marco Aurélio Greco, Maria Beatriz Martinez, Maria Teresa de Carcomo Lobo, Marilene Talarico Martins Rodrigues, Plínio José Marafon, Ricardo Lobo Torres, Sacha Calmon Navarro Coêlho, Schubert de Farias Machado, Vittorio Cassone e Ricardo Mariz de Oliveira, dentre outros.
Fanucchi (1975) infere que, sob pena de se negar validade à existência do contencioso administrativo, tem efeito definitivo a decisão final quando desfavoreça a Fazenda, inexistindo condição de apelo desta ao Judiciário. Ressalva, todavia, que o efeito dessa decisão é apenas entre partes, podendo, por providências de terceiro, em defesa da coletividade, serem anuladas decisões errôneas contrárias aos interesses do Erário e às determinações legais.
Machado (2002) firma sua compreensão em três premissas: 1ª) a finalidade essencial do Direito e o direito à jurisdição; 2ª) unicidade da Administração Pública; 3ª) a prática do Direito. Na primeira proposição adverte que as garantias constitucionais, dente elas o direito à jurisdição, existem para proteger o particular contra o arbítrio de quem exerce o Poder estatal, o qual é institucional e infinitamente maior que o poder do cidadão. No segundo ponto considera que os órgãos julgadores administrativos não exercerem função jurisdicional e, ao emitirem suas decisões, manifestam a vontade do próprio Estado. Por último, enfatiza que é papel do Direto buscar o equilíbrio na relação dos indivíduos com o Estado, implicando em prejuízo para a coletividade admitir que as decisões dos órgãos de julgamento contra a Fazenda não a obrigue definitivamente, dada a inutilidade que revestiria tais órgãos.
Martins (2002) alerta para a insegurança jurídica que se instauraria caso os processos julgados pelos órgãos colegiados fazendários pudessem ser contestados judicialmente, independentemente da parte vencedora, fato tal que geraria discussões intermináveis. O doutrinador também revela que a Fazenda faz papel de parte e juiz no contencioso tributário administrativo, notadamente em primeira instância, significando dependência da atividade julgadora. Por fim, justifica a impossibilidade de reconstituição judicial do crédito tributário, quando o mesmo já fora desconstituído administrativamente, como também de sua revisão pelo juiz, invocando para tanto os artigos 142 e 145 do CTN:
“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. […]
Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:
I – impugnação do sujeito passivo;
II – recurso de ofício;
III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149.” (BRASIL, 1966)
Melo (2002) relativiza o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, na medida em que não podem ser dadas prerrogativas à Administração que tenham fins meramente arrecadatórios e ocasionem desrespeito aos administrados. Além disso, enxerga na propositura de ação judicial pelo Poder Público para desconstituir decisão administrativa tributária irreformável, violação ao princípio da moralidade e deslealdade para com o contribuinte, com a implicação subsequente:
“A ação judicial representaria a falência do processo administrativo, que passaria a constituir uma mera fantasia de garantia constitucional do contribuinte, na medida em que, por razões de mera conveniência financeira, a Fazenda viria a ignorá-lo se e quando entendesse oportuno.” (MELO, 2002, p. 308)
A esse propósito, Hadara (2002) aduz que atenta contra a moralidade administrativa a não submissão, por parte da Fazenda Pública, às decisões tomadas por seus órgãos julgadores, nos quais atua como parte e juiz concomitantemente. Igualmente constata a desnecessidade de se manter uma estrutura de contencioso tributário, se todas as decisões pudessem ser levadas à apreciação do Poder Judiciário, não se justificando o considerável emprego de tempo e recursos. Advoga a existência da coisa julgada administrativa, a qual obriga à Administração aos seus termos, ressalvando a faculdade que ela possui de anular seus próprios atos, nos casos de vícios do processo, no exercício de seu controle interno.
Greco (2002) destaca a impossibilidade processual de a mesma pessoa jurídica configurar como autora e ré na ação judicial. Sobre a Administração anular seus próprios atos, faz a mesma reserva já esposada anteriormente, caso a decisão contenha vício de ilegalidade, amparado na Súmula 473 do STF:
“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. (BRASIL, 1969)
Outro aspecto importante, levantado por Martinez (2005), refere-se ao controle do ato administrativo. Para a estudiosa, o controle exercido pelo Poder Judiciário restringe-se aos aspectos da legalidade e legitimidade, sendo-lhe defeso avançar sobre a questão do mérito, sob pena de incorrer em afronta ao princípio da independência entre os Poderes. A autora demonstra, ainda, preocupação com a insegurança jurídica que se instauraria caso fosse possível contestar judicialmente decisão de mérito proferida pelos Conselhos de Contribuintes, pois, no seu entender, o sujeito passivo estaria amparado pelo direito adquirido quando tal deliberação o desonerasse do pagamento de tributos. Essa situação de instabilidade seria agravada diante dos conflitos de teses tributárias existentes entre o Poder Judiciário e os órgãos de julgamento da Administração Fazendária, especialmente quando são favoráveis aos contribuintes no âmbito administrativo e apresentam entendimento divergente no âmbito judicial.
Sobre constituir ou não em coisa julgada a decisão definitiva da esfera administrativa, Lobo (2002) posiciona-se:
“A decisão definitiva da Administração judicante, se não constitui coisa julgada material, dada a possibilidade de sua revisão judicial, garantia constitucional conferida ao contribuinte, configura, todavia, coisa julgada formal, no sentido da sua imutabilidade para a Administração dado o caráter vinculante da decisão administrativa”. (LOBO, 2002, p. 252)
Assim, a doutrinadora em destaque afirma que a insuscetibilidade de revisão judicial decorre da obrigação funcional para a Administração em respeitar e executar resoluções definitivas oriundas de sua própria estrutura.
Rodrigues (2002) afasta a possibilidade de anulação judicial de decisão administrativa contrária à Fazenda, a seu pedido, baseando-se no princípio constitucional da segurança jurídica, direito pleno a ser preservado em um Estado Democrático. Fundamenta-se, para tanto, no caput do artigo 5º da Magna Carta, o qual garante aos brasileiros e estrangeiros aqui residentes direito à segurança, devendo esta ser concebida com amplitude, ou seja, estabilidade das relações jurídicas, econômicas, políticas e sociais. A especialista relembra que a atividade de lançamento é vinculada e obrigatória, conferindo à relação Fisco – sujeito passivo caráter de imposição tributária. Destarte, o acórdão que torna sem efeito a exigência do tributo representaria ato de reconhecimento da autoridade de que houve alguma imperfeição no lançamento, gerando direito subjetivo para o contribuinte. Este benefício, concernente a fatos geradores já ocorridos, seria irrevogável, encontrando resguardo no artigo 146 do CTN:
“Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”. (BRASIL, 1966)
Marafon (2002, p. 282) reputa que o processo administrativo tributário brasileiro é “desigual, parcial e sujeito ponderáveis influências contra o contribuinte”, porquanto é controlado e submetido ao Poder Executivo. Adiciona à sua argumentação a impossibilidade de se atribuir ao Poder Judiciário a atividade de lançar tributo (pois nisso é que resultaria se ocorresse anulação judicial de decisão administrativa que extinguiu o crédito tributário), dada que essa competência é privativa da autoridade administrativa (artigo 142, CTN).
Destacam-se da lição de Torres (2002), dentre outros motivos que relaciona para demonstrar a inviabilidade de a Fazenda Pública ir a Juízo pedir anulação de decisão administrativa a ela adversa, as alegações de ausência de expressa previsão legal para interposição desse tipo de ação e de prejuízo ao princípio constitucional do duplo grau de jurisdição. Para o especialista, a ação de invalidade de atos administrativos a ser proposta pela Fazenda não está compreendida no direito genérico de ação, tornando-se imprescindível, nesse particular, a positivação da necessidade de se recorrer ao Judiciário, pois se trata de exceção ao princípio da autotutela administrativa. Por outro lado, a ação anulatória seria impetrada pelo Poder Público diretamente junto a um Tribunal, o que suprimiria o julgamento em primeira instância judicial, momento em que são colhidas as provas processuais, considerado por ele um dos pontos fracos do processo administrativo fiscal.
De forma sucinta, Coêlho (2002) defende que não existe no Direito brasileiro ação anulatória de ato formalmente válido praticado pela Administração, por falta de interesse de agir, em outras palavras, o poder Público não poderia ir a Juízo contra ato próprio.
Machado (2001) rebate a tese de que a deliberação emitida pelo colegiado administrativo não representa a vontade da Administração, comprovando com as razões expostas abaixo:
“Primeiro, a lei não divide a Administração em Ativa e Judicante. A Administração é una. O Conselho de Contribuintes integra organicamente a Administração. A decisão desse colegiado é, sobretudo, uma decisão da Administração.
Segundo, os membros do Conselho de Contribuintes são regularmente nomeados e empossados no cargo e ficam sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, inclusive para fins penais. Nada os distingue entre si.
Terceiro, existe uma falsa paridade na formação dos Conselhos. Além da metade dos membros desses colegiados, a Administração detém a presidência dos mesmos, a quem cabe o voto de desempate.
Quarto, a participação de pessoas indicadas pelos contribuintes não retira a legitimidade desses colegiados decidirem pela Administração. Aqui invocamos nosso testemunho pessoal. Muitas vezes presenciamos os representantes dos contribuintes votando pela integral manutenção das exigências fiscais, em sentido contrário ao voto dos representantes da Fazenda, que decidiam pela extinção do crédito tributário. Essa realidade pode ser facilmente constatada por qualquer um que freqüentemente as seções de julgamento do Conselho de Contribuintes. (sic)
Quinto, a pluralidade de vontades está presente em toda a Administração, sendo comum até mesmo a discordância pública entre Ministros de Estado. É exatamente por isso que a lei fixa a competência para a prática dos atos administrativos. No caso em exame, a competência para decidir sobre a legalidade do lançamento tributário está legalmente reservada ao Conselho de Contribuintes e não ao Ministro da Fazenda”. (MACHADO, 2001, p. 17)
Cassone (2002) confia que a lesão ou ameaça a direito inscritas no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição são suportadas somente pelos contribuintes, tendo em vista a sistemática da imposição tributária, não sendo cabível ao Estado (impositor) procurar o Judiciário para anular decisão que beneficie o impugnante.
Outra questão importante nessa matéria refere-se à propositura de ação civil pública, espécie mencionada no Parecer/PGFN/CRJ nº 1.087/2004 para o questionamento das decisões dos Conselhos de Contribuintes. Oliveira (2002) pugna pela impossibilidade do seu manejo, haja vista que no processo administrativo os interesses são determinados e pertencentes a partes individualizadas, enquanto que o requisito para intentar esta espécie de ação é a proteção de interesses difusos e coletivos, como prevê o inciso III, do artigo 129, da CF/1988. Ademais, o professor não visualiza, mesmo que o Ministério Público discorde da decisão de mérito proferida, configuração de ato ilícito, visto que o livre convencimento do julgador é princípio inerente ao processo administrativo tributário. Por fim, afirma que a noção de patrimônio público e social não é formada apenas por valores pecuniários e materiais, estando o abrigo da segurança jurídica inserto neste conceito.
Em linhas gerais, pode-se sintetizar a teorização da corrente adversa ao manejo de ação, por parte da Fazenda Pública, para nulificar decisão final de seus órgãos julgadores, contrária aos interesses do Erário, nos seguintes argumentos:
– a proteção contra lesão ou ameaça a direito insculpida no inciso XXXV, artigo 5º, CF/1988 é direito fundamental assegurado somente aos cidadãos contra possíveis arbítrios cometidos pelo Poder Estatal, e não o reverso, porquanto o Estado prescinde dessa garantia para praticar seus atos;
– a Administração tem a seu dispor o poder da autotutela, segundo o qual pode revisar (anulando ou revogando) seus próprios atos, sendo o processo administrativo fiscal instrumento para que se exerça esse controle interno;
– decisão proferida em ultima instância administrativa consiste no ato final de acertamento do crédito tributário, tendo efeito de coisa julgada para a Administração, vinculando-a em todos os seus termos;
– a decisão final administrativa favorável ao contribuinte gera para o mesmo direito adquirido. Revê-la causaria grave dano a um dos princípios medulares do Estado Democrático de Direito, qual seja, a segurança jurídica, responsável por garantir a estabilidade necessária à evolução da sociedade;
– pelo princípio da separação dos Poderes, o controle dos atos administrativos pelo Judiciário deve se ater aos aspectos da legalidade e legitimidade, não comportando juízo sobre o mérito (conveniência e oportunidade);
– significa uma violação ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que retira a legitimidade do processo administrativo tributário, desprestigia os órgãos julgadores da Administração Fazendária, tornando injustificável o gasto elevado para manutenção dos mesmos, os quais estariam fadados a inutilidade;
– o Código Tributário Nacional (art. 156, IX) elenca a decisão administrativa irreformável na órbita administrativa como uma das formas de extinção do crédito tributário, razão pela qual uma possível ação judicial não subsistiria por inexistência do objeto;
– o Poder Judiciário, ao decidir pelo restabelecimento de exigência anteriormente extinta no campo administrativo, estaria realizando o lançamento do crédito tributário, atividade privativa de autoridade administrativa (art. 142, CTN), para a qual não possui competência;
– é um contra-senso a Administração ajuizar ação contra decisão administrativa que ela mesma proferiu, já que resultou de sua própria manifestação de vontade, configurando-se falta de interesse de agir. Ademais, é juridicamente impossível a mesma parte apresentar-se como autora e ré na ação judicial;
– ausência de previsão legal expressa. Tal ação anulatória não está compreendida no direito genérico de ação, garantido a qualquer titular de bem jurídico, uma vez que se trata de excepcionalidade ao princípio da autotutela conferida à Administração.
4.4 A jurisprudência
Da pesquisa por julgados favoráveis ao questionamento, pela Fazenda Pública, de decisões finais administrativas contrárias aos seus interesses, nota-se a dificuldade em se encontrar precedentes nesse caminho, permitindo inferir que essa tese é minoritária na magistratura pátria. A título ilustrativo transcreve-se ementa de acórdão onde o magistrado recorreu ao princípio da jurisdição única para justificar o direito de ação anulatória pela Fazenda Nacional:
“EMENTA: PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – CONFISSÃO DA DÍVIDA – MULTA ANISTIADA, NA ESFERA ADMINISTRATIVA – INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO, NA VIA JUDICIAL – PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO – POSSIBILIDADE JURÍDICA E PROCEDÊNCIA NA RECONVENÇÃO
1. Se a autora reconhece o débito que buscou anular, na ação principal, extingue-se o processo com julgamento do mérito, em seu desfavor.
2. Na força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, afigura-se juridicamente possível ação reconvencional, proposta pela União Federal, (Fazenda Nacional) visando desconstituir decisão administrativa de Conselho de Contribuintes, que concedeu anistia, indevidamente, à multa aplicada à empresa demandante.
3. Apelação e remessa oficial (como se interposta fosse) desprovidas. Sentença confirmada, por seus próprios fundamentos. (grifo nosso) (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Apelação cível n. 95.01.05547-7/PA, 1995)
Na direção antagônica, tem-se um maior número de precedentes jurisprudenciais acolhendo a tese da coisa julgada administrativa, resultante de efeito vinculante para a Administração Pública de suas decisões finais.
Na órbita do contencioso administrativo tributário, os Conselhos de Contribuintes (atual CARF) e a Câmara Superior de Recursos Fiscais assim se manifestaram:
“EMENTA: NORMAS PROCESSUAIS- MATÉRIA TORNADA NÃO LITIGIOSA NO CURSO DA DISCUSSÃO – PRECLUSÃO – COISA JULGADA ADMINISTRATIVA – Precluem e, portanto, não podem ser objeto de reapreciação as matérias que no curso da discussão administrativa deixam de ser litigiosas em face do acolhimento definitivo de razões de impugnação, assim acarretando a chamada coisa julgada administrativa. […]” (Brasil, Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, Acórdão n. 01-03.074, 2000)
“EMENTA: COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. É defeso à autoridade julgadora reapreciar questão já decidida definitivamente em seara administrativa. Recurso voluntário a que se nega provimento. Publicado no D.O.U. nº 230 de 30/11/2007….Decisão: Por unanimidade de votos, REJEITAR a preliminar de nulidade do auto de infração e, no mérito, NEGAR provimento ao recurso.” (grifo nosso) (Brasil, Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, Acórdão n. 103-23082, 2004)
“EMENTA: IRPJ – DEFERIMENTO DE COMPENSAÇÃO EM OUTRO PROCESSO – RESPEITO À COISA JULGADA ADMINISTRATIVA – Uma vez decidida em outro processo administrativo a compensação de um tributo devido, não é possível, sem o devido processo legal, que se promova lançamento para exigir multa isolada do tributo cuja compensação foi reconhecida por autoridade administrativa competente.” (Brasil, Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, Acórdão n. 108-08606, 2005)
Na esfera judicial, colacionam-se dos Tribunais Regionais Federais:
“EMENTA: Tributário. Reapreciação de matéria deduzida em Processo Administrativo. Impossibilidade Face à Coisa Julgada Administrativa. Certidão Negativa de Débito. Direito Líquido e Certo.
1. Dos Documentos acostados aos autos, consta-se a reapreciação da matéria em processo administrativo, o que é vedado na via administrativa em prol da estabilidade das relações entre as partes, e em respeito à "coisa julgada administrativa".
2. Tendo a certidão negativa de débito sido negada em razão da conclusão obtida em processo administrativo reaberto, e diante de sua imodificabilidade na via administrativa, indiscutível resta o direito líquido e certo á referida certidão negativa de débito.
3. Remessa oficial improvida.” (grifo nosso) (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, REOMS n. 53787-97/CE, 1998)
“EMENTA: Tributário e Administrativo. Conselho de Contribuintes. Coisa Julgada Administrativa.
1. Não pode a Administração cobrar crédito tributário cujo lançamento foi considerado nulo pelo Conselho de Contribuintes, sob pena de ofensa à coisa julgada administrativa. 2. Apelação e remessa oficial improvidas”. (grifo nosso) (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, AC/MS n. 96.04.1590-4/PR, 1999)
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. REVISÃO DE LANÇAMENTO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. COISA JULGADA. PRECLUSÃO. ERRO DE DIREITO.
– Transitada em julgado a decisão que, em processo administrativo, acatou a defesa do contribuinte e declarou a inexistência da obrigação, extingue-se o crédito (pretenso) tributário, nos termos do art. 156, IX do CTN;
– Somente em casos de erro de fato é possível a revisão do lançamento, nos termos do art. 149 do CTN, mediante a lavratura de outro lançamento, dando início a novo processo administrativo, sempre que não haja se consumada a decadência.
– Impossibilidade de aproveitamento do processo administrativo anterior já findo, com decisão transitada em julgado.
– Apelo provido” (grifo nosso) (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, AMS n. 73.262/CE, 2002)
Outrossim, a tendência dos Tribunais Superiores segue na esteira da existência de vinculação das decisões administrativas em relação ao Fisco, à semelhança da coisa julgada em matéria processual, bem como da limitação imposta pela preclusão administrativa.
“EMENTA: Coisa julgada fiscal e direito subjetivo. A decisão proferida pela autoridade fiscal, embora de instância administrativa, tem, em relação ao Fisco, fôrça vinculatória, equivalente à da coisa julgada, principalmente quando gerou aquela decisão direito subjetivo para o contribuinte. Recurso extraordinário conhecido e provido”. (sic) (grifo nosso) (Brasil, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 68.253-PR, 1969)
“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO. PRECLUSÃO ADMINISTRATIVA.
I – O ato administrativo conta com a retratabilidade que poderá ser exercida enquanto dito ato não gerar direitos a outrem. Ocorrendo a existência de direitos, tais atos serão atingidos pela preclusão administrativa, tornando-se irretratáveis por parte da própria Administração.
II – É que, exercitando-se o poder de revisão de seus atos, a Administração tem que se ater aos limites assinalados na lei, sob pena de ferir direitos líquidos e certos do particular, o que configura ilegalidade e/ou abuso de poder.
III – Segurança concedida.(grifo nosso) (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS n. 009/DF, 1989)
“EMENTA: ADMINISTRATIVO – PRECLUSÃO – REGISTRO DE POSTO DE ABASTECIMENTO. O ato administrativo não pode ser modificado, ocorrida a preclusão, mesmo por autoridade hierarquicamente superior, quer por via recursal, quer por avocação. A modificação configura ilegalidade e dá surgimento a direito líquido e certo. Segurança concedida.” (grifo nosso) (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS n. 223/DF, 1990)
“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – RECURSO HIERÁRQUICO – SECRETÁRIO DE ESTADO DA FAZENDA DO ESTADO – EXPRESSA PREVISÃO LEGAL – LEGALIDADE – PRECEDENTES.
A previsão de recurso hierárquico para o Secretário de Estado da Fazenda quando a decisão do Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro for prejudicial ao ente público não fere os princípios constitucionais da isonomia processual, da ampla defesa e do devido processo legal, porque é estabelecida por lei e, ao possibilitar a revisão de decisão desfavorável à Fazenda, consagra a supremacia do interesse público, mantido o contraditório. Nesse sentido, assevera Hely Lopes Meirelles que os recursos hierárquicos impróprios "são perfeitamente admissíveis, desde que estabelecidos em lei ou no regulamento da instituição, uma vez que tramitam sempre no âmbito do Executivo que cria e controla essa atividades. O que não se permite é o recurso de um Poder a outro, porque isto confundiria as funções e comprometeria a independência que a Constituição da República quer preservar".
Além disso, o contribuinte vencido na esfera administrativa sempre poderá recorrer ao Poder Judiciário para que seja reexaminada a decisão administrativa. Já a Fazenda Pública não poderá se insurgir caso seu recurso hierárquico não prospere, uma vez que não é possível a Administração propor ação contra ato de um de seus órgãos. Recurso não provido.” (grifo nosso) (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 12.386-RJ, 2004)
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. REVISÃO. PRECLUSÃO. SEGURANÇA JURÍDICA.
1. Em observância ao princípio da segurança jurídica, o administrado não pode ficar à mercê de posterior revisão de decisão definitiva em processo administrativo regulamente prolatada.
2. Recurso especial improvido.” (grifo nosso) (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 572358/CE, 2006)
CONCLUSÃO
O presente trabalho focou-se em perquirir se é legítima a alternativa de a própria Administração, representada nesse particular pela Fazenda Nacional, ingressar em juízo no intuito de desconstituir ato seu, vale dizer, a decisão definitiva emanada do contencioso tributário administrativo.
Para uma melhor compreensão, faz-se necessário ter em mente que o controle dos atos administrativos pode se dar de dois modos, a saber: interno, desempenhado pela própria Administração Pública; ou externo, exercido pelo Poder Judiciário. É predominante o entendimento de que a Administração Pública, dotada do poder de autotutela, pode anular seus próprios atos quando ilegais ou revogá-los por considerações de mérito, enquanto o Judiciário se restringe ao exame da legalidade.
De pronto repele-se a suposta faculdade de o Judiciário revisar aspectos relativos ao mérito da decisão administrativa, uma vez que configuraria explícita interferência de um Poder sobre a independência de outro.
No que tange à apreciação judicial especificamente quanto ao aspecto da legalidade de acórdão tributário inapelável administrativamente, esta unicamente poderia ser aceita em sede de ação civil pública ou de ação popular, ou seja, o Judiciário seria provocado por terceiro estranho à estrutura do Fisco e apenas nos casos de grave lesão ao patrimônio público. Saliente-se que essa análise não busca alterar a interpretação da legislação tributária que embasou a decisão administrativa, mas sim constatar a conformidade do ato com a norma regente e com os princípios básicos da Administração Pública.
Há de se admitir que as decisões de mérito de cunho terminativo proferidas no âmbito do processo administrativo fiscal, favoráveis aos contribuintes e quando obedecidos os requisitos de validade, vinculam a Administração. Possui, portanto, efeito preclusivo semelhante à coisa julgada do processo judicial, o que é reconhecido por alguns operadores do Direito como coisa julgada formal.
Ante o caráter impositivo da relação tributária, na qual não é dado ao sujeito passivo escolher entre pagar ou não tributos, a ele é que se permite socorrer-se do Judiciário para se proteger de eventuais arbitrariedades cometidas pelos agentes arrecadadores.
Nesse diapasão, revela-se crucial para o êxito do relacionamento Fisco-contribuinte o estabelecimento da confiança, exaltada pelo princípio da segurança jurídica. Este princípio constitui-se em um dos pilares do Estado Democrático de Direito, garantindo a estabilidade necessária ao desenvolvimento das relações negociais e jurídicas. A interpelação judicial, pela Fazenda, de deliberações tomadas pelos seus colegiados, fatalmente levaria a discussões intermináveis sobre a certeza e liquidez do crédito tributário, interferindo negativamente no regular funcionamento das atividades empresariais, as quais necessitam de situações jurídicas solidificadas para elaborarem seus planejamentos.
Sob outra dimensão, atenta contra a moralidade administrativa o fato de a própria Administração questionar o mérito das decisões de seu contencioso tributário, acabando por desprestigiá-lo e trazendo á tona dúvida sobre a razão de sua manutenção. Acrescente-se, nessa situação peculiar, o ultraje ao princípio da eficiência pública, já que elevadas somas de recursos são empregadas no custeio do aparelho judicante da Fazenda Nacional.
Outro fator que depõe contra a interposição da ação anulatória, por parte da PGFN, contra acórdão proferido pelas DRJ ou CARF é de ordem processual. A teor do artigo 267, inciso X, do Código de Processo Civil, é causa de extinção do processo a confusão entre autor e réu, porquanto a decisão administrativa é ato da Fazenda Nacional, não pode ela mesma impugná-la em juízo.
Descartada a hipótese de a Fazenda recorrer ao Judiciário para desconstituir acórdão desfavorável ao Erário, resta analisar de que forma a Administração Fazendária pode exercer seu poder de autotutela sobre as decisões terminativas pronunciadas por seus órgãos judicantes.
Considerando que essas decisões integram o lançamento, consistindo no acertamento definitivo do crédito tributário, a atuação do agente público resta vinculada, eliminando-se qualquer juízo de conveniência ou oportunidade. Em outros termos, o componente de mérito do acórdão não é suscetível de reconsideração.
Nesse particular, em discordando da medida tomada pelo órgão julgador, ao Fisco é facultado efetuar novo lançamento tributário, observado o prazo decadencial determinado pelo CTN.
Há de se ponderar, contudo, o exercício do controle interno da legalidade do ato praticado, ou seja, da conformação deste com o ordenamento jurídico.
Estando a decisão administrativa contrária à Fazenda viciada por erro, dolo, fraude, simulação, coação, abuso ou desvio de poder, vale dizer, contaminada por vícios que flagrantemente invalidem o ato administrativo, entende-se por cabível o pleito de anulação por intermédio do recurso hierárquico ao Ministro da Fazenda, respeitado o prazo prescricional de cinco anos previsto na Lei n° 9.784/1999.
Isso porque, como explanado anteriormente, os órgãos julgadores administrativos, embora de composição paritária, integram normalmente a estrutura da Administração Pública. Essa vinculação pode ser notada tanto a nível organizacional, pela hierarquia do organograma, como na própria atividade julgadora, na medida em que tais órgãos não podem afastar a aplicação da norma sob o fundamento de inconstitucionalidade e são obrigados a observarem, em primeira instância, normas regulamentares expedidas pela RFB e, em todas as alçadas, os pareceres emitidos pela PGFN e Advocacia Geral da União.
Dessa forma, a apreciação pela autoridade ministerial seria o instrumento pelo qual a Administração Fazendária desempenharia seu controle interno, uma vez que a decisão proferida, apesar de enquadrar-se como ato simples, não comporta anulação de ofício, pelo próprio agente, haja vista que o presidente do colegiado não usufrui desse condão.
Em todo caso, vedar-se-ia a supervisão ministerial por meio de avocação, por ser prática de viés autoritário, e preservar-se-ia o direito de defesa do administrado, facultando-lhe a apresentação de contrarrazões ao Ministro de Estado. Em complemento, para assegurar a excepcionalidade desse dispositivo, é salutar a implementação de obstáculos, como a exigência de que a decisão a ser revista pela via hierárquica fosse não unânime.
Há de se deixar patente que o recurso hierárquico não comportaria análise sobre o mérito da decisão tributária. Ao revés, deve cingir-se aos elementos vinculados do ato administrativo e que comprometam sua validade, tais como competência, finalidade, forma.
Sopesando o sistema de princípios basilares da Constituição da República de 1988 em conjunto com os princípios norteadores da Administração Pública e do processo administrativo, somados aos argumentos doutrinários e ao entendimento jurisprudencial sobre o tema, conclui-se como mais acertada a tese que propugna pela impossibilidade de a Fazenda Pública buscar em juízo a reversão do acórdão irreformável em favor do contribuinte, ressalvando-se, contudo, o instituto da supervisão ministerial, restrita aos componentes vinculados da decisão terminativa, como forma de preservar o controle interno que a Administração deve exercer sobre seus atos.
Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil. Especialista em Direito Tributário pela PUC Minas
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