Prodigality: The Prodigal’s Interdiction For Incapacity
Meirivane Rose da Silva Lima[1]
Robert Erik Cutrim Campos[2]
Resumo: O presente estudo reúne aporte teórico doutrinário e jurisprudencial acerca do processo de interdição do pródigo, investigando seus requisitos e impedimentos, para, ao final, concluir pelo caráter estritamente patrimonial do processo.
Palavra-chave: Capacidade. Perícia. Processo. Curatela. Patrimônio.
Abstract: The present study gathers doctrinal and jurisprudential theoretical support about the prodigal interdiction process, investigating its requirements and impediments, in order, in the end, to conclude by the strictly patrimonial character of the process.
Keyword: Capacity. Expertise. Process. Trustee. Patrimony.
Sumário: Introdução. 1. Da capacidade civil. 2. Da curatela do Pródigo. 3. O reconhecimento da incapacidade e a ação de interdição. 3.1 Da escusa. 3.2 Do exercício da curatela. 3.3 Dos efeitos da interdição. 3.4 Do levantamento da curatela. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
No atual contexto brasileiro, observa-se que o mundo midiático está avançando e alcançando inúmeros jovens que, a todo custo, desejam obter um largo patrimônio. Logo, no mundo de aparências da internet, não raras vezes, a obsessão por querer se tornar um famoso ou famosa os condiciona à compra de itens desnecessários e supérfluos, colocando em xeque o mínimo necessário para a sua subsistência.
Em relação ao dinheiro, os pródigos se excedem em gastos e são deficientes em relação ao ganho. Vários doutrinadores afirmam que a prodigalidade deriva de um desvio da personalidade, e não, propriamente, de um estado de alienação mental paralelo a doenças psíquicas. Entretanto, não se pode descartar que o estado mental do pródigo se transforme em uma enfermidade ou deficiência mental, com prejuízo do discernimento necessário e das faculdades mentais, podendo, assim, ser declarado como absolutamente incapaz.
Observar-se-á que há um critério psicomotor para a interdição do pródigo. Não é qualquer gasto excessivo que leva uma pessoa a ser taxada como pródiga. Deve-se abrir um parâmetro casuístico entre o que é perturbação mental e o que é consumismo compulsivo.
Necessária, portanto, a submissão do pródigo à perícia médica obrigatória que deve ser realizada, a critério do magistrado, por um médico especialista ou por uma equipe multidisciplinar composta, por exemplo, além de médicos peritos, por psicólogos, terapeutas e assistentes sociais, a depender da necessidade de conhecimento técnico necessário à causa.
A doutrina moderna conceitua o pródigo como o sujeito que dizima seu patrimônio inadvertidamente, realizando gastos excessivos e desnecessários. Para ser designada a sua prodigalidade, a fim de preservar seu mínimo existencial, é necessária a abertura de um processo de interdição judicial de caráter patrimonial onde será declarada a incapacidade relativa do pródigo e lhe será nomeado um curador para exercer atos de disposição e oneração sob seus bens.
Com o desenvolvimento deste estudo, busca-se identificar a repercussão jurídica decorrente da interdição do pródigo, apresentando os procedimentos necessários e fundamentais para findar em sentença que declare a interdição do pródigo.
O tema é atual e relevante, inclusive indaga-se a pouca utilização desse instrumento jurídico no mundo atual. Dessa forma, fazendo uso de uma pesquisa qualitativa de natureza básica, este estudo se propõe identificar a presença e a aplicação do instrumento de interdição por incapacidade do pródigo, gerando conhecimento passível de divulgação para, possivelmente, ser utilizado em pesquisas aplicadas ou tecnológicas.
Para tanto, serão abordados alguns julgados de casos reais dos Tribunais de Justiça de alguns Estados, bem como serão apresentados Enunciados Jurisprudenciais que auxiliam na hermenêutica jurídica deste assunto que pouco se debate, além de discorrer sobre os mais importantes apontamentos da doutrina moderna.
1 DA CAPACIDADE CIVIL
Conforme preceitua o artigo 1º do Código Civil “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” (BRASIL, 2002, não paginado), o que significa dizer, em sentido amplo, que a pessoa natural tem aptidão para exercer direitos e assumir deveres na órbita civil. Em sentido lato, a capacidade é classificada em capacidade de direito e capacidade de fato.
A primeira é inerente à personalidade de toda pessoa humana, uma vez que é adquirida junta ao nascimento com vida e perdida quando da ocorrência de sua morte. Deve ser reconhecida indistintamente a todo ser humano, não podendo ser negada a ninguém, somente sofrendo restrições quanto ao seu exercício onde faltar personalidade, como no caso do nascituro, por exemplo.
Já a segunda, também denominada como capacidade de exercício ou de ação, está relacionada “com o exercício próprio dos atos da vida civil” (TARTUCE, 2019, p. 201). Requer o cumprimento de certas qualidades, que nem todos tem em razão de algumas limitações orgânicas ou psicológicas, além do fator da idade.
Por ser importante para a participação na vida social, especialmente para quem possui patrimônio a administrar, ainda que não lhe seja negada a capacidade de assumir direitos, a lei civil determina o suprimento da incapacidade de fato, exigindo sempre a participação de uma terceira pessoa que exprima sua vontade, utilizando, para isso, o poder familiar, a tutela ou a curatela, sonegando-lhes o direito de se autodeterminarem e de exercer seus direitos pessoal e diretamente.
Como exemplo, há o caso de um recém-nascido ou algum mentalmente incapaz. A estes lhe são garantidas a titularidade de bens, podendo, legalmente, constituir-se proprietário de algum imóvel e até herdar bens, entretanto, falta-lhes condição para administrar por si mesmo o imóvel assim como os bens. Também não poderão entrar em juízo sozinhos, sempre haverá a participação de um terceiro que defenderá seus interesses enquanto durar a incapacidade.
Logo, que quem possui as duas espécies de capacidade é plenamente capaz para qualquer ato da vida civil, enquanto quem só possui a de direito, tem capacidade limitada e necessita, como visto, de uma terceira pessoa que exprima a sua vontade. Em razão disso, são chamados de incapazes. Não há que se falar, entretanto, na existência de incapacidade de direito, porque, como explicado acima, ao nascer, todos se tornam capazes de assumir direitos.
Frise-se, ainda, que ausente a capacidade de fato ou de exercício, o indivíduo não está apto a praticar pessoalmente atos da vida civil, uma vez que está impossibilitado de manifestar real e juridicamente sua vontade.
A incapacidade, porém, não o isenta da responsabilidade patrimonial de suas relações, já que, como cita o artigo 928 do atual Código Civil “o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes” (BRASIL, 2002, não paginado).
Com efeito, a incapacidade de fato é determinada conforme o grau de imaturidade, deficiência física, mental ou intelectual do indivíduo. O Código Civil (CC), que passou por uma verdadeira revolução com o advento da Lei nº 13.146 de 6 de julho de 2015, respectivamente nos artigos 3º e 4º, separa os absolutamente incapazes – que não tem discernimento algum para praticar, sozinho e diretamente, qualquer ato da vida civil sem a presença de seu representante legal, sob pena de nulidade do ato (art. 166, I, CC) – dos relativamente incapazes – que mesmo possuindo algum discernimento, não podem praticar certos atos jurídicos e civis, em princípio, sem a devida assistência dos pais ou representantes, sob pena de anulabilidade (art. 171, I, CC) (BRASIL, 2002). Ambos produzindo efeitos jurídicos distintos entre si.
No que se refere aos absolutamente incapazes, o Código Civil de 1916 citava, além dos menores de 16 anos, “os loucos de todo o gênero, os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade [e] os ausentes, declarados tais por ato do juiz” (BRASIL, 1916, não paginado).
Tal regramento vigorou até a chegada do Código Civil de 2002, que refutava que os absolutamente incapazes eram: “a) os menores de dezesseis anos; b) os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; c) os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”. (BRASIL, 2002, não paginado).
Observa-se que ambos os códigos tratavam a deficiência como uma incapacidade. O que foi alterado com o advento da Lei nº 13.146 de 6 de julho de 2015, popularmente conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, que revogou o artigo 3º do Código de 2002, fazendo permanecer apenas o caput do mesmo, fixando apenas os menores 16 anos como absolutamente incapazes para os atos da vida civil.
Essa alteração foi importante para a inclusão social dos deficientes, tendo em vista que todas as pessoas com deficiência apontadas nos incisos do artigo 3º revogado passaram a ser plenamente capazes para os atos da vida civil.
Especialmente no artigo 6º do Estatuto, o legislador, com vistas a proteger a dignidade dos deficientes, tratou de deixar claro que “a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa” (BRASIL, 2015a, não paginado).
Em suma, o Estatuto da Pessoa com Deficiência fez valer o princípio da dignidade da pessoa humana para que “a pessoa com deficiência deixasse de ser ‘rotulada’ como incapaz, para ser considerada – em uma perspectiva constitucional isonômica – dotada de plena capacidade legal” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 51).
Apesar da significativa mudança legislativa, as pessoas com deficiência ainda podem ser tidas como relativamente incapazes, haja vista que (ainda) há a possibilidade de se adotar institutos assistenciais específicos, como cita o artigo 84, §§1º e 2º do Estatuto, que a depender do caso concreto, autoriza a utilização da curatela e da tomada de decisão apoiada para dar assistência aos interesses patrimoniais e negociais do grupo. Veja-se:
“Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.
Importante mencionar que todo menor de 16 anos é, por si só, absolutamente incapaz, não sendo necessário nenhum meio judicial para o reconhecimento desta incapacidade, que será suprida pela simples representação de seus pais ou tutores, não extinguindo, entretanto, os efeitos de eventuais atos praticados pelo menor, conforme se extrai do Enunciado nº 138 do Conselho da Justiça Federal (CJF), aprovado na III Jornada de Direito Civil, que diz que “a vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto” (AGUIAR, 2005, p. 56).
Quando maior de 18 anos e estando presente algum fato que lhe diminua o discernimento, como uma exceção, para declarar a sua incapacidade relativa será necessário seguir as regras de um processo de interdição em uma Vara de Família, abordado no decorrer deste.
2 DA CURATELA DO PRÓDIGO
Entre a incapacidade absoluta e a capacidade civil plena, figuram pessoas situadas em uma zona intermediária que não gozam de total capacidade de discernimento e autodeterminação. Incapacidade relativa, portanto, é uma restrição legal que impede o exercício dos atos da vida civil, uma vez que a lei impõe àqueles que, excepcionalmente, necessitam de proteção.
Conceituados como aqueles “que, por irreprimível impulso, desfazem de seus bens, mediante gastos injustificáveis, compras ou vendas desastrosas, esbanjando o seu patrimônio” (NADER, 2018, p. 219), os pródigos se enquadram na categoria dos relativamente incapazes (art. 4º, IV, CC), ficando impedidos de praticar atos da vida civil que impliquem movimentação patrimonial, conforme determinação do art. 1.782 do Código Civil (BRASIL, 2002).
Alinhados com a legislação civil e processual civil, os doutrinadores modernos associam a prodigalidade a um desvio comportamental, que geralmente está ligada a prática do jogo ou a outros vícios que refletem no patrimônio individual, prejudicando, consequentemente, o convívio familiar e social.
Venosa (2017, p. 151) propõe que a declaração de pródigo deve ser fornecida por psiquiatra e ciências afins, no sentido de determinar “se a dissipação do patrimônio sobrevêm de um estado patológico” capaz de afetar a saúde mental do indivíduo de tal forma que o torna um incapaz absoluto por falta de discernimento mental, ou se apenas trata-se de uma “simples prodigalidade, que é uma incapacidade restrita”, não relacionada a condições psicológicas.
Para tanto, enquanto não declarado em sentença de interdição como tal, o pródigo continua sendo capaz para todos os atos. À vista disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2019, noticiou que “quando uma pessoa se mostra incapaz de medir as consequências de suas ações e administrar seus bens seja por doença ou vício, os membros da família podem solicitar uma interdição judicial” em qualquer Vara da Família mais próxima, para ser delegada uma terceira pessoa com poder de representação legal. Alertou ainda que “para ser declarada incapaz, a pessoa deve ter dificuldade para compreender suas decisões devido a algum transtorno mental, dependência química ou doença neurológica, o que deve ser devidamente atestado por perícia médica” (BRASIL, 2019, não paginado).
Logo, para a interdição do pródigo é necessário o ajuizamento de um processo judicial nomeado como Ação de Interdição, cujos legitimados descritos na legislação processual civil, especificamente em seu artigo 747, são: “cônjuge ou companheiro, […] parentes ou tutores, […] representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando, [e o] Ministério Público” (BRASIL, 2015b, não paginado).
Por intermédio do provimento judicial, será nomeado um curador que ficará responsável por representar o pródigo naquilo que o magistrado determinar. “A expressão curatela tem origem no Direito Romano, de curare, cuidar, olhar, velar” (PEREIRA, 2021, p. 793), e nada mais é do que um instituto assistencial constituído em uma medida extraordinária de preservação dos interesses de maiores de 18 anos relativamente incapazes, ordinariamente proporcional às necessidades e circunstâncias do caso fático, utilizada pelo menor tempo possível, ou seja, enquanto durar a incapacidade.
Em regra, a curadoria do pródigo afeta tão somente direitos patrimoniais e negociais, não alcançando o direito ao próprio corpo, ao matrimônio, à sexualidade, à saúde, à privacidade, ao trabalho, à educação e ao voto.
Importante ressaltar que na sentença, o magistrado delimitará o âmbito do exercício da curatela, não existindo, em regra, nenhum tipo de limitação à prática de quaisquer atos pessoais, além dos especificados no artigo 1.782 do Código Civil, uma vez que a sua incapacidade, refere-se apenas a atos que possam diminuir o seu patrimônio, podendo exercer poder familiar sobre seus filhos (as), ser testemunha, emancipar filho (a), adotar, autorizar o casamento de filho (a), votar e etc.
Apesar desta ser a regra geral, excepcionalmente, o Enunciado nº 637 aprovado na VIII Jornada de Direito Civil lançou uma proposta doutrinária controvérsia preceituando que “admite-se a possibilidade de outorga ao curador de poderes de representação para alguns atos da vida civil, inclusive de natureza existencial, a serem especificados na sentença, desde que comprovadamente necessários para proteção do curatelado em sua dignidade.” (ARAUJO, 2018, p. 11).
Anteriormente a tal proposta, Gonçalves (2016, p. 141-142) afirmou que a interdição do pródigo se justificava “pelo fato de encontrar-se permanentemente sob o risco de reduzir-se à miséria, em detrimento de sua pessoa e de sua família, podendo ainda transformar-se num encargo para o Estado, que tem a obrigação de dar assistência às pessoas necessitadas”.
Nesse sentido não se sabe ao certo se tal proposta alcança os pródigos, uma vez que a “interdição do pródigo só interfere em atos de disposição e oneração do seu patrimônio” (GONÇALVES, 2018, p. 61). Contudo, vale lembrar que cada caso processual demanda tratativas únicas e específicas, o que permite, raras vezes, que o magistrado ultrapasse as barreiras legislativas aplicando aquilo que for melhor para o interditado.
Para ser curador basta gozar de capacidade civil plena para os atos da vida civil. Atendida tal exigência, em tese, qualquer pessoa poderá ser nomeado curador do pródigo.
Entretanto, apesar de vasto campo de escolha, não é razoável que o magistrado escolha qualquer pessoa para administrar os bens do interdito. Por isso, “o lógico é que tal função seja exercida por alguém que, além de apresentar comportamento probo e idôneo, mantenha relações de parentesco ou de amizade com o sujeito que teve sua incapacidade […] reconhecida” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 1347-1348).
Nesse raciocínio, o artigo 1.775 do Código Civil determina uma ordem de preferência:
“Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.
O legislador, entretanto, atento a possíveis desentendimentos familiares, não vinculou este rol ao direito de escolha do magistrado, que deve se ater ao caso concreto e nomear um curador sempre em prol do que seria melhor para os interesses do interdito.
Imagine se o cônjuge do curatelado, anteriormente à propositura da ação, de alguma forma negligencie seus direitos básicos. Não seria justo nomear tal pessoa para administrar seu patrimônio. Por isso, o Conselho de Justiça Federal (CJF), na VIII Jornada de Direito Civil, aprovou o Enunciado nº 638 trazendo à tona a chamada legitimação concorrente, afirmando que “a ordem de preferência de nomeação do curador do art. 1.775 do Código Civil deve ser observada quando atender ao melhor interesse do curatelado, considerando suas vontades e preferências, nos termos do art. 755, II, e § 1º, do [Código de Processo Civil] CPC” (ARAUJO, 2018, p. 12).
Acertada a afirmativa de Mello (2017, p. 112) quando diz que “a prodigalidade não se presume, deve ser demonstrada através de perícia e declarada pelo juiz em sentença. Na decisão, o magistrado deve considerar a contumácia, a habitualidade dos gastos, sempre em atendimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. A prodigalidade resta configurada por gastos excessivos, alienações a preço vil, doações reiteradas que importem em prejuízo patrimonial”.
Sendo assim, necessário o estudo minucioso das regras relativas a esse processo constantes no atual Código de Processo Civil (CPC), como será visto a seguir.
3 O RECONHECIMENTO DA INCAPACIDADE E A AÇÃO DE INTERDIÇÃO
Conforme alteração do artigo 3º do Código Civil emanada do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), estão sujeitos à curatela apenas os maiores relativamente incapazes, que são “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; os ébrios habituais e os viciados em tóxico; e os pródigos” (artigo 1.767 Código Civil) (BRASIL, 2002, não paginado), ou seja, aqueles que não tem total controle de suas vontades, praticando atos atentatórios contra si e contra seus próximos.
Segundo Dias (2021, p. 931) “[…] quando se interdita alguém, se subtrai sua capacidade civil e, consequentemente, expropria-se sua cidadania. O interditado é retirado do lugar de sujeito de desejo e de sujeito social. A própria expressão curatelado e interditado já veiculam significados e significantes de exclusão”.
Por se tratar de uma incapacidade fundamentada no critério subjetivo, considerando que a incapacidade é uma exceção, “é exigível o reconhecimento judicial da causa geradora da incapacidade, através de uma decisão judicial a ser proferida em ação específica, por meio de um procedimento especial de jurisdição voluntária” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 359), para a designação de um curador de forma a assistir o pródigo para preservar os seus interesses.
Neste sentido, será abordado a seguir o procedimento de interdição do pródigo, que segue o rito do artigo 747 e seguintes do Código de Processo Civil, bem como as disposições do Código Civil de 2002.
Como já mencionado, o artigo 747 do Código de Processo Civil tratou da legitimidade ativa pela ação de interdição, indicando quem pode propor a ação para requerer a curatela, sendo: o cônjuge ou o companheiro não separado judicialmente ou de fato, os parentes ou tutores, os representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando, e o Ministério Público. (BRASIL, 2015b)
Para o peticionamento da ação de interdição, deve o autor, “especificar os fatos que demonstram a incapacidade do interditando para administrar seus bens e, se for o caso, para praticar atos da vida civil, bem como o momento em que a incapacidade se revelou”, devendo fazer a juntada de documentos que comprovem sua legitimidade, bem como de laudo médico do curatelado (CPC, artigo 749 c/c § único, art. 747), sem prejuízo dos requisitos genéricos exigidos no artigo 319 da mesma legislação (BRASIL, 2015b, não paginado).
Tão importante a juntada de laudo pericial e a demonstração de carestia da interdição que, no ano de 2021, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgou improcedente uma apelação cível ante a ausência de provas que deveriam ter sido juntadas na petição inicial. Veja-se:
“APELAÇÃO CÍVEL. INTERDIÇÃO. DISSIPAÇÃO DE PATRIMÔNIO. NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE PROVAS. A interdição do pródigo dever vir fundamentada em conteúdo probatório da incapacidade do indivíduo em gerir seu patrimônio, somada a atos de dissipação que se mostrem incontroláveis, decorrentes de vício. Não havendo comprovação e/ou demonstração de que os gastos revelem verdadeira incapacidade de gestão, prejudicada a aferição da possibilidade”. (MINAS GERAIS, 2021, não paginado).
Pode o autor, ainda na petição inicial, ou incidentalmente a qualquer tempo, atendidos os requisitos essenciais para a concessão da medida emergencial e mediante justificativa plausível, pedir para que o magistrado nomeie um curador provisório para a prática de determinados atos que não poderiam aguardar o encerramento do provimento judicial, conforme disposição do § único do artigo 749 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015b).
Não necessariamente o curador nomeado a título precário será sustentado definitivamente na sentença, podendo, inclusive, ser retirado de tal incumbência se comprovada a falta de zelo, incompetência ou negligência com os interesses do interditando quanto aos atos para os quais foi nomeado a administrar.
Imediatamente após a distribuição da ação, estando em ordem a petição inicial, mediante despacho do magistrado se procederá a citação do interditando, bem como de parentes e pessoas mais próximas, se houver necessidade, para que compareçam em juízo, onde o magistrado formará a sua impressão pessoal sobre o pródigo por meio de uma entrevista onde serão questionados sobre a “vida, negócios, bens, vontades, preferências e laços familiares e afetivos” do interditando (artigo 751, CPC) (BRASIL, 2015b, não paginado).
Tão importante a entrevista pessoal no interditando, que poderá assim o juiz identificar se a causa foi iniciada pelos familiares apenas para reter o patrimônio do interditando a seu favor, evitando, assim, o prolongamento do feito quando evidente a plena capacidade do interditando. Assim ocorreu em 2018 quando a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pleito da esposa que queria a interdição do seu cônjuge, plenamente capaz. Veja-se:
“INTERDIÇÃO. PLEITO DEDUZIDO PELA ESPOSA, SOB ALEGAÇÃO DE QUE O MARIDO É PRÓDIGO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DA AUTORA. DESCABIMENTO. Prova pericial e depoimento prestado pelo réu, comprovam sua capacidade de se autogerir e administrar os seus bens. Recurso desprovido”. (SÃO PAULO, 2018, não paginado).
O mesmo aconteceu também em 2018, quando a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás julgou procedente uma apelação cível frente ao acervo probatório que atestava a plena capacidade da ré. Veja-se:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INTERDIÇÃO POR PRODIGALIDADE. PESSOA IDOSA. GASTOS EXCESSIVOS. ATO DE EXTREMA EXCEPCIONALIDADE. SENTENÇA REFORMADA. 1- A interdição consiste em medida extrema, que retira do indivíduo a administração e a livre disposição de seus bens, sendo indispensável a certeza da incapacidade a ser demonstrada por prova inequívoca. 2- Não se constitui prodigalidade o eventual gasto excessivo com namorada, de modo que as alienações realizadas não é fator suficiente para interditar um indivíduo, uma vez que privar uma pessoa de gerir seus próprios bens como lhe convier, constitui violência à liberdade individual. 3- Não ocorrendo as hipóteses previstas no art. 1767 do Código Civil, não há que se falar em interdição, sob pena de afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cabendo à Apelada/A. comprovar a dilapidação do patrimônio, o que não ocorreu. Ao contrário, laudo médico demonstra claramente que o interditando não é pródigo e nem portador de quadro que o impossibilite de reger sua vida civil e financeira e administrar seus bens. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA”. (GOIÁS, 2018, não paginado, grifo nosso).
Após os trâmites iniciais, fazendo uso da garantia constitucional do devido processo legal, a partir do 1º dia útil subsequente a data da entrevista (artigo 224, §3º, CPC), se abrirá um prazo de 15 (quinze) dias úteis para que o interditando impugne o pedido por intermédio de um advogado constituído (BRASIL, 2015b), podendo alegar questões processuais ou apresentar sua defesa no sentido de provar ser capaz de administrar seus bens e de gerir sua vida pessoal e profissional.
Quando a incapacidade impossibilitar a impugnação de defesa, na falta de um advogado constituído, poderá lhe ser nomeador um curador especial que lhe abone seus direitos e interesses (artigo 752, § 2º, CPC) (BRASIL, 2015b).
Além disso, tem o Ministério Público o dever legal de ser intimado para acompanhar o procedimento desde o início, podendo, inclusive, se manifestar como fiscal do ordenamento jurídico a fim de evitar violação nas normas legais e garantir uma decisão judicial justa e em conformidade com o ordenamento jurídico, sob pena de nulidade do processo a partir do procedimento em que deveria ter sido intimado (artigo 752 c/c artigo 279, CPC) (BRASIL, 2015b).
Encerrado o prazo para impugnação, deve o magistrado nomear um perito médico para que proceda um exame no interditando, que, juntamente com a entrevista, avaliará o nível de sua incapacidade e subsidiará o convencimento do magistrado acerca de suas possíveis limitações (artigo 753, CPC) (BRASIL, 2015b).
Tão valiosa a realização da perícia médica que, a depender do caso concreto, pode o magistrado solicitar uma equipe multidisciplinar, quando necessários conhecimentos técnicos não só de médicos, mas de psicólogos e assistentes sociais, por exemplo, para que seja apresentado um laudo completo sobre a incapacidade do pródigo, qualificado o suficiente para indicar para quais atos sua vontade própria pode ser levada em consideração (artigo 753, § 1º, CPC) (BRASIL, 2015b).
Uma vez que tais procedimentos indicarão para quais atos haverá a necessidade de curatela, a não realização de quaisquer das duas ferramentas (mesmo que evidente a incapacidade) acarretará a nulidade do processo, no todo ou em parte, a critério do juiz. Assim entendeu, em 2021, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul:
“AÇÃO DE INTERDIÇÃO. RITO ESPECIAL. AUSÊNCIA DO INTERROGATÓRIO DA INTERDITANDA. SUPRIMENTO POR LAUDO PERICIAL. INVIABILIDADE. NULIDADE EVIDENCIADA. SENTENÇA INSUBSISTENTE. RECURSO PROVIDO. 1. A interdição constitui-se numa ação de estado, a qual se reveste de caráter excepcional e rito especial cercado de inúmeras formalidades procedimentais, em razão das séries consequências advindas à esfera jurídica do interditando. 2- Neste contexto, o interrogatório do interditando constitui uma fase procedimental obrigatória e indispensável com o fito de o julgador aferir pessoalmente a incapacidade dele para os atos da vida civil, que não pode ser suprido com a apresentação de laudo pericial e o desatendimento a tal comando constitui causa apta a ensejar a nulidade da sentença”. (MATO GROSSO DO SUL, 2021, não paginado, grifo nosso).
Formado o seu livre convencimento em decretar a interdição do sujeito, o magistrado é obrigado a reduzir a termo na sentença as razões e motivações para a curatela específica e seu tempo de duração, não podendo de maneira alguma ser permanente, uma vez que a curatela se prolonga exclusivamente “para abranger tempo suficiente à realização de negócios jurídicos no interesse da pessoa […], renovando-se sempre que necessário, ou não.” (LÔBO, 2019, p. 153).
Decretada a sua interdição, deverá o juiz nomear um curador, que pode ser o autor da ação ou não, devendo considerar “as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências” (art. 755, II, CPC), fixando, desde logo, os limites da curatela “segundo o estado e o desenvolvimento mental do interdito” (art. 755, I, CPC) (BRASIL, 2015b, não paginado).
A respeito disso, ainda que revogado o artigo 1.772 do Código Civil, o Enunciado nº 574 do Conselho de Justiça Federal aprovado na VI Jornada de Direito Civil tratou de concretizar a utilização da curatela parcial, uma vez que “a decisão judicial de interdição deverá fixar os limites da curatela para todas as pessoas a ela sujeitas, sem distinção, a fim de resguardar os direitos fundamentais e a dignidade do interdito” (AGUIAR JÚNIOR, 2013, p. 114) sob a acertada justificativa de que
“O CC/2002 restringiu a norma que determina a fixação dos limites da curatela para as pessoas referidas nos incisos III e IV do art. 1.767. É desarrazoado restringir a aplicação do art. 1.772 com base em critérios arbitrários. São diversos os transtornos mentais não contemplados no dispositivo que afetam parcialmente a capacidade e igualmente demandam tal proteção. Se há apenas o comprometimento para a prática de certos atos, só relativamente a estes cabe interdição, independentemente da hipótese legal específica. Com apoio na prova dos autos, o juiz deverá estabelecer os limites da curatela, que poderão ou não ser os definidos no art. 1.782. Sujeitar uma pessoa à interdição total quando é possível tutelá-la adequadamente pela interdição parcial é uma violência à sua dignidade e a seus direitos fundamentais. A curatela deve ser imposta no interesse do interdito, com efetiva demonstração de incapacidade. A designação de curador importa em intervenção direta na autonomia do curatelado. Necessário individualizar diferentes estatutos de proteção, estabelecer a gradação da incapacidade. A interdição deve fixar a extensão da incapacidade, o regime de proteção, conforme averiguação casuística da aptidão para atos patrimoniais/extrapatrimoniais”. (AGUIAR JUNIOR, 2013, p. 115).
Dessa forma, a nomeação do curador deve levar em consideração o que melhor atender aos interesses do curatelado, e se houver “pessoa incapaz sob a guarda e a responsabilidade do interdito, o juiz atribuirá a curatela a quem melhor puder atender aos interesses do interdito e do incapaz” (art. 755, §2º, CPC), podendo o magistrado, também, estabelecer limites a essa extensão (BRASIL, 2015b, não paginado).
3.1 Da escusa
A priori, sendo parente do interditado, o exercício da curatela não poderá ser recusado. Entretanto, excepcionalmente a fim de evitar a sobrecarga de atividades ou um ônus maior ao curador, o artigo 1.736 do Código Civil lista algumas pessoas que tem o direito de recusar a proposta, veja-se:
“I – mulheres casadas;
II – maiores de sessenta anos;
III – aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos;
IV – os impossibilitados por enfermidade;
V – aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a [curatela];
VI – aqueles que já exercerem tutela ou curatela;
VII – militares em serviço”. (BRASIL, 2002, não paginado).
Aqueles que não mantém nenhum grau de parentesco com o curatelado, podem se desobrigar do encargo, pois o artigo 1.737 da legislação civil admite a possibilidade de recusa “se houver no lugar parente idôneo, consangüíneo ou afim, em condições de exercê-la” (BRASIL, 2002, não paginado).
A manifestação da escusa poderá ser apresentada nos mesmos autos da curatela por uma petição simples dentro de 10 dias, contados do dia em que foi nomeado, ou do dia em que sobrevier o motivo escusatório, se depois de aceita a curatela, “sob pena de entender-se renunciado o direito de alegá-la” (CC, artigo 1.738) (BRASIL, 2002, não paginado).
Conflitando com tal disposição, como norma posterior e mais especial que a legislação civil, deve prevalecer o disposto no artigo 760 do Código de Processo Civil de 2015, de que o prazo para o curador se eximir do encargo apresentando escusa ao juiz seria de 5 dias (ao invés de 10), contados da intimação para prestar compromisso, se ainda não havia aceitado o encargo, e no caso de já estar exercendo o ônus, o prazo será contado do dia em que sobrevier o motivo da escusa (BRASIL, 2015b). Se a escusa não for aceita pelo magistrado, deverá o curador sucumbir-se ao ônus enquanto não houver sido dispensado em sentença transitada em julgado.
Importante destacar que, caso o magistrado entenda por não acolher a manifestação do curador, o mesmo deverá exercer o múnus público enquanto não for dado provimento ao possível recurso interposto, respondendo, desde já, pelas perdas e danos que o pródigo vier a sofrer (CC, artigo 1.739) (BRASIL, 2002).
3.2 Do exercício da curatela
O exercício da curatela é um múnus público, ou seja, trata-se de uma obrigação decorrente de lei, especificamente no artigo 1.741 do Código Civil, que determina que o curador, sob a inspeção do juiz, tem o dever de administrar com zelo e boa-fé os bens do curatelado, em proveito deste (BRASIL, 2002).
Apesar de ser um encargo legal, o curador faz juz a uma remuneração proporcional ao montante dos bens administrados, além de ser reembolsado pelo que fez de despesa (CC, artigo 1.752) (BRASIL, 2002). Para Dias (2021, p. 947) tal medida se justifica porque “[…] o cuidador muitas vezes abandona seus projetos de vida para dedicar-se a quem passou a ser seu dependente. Inclusive, há situações bastante comuns em que a subsistência do curador depende do que percebe pelo exercício da curatela. E, quando da morte do curatelado, resta sem meios de subsistência”.
O curador, entretanto, não pode, por conta própria, reter a renda do incapaz a título de remuneração. Em 2011, julgando um recurso especial, os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça assentaram o entendimento de que “é indevida a fixação realizada pelo próprio curador e a consequente retenção de rendas do interdito”, uma vez que a “remuneração do curador deverá ser requerida ao Juiz que a fixará com comedição, para não combalir o patrimônio do interdito, mas ainda assim compensar o esforço e tempo despendidos pelo curador no exercício de seu múnus” (BRASIL, 2011, não paginado).
Em razão da aplicação extensiva das normas que regulam a tutela, também poderá ser necessária a nomeação de um “pró-curador” para fiscalizar as ações do curador (CC, 1.742), recebendo uma modesta gratificação a ser arbitrada pelo magistrado (CC, artigo 1.752, § 1º) (BRASIL, 2002, não paginado).
Do mesmo modo, por força do artigo 1.743 do Código Civil, mediante aprovação do juiz, o curador poderá delegar a pessoas físicas ou jurídicas o exercício parcial da curatela, “sempre que os bens e interesses administrativos exigirem conhecimentos técnicos, forem complexos, ou realizados em lugares distantes do domicílio do [curador]” (BRASIL, 2002, não paginado).
Uma vez que está na posse e administração dos bens do curatelado (CC, artigos 1.755 e 1.744), além de exprimir a vontade do interditado, o curador tem a obrigação de apresentar as contas em procedimento próprio a cada 2 (dois) anos ou quando se fizer necessário, a fim de que sejam julgadas em audiência as despesas reconhecidas em proveito do pródigo (CC, artigos 1.755 e 1.757) (BRASIL, 2002).
Tal obrigação pode ser dispensada temporariamente se verificado que o curatelado não possui patrimônio ou se sua renda for pequena o suficiente apenas para manter o próprio sustento. Essa dispensa pode ser revertida se as condições financeiras do curatelado sofrerem considerável alteração.
Também poderá ser dispensado da prestação de contas, o cônjuge que estiver casado com o pródigo sob o regime da comunhão universal, salvo se o juiz determinar no sentido diverso (CC, artigo 1.783) (BRASIL, 2002).
Nos termos do artigo 932, inciso II do Código Civil, por exercer poder de direção sobre o curatelado, caso o pródigo “cometa um ato lesivo ao patrimônio ou a direito de terceiro, o seu curador […] poderá ser civilmente responsabilizado” (STOLZE; PAMPLONA FILHO, 2020, p. 1486), ou seja, estando na companhia do pródigo, se o seu curador permitir que o incapaz realize ação ou omissão que atropele o direito de uma terceira pessoa, independente de culpa o curador será responsável pela reparação civil em razão da responsabilidade civil objetiva, salvo se provada alguma excludente de responsabilidade em que o dano foi causado exclusivamente por culpa da vítima, resguardado o direito de regresso do curador (CC, artigo 933 e 934) (BRASIL, 2002).
Paralelamente, o artigo 928 da mesma legislação admite que pode haver responsabilidade civil do pródigo se ele dispor de patrimônio suficiente, respeitado o mínimo necessário para sua subsistência bem como de seus dependentes financeiros (BRASIL, 2002). Dessa forma, se seu curador não tinha obrigação de ressarcir no caso fático, ou não dispor de meios suficientes para tal, o patrimônio do pródigo poderá ser atingido para a satisfação do terceiro lesado.
O artigo 1.735 do Código Civil, amoldando-se para o caso dos pródigos, proíbe que algumas pessoas sejam nomeadas para o exercício da curatela, devendo ser exonerados caso a exerça, na tentativa de preservar a idoneidade do curador, bem como o patrimônio do curatelado “afastando-se situações, objetivas ou subjetivas, que possam pôr em risco tais bens jurídicos” (STOLZE; PAMPLONA FILHO, 2020, p. 2121).
Portanto, são incapazes para o exercício da curatela:
“I- aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens;
II- aqueles que, no momento de lhes ser deferida a curatela, se acharem constituídos em obrigação para com o [pródigo], ou tiverem que fazer valer direitos contra este […], e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o [pródigo];
III- os inimigos do [pródigo], ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da curatela;
IV- os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena;
V- as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias anteriores;
VI- aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da [curatela]”. (BRASIL, 2002, não paginado)
Vale lembrar que o artigo 1.749 da legislação civil, para o uso adequado do patrimônio do pródigo, tratou de determinar que o curador, em hipótese alguma, poderá “adquirir por si, ou por interposta pessoa, mediante contrato particular, bens móveis ou imóveis” pertencentes ao pródigo (BRASIL, 2002, não paginado); também não poderá dispor dos bens do curatelado a título gratuito, tampouco poderá constituir-se cessionário de crédito ou de direito, contra o incapaz.
O exercício dessas ações, ainda que eventualmente autorizadas pelo magistrado, acarretará a nulidade absoluta do ato, que pode ser reconhecida de ofício e a qualquer tempo pelo magistrado.
Está impedido também, pela regra do artigo 580 do Código Civil, de “dar em comodato, sem autorização especial”, os bens que lhe foram confiados à sua guarda (BRASIL, 2002, não paginado). “Pesa contra tais pessoas um impedimento circunstancial ou específico, criado pelo legislador, com o escopo de proteger o interesse de pessoas em situação especial” (STOLZE; PAMPLONA FILHO, 2020, p. 954). Isto é, não pode o curador emprestar coisas infungíveis que são de propriedade do pródigo, em razão do risco de perda daquilo que não pode ser substituído por outro do mesmo gênero, quantidade ou qualidade, independentemente do valor.
3.3 Dos efeitos da interdição
A legislação civil, especificamente em seu artigo 1.782, determina que, declarada sua interdição, fica o pródigo privado de, “sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração” (BRASIL, 2002, não paginado).
Gonçalves (2016) entende que não há limitações concernentes à pessoa do pródigo, inclusive lista que o pródigo pode exercer qualquer profissão que não seja a de comerciante, também pode casar, exigindo-se, neste último caso, a assistência do curador se a celebração de pacto antenupcial acarretar alguma alteração em seu patrimônio.
Contrariando muitos estudiosos, o pródigo “não é obrigado a se casar sob o regime da separação total de bens de origem legal ou obrigatória, pois ele não consta no art. 1.641 do CC, que traz rol taxativo ou numerus clausus de hipóteses que restringem a liberdade da pessoa” (TARTUCE, 2019, p. 217).
Considerando que a natureza jurídica da sentença de interdição é predominantemente constitutiva, ainda que esteja pendente o julgamento de um recurso, assim que publicada a sentença ou a decisão interlocutória que concedeu a liminar, começam a ser produzidos seus efeitos de forma ex nunc, devendo ser o curador intimado para prestar compromisso e passar a exercer a curatela, assumindo a administração dos bens do pródigo (CC, artigo 759) (BRASIL, 2002).
Desse modo, a fim de assegurar a sua eficácia erga omnes, os termos da sentença de interdição deverão sem amplamente divulgados como determina o § 3º do artigo 755 do Código de Processo Civil de 2015:
“A sentença de interdição será inscrita no registro de pessoas naturais e imediatamente publicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 6 (seis) meses, na imprensa local, 1 (uma) vez, e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição, os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito poderá praticar autonomamente”. (BRASIL, 2015b, não paginado).
Depois dessas providências, qualquer ato praticado pelo pródigo sem a participação de seu curador correrá o risco de ser anulado (CC, artigo 171, I) (BRASIL, 2002). “O registro e a publicação da sentença tornam-na pública, não podendo, a partir daí, terceiros que celebrem contratos com o incapaz alegar ignorância de seu estado” (GONÇALVES, 2018, p. 335).
Seguindo tal entendimento que, em 2021, a 27ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, julgando uma apelação cível que pedia pela anulação do negócio jurídico após interdição do pródigo, decidiu pelos seguintes termos:
“APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADOS. AUTOR QUE CELEBROU OS CONTRATOS APÓS SUA INTERDIÇÃO, SEM ESTAR REPRESENTADO POR SUA CURADORA. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DOS CONTRATOS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. IRRESIGNAÇÃO DAS PARTES. 1- Preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo Município do Rio de Janeiro não merece ser acolhida, pois foi quem efetivou o desconto em folha dos proventos da servidora do montante relativo ao empréstimo consignado, não havendo como afastar sua responsabilidade, porquanto a incapacidade estava publicizada com o registro da interdição do RCPN. 2- Falha na prestação do serviço dos bancos réus ao estabelecerem relação contratual com pródigo interditado não tomando os cuidados necessários no momento da contratação. 3- Interdição do autor devidamente registrada no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais. 4- Contratos de Empréstimo passíveis de anulação nos termos do art. 171, inciso I do CC. 5- Sendo a interdição devidamente registrada e, consequentemente, pública, devem ser alcançados também os contratos pactuados com […], não podendo alegar desconhecimento da situação. 6- Ademais, a interdição parcial para atos de responsabilidade e administração bens e valores se estende a impossibilidade de contratar empréstimos que comprometeram quase que integralidade dos proventos e subsistência do interditado. 7- Sucumbência que, portanto, deve ser suportada unicamente e solidariamente por todos os réus. 8- RECURSOS CONHECIDOS, PROVIDO O DA AUTORA E DESPROVIDOS OS DOS RÉUS”. (RIO DE JANEIRO, 2021, não paginado, grifo nosso).
Inusitadamente também é possível que se proceda a anulação de um negócio praticado pelo pródigo antes de sua interdição se evidente a boa-fé do terceiro que fechou o negócio, bem como se provada indubitavelmente que a incapacidade se fazia presente no tempo da realização do negócio ao mesmo tempo em que não foi percebida pelo negociante.
Dessa forma, Pereira (2021, p. 810-811) acrescenta que, “[…] se omissa a publicação, ela não torna nula ou ineficaz a curatela. Mas deve-se presumir a boa-fé de terceiros que acaso tenham feito negócio jurídico com o curatelado, e não sabia de sua condição, cujo negócio pode ser desfeito. Não precisará indenizar por eventuais frutos recebidos”.
3.4 Do levantamento da curatela
Cessada a causa que determinou a sua interdição, poderá o seu curador ou o Ministério Público fazer o pedido de levantamento da curatela, devendo o interditado ser submetido a avaliação médica de um perito ou uma equipe multidisciplinar nomeada pelo magistrado a fim de que o laudo apresentado seja discutido em audiência de instrução e julgamento a ser designada posteriormente (CPC, artigo 756) (BRASIL, 2002).
Anteriormente o interditado não fazia juz ao direito de, por si só, pedir o levantamento da curatela, o que se alterou com a aprovação do Enunciado nº 57 na I Jornada de Direito Processual Civil, que diz que “todos os legitimados a promover a curatela, cujo rol deve incluir o próprio sujeito a ser curatelado, também o são para realizar o pedido do seu levantamento” (MARQUES, 2017, p. 7).
A depender do nível que sua recuperação alterou a incapacidade do interdito de praticar alguns atos, “pode o juiz, em face do laudo médico, autorizar o levantamento parcial da interdição, permitindo ao interdito a prática de determinados atos, em decorrência da melhora verificada em seu estado” (GONÇALVES, 2018, p. 340). Se a recuperação for total, proceder-se-á ao levantamento total da curatela.
Uma vez acolhido o pedido de levantamento da interdição, na forma do artigo 756, § 3º do Código de Processo Civil, o juiz “determinará a publicação da sentença, após o trânsito em julgado, na forma do art. 755, § 3º , ou, não sendo possível, na imprensa local e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, seguindo-se a averbação no registro de pessoas naturais” (BRASIL, 2015b, não paginado).
Além do levantamento da interdição, a curatela pode ser extinta se o Ministério Público requerer a remoção do curador (CPC, artigo 761), que só será permitida após a citação do curador na forma do § único do artigo 761 do CPC (BRASIL, 2015b). “Assim, o curador que demonstra falta de cuidados com a curatela, administrando ruinosamente o patrimônio do curatelado, descuidando de sua pessoa ou o desrespeitando, pode ser removido do encargo” (GONÇALVES, 2018, p. 338).
O magistrado também pode suspender o curador do exercício de suas funções em casos de extrema gravidade, nomeando um substituto interino (CPC, artigo 762) (BRASIL, 2015b).
Pode ainda, se esgotado o tempo para o qual havia sido designado, o curador pedir pela exoneração do encargo dentro de 10 dias contados do 1º dia útil subsequente à expiração do termo, sob pena de entender-se reconduzido para o encargo (CPC, artigo 763) (BRASIL, 2015b).
Cessada a curatela por qualquer dos meios mencionados, ainda é indispensável a prestação de contas na forma da lei civil nº 10.406/2002.
CONCLUSÃO
Ordinariamente, a capacidade de direito está atrelada ao nascimento com vida. A partir deste momento todos passam a ser capazes de adquirir direitos, que somente poderão ser colocados em prática e exigidos por aqueles que são dotados de capacidade de exercício, adquirida com a maioridade civil juntamente com estado mental estável.
Quem detêm estado mental instável após os 18 anos de idade pode ser interditado e declarado incapaz relativamente para alguns atos da vida civil. O problema está no fato de que não há um ponto fixo que imponha um limite acerca das restrições sofridas pelo pródigo quanto ao direito de dispor livremente sobre seus bens. Há quem diga que essas restrições ferem o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que com a interdição o objetivo principal é a proteção do patrimônio dos herdeiros. Há também quem diga que o instituto da interdição visa a proteção assistencial dos interesses do interditado, evitando o seu perecimento e garantindo o mínimo necessário para a sua subsistência.
Indeclinável, portanto, o estudo da prodigalidade sob o aspecto psicológico e não apenas econômico, em vista da essencialidade de perícia médica realizada no indivíduo que aufere a existência de um desenvolvimento mental incompleto ou deficiente. Dessa forma, a ação de interdição se inclina sob a capacidade mental do interdito de gerir a própria vida, e para o pródigo, de gerir e administrar suas finanças e seus bens.
Notável a importância de perícia médica, haja vista que todas ações que envolvem um interdito visando a anulação de algum negócio jurídico tomam por base a incapacidade preexistente ou superveniente, de modo que identifique se no momento da celebração do negócio, o interditado gozava plenamente de suas faculdades mentais e se estava consciente, a par das consequências de seus atos. Esses impasses jurídicos são analisados casuisticamente, após detida análise de um laudo pericial completo, conforme julgado exemplificado neste trabalho.
Com o decorrer do estudo, verificou-se que a interdição do pródigo se difunde sob três critérios básicos: habitualidade, natureza dos gastos e demasia. Não é qualquer gasto excessivo que caracteriza a prodigalidade. Deve-se tomar por base a disposição patrimonial do sujeito e a forma com que ele o subjuga, observando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Para tanto, forçosa a nomeação de uma terceira pessoa para ser curador do pródigo e auxiliá-lo nos atos de administração e oneração de seus bens. Quanto a isso, vital a ideia do legislador de não vincular a nomeação a uma lista de preferência, uma vez que será levado em conta o que for melhor para o interditado, evitando assim situações em que o pródigo fique cativo às preferências de seu curador.
Em que pese não haver limitações quanto a busca pela felicidade e a liberdade de se autodeterminar, evidente que o legislador prioriza a defesa dos direitos do pródigo, não permitindo que o seu sustento seja sucumbido pela máxima do direito. Em vista disso, a livre disposição de bens sofre restrições quando coloca em risco a manutenção da subsistência do pródigo e de seu alimentante incapaz. Assim, restringe-o apenas quanto a atos de oneração e administração patrimonial, deixando-o o livre para os atos da vida civil.
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[1] Graduada em Direito pela Universidade Ceuma, julho/2021. E-mail: meirivane.adv@gmail.com.
[2] Orientador especialista em Direito Privado, Docente do Curso de Direito, Universidade Ceuma. E-mail: reccutrim@yahoo.com.br.
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