Resumo: O artigo versa sobre a concessão de diárias, com enfoque nas questões controvertidas que surgem no cotidiano da Administração Pública. Aborda questões polêmicas sobre as hipóteses legais de concessão.
Palavras-chave: Diárias. Lei nº 8.112/1990. Decreto nº 5.992/2006. Natureza de indenização. Servidor público. Questões controvertidas.
Abstract: The article deals with the provision of daily, focusing on controversial issues that arise in everyday public administration. Addresses controversial issues on the granting of daily.
Keywords: Daily. Law nº 8.112/1990. Decree nº 5.992/2006. Nature of Indemnity. Public servant. Controversial issues.
Sumário: I-Introdução; II- Natureza jurídica III- Questões controvertidas sobre o pagamento das diárias; IV- Conclusão
1. Introdução
O tema é amiúde na Administração Pública, em especial para o deslinde de controvérsias sobre as situações que dão ensejo às indenizações ao servidor por meio do pagamento das diárias.
De imediato, tem de ser evidenciada sua natureza jurídica como de caráter indenizatório, ou seja, visa recompor despesas realizadas pelo servidor nos seus deslocamentos a serviço da Administração Pública.
2. Natureza jurídica
A própria localização topográfica do artigo 51, da Lei nº 8.112/1990 – que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, autarquias e das fundações públicas federais – no Capítulo II, Seção I, Das Indenizações, não deixa dúvidas sobre seu caráter indenizatório, in verbis:
“ […]
Art.51. Constituem indenizações ao servidor:
I – ajuda de custo;
II – diárias;
III – transporte.
IV – auxílio-moradia.
Art.52. Os valores das indenizações estabelecidas nos incisos I a III do art. 51, assim como as condições para a sua concessão, serão estabelecidos em regulamento.[…]”
Pois bem, é cediço que as diárias têm natureza eminentemente indenizatória, ou seja, destinam-se a indenizar o servidor por despesas extraordinárias com pousada, alimentação e locomoção urbana.
A conceituação é, inclusive, a fixada pelo art. 2º, do Decreto nº 5.992/2006 que dispõe sobre a concessão de diárias no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional, in litteris:
“[…] Art. 2º As diárias serão concedidas por dia de afastamento da sede do serviço, destinando-se a indenizar o servidor por despesas extraordinárias com pousada, alimentação e locomoção urbana.
§ 1º O servidor fará jus somente à metade do valor da diária nos seguintes casos:
I – nos deslocamentos dentro do território nacional:
a) quando o afastamento não exigir pernoite fora da sede;
b) no dia do retorno à sede de serviço;
c) quando a União custear, por meio diverso, as despesas de pousada;
d) quando o servidor ficar hospedado em imóvel pertencente à União ou que esteja sob administração do Governo brasileiro ou de suas entidades; ou
e) quando designado para compor equipe de apoio às viagens do Presidente ou do Vice-Presidente da República;
II – nos deslocamentos para o exterior:
a) quando o deslocamento não exigir pernoite fora da sede;
b) no dia da partida do território nacional, quando houver mais de um pernoite fora do país; (Redação dada pelo Decreto nº 6.258, de 2007)
c) no dia da chegada ao território nacional;
d) quando a União custear, por meio diverso, as despesas de pousada;
e) quando o servidor ficar hospedado em imóvel pertencente à União ou que esteja sob administração do Governo brasileiro ou de suas entidades;
f) quando o governo estrangeiro ou organismo internacional de que o Brasil participe ou com o qual coopere custear as despesas com alimentação ou pousada; ou (Redação dada pelo Decreto nº 6.907, de 2009).
g) (Revogado pelo Decreto nº 6.258, de 2007)
§ 2º Quando a missão no exterior abranger mais de um país, adotar-se-á a diária aplicável ao país onde houver o pernoite; no retorno ao Brasil, prevalecerá a diária referente ao país onde o servidor haja cumprido a última etapa da missão.
§ 3º (Revogado pelo Decreto nº 7.028, de 2009).
§ 4º Não será devido o pagamento de diária ao servidor quando governo estrangeiro ou organismo internacional de que o Brasil participe ou com o qual coopere custear as despesas com pousada, alimentação e locomoção urbana. (Incluído pelo Decreto nº 6.907, de 2009).
§ 5º Na hipótese da alínea “e” do inciso I do § 1o, a base de cálculo será o valor atribuído a titular de cargo de natureza especial. (Incluído pelo Decreto nº 6.907, de 2009).[…]”
Da leitura dos dispositivos acima, quando houver deslocamento da sede do serviço pelo servidor e, concomitantemente, houver despesas extraordinárias com pousada, alimentação e locomoção urbana não custeada pela Administração, é dever desta a concessão das diárias sob o risco de se incorrer em enriquecimento sem causa.
3. Questões controvertidas sobre a concessão de diárias
Por conseguinte, pontos polêmicos surgem no cotidiano da Administração Pública sobre situações nas quais se questiona se é devida, ou não, a concessão das diárias.
Veja-se, verbi gratia, situação na qual há o deslocamento do servidor de sua sede, com retorno no mesmo dia, e com o custeio de todas as despesas com locomoção, alimentação e pousada pela Administração Pública, ou seja, custeadas as despesas in totum pelo erário.
Questiona-se: nesse caso é devido o pagamento da meia-diária?
Para que se possa responder tal questionamento, entendo pertinente volver-se à legislação federal afeta ao tema das diárias, em especial os seguintes excertos:
“Lei 8.112/1990 […]
Art. 58. O servidor que, a serviço, afastar-se da sede em caráter eventual ou transitório para outro ponto do território nacional ou para o exterior, fará jus a passagens e diárias destinadas a indenizar as parcelas de despesas extraordinária com pousada, alimentação e locomoção urbana, conforme dispuser em regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 1º A diária será concedida por dia de afastamento, sendo devida pela metade quando o deslocamento não exigir pernoite fora da sede, ou quando a União custear, por meio diverso, as despesas extraordinárias cobertas por diárias(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 2º Nos casos em que o deslocamento da sede constituir exigência permanente do cargo, o servidor não fará jus a diárias.
§ 3º Também não fará jus a diárias o servidor que se deslocar dentro da mesma região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, constituídas por municípios limítrofes e regularmente instituídas, ou em áreas de controle integrado mantidas com países limítrofes, cuja jurisdição e competência dos órgãos, entidades e servidores brasileiros considera-se estendida, salvo se houver pernoite fora da sede, hipóteses em que as diárias pagas serão sempre as fixadas para os afastamentos dentro do território nacional.
Art.59. O servidor que receber diárias e não se afastar da sede, por qualquer motivo, fica obrigado a restituí-las integralmente, no prazo de 5 (cinco) dias.
Parágrafo único. Na hipótese de o servidor retornar à sede em prazo menor do que o previsto para o seu afastamento, restituirá as diárias recebidas em excesso, no prazo previsto no caput. […]
Ainda sobre tema, os trechos do Decreto nº 5.992, de 19 de dezembro de 2006 que dispõe sobre a concessão de diárias no âmbito da administração federal direta, autárquica e fundacional, solucionam tal quaestio juris. Veja-se a dicção do seu artigo 2º, in verbis:[…]
Art. 2 o As diárias serão concedidas por dia de afastamento da sede do serviço, destinando-se a indenizar o servidor por despesas extraordinárias com pousada, alimentação e locomoção urbana.
§ 1º O servidor fará jus somente à metade do valor da diária nos seguintes casos:
I – nos deslocamentos dentro do território nacional:
a)quando o afastamento não exigir pernoite fora da sede;
b) no dia do retorno à sede de serviço;
c) quando a União custear, por meio diverso, as despesas de pousada;
d)quando o servidor ficar hospedado em imóvel pertencente à União ou que esteja sob administração do Governo brasileiro ou de suas entidades; ou
e) quando designado para compor equipe de apoio às viagens do Presidente ou do Vice-Presidente da República; (…)
Art. 5o As diárias serão pagas antecipadamente, de uma só vez, exceto nas seguintes situações, a critério da autoridade concedente:
I – situações de urgência, devidamente caracterizadas; e
II – quando o afastamento compreender período superior a quinze dias, caso em que poderão ser pagas parceladamente.
§1º As diárias, inclusive as que se referem ao seu próprio afastamento, serão concedidas pelo dirigente do órgão ou entidade a quem estiver subordinado o servidor, ou a quem for delegada tal competência.
§ 2º As propostas de concessão de diárias, quando o afastamento iniciar-se em sextas-feiras, bem como os que incluam sábados, domingos e feriados, serão expressamente justificadas, configurando, a autorização do pagamento pelo ordenador de despesas, a aceitação da justificativa.
§ 3º Quando o afastamento se estender por tempo superior ao previsto, o servidor fará jus, ainda, às diárias correspondentes ao período prorrogado, desde que autorizada sua prorrogação. […] grifei”
De imediato, da intelecção do art. 2º, do Decreto 5.992/2006 constata-se que na situação em que a União custeia todas as despesas de pousada, locomoção e alimentação, em especial nas situações em que o custo da hospedagem conglobe deslocamento e alimentação (pensão completa), não são devidas, a priori, as meias diárias aos servidores, sob pena de se incorrer num bis in idem.
O pagamento das diárias quando todas as despesas extraordinárias já estejam sendo custeadas pelo ente público configura enriquecimento sem causa pelo servidor (enriquecimento ilícito), pois existiria duplicidade nos dispêndios pelo ente público: primeiro, pela concessão das diárias ao servidor (via direta) e, segundo, com o pagamento das despesas de alimentação, pousada e alimentação (via indireta). No caso, a duplicidade no pagamento estaria configurada.
Logo, com a devida vênia de posicionamentos divergentes, pensa-se ser esta a interpretação que deve ser dada às normas da Lei nº 8.112/91 e do Decreto nº 5.992/2006, pois estariam em consonância com a natureza jurídica do instituto das diárias.
Esse raciocínio é alcançado por posicionamentos doutrinários a respeito do tema, que enfatizam a necessidade de haver a devida indenização das despesas efetuadas pelo servidor (quando o mesmo as efetuou), com o desiderato de se evitar o enriquecimento sem causa do erário.
A contrario sensu, quando a Administração as prestou diretamente (despesas com pousada, alimentação e deslocamento) não seriam devidas as diárias, eis que se poderá configurar enriquecimento sem causa, neste caso, pelo servidor que as receber.
O entendimento supra, pode ser extraído dos ensinamentos do doutrinador Marcos Antonio Fernandes, em sua obra Regime Jurídico do Servidor Público Civil da União Comentado[1] nestes termos:
“[…] Com efeito, inúmeros e diversificados são os cargos existentes na administração pública federal que impõem a seus titulares a obrigatoriedade de, por dever de ofício, se deslocarem para qualquer outro ponto do país ou até mesmo do exterior, a fim de desempenharem as atribuições que lhes são pertinentes. Ainda que esses deslocamentos configurem situações de caráter eventual e/ou transitório, é certo que as despesas com viagem, estadia e alimentação (abrangendo transporte rodoviário, ferroviário, aeroviário, marítimo ou fluvial, pouso em hotel e refeições) devam ser custeadas pelo erário.
Isto se dá pelo fato de ser da essência do Direito a vedação ao locupletamento- o comumente chamado “ enriquecimento sem causa” -, pois que seria injusto imputar ao servidor o dever de bancar despesas cujas vantagens, advindas do deslocamento, sejam todas da administração pública. […]” grifei
Esse também é o entendimento da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, consoante manifestação da NOTA TÉCNICA N 167/2009/COGES/DENOP/SRH/MP da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, órgão central do sistema de pessoal no âmbito.
De se ressaltar que tal posicionamento também fora defendido no Parecer n 03/2009-AGU/CGU/NAJ/SE/FJAP deste subscritor, quando da análise de tema semelhante no âmbito da Consultoria Jurídica da União no Estado de Sergipe.
Agora, cuidaremos de outra situação peculiar sobre o tema. Seria cabível o pagamento de diária quando a chegada ao destino pelo servidor ocorrer na madrugada seguinte à da partida? Explico melhor: servidor no trecho de retorno à cidade da sede (lotação) embarca em aeronave, p.exp, às 20h do dia 15/08/11 (Segunda) e desembarca na cidade de lotação às 01h do dia 16/08/11 (Terça).
Nesse ponto, necessário rememorar, mais uma vez, a legislação que rege a matéria, mais precisamente a alínea “b”, inciso I, § 1º, do Decreto 5.992/2006, no qual há expressa disposição, nestes termos:
“[…] Art.2o As diárias serão concedidas por dia de afastamento da sede do serviço, destinando-se a indenizar o servidor por despesas extraordinárias com pousada, alimentação e locomoção urbana.
§ 1º O servidor fará jus somente à metade do valor da diária nos seguintes casos:
I – nos deslocamentos dentro do território nacional:
a)quando o afastamento não exigir pernoite fora da sede;
b) no dia do retorno à sede de serviço; […]” grifei
Da leitura do dispositivo supra, pode-se concluir que a data a ser considerada para o pagamento das diárias é a do retorno à sede do serviço, e o horário da chegada um mero exaurimento de uma situação anteriormente iniciada.
A interpretação do normativo deve levar também em consideração sua mens legis. Se da interpretação do dispositivo fosse relevante o horário da chegada dos servidores ao destino (horário do desembarque), poder-se-ia chegar à interpretação equivocada de que se o desembarque na cidade de lotação se realizasse às 00:01 (meia noite e um minuto) daria ensejo ao pagamento da metade do valor da diária.
Entende-se que essa interpretação é completamente equivocada, pois gera um bis in idem, visto que haveria o pagamento dúplice em razão de um mesmo fato gerador.
Dessa forma há de se concluir que prepondera a data do retorno do servidor à cidade sede de serviço, sendo irrelevante, portanto, o horário do desembarque ou, ainda, o lapso temporal do deslocamento do servidor, salvo, claro, hipóteses que se afastem da normalidade.
Por conseguinte, pode-se questionar: quais seriam essas hipóteses? A título exemplificativo, podemos trazer à baila situação na qual o servidor em razão de atrasos no vôo decorrente de falha da companhia aérea, chegue ao seu destino no outro dia pela manhã.
Nessas situações o art.5o, §3o, do Decreto 5926/2006 dispõe:
“[…] As diárias serão pagas antecipadamente, de uma só vez, exceto nas seguintes situações, a critério da autoridade concedente:
§3o Quando o afastamento se estender por tempo superior ao previsto, o servidor fará jus, ainda, às diárias correspondentes ao período prorrogado, desde que autorizada sua prorrogação. […]”
Logo, quando o afastamento se alongar por tempo superior ao previsto, desde que autorizada a prorrogação, o servidor fará jus ao período prorrogado.
Destarte é conditio sine qua non para a concessão das diárias em caso de atrasos da companhia aérea, por exemplo, a inserção nos autos da aceitação da autoridade competente.
Ainda sobre o tema das diárias, importante destacar que, conforme a jurisprudência da Corte de Contas, bem como da previsão inserta no art. 5º e seus incisos I e II do Decreto 5.992/2006, as diárias devem ser pagas antecipadamente, exceto em situações excepcionais.
Outro ponto de interesse é o previsto no § 2º, art. 5º, que “as propostas de concessão de diárias, quando o afastamento iniciar-se em sextas-feiras, bem como os que incluam sábados, domingos e feriados, serão expressamente justificadas, configurando, a autorização do pagamento pelo ordenador de despesas, a aceitação da justificativa.”
Nas hipóteses supra transcritas, mais uma vez mostra-se imprescindível a autorização do ordenador de despesas, eis que exceções que devem estar devidamente justificadas.
4. Conclusão
As diárias, portanto, são devidas quando existe, no caso concreto, o dever da Administração Pública indenizar o servidor, assim, se não houver o que indenizar, não são devidas as diárias.
Da leitura dos dispositivos normativos, da jurisprudência do Tribunal de Contas da União, e da doutrina, conclui-se que se nas situações em que não for necessário o desembolso de valores pelo servidor para cobrir gastos com alimentação, deslocamento e hospedagem, porque, p. exp., os receberá diretamente pela Administração (in natura), não se pode falar de dever da Administração de indenizar o servidor.
Isso ocorrendo, estar-se-ia em presença de “bis in idem”, o servidor receberia as prestações in natura, e, além disso, receberia as diárias.
Por fim, firma-se o entendimento de que haverá dispensa de pagamento de diárias pelo ente público ao servidor, seja antecipadamente, seja por ressarcimento, sempre que as despesas forem prestadas integralmente, abrangendo deslocamento, alimentação e hospedagem, pelo ente público.
Advogado da União. Coordenador – Geral da Consultoria Jurídica da União no Estado de Sergipe. Especialista em Direito Tributário pela Fundação Faculdade de Direito – Universidade Federal da Bahia – (UFBA).
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