1. Introdução
Ultimamente, no contexto nacional um dilema surgiu com força voraz, retirando as teias de aranha da cabeça dos processualistas. Este tema, que ora se apresenta como um desafio para os doutrinadores pátrios, diz respeito à relativização da coisa julgada material, que até outra ordem era considerada imutável e imexível por seu esteio constitucional.
Assim, o que se comenta frente à inaplicabilidade de se relativizar a coisa julgada material, independentemente do uso da ação rescisória, é que: ao se positivar tal procedimento, haveria um conflito direto com o princípio “supra” constitucional da Segurança Jurídica. Em outras palavras, é a tensão existente entre a facticidade e a validade do direito; o conflito entre a Justiça e a Efetividade.
Notemos que mesmo hoje, ainda se prioriza a efetividade judicial do Estado, ou seja, ainda se prega a máxima de que: é adequado porque assim foi declarado pelo Estado, e não porque está imbuído de justeza.
Contudo, o posicionamento atualmente adotado encontra bastante resistência no campo doutrinário, posto que, ao se afiançar que certa decisão é eterna, meramente porque pronunciada pelo “Estado-Juiz”, se exterioriza uma atitude desvinculada com o novo contexto de Justiça. Ademais, comenta-se, a título meramente exemplificativo, que mesmo no atual sistema jurídico se admite a relativização da coisa julgada mediante ação rescisória.
Todavia, está acentuada problemática nasceu do anseio, ou melhor, dizendo do sonho que todos temos em ter um sistema jurídico realmente justo e exeqüível.
Muito embora, numa discussão acerca do tema, conduzida pelo Professor Des. José Roberto dos Santos Bedaque, no curso de Pós-Graduação de Processo Civil da Universidade de Taubaté – Unitau, restou evidenciado, que a ausência de parâmetros assecuratórios e coerentes para a relativização da coisa julgada material pode de fato, levar-nos à sua total desconsideração, colocando a Justiça em xeque.
Pois como seria se todas as relações jurídicas, tuteladas pelo Poder Judiciário, fossem eternamente rediscutidas? Ou ainda, onde estaria a efetividade jurisdicional num sistema onde a relativização fosse ampla e difundida. Certamente estaríamos diante de um sistema jurídico que geraria incertezas e porque não dizer promoveria injustiças.
Assim sendo, para tentarmos nortear o presente estudo, teremos que abarcar o tema da Segurança Jurídica, mas de um modo um tanto quanto diferenciado, buscando encontrar dentro do princípio da efetividade um meio termo entre o justo e o efetivamente legal. Logo, é o que se tentaremos fazer a seguir.
2. A Segurança Jurídica e a Relativização da Coisa Julgada Material
Um dos princípios mais importantes da promoção da Justiça existente em nosso ordenamento pátrio é o Princípio da Segurança Jurídica. O qual possui conexão direta com os direitos fundamentais e ainda, ligações determinantes com os princípios que dão funcionalidade ao ordenamento jurídico pátrio, tais como, a irretroatividade da lei, o devido processo legal e o direito adquirido, dentre outros.
Assim, ao se tentar aplicar o conceito da Segurança Jurídica, o qual garante a efetividade da tutela jurisdicional, concluímos frente ao dinamismo do Direito, que devemos tentar conciliar o conceito de efetividade com o conceito de justiça.
Pois, como a Ciência Jurídica não é uma ciência exata, e como tal, possui uma natureza altamente mutável, logo, por esta visão os princípios que a norteiam também devem seguir a mesma linha, tentando se adequar o mais rápido possível a este novo contexto jurídico. E é neste cerne que o Princípio da Segurança Jurídica surge, tendo como fundamento o ato jurídico perfeito, a consolidação do direito e o direito adquirido.
Inicialmente, para se continuar levar a discussão a termo, se faz necessário esclarecer que o Princípio da Segurança Jurídica depende da aplicação, ou melhor, da obrigatoriedade do Direito, o qual está ligado intimamente com a idéia de Justiça e que por sua vez se atrela ao que a Sociedade anseia.
Por conseguinte, se entendermos esta conceitualização da Segurança Jurídica, ficará mais fácil acharmos um meio termo entre o que ela representa e a noção de Justiça trazida pela idéia de se poder relativizar a coisa julgada material.
Para expressar que é possível relativizar sem perder a efetividade peguemos o exemplo largamente adotado pela doutrina, da ação de investigação de paternidade, cuja sentença, com trânsito em julgado, afirmou que o autor é filho do réu. Com o passar dos tempos estes mesmos conflitantes realizam um exame de DNA, o qual demonstra o oposto.
Assim, para tornar possível a rediscussão da matéria, argumenta-se que a coisa julgada material não pode prevalecer frente à verdade absoluta, pois se assim acontecer, o próprio conceito de Justiça cairia por terra, bem como a própria efetividade restaria prejudicada pela falta de elementação que lhe sustente.
Ademais, a questão ora embatida, no problema acima exposto, é: podemos conviver numa sociedade cuja noção de Justiça é absolutamente estirpada frente ao da efetividade da decisão jurisdicional dada pelo ente ESTADO? Obviamente que a resposta seria não. Então como proceder? Segundo o Mestre Pontes de Miranda, a sentença proferida cujo objeto sofre de vício de origem é nula de pleno direito e, portanto, não precisa ser rescindida, podendo ser desconstituída até mesmo de oficio.
Com esta assertiva lançada no bojo do trabalho, outra dúvida surge: seria apropriado frente a estas circunstâncias, reconhecer o instituto da relativização em detrimento da coisa julgada material? Para respondermos esta indagação devemos primeiro entender o que vem a ser a coisa julgada material, e é justamente isto que faremos a seguir.
3. Do valor da coisa julgada material
A coisa julgada material encontra sua essencialidade dentro do nosso ordenamento pátrio como sendo um dos principais elementos da aplicação do poder jurisdicional, ou seja, ela é efetiva na garantia da tutela dos direitos.
Contudo, repisasse que narrar que a coisa julgada material não é característica única da jurisdição, não é o mesmo do que dizer que a jurisdição não precise garantir a coisa julgada material.
Instando, declarar que a coisa julgada material é predicado imperativo ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário, ou seja, não adiantaria em nada conceder ao cidadão o direito de acesso à Justiça, sem dar-lhe o provimento de solucionar o conflito de forma definitiva. E é aqui, que a relação entre a coisa julgada material e a sua relativização encontra-se sua maior síncope, pois, a definitividade inerente à coisa julgada pode, às vezes, como no caso do exemplo da investigação de paternidade, produzir situações conflitantes com a noção da própria Justiça, mas também sob outra ótica, não podemos simplesmente por esta razão desconsiderá-la completamente.
Portanto, não me parece que a mera declaração de que o Poder Judiciário não pode emitir decisões contrárias à Justiça, à realidade dos fatos e à lei, possa ser vista como um adequado fundamento para o que se pretende ver como relativização da coisa julgada material, posto que, a questão que ora se apresenta é muito mais intricada do que se pode imaginar.
Pois, como se sabe a coisa julgada material às vezes é relativizada através da ação rescisória, então podemos afirmar que existem hipóteses em que a coisa julgada pode ser rescindida.
Mas se nesta relativização, permitida através do procedimento rescisório, o Estado/Juiz, que a que tudo indica já errou uma vez, errar de novo em sede de rescisória? Seria cômico se não fosse trágico, saber que o órgão que declara o que é certo e justo nas relações conflitantes, seja passível de erros. Mais como já fora narrado, o direito é uma ciência inexata, onde a mutabilidade se faz presente constantemente. E mais, se o homem é falível, o sistema por ele criado também o é!!!
Então, mesmo que a relativização fosse amplamente permitida ela não forneceria à sociedade a garantia jurídica eterna, pois as relações estariam constantemente em discussão.
Conclusão
O presente trabalho não versou em rediscutir onde e como se poderia aplicar a relativização da coisa julgada material, seu verdadeiro objetivo foi traçar, de modo simplificado, como o sistema da relativização da coisa julgada material poderia ser aplicado ou não no nosso ordenamento pátrio.
Na verdade, sabemos que vários doutrinadores vêem na relativização da coisa julgada um tema mais complexo onde ao abordarem a questão tentam alocá-la no contexto da constitucionalidade ou não da norma aplicada no caso em epígrafe, procurando narrar que ao ser declarada a norma inconstitucional ou constitucional o efeito seria ex tunc e abarcaria a coisa julgada material.
No nosso ponto de vista, o que se tem de encontrar é a saída técnica para a problemática da relativização, tentando alocar um meio termo: entre a efetividade da segurança das relações jurídicas e a sua pseudo-relativização frente a verdade real dos fatos.
Muito embora, como já dito, a relativização, só deverá ser possível quando o grau de insatisfação com a regra posta pelo Judiciário não condizer com a realidade da Justiça. Posto que a coisa julgada, esta intimamente ligada ao Direito e a Segurança Jurídica, enquanto a relativização tem seu escopo no Principio da Verdade Real, arcabouço máximo da Justiça.
Assim, pensando melhor no caso, vê-se que, mesmo não estando imbuído de Justiça a coisa julgada material no campo prático tiver produzido efeitos imutáveis no campo de vista das relações pessoais, como novamente no exemplo da investigação de paternidade, aquele que declarado pai, tiver assumido este papel para si, e a relação familiar entre o filho e o pseudo-pai for uma relação coesa, será que a desconstituição através do laudo de DNA será favorável para esta família.
Ainda, sob o mesmo enfoque, seria justo também privar o filho de conhecer seu verdadeiro pai e vice e versa e com ele ter uma real relação familiar com todos os reflexos legais que se tem, tanto no caso da relativização como da não relativização (direito sucessórios, dentre outros). Percebam que o tema ora embatido, não só passa pelo frio condão da lei, mais sim pela real relação humana.
Então como relativizar ou não, as situações trazidas pelas relações humanas? Este problema ainda figurará por muitos anos em discussões acaloradas nos bancos acadêmicos, nos cursos de especializações e porque não dizer nas conversas de botequins.
Apenas uma certeza, podemos deixar: que qualquer que seja o modelo adotado pelo sistema jurídico pátrio, este, deve ter em mente, não apenas as coesões da lei, mas sim que a natureza jurídica discutida na verdade é social, onde o incerto é certo e o certo muitas vezes não é justo.
Carlos Alberto Vieira de Gouveia é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão Direitos e Prerrogativas e Presidente da Comissão de Direito Previdenciário ambas da OAB-SP Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale
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