Jamili Gambarte Rosa¹
Me. Natália Bonora Vidrih Ferreira²
Resumo: Violência obstétrica é todo tipo de violência física, moral, psíquica ou sexual, cometida contra a mulher, durante o trabalho de parto, o parto e o pós-parto. O artigo trata do tema com foco na responsabilidade civil, tendo como objetivo principal estudar a violência obstétrica no que se refere aos danos sofridos e a possibilidade de reparação civil. Trata-se de uma pesquisa qualiquantitativa aplicada, por meio de formulários, à mulheres que tiveram partos realizados em um hospital público de um município do interior de Rondônia e, também à uma doula, atuante nesse município. A pesquisa também se realizou por meio de estudo de processos judiciais relacionados ao tema. Os resultados da pesquisa apontaram que grande parte das mulheres pesquisadas foram de alguma forma ofendidas, verbal, moral, física ou psicologicamente, entretanto poucas buscaram alguma medida, seja administrativa ou judicial. De acordo com a pesquisa realizada, tal fato se dá pelo motivo de que a maior parte das mulheres não têm consciência que sofreram algum tipo de violência, bem como em razão de ser um assunto bastante delicado que traz danos psicológico, mágoa, ressentimento, de modo que a vítima prefere não falar no assunto, não procurando, assim, qualquer providência.
Palavras-chave: Obstetrícia. Danos. Indenização. Reparação.
Abstract: Obstetric violence is every kind of physical, moral, psychic or sexual violence committed against the woman, during labor, delivery and postpartum. This research approaches the subject focusing on the civil liability, having as main objective to study the obstetric violence in which refers to damages suffered and the possibility of civil compensation. This is a quali-quantitative research, applied through forms given to women who had deliveries performed in a public hospital of a municipality in the countryside of Rondônia State, the forms also referred to a doula active in this municipality. It was also performed a study of legal proceedings related to the topic. The research results showed that most of the women surveyed were, in some way, verbally, morally, physically or psychologically offended, however, few sought any measure, whether it be administrative or judicial. According to this research, such fact is given due most women are not aware that they have suffered obstetric violence, as well as it being a very sensitive subject, which brings psychologic damages, sorrow and resentment, in such a manner that the victim prefers not to talk about it, thus not looking for any king of action.
Keywords: Obstetrics. Damage. Indemnity. Compensation.
Sumário: Introdução. 1. Evolução histórica dos direitos e garantias da mulher. 2. Violência contra a mulher. 3. Violência obstrétrica. 3.1. Conceito. 3.2. Legislação no Brasil. 3.3. Práticas entendidas como violência obstétrica. 4. Responsabilidade civil. 4.1. Responsabilidade civil do médico, clínicas médicas, hospitais privados e planos de saúde. 4.2. Responsabilidade civil do Estado. 5. Danos indenizáveis. 6. Resultados e discussão. 6.1. Processos analisados. 6.2. Entrevista com doula. 6.7. Do quantitativo de partos. 6.8. Da entrevista com as mulheres. Conclusão. Referências.
O tema violência obstétrica insere-se no contexto da violência contra a mulher e, é cometida pela equipe de atendimento médico ou demais funcionários do hospital, durante o período da gravidez, parto ou pós-parto, ou seja, em um momento que a mulher está fragilizada e, consequentemente, mais exposta ao tratamento desumano e desrespeitoso.
Há, atualmente, projetos de leis em nível nacional, estadual e municipal que visam reconhecer a existência desse tipo de violência, bem como torná-la crime, pretendendo-se assim ter meios legítimos para combatê-la. Tem sido, portanto, um tema amplamente discutido não somente pelo Poder Legislativo, mas pelas mulheres de todo o Brasil. Os relatos nas redes sociais, assim como nos demais meios de comunicação são frequentes e são especialmente encorajados e divulgados pelas organizações de proteção aos direitos das mulheres, acredita-se que como uma forma de levar ao conhecimento da sociedade a necessidade de aprovação dos projetos de lei. Destaca-se, nesse contexto, o Projeto de Lei nº 7633/2014, que apesar de ainda não estar aprovado, tornou o termo bastante conhecido.
A violência obstétrica pode ser abordada em diversas conjunturas, todavia nesta pesquisa restringiu-se ao direito civil, mais especificamente no que diz respeito à responsabilidade civil, tendo como problema de pesquisa investigar os casos em que é possível que as vítimas busquem algum tipo de reparação para minimizar os efeitos da violência sofrida.
Deste modo, a pesquisa teve como objetivo principal estudar a violência obstétrica no que se relaciona aos danos causados e a possibilidade de reparação civil. Para tanto, atribuiu-se como objetivos específicos, que auxiliaram a alcançar as respostas ao problema proposto, a identificação dos casos de violência obstétrica em um hospital público do interior de Rondônia, a verificação dos danos sofridos, e a análise da possibilidade de responsabilização civil. Além disso, pretendeu-se averiguar a existência de ações pontuais relacionadas ao tema na Comarca em que se localiza o hospital pesquisado.
Visando atender aos objetivos descritos realizou-se pesquisa de campo, por meio de formulários com questionamentos, direcionados às mulheres que tiveram partos realizados entre o final do ano de 2017 e o primeiro semestre de 2018 no referido hospital. Entrevistou-se também uma doula atuante no município e, ainda, foram analisados processos relacionados à violência obstétrica na Comarca sede da pesquisa.
É cediço que os direitos da mulher passaram por longa evolução no decorrer do tempo. Sabe-se, ainda que, nem sempre houve garantia jurídica de igualdade de direitos, e que historicamente, durante um longo tempo, a mulher foi considerada incapaz e submissa ao homem.
Em contexto internacional, foram fundamentais para que houvesse alguns avanços quanto aos direitos das mulheres: A Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher, assinada em 1948, que outorgou à mulher os mesmos direitos civis de que goza o homem (BRASIL; 1948); Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovado pela Organização das Nações Unidas, também em 1948 (ONU; 1948); Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (BRASIL; 1967); Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, promulgada por meio do Decreto nº 4.377, de 2002 (BRASIL – a; 2002); Conferência Mundial de Direitos Humanos, celebrada em Viena, em 1993 (CONFERÊNCIA DE DIREITOS HUMANOS; 1993); Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também chamada de Convenção de Belém do Pará, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto nº 1.973, de 1996 (BRASIL; 1996).
Paralelamente, no cenário nacional, um marco importante foi o novo código eleitoral de 1932, que garantiu o direito ao voto das mulheres, desencadeando outras lutas e conquistas, passando estas, cada vez mais, a exigir o respeito aos seus direitos. O Código Civil de 1916 também trouxe inovações, sendo que extinguiu o poder marital sobre a mulher passando a esposa a ser definida como consorte e companheira do marido. A Lei nº 4.121, de 1962, chamada de Estatuto da Mulher Casada, é mais um marco decisivo no reconhecimento e no avanço dos direitos da mulher, pois alterou o Código Civil de 1916 em diversos artigos e, colocou fim à capacidade relativa da mulher (MATOS e GITAHY; 2008).
Em que pese às conquistas acima elencadas, a igualdade alcançada foi singela, pois por longos anos foi mantida a autoridade do marido sobre a esposa, com a ideia de manutenção da ordem familiar, perpetrando a desigualdade e o preconceito contra a mulher, conforme se nota no seguinte comentário:
“Os direitos de ambos os cônjuges são exatamente os mesmos; apenas por questão de unidade na direção de assuntos domésticos, indispensáveis à boa ordem familiar, entrega-se ao marido a autoridade dirigente, destinada a coibir discórdias que fatalmente surgiriam com a dualidade de orientações (MONTEIRO apud FERREIRA; 1985, p. 63).”
Somente com a promulgação da Constituição Federal, de 1988 é que surgiram as mais importantes garantias aos direitos da mulher. Sendo que dispõe o artigo 5º caput e inciso I, que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (BRASIL; 1988). Seguindo tais diretrizes, estabelecidas na Lei Maior, o Código Civil de 2002 acolheu os preceitos constitucionais da igualdade de direitos entre homens e mulheres e na igualdade de direitos e deveres conjugais (BRASIL; 2002).
No entanto, a igualdade alcançada no plano formal está ainda está longe de atingir consciência coletiva, pois na prática o preconceito de gênero e a desigualdade permanecem intrínsecos na sociedade. É necessário ainda grande desenvolvimento de capacidade crítica para superar valores preconceituosos e sociais que há muito acompanham a sociedade (MATOS e GITAHY; 2008).
A Convenção Interamericana (1994) para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher definiu que se entende: “por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (CONVENÇÃO INTERAMERICANA; 1994).
Esta Convenção foi uma das grandes evoluções jurídicas para o combate à violência contra a mulher que se prolonga na história da humanidade, pois que embora o ordenamento jurídico atual preveja igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, trata-se de uma igualdade formal, já que na prática a desigualdade e a violência contra a mulher permanecem, em grande parte da sociedade, como comportamento que foi e continua sendo repetido ao longo do tempo (OLIVEIRA apud BARP, BRITO e JAIME; 2009).
Nesta perspectiva, a violência contra a mulher é notada nos mais diversos seguimentos da sociedade, sendo que um deles, que será tratado nesta pesquisa a partir de então, é a violência cometida contra a mulher no período de gestação, parto e pós-parto, chamada de violência obstétrica.
O termo violência obstétrica é relativamente novo, especialmente no âmbito da pesquisa científica e poucos são os estudos acerca do assunto no Brasil. Por isso, a conceituação é proveniente de adaptações oriundas de legislações como as da Venezuela e Argentina, que já esses países possuem leis que reconhecem a existência desse tipo de violência.
Define-se violência obstétrica, em conceito internacional, como qualquer ato ou intervenção direcionada à parturiente ou ao seu bebê praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à sua autonomia, integridade, sentimentos, opções e preferências (VENTURI et al. apud SILVA et al.; 2014).
É entendido, ainda, como qualquer ato desumanizado exercido por profissionais de saúde, no que concerne ao corpo e aos processos reprodutivos das mulheres, como o abuso de ações intervencionistas, medicalização e a transformação patológica dos processos de parturição fisiológicos (JUAREZ et al. apud ANDRADE e AGGIO; 2014).
Sobre o termo ‘violência obstétrica’, Souza (2014) afirma que vem sendo utilizado para denunciar práticas que, de alguma forma, oprimem mulheres durante o momento de assistência ao parto, mas é um termo que acaba por direcionar o foco apenas aos médicos obstetras, o que não seria correto, pois trata-se de uma situação complexa que envolve diversos profissionais de saúde.
Deste modo, nota-se que a violência obstétrica pode ser entendida como o desrespeito, maus tratos e abuso das ações realizadas por qualquer profissional de saúde durante a gravidez, o parto ou pós-parto.
Atualmente, em âmbito nacional, está em trâmite o Projeto de Lei 7633/2014 que: “dispõe sobre a assistência à mulher e ao neonato durante o ciclo-gravídico-puerperal e dá outras providências.” Este projeto visa regulamentar práticas de assistência humanizada e estabelecer condutas caracterizadas como violência obstétrica, além de prever algumas penalidades a quem a praticar (BRASIL; 2014).
Entretanto, talvez um dos maiores empecilhos à sua aprovação, motivo pelo qual tramita há mais de três anos, seja em razão do disposto no artigo 1º que inclui nos procedimentos humanizados o abortamento espontâneo ou provocado, o que tem causado inúmeras discussões.
Em 2017 outros dois Projetos de Lei – PL, referentes ao mesmo tema foram incluídos para tramitação. O PL 7867/2017 “dispõe sobre medidas de proteção contra a violência obstétrica e de divulgação de boas práticas para a atenção à gravidez, parto, nascimento, abortamento e puerpério” (BRASIL; 2017). Este PL é de teor reduzido em relação ao PL7633/2014, e não traz o termo abortamento provocado em seu conteúdo, podendo, por tal motivo ter maior aceitação para aprovação.
Já o PL 8219/2017 “dispõe sobre a violência obstétrica praticada por médicos e/ou profissionais de saúde contra mulheres em trabalho de parto ou logo após” (BRASIL – a; 2017). Tal projeto de Lei, com apenas quatro artigos tem foco em definir condutas consideradas como violência obstétrica, tipificando-as criminalmente e traz um artigo específico acerca da episiotomia, incisão efetuada na região do períneo, prevendo pena de um a dois anos e multa para quem o pratique nos casos em que não haja risco à saúde e à vida da mãe e do bebê.
Concomitante, tramitam nas Assembleias Estaduais e nas Câmaras Municipais diversos projetos de lei relativos à violência obstétrica, a exemplo dos estados do Espírito Santo, Tocantins, Ceará, Rio Grande do Sul, Rondônia e município de Campo Grande – MS.
O primeiro Projeto de Lei sobre o tema aprovado no Brasil, foi o de nº 077/2013 do município de Diadema/SP, dispondo que: “sobre a implantação de medidas de informação à gestante e parturiente, sobre a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, visando, principalmente, a proteção destas contra a violência” (DIADEMA; 2013).
O primeiro estado a aprovar lei sobre o assunto foi o de Santa Catarina com a Lei nº 17.097/2017 que: “dispõe sobre a implantação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica” (SANTA CATARINA; 2017).
O Estado de Rondônia, recentemente, também aprovou a Lei nº 4173/2017 que: “Dispõe sobre a implantação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica, no Estado de Rondônia” (RONÔNIA; 2017).
Inobstante, a importância das Leis municipais e estaduais já aprovadas, as mesmas pouco ou nada prevêem acerca de penalidades aos que a descumprirem, no entanto ainda assim é um mecanismo importante para informar e conscientizar as mulheres, os profissionais de saúde e a sociedade em geral.
Existem várias condutas consideradas violência obstétrica, entretanto, muitas vezes, nem mesmo as próprias mulheres tem a consciência de que estão sendo submetidas a algum tipo de abuso, pois a dor e sofrimento da parturição, culturalmente, é assimilado como inerentes à experiência da maternidade, dado à crença cristã de que a mulher foi castigada com a multiplicação da dor em consequência da desobediência à autoridade divina (BEZERRA, CARDOS apud ANDRADE e AGGIO; 2014).
De acordo com o autor acima citado e com base nessa crença deveria então ser dificultado e ilegalizado qualquer apoio que aliviasse os riscos e dores do parto, pois este deveria, de fato, ser o mais doloroso possível.
Ainda quanto à violência, esta pode ocorrer durante a gravidez, parto, pós-parto e também nos casos de abortamento, conforme definido em documento elaborado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, como meio de informar às mulheres acerca de seus direitos:
“Durante a gestação a violência obstétrica pode ser caracterizada por: negar atendimento à mulher ou ainda impor alguma dificuldade ao atendimento em postos de saúde onde são realizados o acompanhamento pré-natal; qualquer espécie de comentários constrangedores à mulher e relacionados à sua cor, raça, etnia, idade, escolaridade, religião ou crença, condição econômica, estado civil ou situação conjugal, orientação sexual, número de filhos, etc; ofender, humilhar ou xingar a mulher ou sua família; negligenciar atendimento de qualidade; agendar cesárea sem recomendação baseada em evidências científicas, atendendo simplesmente aos interesses e conveniência do médico. Durante o parto, as formas mais comuns deste tipo de violência são: a recusa de admissão em hospital ou maternidade, gerando a chamada peregrinação por leito; impedimento da entrada do acompanhante escolhido pela mulher; aplicação de soro com ocitocina para acelerar o trabalho de parto; episiotomia de rotina; manobra de Kristeller; cesáreas eletivas; restrição da posição do parto; violência psicológica; impedir ou retardar o contato do bebê com a mulher logo após o trabalho de parto; impedir o alojamento conjunto da mãe e o neonato; impedir ou dificultar o aleitamento materno; além de outros procedimentos dolorosos, desnecessários e humilhantes, tais como: uso rotineiro de lavagem intestinal (enema), retirada dos pelos pubianos (tricotomia), posição ginecológica com portas abertas, exames de toque sucessivos e por pessoas diferentes para verificar a dilatação, privação de alimentos e água, imobilização de braços e pernas, etc. Nos casos de abortamento, a violência caracteriza-se por: negativa ou demora no atendimento à mulher em situação de abortamento; questionamento à mulher quanto à causa do abortamento (se foi intencional ou não); realização de procedimentos predominantemente invasivos, sem explicação, consentimento e frequentemente sem anestesia; ameaças, acusação e culpabilização da mulher; coação com finalidade de confissão e denúncia (DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO apud SAUAIA e SERRA; 2016, p. 133-134).”
Dentro deste contexto, existe A Rede Parto do Princípio (2012) formada por mais de trezentas mulheres de vinte e dois estados, usuárias do Sistema de Saúde brasileiro (SUS) que lutam pela promoção da autonomia das mulheres, tendo como principal eixo de atuação a defesa e a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, em especial no que se refere à maternidade consciente, elaborou o Dossiê da Violência Obstétrica para a CPMI da Violência Contra as Mulheres, e traz um panorama sobre violência obstétrica no Brasil. Conforme relata o dossiê, o Brasil possui altos índices de morbimortalidade materna e neonatal, sendo que as causas de mortalidade materna mais frequente são aquelas consideradas evitáveis (VICTORA et al., apud REDE PARTO DO PRINCÍPIO; 2012).
Este Dossiê mostra que no Brasil, uma em cada quatro mulheres já sofreu algum tipo de violência no parto, com destaque para as condutas de exame de toque doloroso, negativa para o alívio da dor, não explicação de procedimentos adotados, gritos dos profissionais, negativa de atendimento, xingamentos e humilhações (REDE PARTO DO PRINCÍPIO; 2012). Observa-se em tal documento, que são inúmeras as ações que podem ser elencadas quando se trata de violência no parto, buscou-se, no entanto, apresentar aqui, as condutas mais rotineiras e mais reclamadas pelas mulheres.
O Descumprimento da Lei do Acompanhante é uma das ofensas mais comuns aos direitos das parturientes. A Lei 11.108/2005 alterou a Lei 8.080/1990, para garantir as parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, nos seguintes termos:
“Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
Como regulamentação a esta lei, tem-se a Portaria nº 2.418/2005 do Ministério da Saúde, que além de determinar o período de dez dias como o chamado pós-parto, regulamentou acerca dos recursos financeiros para atendimento do que fora determinado pela lei e também determinou o prazo de seis meses para adequação. De acordo com a Portaria 1.280/2006 a cada ano são liberados mais de 29 milhões de reais para custear a diária de acompanhante para gestantes (REDE PARTO DO PRINCÍPIO; 2012).
No que se refere aos planos de saúde, a Resolução Normativa nº 167/2008, da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, em seu artigo 17 define que o Plano Hospitalar com Obstetrícia exige a “cobertura de um acompanhante indicado pela mulher durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato” (BRASIL; 2008) .
Desta forma, tem-se ampla legislação que obriga as instituições públicas e privadas a autorizar a presença de um acompanhante à parturiente, entretanto o que se verifica é que nem sempre tais regras são respeitadas.
De acordo com o Documentário “Parirás com dor”, da Rede Parto do Princípio os argumentos mais comuns para proibir a entrada do acompanhante são “O anestesista não deixa entrar”; “Não tem estrutura”; “Aqui é SUS, não tem luxo não”; “Se quiser, pode pagar pra ter, aí paga tudo particular”; “Essa lei só vale pro SUS, aqui é particular”; “O hospital tem suas próprias regras”; “Só pode acompanhante durante o horário de visita”; “A norma do hospital não permite acompanhante para quem não paga quarto”. Para exemplificar traz-se um dos inúmeros relatos, constantes desse documentário de mães que sofreram o descumprimento da lei do acompanhante: “Quando o médico chegou, pedi para deixar o meu marido entrar. Ele não quis deixar, mas meu marido estava com o papel da Lei que permite acompanhante no parto e ele mostrou para o médico. O médico se virou para o meu marido e disse ‘Então eu vou embora e você faz o parto’. C.M., atendida na rede pública, Barbacena – MG (REDE PARTO DO PRINCÍPIO; 2012, p. 65).”
Constata-se que, esta é uma das formas de desrespeito que ocorre frequentemente nas maternidades do Brasil, muito em razão do desconhecimento da população para exigir o respeito ao seu direito, mas também por ausência na lei de qualquer punição a quem a descumprir.
A epsiotomia de rotina, popularmente conhecida como ‘pique’, é um procedimento realizado indiscriminadamente na quase totalidade dos partos naturais no Brasil. Trata-se de um processo cirúrgico realizado pelos médicos para aumentar a abertura do canal vaginal, cortando a entrada da vagina com uma tesoura ou bisturi, na maioria das vezes sem anestesia e sem autorização da paciente (VELOSO e SERRA; 2016).
É um procedimento comum no cenário obstétrico, mas que é inserido sem qualquer evidência científica sobre sua efetividade, de acordo com Alexandre et al. apud Cordini (2015).
Conforme dado trazido pela Rede Parto do Princípio (2012) estima-se que a episiotomia é realizada em 94 % (noventa e quatro por cento) dos partos normais no Brasil, ainda que as pesquisas científicas mostrem que mulheres que não sofrem este procedimento tem menos trauma no períneo, necessitando de menos pontos, com uma recuperação mais rápida e menores riscos de consequências danosas.
Ainda, essa técnica atinge diversas estruturas do períneo, tais como músculos, vasos sanguíneos e tendões, que são responsáveis pela sustentação de órgãos, pela continência urinária e fecal, sendo que pode ainda provocar outras complicações como dor nas relações sexuais, risco de infecção, laceração do períneo em partos subsequentes, além dos resultados estéticos insatisfatórios (CORDINI; 2015).
Observa-se, destarte, que se trata de procedimento sem qualquer respaldo científico, que é realizado apenas visando acelerar o parto, facilitando o trabalho do médico a despeito de violar a integridade física, sexual e psicológica da mulher.
Traduz-se essa violência em palavras de mulheres que a sofreram, conforme relatos constantes no Dossiê da Violência contra a mulher:
“Durante o pré-natal, falei para a obstetra que eu não queria que fosse feito a episiotomia. Ela me respondeu se eu gostaria de ficar toda rasgada e relaxada. F.C. atendida por médica conveniada ao plano de saúde, em Belo Horizonte (MG).
Quando eu ouvi ele pedindo o bisturi, meu Deus, quase morri! Eu pedi para que não fizesse a episio, mas ele me respondeu: ‘O seguro morreu de velho. Quem manda aqui sou eu.’ Danielle Moura, que procurou informações sobre episiotomia durante a gestação, que decidiu por não se submeter ao procedimento e comunicou ao médico sobre a decisão. Atendida através de plano de saúde em Belém-PA (REDE PARTO DO PRINCÍPIO; 2012, p. 83).”
Além de todo o sofrimento relatado, após o procedimento, a mulher é novamente agredida física e psicologicamente quando a maioria dos médicos realiza, no momento da sutura um ponto a mais, popularmente tratado pelos profissionais da equipe de atendimento médico como ‘ponto do marido’, que tem como objetivo deixar o canal vaginal mais ‘apertado’ para preservar o prazer do homem nas relações sexuais posteriores, mas que pode causar dor durante as relações sexuais para a mulher. Tal procedimento alimenta um modelo de sociedade machista que há muito deveria ter sido abolido (DINIZ apud CORDINI; 2015).
Constata-se aqui, claramente, o quanto a violência obstétrica é uma questão de violência de gênero, arraigada no preconceito, desigualdade e na ideia de inferioridade feminina o que precisa ser veementemente combatido.
Outra forma de desrespeito praticado são as intervenções com finalidades didáticas, ou seja, visando o aprendizado de alunos presentes no local do parto, quando é realizada sem o consentimento da mulher e sem que a mesma tenha sido sequer informada. Têm-se, por exemplo, várias pessoas juntas ou em sequência para realizar exame de toque, conforme relato de uma paciente atendida na rede pública de Belo Horizonte – MG, que afirma ter se sentido com o corpo totalmente exposto, sendo usada para demonstração ‘como um rato de laboratório’ (REDE PARTO DO PRINCÍPIO; 2012).
Ainda outra interferência realizada, em regra, nos partos naturais, conforme relatado pela Rede Parto do Princípio (2012) é a dilatação manual do colo do útero, rompimento artificial da bolsa e o uso de medicamento chamado ocitocina, utilizado no soro, todos visando acelerar o trabalho de parto, mas com proveito unicamente para a equipe médica que pretende que o parto se realize no menor tempo possível. São procedimentos dolorosos para a mulher e desnecessários ao processo fisiológico do parto.
A chamada Manobra de Kristeller também é um procedimento de rotina nos hospitais brasileiros, mas proibido pela Organização Mundial da Saúde. Consiste na compressão da parte superior do útero para acelerar a saída no bebê que é realizado com as mãos e antebraço, ou até com a pessoa subindo em cima do abdômen da mulher, expondo a criança à fraturas e traumas encefálicos e, a mãe a riscos de fraturas nas costelas, traumas das vísceras abdominais, descolamento da placenta, ruptura uterina, lesão do esfíncter anal, dentre outros (CORDINI; 2015).
A Rede Parto do Princípio (2012) entende esta manobra como uma flagrante violência física e psicológica que pode, inclusive, resultar na morte do bebê. Essa manobra é utilizada, em consequência de outro desrespeito à mulher durante o parto que é o de não poder escolher a posição que lhe seja mais confortável e que possa facilitar o andamento natural do parto. Assim, as mulheres são colocadas deitadas, em posição ginecológica e, muitas vezes, com as pernas amarradas o que dificulta o trabalho natural do parto.
A apologia dos médicos à cesariana e o impedimento da mulher em escolher a forma pela qual pretende parir, também é uma forma de constante desrespeito à liberdade de escolha. Em hospitais públicos, em regra, as cesarianas se dão sem qualquer indicação clínica e sem a solicitação ou consentimento, em razão de regra de etiqueta da equipe médica que busca nunca deixar uma mulher em trabalho de parto para o próximo plantonista. Quando se trata de planos de saúde, o tempo dispensado ao parto natural e a baixa remuneração para assistência ao parto é uma das principais razões para que os médicos, desde o pré-natal façam apologia à cesariana, induzindo a mãe a agendá-la, independentemente de ter entrado em trabalho de parto (REDE PARTO DO PRINCÍPIO; 2012).
O atendimento desumano e degradante também é um fato relatado. A peregrinação da parturiente em busca de vaga em hospitais é frequente, sendo simplesmente informada que não há vaga tendo que, sozinha, buscar um local que possa ter seu filho. O descaso, abandono, ausência de prescrição de remédios para alívio da dor, também são tidos como rotina em grande parte dos hospitais. O desprezo, humilhação e ofensas verbais como “na hora que você estava fazendo não gritava tanto desse jeito né”, “na hora de fazer você gostou né,” “não chora não porque ano que vem você ta aqui de novo” são do mesmo modo hábito das equipes médicas de inúmeras maternidades. Ameaça e coação as parturientes também são costumeiros nos atendimentos do parto. As mulheres relatam frases como “se não ficar quieta vou te furar todinha”, “pare de falar se não seu bebê vai nascer com retardo por falta de oxigenação”, “se continuar com essa frescura eu não vou te atender” (REDE PARTO DO PRINCÍPIO; 2012).
Um dado grave decorrente, também, de muitos dos procedimentos aqui relatados, é que a cada ano, cerca de trezentas mil mulheres perdem suas vidas em todo o mundo por causas relacionadas à gestação, parto e puerpério. Considerando-se também os casos que não chegam a causar morte, mas deficiências e sofrimento estima-se atingir dois milhões de mulheres. Os casos de sofrimento e morte materna estão muito ligados às questões de direitos humanos e materializam a desigualdade de gênero, de acesso à educação e a renda, e a opressão contra a mulher, ainda existentes na sociedade, pois a imensa maioria das mortes poderia ser evitada (SOUZA; 2014).
Destarte, os estudos demonstram que a violência obstétrica perpetua-se por inúmeros motivos; de preconceito de gênero, desigualdade social, entendimento arraigado de que o sofrimento é inerente ao processo de parir, mas muito também em razão do medo das mulheres em fazer qualquer reclamação e terem seu atendimento interrompido ou as agressões maximizadas, de sofrerem represálias, ou também de terem sua vida e intimidade expostas. Além disso, sua situação de vulnerabilidade e a falta de informações aumentam o abuso de poder por parte da equipe de atendimento.
Contudo, em que pese que não haja, ainda, lei aprovada que defina como crime ou que preveja sanções específicas para os casos de violência obstétrica, não se pode olvidar que se tem no Brasil um ordenamento jurídico amplo que ampara os casos de ofensa aos direitos humanos, bem como o que prevê a responsabilização penal nos casos em que ocorram ameaças, lesão corporal e mortes de parturientes ou nascituros por ação, omissão ou negligência médica, além de outros crimes cometidos no interior dos hospitais.
Além disso, a responsabilização civil de hospitais e integrantes da equipe médica nos casos em que houve qualquer dano material, moral, psicológico é garantida pelo Código Civil Brasileiro e legislações esparsas.
Em princípio, toda atividade que acarreta um prejuízo a outrem, gera responsabilidade ou dever de indenizar. Desta forma, sempre que alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato, ou negócio danoso, está a se falar de responsabilidade civil, que acarreta o dever de indenizar (VENOSA; 2010) .
A responsabilidade civil pode ser objetiva ou subjetiva. A subjetiva é decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo, sendo que o ato culposo caracteriza-se por negligência ou imprudência. Neste caso, quando se tratar de responsabilidade subjetiva caberá, em regra, ao autor provar a culpa do réu. Entretanto, há casos em que se atribui a responsabilidade civil a alguém por dano que não foi causado diretamente por ele, mas por um terceiro com quem mantém algum tipo de relação jurídica, caso em que o elemento culpa é presumido (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO; 2010).
Com base nesse entendimento, possibilita-se a responsabilização por danos causados por médicos, mas também por clínicas e hospitais, sendo que nos casos da pessoa jurídica esta responde por atos de seus empregados e prepostos, sendo a culpa presumida.
A responsabilidade civil objetiva, conforme fundamenta Gagliano e Pamplona Filho (2010), caracteriza-se pela irrelevância jurídica dos elementos dolo ou culpa, sendo necessário apenas a conduta do agente e o dano decorrente da mesma para que ocorra a responsabilização. Esse tipo de responsabilidade civil funda-se no risco da atividade exercida pelo agente.
Trata-se aqui, especialmente dos casos de relação de consumo, ou seja, na relação paciente-médico ou paciente-hospital quando há contrato de prestação de serviços. Neste caso, o dever de indenizar decorre unicamente da existência da conduta, do dano e do nexo de causalidade.
Conforme menciona Venosa (2010), o médico tem o dever de informar o paciente, ou sua família, de seu estado, da metodologia e técnica a ser utilizada, dos riscos e benefícios, sendo que quanto mais arriscada a intervenção do profissional, tanto mais necessária é a informação e a advertência ao paciente. A omissão da informação correta pode acarretar a responsabilidade profissional.
No estudo da violência obstétrica, nota-se que inúmeras vezes, esse direito não é respeitado, pois se realiza técnicas e procedimentos sem qualquer informação à paciente.
De acordo com Gonçalves (2010), os médicos respondem civilmente quando contra eles ficar provado dolo ou qualquer modalidade de culpa (imprudência, negligência, ou imperícia), nos termos dos artigos 948 a 951 do Código Civil. Entretanto, tal prova é extremamente difícil para a vítima.
De outro lado, em que pese o artigo 14, §4º do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que a responsabilidade dos profissionais liberais é apurada mediante a verificação de culpa e sendo o médico prestador de serviços, está o paciente amparado pela proteção ao consumidor, permitindo ao juiz a inversão do ônus da prova (GONÇALVES; 2010).
Corroborando este entendimento, Venosa (2010) afirma que o paciente coloca-se na posição de consumidor e o médico ou pessoa jurídica que presta o serviço é o fornecedor de serviços, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 2º e 3º §2º. Assim, estando o paciente sob a égide do Código do Consumidor, torna-se, facilitada a prova, aumentando suas possibilidades de ter o dano reparado ou indenizado.
No que se refere à equipe médica comandada por médico, este responde também pelos danos causados por ela, já que estão diretamente sob suas ordens (GONÇALVES; 2010).
Quanto aos hospitais e clínicas médicas, por força da regra contida no artigo 932, III, do Código Civil, trata-se de responsabilidade objetiva, ainda que se trate de hospitais filantrópicos. Do mesmo modo, atribui-se a responsabilidade objetiva quando o profissional utiliza apenas a estrutura física e logística do hospital, pois há liame jurídico entre o médico e a entidade hospitalar e também em razão de não ser razoável exigir-se da vítima saber qual tipo de relação jurídica possui entre aqueles, bem como se o dano se deu por culpa do médico ou da entidade hospitalar (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO; 2010).
Atinente às empresas mantenedoras de planos e seguros privados de assistência à saúde, Gagliano e Pamplona Filho (2010) afirmam que estas são titulares de relação jurídica decorrente da exploração de uma atividade econômica, enquadrável, portanto, nas relações de consumo, consequentemente, respondem de forma objetiva e solidariamente por danos que seus profissionais credenciados ou autorizados causem.
Quando se trata de danos ocorridos no ambiente de Hospital Público, a responsabilidade pode recair ainda sobre o Estado, visto que são entidades prestadoras de serviço público.
A responsabilidade civil do Estado é de caráter objetivo, ou seja, prescinde da ideia de culpa como pressuposto para a indenização. Deste modo, o Estado somente não será responsabilizado caso haja alguma das excludentes de ilicitude, como a culpa exclusiva da vítima, por exemplo. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO; 2010).
Venosa (2010) afirma que, ainda que não seja possível, nestes casos, a denunciação da lide por risco de prejuízo à vítima, a mesma pode escolher demandar contra o Estado e o agente público, assim pode ser responsabilizado tanto o Estado quanto o médico, sendo que este último, atuando como funcionário público e causando dano à paciente, deve ser absorvido pela responsabilidade civil objetiva do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
Independentemente de tratar-se de responsabilidade civil objetiva ou subjetiva, ou ainda, de enquadrar-se como relação de consumo de natureza civil ou administrativa, o direito de reparo ou indenização pelo dano é garantido à vítima pelo ordenamento jurídico brasileiro.
É o que se depreende da previsão contida no Código Civil, em seu artigo 186 que dispõe que: aquele que violar direito e causar dano a outrem seja por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência comete ato ilícito.
O ato ilícito é indenizável conforme exposto no artigo 927 do Código Civil, enunciando que aquele que por ato ilícito causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo (BRASIL; 2002).
Tratando-se de violência obstétrica, conforme já se analisou em tópicos anteriores, as condutas que podem gerar danos e, consequentemente indenização, são inúmeras, enquadrando-se todas em alguma das modalidades de indenização civil existentes, seja de dano moral, estético ou material.
A violência obstétrica, em suas muitas facetas e condutas, afeta os direitos fundamentais inerentes à qualquer pessoa, bem como a dignidade da mulher que a sofre, sendo consequentemente compreendida nas ações causadoras de dano moral. Ainda, de acordo com Gonçalves (2010), o dano moral é aquele que atinge os direitos intrínsecos da personalidade, como a honra, dignidade, intimidade, imagem, como se infere dos artigos 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, causando em quem o sofreu, dor, sofrimento, tristeza, humilhação.
Com base no que foi acima citado, pode-se pensar em danos morais causados como consequência das discriminações e ofensas verbais que as mulheres sofrem durante a gestação, parto e pós-parto, na humilhante peregrinação por uma vaga em hospital, na ação do médico e sua equipe em não disponibilizar a mulher métodos de alívio para a dor, ou até em aumentar a dor e sofrimento desnecessariamente, no desrespeito ao Plano de Parto da paciente que é o documento onde a mulher protagoniza seu parto, informando a forma como pretende que este seja realizado.
Um caso emblemático na jurisprudência brasileira e com repercussão internacional e inerente à situação de violência obstétrica é o “caso Alyne Pimentel”, que ocorreu em 2002, mas que a solução demorou anos e, somente ocorreu, após interferência internacional:
“Alyne da Silva Pimentel Teixeira – uma mulher brasileira, de 28 anos, negra, pobre e grávida – foi à Casa de Saúde Nossa Senhora da Gloria, uma clínica de saúde privada em Belford Roxo, no estado do Rio de Janeiro. Apesar de apresentar sintomas de gravidez de alto risco, o médico que realizou o atendimento a mandou de volta para casa. Contudo, seus sintomas se agravaram nos dois dias seguintes, de forma que ela retornou à clínica. A esta altura os médicos não conseguiram mais detectar os batimentos cardíacos fetais. Seu parto foi induzido seis horas depois, resultando em um feto natimorto. A cirurgia para extrair a placenta ocorreu catorze horas mais tarde, apesar de dever ter ocorrido imediatamente após a indução do parto. Devido ao fato da saúde de Alyne estar se deteriorando rapidamente, ela teve que ser transferida a um serviço de saúde público mais especializado, mas ainda teve que esperar mais de oito horas para ser transferida ao Hospital Geral de Nova Iguaçu. Alyne morreu depois de mais de 21 horas sem receber assistência médica. Ela deixou uma filha de cinco anos de idade. Foram ajuizadas duas ações judiciais em nome de Alyne – uma no âmbito nacional e outra internacional. A ação no âmbito nacional foi ajuizada no ano de 2003 e buscava obter indenização por danos morais e materiais para seu marido e filha. Após morosos dez anos, em dezembro de 2013, o juiz de primeira instância do Rio de Janeiro deu provimento à ação, concedendo danos morais e uma pensão retroativa para a filha da Alyne, desde a data da morte de sua mãe até que ela complete 18 anos. Contudo, a decisão não reconheceu a responsabilidade direta do Estado pela assistência de saúde de má qualidade prestada pela clínica de saúde privada. Em novembro de 2007, depois de quatro anos sem que houvesse uma decisão do Judiciário brasileiro, o Center for Reproductive Rights (Centro por Direitos Reprodutivos) e a Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos interpuseram uma denúncia internacional perante o Comitê CEDAW, por violação ao direito de acesso à justiça, à saúde sem discriminação e à vida. Em 2011, o Comitê CEDAW emitiu sua decisão e declarou o Estado brasileiro responsável pelas violações dos artigo 2(c) (acesso à justiça); artigo 2(e) (obrigação do Estado de regulamentar atividades de provedores de saúde particulares), em conexão com o artigo 1 (discriminação contra a mulher), lidos em conjunto com a Recomendação Geral nº 24 (sobre mulheres e saúde) e nº 28 (relativa ao artigo 2 da Convenção); e artigo 12 (acesso à saúde) (CENTER FOR REPRODUCTIVE RIGHTS; 2014).”
Este caso teve um papel fundamental para avançar no reconhecimento dos direitos reprodutivos e direito a uma maternidade segura e ao acesso sem discriminação a serviços básicos de saúde de qualidade não só no Brasil, como também, na América Latina e em todo o mundo (CENTER FOR REPRODUCTIVE RIGHTS; 2014). Trata-se de um dos casos mais antigos de violência obstétrica que se localiza na jurisprudência brasileira.
Observa-se que a indenização civil por danos decorrentes da violência obstétrica, aparentemente é pouco buscada no Brasil, e muitas vezes negligenciada pelos próprios julgadores que sequer conhecem o termo, restando os poucos casos julgados, fora das estatísticas.
Os casos relativos ao tema que mais se verifica na jurisprudência são mortes da mãe ou do bebê, por erro médico ou negligência e lesões físicas na mãe ou bebê decorrentes de utilização de fórceps, manobra de kristeller, e epsiotomia, além dos casos de desobediência à lei do acompanhante no parto. Todavia, tais casos são localizados na busca por termos familiares ao assunto, pois na busca realizada pelo termo violência obstétrica, quase nada se localiza. A seguir, um caso julgado, localizado com o termo violência obstétrica:
“Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – VIOLÊNCIA OSTÉTRICA. Direito ao parto humanizado é direito fundamental. Direito da apelada à assistência digna e respeitosa durante o parto que não foi observado. As mulheres tem pleno direito à proteção no parto e de não serem vítimas de nenhuma forma de violência ou discriminação. Privação do direito à acompanhante durante todo o período de trabalho de parto. Ofensas verbais. Contato com filho negado após o nascimento deste. Abalo psicológico in re ipsa. Recomendação da OMS de prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. Prova testemunhal consistente e uniforme acerca do tratamento desumano suportado pela parturiente. Cada parturiente deve ter respeitada a sua situação, não cabendo à generalização pretendida pelo hospital réu, que, inclusive, teria que estar preparado para enfrentar situações como a ocorrida no caso dos autos. Paciente que ficou doze horas em trabalho de parto, para só então ser encaminhada a procedimento cesáreo. Apelada que teve ignorada a proporção e dimensão de suas dores. O parto não é um momento de “dor necessária”. Dano moral mantido. Quantum bem fixado, em razão da dimensão do dano e das consequências advindas. Sentença mantida. Apelo improvido (BRASIL – a; 2017).”
Ressalta-se que, este é o único julgado localizado utilizando-se o termo “violência obstétrica”, na data de 22/10/2017, no site www.jusbrasil.com.br, que possui acervo de todos os tribunais do Brasil. Trata-se de Apelação nos autos nº 0001314-07.2015.8.26.0082/TJ-SP, publicado em 11/10/2017, que indenizou a requerente por danos morais.
Buscando-se pelo termo epsiotomia, localiza-se alguns julgados, dentre eles:
“TJ-SP – Apelação APL 00036332920078260663 SP 0003633-29.2007.8.26.0663 (TJ-SP) Data de publicação: 19/11/2014 Ementa: ERRO MÉDICO. LESÃO RETAL EM PARTO. NEGLIGÊNCIA EM AVALIAÇÃO APÓS CIRURGIA. DANOS MORAIS REDUZIDOS. Lesão retal após episiotomia durante tentativa de parto normal que passou despercebido. Insurgência da médica e da clínica contra sentença de parcial procedência. Manutenção. Erro consistente na negligência e imperícia ao não avaliar a condição do canal de parto da paciente após a cesárea. Sutura da episiotomia sem notar a existência de transfixação do reto. Culpa verificada. Responsabilidade da médica, chefe da equipe, pela avaliação da paciente e pela atuação da enfermeira sob a sua supervisão. Responsabilidade objetiva da clínica médica pelos atos de seus empregados. Art. 932, III, CC e art. 14, parágrafo 4º, Código de Defesa do Consumidor. Provimento dos recursos apenas para reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 30.000,00. Sentença mantida. Recursos providos em parte (BRASIL – b, 2014).”
Como se observa do julgado, a epsiotomia, um dos procedimentos que mais são realizados indiscriminadamente em hospitais e maternidades de todo o Brasil, pode ensejar a reparação por danos morais, pois pode comprometer o períneo da mulher, deixando-o sensível e dolorido, às vezes para sempre, comprometendo significativamente a vida sexual da mulher o que sem dúvida ofende a sua dignidade causando-lhe dor e sofrimento. Pode, ainda, justificar a reparação por danos estéticos, pois deixa marcas profundas no corpo da mulher, como o caso de cicatrizes que se estendem desnecessariamente (ARSIE; 2015).
Os danos de ordem material podem ser verificados nos casos em que a paciente fica com sequelas decorrentes do procedimento realizado erroneamente ou com negligência, imprudência ou imperícia, e que seja necessária utilização de medicamentos e outros procedimentos que lhe amenizem o sofrimento, pois isto lhe custaria à diminuição de seu patrimônio o que nos dizeres de Gonçalves (2010) caracteriza o dano material. Segundo este, trata-se, nesse caso, dos chamados danos emergentes, ou seja, o prejuízo efetivamente sofrido.
Além disso, é possível a existência dos danos materiais por lucros cessantes que para Gonçalves (2010) é a perda de um ganho esperado, aquilo que razoavelmente se deixou de ganhar. No contexto da violência obstétrica, esse dano pode ocorrer quando a mulher ficar incapacitada seja permanentemente ou temporariamente para o trabalho.
Nota-se que são muitas as condutas causadoras de danos quando se trata de violência obstétrica, uma vez que não é possível prever todas as ações de médicos e equipe de assistência ao parto, assim, cada caso é analisado no momento do julgamento, sendo que à vítima cabe buscar os meios para ver amenizado seu sofrimento, procurando as indenizações amparadas pela legislação, inclusive como meio de combater a ocorrência da violência no parto.
6.1 Processos Analisados
Na busca por processos relativos ao tema, foi realizada pesquisa no dia 31 de agosto de 2018, nas Varas Cíveis e Juizados Especiais Cíveis, por meio de acesso ao sistema de Processo Judicial Eletrônico – PJE, sendo a busca realizada em todo o acervo de processos ativos nesse sistema.
A princípio foi pesquisado o parâmetro “violência obstétrica” nada sendo localizado, pois este sequer encontra-se entre os assuntos possíveis para distribuição de processos. Em seguida, utilizou-se parâmetros como: “erro médico”, “negligência médica” e “danos morais” combinado com o município pesquisado como requerido do processo.
Dentre todos os processos localizados, foi realizada triagem e constatado a existência de 05 (cinco) processos ativos relacionados ao tema. Verificou-se também que, além de poucos processos encontrados, em nenhum deles há qualquer menção ao termo “violência obstétrica”, apesar de todos estarem relacionados ao tema.
No primeiro processo analisado, o fato ocorreu em fevereiro de 2013 e trata-se de um aborto ocasionado pela prescrição errada de um medicamento após o atendimento desidioso do médico. O processo foi julgado procedente com a condenação em danos materiais e morais de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), encontrando-se atualmente aguardando julgamento de recurso.
Quanto ao segundo processo, o requerente é o filho que possuía 21 anos na data do ingresso da ação. Pouco pode se observar do relato dos fatos, bem como dos poucos documentos médicos que o hospital ainda possui, pois afirmam que o restante foi perdido em razão do tempo decorrido, sendo que no caso em questão foram diversos os tipos de violência obstétrica ocorridos, como o uso desnecessário do medicamento ocitocina, a falta de liberdade na posição do parto, epsiotomia de rotina, manobra de kristeller e, por fim, o parto realizado à força com o médico puxando o bebê. Esse bebê teve diversas sequelas, decorrentes do atendimento realizado, motivo pelo qual ingressou com a ação em análise. O processo foi julgado improcedente por falta de nexo causal e encontra-se aguardando julgamento de recurso.
No terceiro processo estudado, a mãe faleceu alguns dias após o parto em razão de uma cesariana eletiva na qual o médico perfurou o intestino e não realizou nenhum procedimento para sanar o problema, assim como ao recorrer ao hospital alguns dias após o parto, em razão de fortes dores e inchaço, teve o atendimento negligenciado. Além disso, observou-se um caso grave de violência obstétrica, pois foi realizado o procedimento de esterilização feminina sem solicitação e sem o consentimento da mãe. Neste caso ainda não houve julgamento.
Atinente ao quarto processo, os fatos relatados dão conta de que o médico, ao iniciar o atendimento da paciente em trabalho de parto, afirmou que os bebês estariam mortos e que encaminharia a mãe, sem realizar a cirurgia para retirada dos bebês, para Porto Velho. A mulher recusou-se a ir para a capital em razão da longa viagem e das dores severas que sentia e resolveu ir para um hospital particular em outra cidade, onde as crianças nasceram saudavelmente. O caso foi julgado improcedente pelo judiciário.
Na análise do quinto processo observa-se que se tratava de uma mãe bastante instruída em conhecimentos sobre o parto, que optou por um parto natural, domiciliar, acompanhada de uma doula. Entretanto, quando entrou em trabalho de parto e a doula não pode comparecer, se viu obrigada a procurar a rede particular de saúde do município. Relata que houve demora excessiva no atendimento tendo seu bebê nascido na recepção do hospital. Este processo ainda não foi julgado.
Observa-se que dos processos analisados 02 (dois) estão relacionados ao fato morte, da mãe ou do feto, 01 (um) trata de sequelas graves ao bebê, em consequência de diversas violências praticadas, e 02 (dois) versam sobre mau atendimento. Dos três casos já julgados apenas um foi procedente.
Nota-se também que o número de casos judicializados relativos ao tema é insignificante diante da quantidade de bebês nascidos vivos que, segundo dados da Tabela de Nascidos Vivos do Datasus, do Ministério da Saúde (2016), foram 855 (oitocentos) no ano de 2016, sendo este o último ano de referência do sistema. Todavia, analisando o contexto geral da pesquisa, verifica-se que tais dados não significam a inexistência de casos de violência obstétrica, pois os dados gerais da Rede Parto do Princípio afirmam que 25% das mulheres sofrem algum tipo de violência obstétrica (REDE PARTO DO PRINCÍPIO; 2012).
De acordo com extratos de experiência obtidos quando da entrevista com a doula, esta afirmou que tem conhecimento de inúmeros casos de violência obstétrica e que as mães, ainda que bem orientadas e possuindo conhecimento do assunto, não procuram tomar nenhuma medida contra o médico ou hospital, pois o sofrimento causado é muito grande e não querem reviver os fatos suportados. Além disso, há o receio de sofrerem mais uma vez a violência ao terem sua história menosprezada pelas pessoas que não tem conhecimento do assunto e possuem arraigada a cultura de que todo parto deve ser sofrido e doloroso, não compreendendo os fatos como violentos e sim como normais de um parto.
6.2. Entrevista Com Doula
A doula entrevistada informou que não é necessário ter formação acadêmica para exercer a função, no entanto é preciso ter formação específica como doula, sendo que em seu caso possui cursos profissionais na área e tem experiência de mais de quatro anos de atuação. Afirmou ainda que tem a função de prestar suporte contínuo à gestante no ciclo gravídico puerperal, favorecendo a evolução do parto e bem-estar da gestante.
De acordo com a entrevistada, as mulheres que buscam a assistência de uma doula, para acompanhá-la em seus partos, são aquelas que querem parto natural com um atendimento digno e humanizado. Este fato estaria diretamente ligado com a ocorrência cotidiana de atos de violência obstétrica, pois há mulheres a procuram, também, com o objetivo de diminuir as possibilidades de sofrer com o atendimento que normalmente lhes é fornecido nos hospitais.
Questionada, a doula afirmou que tem conhecimento de que no hospital pesquisado a predominância de parto cesáreo é em torno de 90% o que também tem relação direta com a violência obstétrica, pois as mulheres pedem pelo parto cesáreo com receio de ter um parto natural violento, sendo que esta escolha vai de encontro à vontade da maioria dos profissionais que preferem realizar uma cesárea ao invés de acompanhar um parto natural.
A entrevistada entende que a violência mais rotineira nos hospitais e maternidades é a desconsideração do Plano de Parto e a realização rotineira da Epsiotomia. Afirma também que mesmo com o acompanhamento de uma doula, o que reduz em muito as possibilidades da mulher sofrer violências no parto, elas não estão totalmente livres disso e que já presenciou a ocorrência do desrespeito ao Plano de Parto da gestante, a utilização desnecessária da Epsiotomia sem a informação e autorização da mãe e sob protestos, a falta de liberdade na posição para o parto, a violência verbal em frases como “quem manda aqui sou eu”, além da ocasião em que o médico determinou a ela e às enfermeiras que realizassem a manobra de Kristeller que, no entanto todas recusaram-se a realizar.
6.3. Do Quantitativo De Partos
Tipo de Parto | Jan. | Fev. | Mar. | Abr. | Mai. | Jun. | Total |
Parto Natural | 16 | 13 | 20 | 07 | 20 | 13 | 89 |
Cesárea | 74 | 73 | 62 | 89 | 89 | 68 | 455 |
Parto com Laqueadura | 13 | 13 | 20 | 20 | 12 | 18 | 96 |
Total | 103 | 99 | 102 | 116 | 121 | 99 | 640 |
Tabela 01- Quantitativo de Partos. Fonte: Compilação de dados obtidos no hospital pesquisado.
Observa-se, na tabela, que confirmando a informação prestada pela doula entrevistada, no hospital objeto da pesquisa quase 90% (noventa por cento) dos partos são cesáreos.
Em que pese que muitos, inclusive as próprias mulheres, entendam que a cesárea eletiva não é um tipo de violência obstétrica, ela é ao menos um indicativo de sua ocorrência, conforme informações obtidas na pesquisa bibliográfica e com a doula entrevistada, pois, as mulheres buscam a cesárea como uma das formas de se precaver de uma violência obstétrica, que em geral é muito mais recorrente e muito mais grave nos partos naturais.
6.4. Da Entrevista Com As Mulheres
Quanto ao perfil social das mulheres entrevistadas, a maioria encontra-se na faixa etária de 26 a 35 anos, tem renda familiar de até um salário mínimo e um total de 3 a 5 pessoas na família.
Ainda, em sintonia com o que foi encontrado nas informações estatísticas dos partos a maioria das entrevistadas, totalizando 80% (oitenta por cento), tiveram seus partos por meio de cesáreas, sendo que metade delas disseram que o tipo de parto foi escolha própria e a outra metade foi por indicação médica. Dentre as que escolheram a cesárea, uma relatou como motivo a intenção de realizar na mesma oportunidade o procedimento de laqueadura. Já nas que escolheram o parto natural, uma delas afirmou que o fez por ter muito medo da cesárea, tanto que buscou acompanhamento de uma doula, visando garantir maiores possibilidades de ter o parto do modo escolhido. De outro lado, uma das mulheres relatou que era necessária a realização da cesárea, mas o médico recusou-se a realizá-la, tendo diversas consequências danosas à mãe e ao bebê.
Um total de 33% (trinta e três por cento) das entrevistadas relataram algum tipo de dificuldade no atendimento, como descaso, grosseria e arrogância, falta de medicamentos e a peregrinação por várias unidades de saúde em busca de atendimento.
No que se refere ao acompanhamento da mulher durante o trabalho de parto, parto e pós-parto que é garantido pela lei 11.108/2005, observa-se que este não vem sendo respeitado, pois, nenhuma das entrevistadas pôde ter acompanhante durante o parto. Apenas uma teve acompanhamento antes do início do parto, e as demais apenas puderam ter tal direito garantido no pós-parto.
Como pontos positivos, constatou-se na pesquisa que aquelas que tiveram partos naturais puderam alimentar-se e tomar água normalmente durante o trabalho de parto, que não houve abuso na realização de exames de toque, bem como que não foi realizado tricotomia nem lavagem intestinal.
Por outro lado, não puderam escolher a posição do trabalho de parto e do parto, sendo realizado com a mulher deitada, mesmo contra a vontade.
Além disso, foi realizado epsiotomia em 100% das parturientes de parto natural, todas sem qualquer informação ou autorização, inclusive uma delas informou ao médico que não queria que tal procedimento fosse realizado, conforme constava em seu Plano de Parto. Ressalta-se que a epsiotomia é um procedimento violento, que não é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), porém conforme se verificou amplamente na pesquisa bibliográfica e confirmado o que relata a maioria dos autores pesquisados ainda vem sendo realizada rotineiramente nos partos naturais.
Uma das entrevistadas relatou, ainda, ter sofrido a Manobra de Kristeller, há muito entendida como prejudicial ao bebê e a mãe, não devendo ser realizada, pois proibida pela Organização Mundial da Saúde.
Atinente ao atendimento da equipe médica, duas das entrevistadas sentiram-se constrangidas ou ofendidas, sendo que uma delas descreveu como abusivas e ofensivas as palavras proferidas por uma das enfermeiras durante o atendimento, e outra afirmou que o médico a tratou com grosseria.
Além disso, as pacientes relataram reclamações diversas, tais como: Não encaminhamento à hospital com melhor estrutura para atender um bebê prematuro; Falta de medicamento; Mal atendimento sendo a paciente submetida a ficar no corredor após a cesariana por mais de meia hora, até ser retirada por sua acompanhante; Falta de atendimento adequado no pós-parto; falta de informação aos familiares; E uma das entrevistadas descreveu o parto como triste e traumatizante.
Outra informação relevante obtida na pesquisa é de que 02 (dois) bebês dentre os partos naturais, tiveram a clavícula quebrada durante a realização do parto.
Observa-se, portanto, que diversos foram os tipos de violências ocorridas durante o atendimento às parturientes, todavia surpreendentemente, apenas 16% das entrevistadas entendem que sofreram algum tipo de violência. Dentre elas, descreveu-se como consequência da violência a existência de dano material, moral e estético.
Conclusão
O presente trabalho, seja no contexto da pesquisa bibliográfica ou de campo, demonstrou que a Violência Obstétrica é uma prática comum nos hospitais e maternidades brasileiras.
Especificamente quanto à pesquisa de campo, restou evidenciado que a Violência Obstétrica de fato, ocorre frequentemente. Inicia-se tal constatação pela quantidade de cesáreas eletivas realizadas, sendo que no Hospital pesquisado os partos cesarianos foram quase 90% do total. Além disso, corrobora-se o que foi apurado com a ocorrência de diversos relatos de procedimentos violentos, conforme informado pelas mães e a doula entrevistadas.
As hipóteses propostas no projeto de pesquisa foram confirmadas, pois realmente nota-se que grande quantidade de mulheres sofre algum tipo de violência no parto, ocasionando danos diversos, sendo inclusive, alguns casos judicializados em busca de reparação ou indenização para os danos sofridos.
Quanto à reparação civil, averiguou-se que é perfeitamente possível, com base no ordenamento jurídico vigente, nos casos de violência obstétrica. Todavia, poucas são as mulheres que a buscam.
Tal fato se dá em razão de que muitas mulheres sequer compreendem que sofreram algum tipo de violência, pois não tem conhecimento suficiente no assunto e submetem-se à cultura arraigada de que o parto deve ser doloroso e difícil, bem como ao fato aceito popularmente de que o atendimento em hospital público é mesmo ruim. Outras, apesar de terem conhecimento no assunto, ou entenderem que sofreram violência, não buscam qualquer providência, pois não querem reviver os fatos suportados nem se sujeitarem a ter sua dor menosprezada por profissionais que, muitas vezes, entendem os fatos violentos como normais de um parto.
Evidencia-se, portanto, que há discrepância entre a ocorrência de violência obstétrica nos partos e a quantidade destes realizados como também entre a quantidade de processos localizados sobre o tema, sendo que isto se deve á diversos fatores, entre eles o de que a maioria das mulheres não tem consciência de que sofreram violência e por isso poderiam responsabilizar aquele que a cometeu, a aceitação do parto difícil e doloroso como uma premissa de que sempre é assim no parto, ideia essa arraigada e que perpetua-se pela imposição dos profissionais da área, além do fato de que as consequências danosas são tão graves que as vítimas não querem nem mesmo falar do assunto.
Referências
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