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Respeitem nossas crianças

A criança brasileira tem direitos
constitucionalmente assegurados, mas, na prática, ainda falta muito para que a
cidadania infanto-juvenil seja respeitada. Criança é credora de proteção
integral em razão de sua condição de pessoa  em desenvolvimento e necessitar
de prioridade, de proteção e socorro, no atendimento dos serviços públicos ou
de relevância pública, na preferência na formulação e execução das políticas
sociais públicas e destinação privilegiada de recursos públicos.

No entanto, embora o Brasil seja
signatário da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, a
realidade é outra bem cruel e o desrespeito a esses seres desprotegidos tem
sido a tônica de grande parcela da sociedade e do poder público que ignora as
crianças que não votam e muitas vezes não têm voz nem vez. Contesta-se a lei
que regulamentou a cidadania, contesta-se que sejam sujeitos de direitos,
apregoa-se que não tenham respeitada a vida, a saúde, a educação. Quando são
exploradas, violentadas, abusadas são tratadas como agentes da violência e não
vítimas da negligência e incúria de familiares e administradores públicos,
ainda  prevalece a velha e carcomida doutrina que
considera crianças vitimizadas em situação irregular.

O Juizado da Infância e  da
Juventude uniu-se a diversos parceiros para melhor conhecer essa criança vitimizada por familiares e excluídas de suas comunidades e
que  muitas vezes se vê cercada por familiares excludentes, políticas
públicas excludentes e sociedade agressiva. Defendem-se como podem de tantas
agressões e acabam nas manchetes dos jornais acusadas de marginais, pivetes,
trombadinhas, traficantes e roubadores. O Programa
População de Rua Assitida identificou, classificou e
documentou 932 crianças e adolescentes após um extenuante trabalho em 32
logradouros públicos, onde além de documentar foram encaminhados para abrigos,
matriculados em escolas públicas, providenciados carteiras de identidade,
carteiras de trabalho, cursos profissionalizantes e empregos,  tratamento
aos drogaditos. Algumas familias
que estão nas ruas com os filhos foram conduzidas a programas oficiais de apoio
familiar (bolsa de alimentos, melhoria da habitação, apadrinhamento,etc..)

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O perfil social da população infanto juvenil que vive nas ruas do Rio de Janeiro aponta
na direção de miséria e desemprego, além  comprometimento com drogas e
exploração de toda a natureza. Crianças são alugadas por
adultos para serem usadas para mendingar,
adolescentes são usados por traficantes para vender drogas, crianças são usadas
por receptadores para furtar toca-fitas e carteiras de passantes, adolescentes
são exploradas por rufiões para vender seu corpo na prostituição
infanto-juvenil, crianças são negligenciadas por seus pais que permitem
que passem fome e necessidades,  e negam o acesso à instrução primária,
expondo os filhos a perigo direto e iminente.

Todas as situações legais descritas
posicionam crianças e adolescentes como vítimas da ação violenta, cruel e
covarde de adultos, contudo a opinião pública é levada a olhar para essas vítimas
como agentes de violência. Alguns querem vê-las presas
e há quem proponha que sejam segregadas antes mesmo da previsão legal de
responsabilidade sócio-educativa a partir do 12 anos, e apregoam a construção
dos Baby-desipes para conter esses “perigosos”
agentes que ousam reagir a tanta violência e opressão. Outros acham normal que
sejam exterminados, afinal, dizem “não se matam baratas?”. Alguns por considera-los perigosos para a
sociedade os aprisionam, não como manda a lei, mas como proíbe expressamente ,
taxando-os como “traficantes” que afrontam a sociedade. Nunca tantos
adolescentes estiveram tanto tempo presos ilegalmente, segundo fontes do Juvenil-desipe(leia-se
DEGASE), são mais de 1078 adolescentes presos, alguns em presidios
destinados a adultos, até agosto. Segundo a mesma fonte  em 1991 foram
privados da liberdade 57 adolescentes; em 1992  foram 177 internados; em
1993 foram 158; em 1994 receberam essa medida 199 adolescentes; em 1995 atingiu
o número de 317 internados; em 1996 aumentou para 329 privados de liberdade e
no primeiro trimestre de 1997 apenas 65  adolescentes receberam a pena
máxima. Olha-se para a mesma lei com olhar caolho. Abre o olho quando o fato
ilícito é atribuído aos adolescentes, mas fecha quando o agente da ilicitude é
o poder público que não cumpre a lei, familiares negligentes e adultos
corruptores.

As estatísticas de mortes violentas de
crianças e adolescentes segundo fontes oficiais(Institutos
Médicos Legais) demonstram a face cruel dessa guerra contra eles. Foram 174
óbitos em 1991; 461 em 1992, 712 em 1993; 665 em 1994; 1138 em 1995; 869 em
1996; 578 em 1997(dados só da Capital) e 247 no primeiro semestre de 1998(dados
só da Capital). Desses óbitos 30% são crianças e 70 % adolescentes,  80%
são do sexo masculino e 20% do sexo feminino, os instrumentos de execução são
na esmagadora maioria projéteis de armas de fogo, instrumentos contundentes e
armas brancas (97% dos casos).

Constatado esse quadro é preciso
providências urgentes da familia, do poder público e
da sociedade no sentido de assumirmos nossas responsabilidades e saiamos em
defesa do nosso futuro, tal qual o ar que respiramos e a água que bebemos, se não cuidarmos de nossas crianças protegendo-as
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão dificilmente teremos como nos justificar quando filhos e netos nos
pedir contas da herança que lhes deixamos.

O Juizado da Infância e da Juventude já
se posicionou e acreditando poder contar com a sensibilidade de toda a população
pretende cumprir o seu papel de  zelar pelo efetivo respeito aos direitos
e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, esperando que os
verdadeiros agentes que as corrompem sejam punidos por seus crimes infamantes e
cruéis de exploração e violência contra seres em desenvolvimento. Armas
e drogas chegam às mãos de crianças através de adultos. Quantos estão cumprindo
pena por corrupção de menores? Receptadores vivem da exploração da mão de obra
de crianças como rufiões vivem da exploração do corpo e da saúde de adolescentes.
Quantos foram processados? Adultos sobrevivem explorando crianças nas ruas.
Porque não são presos e processados?  Não seria mais responsável agir
contra os adultos que corrompem crianças do que continuar segregando crianças e
adolescentes atribuindo-lhes a responsabilidade pela violência que os vitimiza?

Doravante as crianças e adolescentes
encontradas nas ruas devem ser encaminhadas aos Conselhos Tutelares para que
recebam as medidas de proteção previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente. Adultos, se familiares, devem receber igual socorro social, se não
forem familiares terão que responder perante a autoridade policial por essa
guarda ilegal. Constatado que a familia ,após receber apoio e auxilio dos programas sociais
oficiais ou comunitários, insistem em permanecer nas ruas com as crianças,
poderão sofrer sanções civis (art. 129 do ECA) ou penais previstas nos diversos
artigos do Código Penal e legislação extraodinária,
mediante encaminhamento à Promotoria da Infância e da Juventude e à Divisão de
Proteção à Criança e ao Adolescente.

Aguarda-se que os órgãos de segurança
pública sejam mais eficientes e impeçam que crianças e adolescentes tenham
acesso a drogas e armas que lhes são entregues impunemente por adultos que as
corrompem, e sobretudo que as autoridades federais
assumam sua função de polícia, e ao invés de responsabilizarem o Estado do Rio
de Janeiro por essa epidemia de drogas e narcotraficantes, impeçam que
armas e drogas ingressem na Cidade Maravilhosa pelos portos e aeroportos,
confiados às autoridades federais , que têm-se mostrado ineficientes.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Siro Darlan de Oliveira

 

Juiz da Infância e da Juventude no TJ/RJ

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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