Resumo: O presente trabalho científico visa analisar o instituto da business judgment rule como ferramenta hábil a afastar a responsabilidade civil dos administradores de sociedades anônimas que, agindo de boa-fé e no estrito interesse da sociedade, causam prejuízos a companhia. A necessidade de se estabelecer critérios objetivos para a responsabilização dos administradores vem tornando-se de extrema importância no estudo do Direito Societário na medida em que cresce a complexidade das decisões empresariais e a necessidade de se traçar justa solução ao envolvimento pessoal dos administradores para que não incorramos em ampliação tendenciosa e injusta que possa, até mesmo, coibir a vida empresarial.
Palavras-chaves: Administrador. Sociedade Anônima. Responsabilidade Civil.
Sumário: Introdução. 1. O administrador e seus deveres 1.1. Dever de Diligência 1.2. Dever de Obediência 1.3. Dever de Lealdade 1.4. Dever de Informar 2. Responsabilidade Civil dos Administradores 3. Business Judgment Rule. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
Em decorrência das falhas inerentes ao ser humano, muitas vezes o próprio executivo contratado para a administração da companhia, ao exercer um juízo de valor, toma uma decisão que, ao ser executada, revela-se equivocada, levando a companhia a uma situação de prejuízo.
No contexto atual de crescimento intensivo do mercado de ações e de maior utilização das sociedades anônimas como forma de alavancar recursos, é necessário encontrar respostas claras para situações em que o prejuízo venha a ocorrer.
A problemática surge quando ao administrador, agindo com a maior lisura e boa-fé, nos limites de suas atribuições e deveres, equivocadamente toma uma decisão que, para a companhia, não é a mais favorável e causa um prejuízo.
Daí a necessidade de se estudar a fundo as questões que envolvam as responsabilidades dos administradores, principalmente no âmbito das sociedades anônimas, onde se verifica cada vez mais a profissionalização da atividade administrativa.
Um dos mecanismos interessantes para efetivar garantias ao administrador das sociedades, tendo em vista a necessidade de se proteger frente aos erros escusáveis que possa vir a praticar é a business judgment rule, insculpida no art. 159, §6º da Lei 6.404/76.
Este dispositivo determina que, se o patrimônio da companhia sofrer prejuízos, cabe ação de responsabilidade civil contra os administradores, podendo o juiz, no entanto, excluir a responsabilidade do administrador que agir com boa-fé e visando os interesses da companhia.
Demonstrar-se-á que a responsabilização pessoal e patrimonial do administrador está sujeita a apreciação cautelosa de certos elementos como a análise de risco, do erro, da culpa, do dolo e da boa-fé, todos de acentuada subjetividade e que demandam, portanto, estudo aprofundado.
Devemos, ainda, considerar os deveres que os administradores devem observar para compreendermos como deve ser uma administração ética e voltada para os interesses da companhia.
Enfim, a business judgment rule é um instituto jurídico a ser explorado pelo Direito Brasileiro, pois, embora esteja inserido na legislação societária pátria, não existem estudos suficientes capazes de aclarar a ideia e a importância do instituto no sistema das sociedades anônimas.
1. O administrador e seus deveres
Os órgãos administrativos das sociedades anônimas, o conselho de administração com funções deliberativas e de ordenação interna e a diretoria com atribuições meramente executivas, são os que dão vida a sociedade, fazendo-a funcionar.
Assim, são considerados administradores os membros destes dois órgãos, estando sujeitos às mesmas regras sobre deveres e responsabilidades que por vezes ultrapassam os lindes legais.
Sabe-se que os administradores têm vários deveres para com a sociedade, podendo-se afirmar que o primeiro de todos esses deveres é o de bem administrá-la, devendo agir com a competência, eficiência e honestidade que seria de se esperar de um homem digno e correto.
No entanto, concentrar-nos-emos naqueles deveres fixados na Lei nº 6.404/76, Lei de Sociedades por Ações, que inerentes à administração conduzem a fiel perseguição dos objetivos sociais.
1.1 Dever de Diligência
O dever de diligência encontra-se conceituado, em termos gerais, no art. 153 da Lei nº 6.404/76 que determina que o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.
Tal definição legal prevê que os administradores no exercício da gestão empresarial deverão aplicar critério e empenho, dedicando-se com cautela e probidade à consecução do objeto social e da função social da empresa, atendendo as normas estatutárias e legais como se estivesse gerindo negócio próprio.
Diligente é o administrador que emprega na condução dos negócios sociais as cautelas, métodos, recomendações e os postulados tecnológicos da “ciência”[1] da administração de empresas, fazendo o que neles se recomenda e não fazendo o que se desaconselha.
Vê-se que o dever de diligência corresponde a uma obrigação de meio e não de resultado, vez que o administrador tem o dever de observar as técnicas aceitas pela “ciência” da administração de empresas, porém não pode responder pela efetiva realização dos fins sociais, sujeitos também à implementação de outras condições não inteiramente controláveis pela administração societária.
1.2. Dever de Obediência
A fiel observância da finalidade do cargo ocupado aliada a finalidade do objeto social da empresa é a matéria que ocupa o art. 154 da Lei nº 6.404/76 ao determinar que o administrador deverá exercer as atribuições definidas por lei e pelos estatutos sociais unicamente para lograr os fins e interesses da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.
O dever de obediência é um corolário do dever de diligência, pois ser diligente implica na estrita observância a lei (lato sensu) e ao estatuto social.
Enquanto o caput do supracitado artigo define a finalidade das atribuições dos administrados, seus §§ 1º ao 4º detalham o desvio de poder.
Especificamente, são condutas proibidas: a) privilegiar grupo ou classe de acionistas; b) praticar ato de liberalidade à custa da companhia; c) tomas por empréstimo recursos ou bens da companhia sem previa autorização da assembleia geral ou conselho de administração; d) usar em proveito próprio ou de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou créditos; e) receber de terceiros, sem autorização estatutária ou da assembleia geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão do exercício de seu cargo.
Assim, se o administrador não incorrer nessas condutas proibidas estará exercendo suas a atribuições regularmente, sem desvio de finalidade; em consequência, estará dando cumprimento ao dever legal do art. 154 da Lei nº 6.404/76.
1.3. Dever de Lealdade
O dever de lealdade encontra-se destacado no art. 155, Lei nº 6.404/76 e estabelece que o administrador não pode usar, em proveito próprio ou de terceiro, informação pertinente aos planos ou interesses da com companhia e à qual teve acesso em razão do cargo que ocupa, agindo fielmente com a sociedade.
Tratando-se de companhia aberta, as informações ainda não divulgadas e que possam influir sobre a cotação de seus valores mobiliários devem ficar sob completo sigilo, estando os administradores impedidos de, utilizando-as, obter vantagens para si ou para outrem, sob pena de constituir ato de deslealdade conhecido como insider trading, conferindo a pessoa prejudicada o direito de pleitear perdas e danos.
Ademais, o uso de informações privilegiadas também encerra em outra conduta faltosa do administrador, que, além do dever de manter sigilo sobre os assuntos da companhia, não poderá se valer de tais informações para benefício próprio ou de terceiros, especialmente em questões que impliquem em interesses pessoais. Em tais casos, cabe ao administrador informar a sociedade da ocorrência de conflito de interesses conforme preceitua o art. 156, Lei nº 6.404/76.
1.4. Dever de Informar
O derradeiro dever imposto pela legislação ao administrador é o de informar previsto no art. 157, Lei nº 6.404/76 e restrito as companhias abertas.
O cumprimento desse dever apresenta dois aspectos distintos: de um lado, o pertinente as informações para esclarecimento de acionistas ; de outro, as comunicações de modificações na posição acionarias ou de fatos relevantes, cujo destinatário é o mercado.
No que tange ao primeiro aspecto, exigiu-se do administrador que, ao tomar posse, declarasse os valores mobiliários de emissão da companhia e de outras empresas do mesmo grupo de que seja titular, ficando, daí por diante, obrigado, por solicitação de acionistas que representem cinco por cento do capital, a revelar os negócios que celebrar envolvendo essas mesmas modalidades de valores mobiliários, bem como todos os benefícios e vantagens diretas ou indiretas que receba tanto de empresas do grupo como de coligadas, e ainda qualquer outro relevante.
Tais informações de cunho pessoal do administrador repercutem no problema de conflito de interesses entre os administradores e a companhia, sendo um mecanismo preventivo de transações desonestas.
Relativamente aos segundo aspecto, os administradores têm a obrigação de comunicar à bolsa de valores e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e de divulgar pela imprensa todas as deliberações ou fatos ocorridos que possam influir na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia. Divulgando amplamente a sua realidade (disclosure), a sociedade evita prejuízos aos investidores desavisados.
O dever de informar não conflita com o dever de lealdade, porquanto com este evita-se o vazamento de noticias para pessoas específicas, e com aquele se estimula a sua difusão a todos.
2. Responsabilidade Civil dos Administradores
Em regra, no Direito Societário Brasileiro, os diretores e conselheiros das sociedades anônimas não se vinculam solidariamente pelos atos normais de administração social que praticarem, haja vista serem órgãos da pessoa jurídica, agindo em nome e em conta da sociedade que representam e comandam.
Tal situação é a aplicação do princípio da irresponsabilidade dos administradores e se justifica pois a sociedade é pessoa jurídica que não se confunde com a pessoa física que o representa (salvo nos casos de desconsideração da personalidade jurídica), fazendo coro, ainda, com o principio da total autonomia da personalidade jurídica da sociedade em relação à pessoa de seus administradores conforme prescrito nos arts. 17 e 20 do Código Civil.
A intangibilidade dos administradores, entretanto, rui ao ultrapassarem os atos ordinários de gestão administrativa, ou, ainda, quando, atuando no exercício regular de suas funções, agirem com culpa ou dolo, infringindo deveres legalmente atribuídos ou previstos no estatuto social, acarretando assim à obrigação pessoal de repararem os danos gerados à sociedade, aos sócios e a terceiros.
Cabe ressaltar que a responsabilidade patrimonial do administrador de sociedade anônima não tem caráter contratual, situando-se na esfera da responsabilidade extracontratual do art. 159, do Código Civil no qual “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
A Lei de Sociedades por Ações, no art. 158, menciona duas hipóteses de responsabilidade civil dos administradores de companhias: uma relacionada aos prejuízos causados por culpa ou dolo, ainda que sem exorbitância de poderes e atribuições, e a outra pertinente a violação da lei ou do estatuto social.
Para Fábio Ulhoa Coelho[2] não há distinção entre os sistemas de responsabilidade civil constantes nos incisos I e II do art. 158, Lei nº 6.404/76, sendo os dois hipóteses de responsabilidade civil subjetiva do tipo clássico, ou seja, ao demandante cabe a prova do procedimento culposo do administrador.
Já Tavares Borba[3] faz distinção entre as duas hipóteses elencadas nos incisos do art. 158, Lei nº 6.404/76:
“Quando o administrador atua no âmbito de seus poderes e em consonância com as normas legais e estatutárias aplicáveis, a caracterização do ilícito civil depende da comprovação de que houve culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolo (intenção deliberada de produzir o resultado danoso).
Na segunda hipótese, tendo o administrador infringido o estatuto da sociedade ou a legislação aplicável, não se indaga a respeito da efetiva ocorrência de culpa, posto que esta se presume, como consequência do fato mesmo da infração cometida.”
O descumprimento dos deveres legais pelos administradores pode gerar dano tanto para a companhia e seus acionistas, quanto para terceiros, gerando consequências diversas no campo responsabilidade, especialmente no campo probatório.
Quando a companhia é diretamente lesada por ato do administrador, a apuração e efetivação de sua responsabilidade serão feitas através de assembleia geral (art. 159, Lei nº 6.404/76), por ser esse o órgão societário com competência exclusiva para definir se houve descumprimento de dever legal em determinada conduta ou deliberação de diretor ou conselheiro, sendo a decisão assemblear condição de procedibilidade da ação de responsabilidade contra o administrador.
Concluindo a assembleia geral que é o caso de processar o administrador para dele haver a indenização pelos danos derivados do descumprimento de dever, cabem duas providências: a substituição do administrador ou administradores responsáveis que se tornam impedidos (art. 159, § 2º) e as medidas administrativas e contratuais necessárias ao ajuizamento da ação de indenização.
Neste caso, estamos diante de ação social ut universi, intentada diretamente pela companhia, visando, fundamentalmente, a restabelecer o equilíbrio interno da sociedade, com reconstituição do seu patrimônio.
Os acionistas minoritários, segundo os §§ 3º e 4º do art. 159, Lei nº 6.404/76, também podem demandar contra os administradores, tanto na inércia dos representantes legais, quanto quando houver deliberação contrária à propositura da ação de responsabilidade. O acionista minoritário promove a demanda em benefício da companhia, isto é, age em nome próprio, mas no interesse da companhia, já que visa obter indenização dos danos sofridos pela própria sociedade.
Esta ação uti singuli tem fundamento idêntico ao da ação social ut universi, uma vez que nas duas situações ocorrem danos diretos e indiretos ao conjunto de acionistas.
Quando o ato ilícito praticado pelo administrador atingir diretamente acionistas ou terceiros, estes poderão propor, conforme o art. 159, § 7º, Lei nº 6.404/76, ação individual de reparação civil demonstrando, apenas, a ocorrência de prejuízo direto ao seu patrimônio em razão do ilícito praticado pelo administrador.
Com efeito, se de um lado o terceiro prejudicado pela má gestão empresarial não pode ficar a mercê de se achar ou não culpados para receber seu ressarcimento, de outro não se pode esquecer a injustiça que seria ampliar a responsabilidade individual do administrador pelos atos praticados em nome da pessoa jurídica.
A necessidade de se equacionar responsabilidades distanciando-se da responsabilidade individual do administrador para uma contemporização na qual figurem administrador e sociedade afasta a possibilidade de excessos interpretativos da lei que podem comprometer a evolução econômica, vez que, sobrecarregar o administrador comprometendo seu patrimônio pessoal pode gerar desmotivação na escalada para novos empreendimentos imprescindíveis para se atingir o fim máximo da empresa que é promover desenvolvimento econômico visando ao bem estar social.
3 Business Judgment Rule
A business judgment rule, ou regra de julgamento de negócio, como princípio da jurisprudência nos Estados Unidos remonta à 1829, no caso Percy v. Millaudon, decidido pela Suprema Corte da Louisiana.
Este leading case foi decidido de forma a determinar que o simples prejuízo não seria suficiente para fazer o administrador da companhia responsável, sendo necessário provar que o ato era incompatível com o padrão do homem comum.
No Direito Societário Brasileiro, a business judgment rule foi consagrada no art. 159, § 6º, da Lei nº 6.404/76 e tem duas posições doutrinárias.
Para Bulgarelli[4] a Lei das Sociedades Anônimas foi infeliz na redação do art. 159, § 6º, que dispõe: “O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia” pois abrir-se-ia uma brecha na legislação à feitura de atos ilegais por parte dos administradores sem a sua devida responsabilização.
Corrêa-Lima[5], por sua vez, entende que a norma do §6º do art. 159 da Lei nº 6.404/76, na verdade, nada mais é que o transplante, para a Lei nº 6.404/76, de princípios gerais de direito e de teorias elaboradas há séculos pelos juristas do sistema de civil law.
Diversamente do que entende o primeiro jurista a business judgment rule busca evitar que os administradores de sociedades anônimas fiquem com receio de exercer suas funções sabendo que poderão colocar em risco seu patrimônio pessoal ao assumirem riscos inerentes a essa atividade.
A regra estatui que as decisões ou julgamentos do negócio honestos e tomados de boa-fé e com base em investigações razoáveis não serão questionáveis judicialmente, ainda que a decisão seja enganada, infeliz ou até mesmo desastrosa, por ter como premissas a falibilidade humana e a necessidade de dinamização dos negócios sem sobrecarregar a máquina judiciária.
A business judgment rule tem por finalidade oferecer proteção as decisões de negócios bem informadas, constituindo uma espécie de “porto seguro” para os administradores, que devem ser encorajados não apenas a assumirem cargos de administração, como também a correrem determinados riscos inerentes a gestão empresarial, sem o receio da possibilidade de terem seus atos questionados no caso de insucesso.[6]
Assim, os administradores têm poderes discricionários relacionados à administração e suas decisões não estão, a princípio, sujeitas a uma segunda análise do Poder Judiciário ou do Poder Executivo, nos processos administrativos.
A discricionariedade do administrador na tomada de decisão é respeitada, não se buscando restringir sua área de atuação, mas fornecer uma margem de segurança para que, caso a decisão tomada seja revista pelo Judiciário, o administrador não seja responsabilizado pelo ato praticado.
A aplicação da regra de julgamento de negócios pressupõe a presença concomitante de critérios asseguradores da proteção dos administradores e de suas decisões da análise pelo Judiciário e em processos administrativos. A regra baseia-se em cinco elementos[7]: (i) decisão do administrador ou julgamento de negócio; (ii) desinteresse e independência do administrador; (iii) dever de diligência; (iv) boa-fé; e (v) inexistência de abuso de discricionariedade.
Desta forma, deverá haver, acima de tudo, uma decisão ou julgamento por parte do administrador. As omissões não são protegidas, entretanto, a decisão de não agir – por ser uma decisão – poderá estar resguardada.
A independência do administrador está no conceito da própria business judgment rule e pressupõe que a decisão foi baseada nos méritos da Companhia. O administrador não será independente quando for dominado ou controlado por credor ou pessoa jurídica ou natural interessada na conduta ou na transação que possa influenciar sua capacidade de discricionariedade. Para desqualificar a decisão do administrador, a natureza do interesse deve ser substancial ou material, não bastando ser simplesmente incidental ou circunstancial.
O dever de diligência, já aclarado anteriormente, pauta-se na obrigação do administrador de gerir o negócio com a competência e o cuidado que seriam usualmente empregados por todo homem digno e de boa-fé na condução de seus próprios negócios.
As decisões tomadas pelos administradores deverão ser eivadas de boa-fé, assim como todos os demais atos praticados. Sua intenção não poderá ser danosa e sim lisa e honesta, visando o melhor para a companhia.
A discricionariedade é um elemento inerente ao exercício da profissão de administrador que assume toda e qualquer forma de risco na companhia. Mesmo que haja decisão ou julgamento do negócio, desinteresse, independência, dever de diligência e boa fé, torna-se mister que não exista abuso de discricionariedade na decisão ou julgamento do negócio.
Tal excesso não é, obviamente, amparado pela regra de julgamento de negócios que não protege decisões que ultrapassem os limites impostos aos administradores, bem como decisões não razoáveis, irracionais e/ou prejudiciais à sociedade e seus acionistas, incumbindo ao Judiciário apenas analisar se a decisão ou julgamento do negócio constitui um abuso de discricionariedade.
O juízo de oportunidade e conveniência (discricionariedade) de uma decisão empresarial não pode ser exercido por juízes ou por quaisquer pessoas por se tratar de prerrogativa exclusiva dos administradores, que, em razão de sua experiência e de acesso a informações, estão mais habilitados do que juízes e os próprios acionistas a tomarem quaisquer decisões referentes aos negócios da companhia.
O administrador deve utilizar sua experiência para tomar a decisão que lhe parecer mais adequada e eficaz à companhia, no interesse desta, não podendo olvidar os deveres elencados no art. 154 da Lei nº 6.404/76.
Conclui-se, portanto, que se os tribunais ao examinarem o processo por meio do qual a decisão relativa a determinado negócio foi tomada pelos administradores, verificarem que os cinco elementos foram preenchidos, tais decisões estarão, em princípio, protegidas pela business judgment rule e, consequentemente, os administradores não poderão ser responsabilizados pelo insucesso da decisão que tomaram ou pelos erros de julgamento.
No Brasil, o instituto da business judgment rule vem sendo utilizado, ainda que de forma tímida, para afastar a responsabilidade dos administradores que agem de boa-fé e no intuito de proteger os interesses da companhia, conforme se pode verificar na decisão proferida pelo Des. Mário Guimarães Neto[8]:
EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. DIREITO SOCIETÁRIO. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CONTRA ADMINISTRADOR DE SOCIEDADE ANÔNIMA. ALEGADO ABUSO E DESVIO DE PODERES. LAUDO PERICIAL QUE ESGOTA AS PLÚRIMAS NUANCES FÁTICAS DAS OPERAÇOES SOCIETÁRIAS, SINALIZANDO A BOA-FÉ DO DIRETOR E A AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À COMPANHIA. POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE EM FACE DA PROVA DA BOA-FÉ E DE QUE OS ATOS VISAVAM ALCANCAR OS INTERESSES DA SOCIEDADE. ART. 159, §6º, DA LSA. SEGUNDO RECURSO PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS. PRIMEIRO RECURSO PREJUDICADO.
A business judgment rule, na realidade, nada mais é que a consagração do princípio do livre convencimento motivado onde, após a apresentação de provas e argumentos dispostos pelas partes, os juízes tem a liberdade para decidir acerca de seu conteúdo de forma que considerar mais adequada – conforme seu convencimento – e dentro dos limites impostos pela lei e pela Constituição, fundamentando a sua decisão.
Cabe ressaltar que tal instituto não protege decisões que constituam fraude, ilegalidade ou atos ultra vires e, portanto, a decisão de julgamento do negócio em que haja uma conduta violadora da lei, fraudulenta ou ultra vires, e que até poderia servir para os melhores interesses da companhia, não será protegida pela business judgment rule.
Conclusão
Diante do desenvolvimento do mundo empresarial os administradores, com frequência, se veem envolvidos em processos de tomada de decisões complexas, sem, contudo, disporem de informações completas e exatas capazes de embasar firmemente suas decisões. Assim, a decisão plausível pode se tornar desastrosa devido a eventos inesperados, sujeitando-a a apreciação do Judiciário.
É o administrador quem conduz a companhia no sentido de atingir seus objetivos específicos dentro do que mandam o estatuto e a lei, sendo justo que ele esteja cercado de garantias adequadas para que um erro de boa-fé, praticado com o objetivo de servir à companhia, não ocasione sua responsabilização patrimonial.
A dificuldade surge em saber e provar se o administrador estava bem intencionado, de boa-fé e visando os interesses da companhia, e seu erro se justifica no ambiente dinâmico onde suas decisões, às vezes, são tomadas em frações de segundo.
Neste contexto, a inserção do §6º no art. 159 da Lei nº 6.404/76, que transplantou para a legislação pátria o instituto da business judgment rule, há muito consagrado no direito norte americano, vem como uma ferramenta do Judiciário capaz de revisar a tomada de decisão, protegendo os administradores de responsabilidades.
A inovação obriga os operadores do direito brasileiro a estudar fundamentos desse mecanismo, entre eles o próprio princípio do livre convencimento motivado e a questão do julgamento por equidade, que já consagradas em nosso Código de Processo Civil.
Não obstante todo o alarde que se faz a respeito da aplicação da business judgment rule, cercada por críticas e elogios, este mecanismo nada mais é do que um afastamento da responsabilização do administrador quando o juiz entende que as provas carreadas ao processo (seja qual for a modalidade de ação ajuizada), não são suficientes para compor os elementos de responsabilidade civil.
Por consequência, a regra de julgamento de negócios encoraja pessoas competentes a se tornarem administradores que, sem a prerrogativa do instituto, declinariam do cargo com receio de serem pessoalmente responsabilizados por decisões tomadas no exercício de suas funções.
É extremamente importante que existam mecanismos (como a regra de julgamento de negócios) que permitam equilibrar essa estrutura. É sabido que nossos tribunais, infelizmente, ainda não estão plenamente preparados para lidar com questões que envolvam grande complexidade de relações envolvendo a estrutura de poder das companhias. Isso porque sequer existem muitos processos ajuizados a respeito, e o tema é de grande dificuldade.
Concluímos, enfim, que diante de tantos mecanismos de responsabilização e de exclusão desta o direito cumpre o seu papel de buscar uma proporção entre a aplicação da legislação e a proteção dos administradores de sociedades anônimas, buscando uma aplicação ponderada.
Afinal, este é o grande objetivo do Direito, o de buscar razoabilidade à casuística que se apresenta constantemente em nossos tribunais.
Advogada graduada pela Universidade Estácio de Sá. LL.M. Direito Corporativo pelo IBMEC do Rio de Janeiro
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