Resumo: O presente artigo tem por objetivo a análise da responsabilidade civil do Estado quanto aos atos omissivos de seus agentes, com ênfase na divergência existente entre doutrina e jurisprudência acerca de sua natureza jurídica – subjetiva ou objetiva. Para tanto, deve-se identificar os argumentos utilizados pelos adeptos da teoria subjetiva por atos omissivos, bem como os que dão respaldo à teoria que defende a responsabilidade objetiva estatal. A partir do entendimento da doutrina fora realizada uma breve verificação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a partir da vigência da Constituição Federal de 1988. Percebeu-se que a divergência quanto a natureza jurídica da responsabilidade civil do Estado por omissão existe não apenas na doutrina, mas também na prática, pois até mesmo o mais alto grau da justiça brasileira não tem entendimento pacífico quanto ao tema, julgando situações semelhante de maneira diferente. Deste modo, o presente trabalho tem por escopo contribuir para enaltecimento do conhecimento de seu leitor, possibilitando a profunda compreensão das espécies de teorias atinentes à responsabilidade civil, bem como ao reflexo da adoção de cada uma na solução das lides, visando assim contribuir para dirimir tal conflito ao explanar ambos os posicionamentos conflitantes.
Palavras-chave: Administrativo. Responsabilidade. Estado. Omissão. Supremo Tribunal Federal.
Abstract: This article aims to analyze the state's civil liability for failure to act the acts of its agents, emphasizing the divergence between doctrine and jurisprudence about its legal nature – subjective or objective. This is done to identify the arguments used by supporters of the subjective theory omissive acts as well as those who give support to the theory that defends the state strict liability. From the understanding of doctrine held out a brief check of the jurisprudence of the Supreme Court from the enactment of the Federal Constitution of 1988. It was noticed that the disagreement over the legal nature of liability for failure to state exists not only in doctrine but also in practice, for even the highest grade of Brazilian justice has not peaceful understanding on the subject, thinking similar situations differently. Thus, this work has the scope to contribute to enhancement of knowledge of your reader, enabling deeper understanding of the kinds of theories pertaining to civil liability, as well as of the adoption of each of the solution of litigations in order to contribute to settle such a conflict to explain both conflicting positions.
Keywords: Administrative. Responsibility. State. Omission. Federal Court of Justice.
Sumário: Introdução. 1. Análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. Divergência jurisprudencial. 3. Posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Considerações Finais. Referências.
Introdução
A responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos causados por omissão é tema que há séculos gera polêmica entre os estudiosos, seja por que se trata de obrigar o Poder Público a ressarcir os danos por ele causados, seja por ser uma forma de garantir ao cidadão instrumentos para exigir do Estado uma contrapartida por sua ineficiência na execução dos seus atos.
A responsabilidade civil pressupõe um dever jurídico de reparação decorrente de fato que venha a causar determinado dano a outrem; qualquer que seja o autor do dano ocasionado fica este obrigado à reparação civil.
O direito civil pátrio tem como regra a responsabilidade subjetiva baseada na culpa, onde deve ser comprovado se o agente agiu culposa ou dolosamente para que exista a responsabilidade civil. O Estado também se submete às regras por ele imposta e, conforme estabelece o § 6º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, é responsável pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros.
Assim, consagrada no Brasil a teoria da responsabilidade objetiva, o Estado responde pelos danos de sua autoria, independente da verificação de existência da culpa, bastando que esteja comprovada a conduta, o dano e o nexo de causalidade.
No entanto, a doutrina explica algumas situações do cotidiano que dificultam a caracterização da conduta do Estado e, consequentemente, impossibilitam a simples aplicação da teoria objetiva para identificar o responsável pelo dano. É o caso das condutas omissivas, em que o ente estatal é inerte, tinha o dever de agir, mas por algum motivo não o fez ou não foi suficientemente capaz de impedir o dano.
A temática é relevante visto que é costumeiro depararmo-nos com notícias sobre a ineficiência estatal, situações em que o Estado tinha o dever de agir, mas não o fez, fez tardiamente, ou fez mal feito. Os exemplos são muitos: crimes cometidos por presidiários fugitivos; morte de pessoas das quais o Estado tinha o dever de manter em segurança, acidentes decorrentes da má conservação de vias pública, dentre outros.
A dificuldade para a aplicação da teoria objetiva reside no dever de demonstração da obrigatoriedade do Estado em agir para que se caracterize a sua omissão, o que descaracterizaria a responsabilidade objetiva pela necessidade de demonstração da culpa.
A partir desta, surgem duas principais correntes para definir a responsabilidade do Estado nas condutas omissas.
Os que defendem a aplicação da teoria subjetiva sustentam seu argumento na diferença entre causa e condição, pois, ao se omitir o Estado não daria causa ao dano, mas simplesmente faria surgir uma condição, a causa seria um elemento qualquer externo. Daí a importância da preexistência de um dever legal de atuação para caracterizar a omissão.
Por outro lado, há os que alegam que a aplicação da teoria objetiva deva ocorrer sem distinção de ato comissivo ou omissivo, responsabilizando o Estado desde que demonstrado o nexo causal entre o ato e o dano, distinguindo a obrigação em genérica e específica, onde apenas na ocorrência da última o Estado deverá indenizar, pois nela haveria um dever individualizado de agir, independente da demonstração de culpa ou dolo.
A jurisprudência pátria também não é unânime em definir a natureza da responsabilidade do Estado por omissão, e tal controvérsia ocasiona resultados diversos de casos idênticos, pois conforme a teoria adotada, o Estado pode ou não ser considerado responsável pelo dano.
Assim, buscando atingir da melhor forma possível o objetivo desse estudo, fez-se a necessária a divisão em três partes.
A primeira sobre o instituto da responsabilidade civil como um todo, identificando seu conceito, pressupostos e espécies. Será traçado um breve panorama histórico da responsabilidade do ente estatal, analisando as teorias de sua evolução até sua atual concepção no Brasil pela Constituição Federal de 1988.
Posteriormente, tratar-se-á das diversas posições doutrinárias acerca da responsabilidade civil do Estado por omissão, abordando os fundamentos daqueles que a consideram subjetiva ou objetiva.
Em seguida, a última parte do estudo, destina-se à apreciação de alguns julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, analisados a partir do início da vigência da atual Carta Magna até o encerramento desta edição, considerando-se os casos em que efetivamente houve uma discussão pelo Tribunal sobre a fundamentação da responsabilidade civil do Estado por omissão e apresentado um panorama dos casos em que foi aplicada a teoria subjetiva ou objetiva.
Assim, o objetivo do estudo é abordar as correntes doutrinárias acerca da possibilidade de responsabilização civil extracontratual do Estado decorrente de seus atos omissos, bem como o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da justiça brasileira responsável pela interpretação das normas constitucionais.
1. Análise da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
A discussão, na doutrina, acerca da aplicabilidade ou não do §6º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, referente aos atos omissivos do Estado que causem danos a terceiros, repercute também nos julgamentos do Poder Judiciário. O posicionamento dos tribunais pátrios não é uniforme, uma vez que em determinadas situações julga a responsabilidade por ato omisso como subjetiva, e, em outros momentos, a considera como objetiva (TAVARES, 2013, p.140).
Conforme já visto no capítulo anterior, existem dois posicionamentos acerca da teoria a se aplicar na responsabilidade civil do Estado por omissão.
A doutrina majoritária defende a aplicação da responsabilidade subjetiva, fundada na teoria da faute du service, através da culpa presumida do Estado. Entende que o texto constitucional apenas prevê a responsabilidade objetiva por atos causados pelo Estado, implicando, consequentemente, em uma ação comissiva. Assim, quando o dano decorresse de uma omissão, o Estado não seria o causador do dano, apenas teria possibilitado a sua ocorrência.
Deste entendimento, para ser responsabilizado por um dano que não causou, é necessário averiguar a existência de um prévio dever legal de agir, ou seja, se o ente estatal agiu com dolo, ou, ao menos, culpa pela inobservância da norma impositiva.
Outra parte da doutrina funda-se na concepção da teoria do risco, entendendo ser possível causar dano a partir de um ato omisso, e que a norma prevista na Constituição Federal de 1988 veio firmar o fim da necessidade de demonstração da culpa do Estado para determinar a sua obrigação de indenizar, compreendendo a responsabilidade objetiva tanto pela ação como pela inação, restando a verificação do elemento anímico apenas num momento posterior, de possível ação regressiva do Estado contra seu agente.
Partindo destes entendimentos, a análise da divergência jurisprudencial acerca da natureza da responsabilidade civil do Estado por omissão leva em consideração a posição adota pelo Supremo Tribunal Federal, o órgão máximo da justiça brasileira que possui a finalidade precípua de interpretar as normas constitucionais. Deste modo, foram selecionados julgados de forma qualitativa – pelo critério da semelhança dos julgados – e quantitativa, apreciados pela corte máxima, a partir da vigência da Constituição Federal.
2. Divergência jurisprudencial
A importância da formação de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da responsabilidade civil do Estado por omissão é ressaltada no voto proferido no julgamento do Recurso Extraordinário 382.054-1/RJ, pelo Ministro Gilmar Mendes, que avaliou: “(…) entendo que essa construção da responsabilidade civil do Estado, por parte do Supremo Tribunal Federal, é uma das importantes construções que o Tribunal, ao longo do tempo, tem desenvolvido em termos de concretização do princípio do Estado de direito, entendido como aquele regime no qual não há soberano. Portanto o próprio Estado está jungido ao regime de Estado de direito e, independentemente da discussão, que pode se revelar relevante sobre a objetividade, ou não, da responsabilidade, na hipótese parece cabalmente caracterizada a responsabilidade do Estado” (STF – RE 382054/RJ, Relator Ministro Carlos Velloso, Data de Julgamento: 03/08/2004, Segunda Turma, Divulgado no DJ de 01/10/2004).
Assim, não obstante seja o Supremo Tribunal Federal a corte responsável por dirimir as dúvidas quanto à interpretação da letra normativa da Constituição Federal, existem posicionamentos que seguem ambas as correntes doutrinárias, como exemplo o Recurso Extraordinário nº 409.203-4/RS que, com base na teoria subjetiva, responsabilizou o Estado por estupro cometido por presidiário fugitivo que não fora submetido à regressão de regime prisional, mesmo após o cometimento de diversas faltas graves, por entender que este se omitiu de aplicar corretamente a lei de execução penal. Noutra face, o Recurso Extraordinário nº 466.322-8/MG decidiu pela responsabilidade objetiva do Estado em reparar o dano decorrente de morte de presidiário cometido por outro preso, independente da demonstração da culpa estatal.
Grande parte dos casos analisados pelo Supremo Tribunal Federal não discorrem acerca da fundamentação teórica sobre a responsabilidade civil do Estado por omissão, pois o Tribunal considera que para o posicionamento definitivo seria necessário o reexame de provas e da matéria de fato, que já foram analisadas e decididas pelo tribunal a quo, deixando assim de analisar a pretensão do recorrente em face do teor da súmula 279 do Supremo Tribunal Federal: para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.
Desta feita, a análise da jurisprudência a seguir se dará considerando apenas aqueles julgados em que o Tribunal adotou expressamente, ou pelo menos conceituou claramente, uma das teorias estudadas ao longo deste artigo, dividindo-se entre os que seguiram a teoria subjetiva ou objetiva, descartando-se aquelas em que não houve discussão direcionada sobre o fundamento teórico da responsabilidade civil do Estado por omissão.
3. Posicionamento do Supremo Tribunal Federal
No início da década de noventa o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário nº 130.764-1/PR, o qual analisava a responsabilidade do Estado decorrente de assalto cometido por quadrilha, da qual fazia parte presidiário foragido. Na situação em apreço, o presidiário fora transferido para um hospital, a fim de realizar tratamento médico, situação na qual logrou êxito em sua fuga devido à ineficiência da vigilância policial, vindo, vinte e um meses depois, a juntar-se a determinada quadrilha que assaltou as vítimas.
Em seu voto, o relator Ministro Moreira Alves aduz pela responsabilidade objetiva na omissão do Estado, no entanto, baseado na teoria do nexo de causalidade direito e imediato, julga improcedente a ação por entender inexistente o elo causal entre a omissão do Estado e o dano:
“As circunstâncias do presente caso evidenciam que o nexo de causalidade material não restou configurado, quer em face da ausência de imediatidade entre o comportamento referido imputado ao Poder Público e o evento lesivo consumado, que em face da superveniência de fatos remotos descaracterizadores, por sua distante projeção no tempo, da própria relação causal” (STF – RE 130.764/PR. Relator Ministro: Moreira Alves, 1ª Turma. Brasília, DF, 12 de maio de 1992. Divulgado no DJ de 07/08/1992).
O acórdão, apesar de ser o primeiro após a vigência da Carta Magna a decidir pela responsabilidade objetiva, carece de melhores fundamentações quanto à aplicabilidade da teoria nas omissões estatais, tendo em vista que decide baseado principalmente no suporte fático e temporal, considerando estes determinantes para tornar o Estado isento de responsabilizar as vítimas ante a ausência do nexo causal.
O julgamento do Recurso Extraordinário nº 109.615-2/RJ, em maio de 1996, pode ser considerado um dos mais importantes para a definição da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pois expõe detidamente os motivos pelo qual considera a responsabilidade do Estado por omissão objetiva. Eis o teor da ementa:
“Indenização – Responsabilidade objetiva do poder público – Teoria do risco administrativo – Pressupostos primários de determinação dessa responsabilidade civil – Dano causado a aluno por outro aluno igualmente matriculado na rede pública de ensino – Perda do globo ocular direito – Fato ocorrido no recinto de escola pública municipal – configuração de responsabilidade civil objetiva do município – Indenização patrimonial devida – RE não conhecido” (STF – RE 109.615/ RJ. Relator Ministro Celso de Mello, 1ª Turma. Brasília, DF, 28 de maio de 1996. Divulgado no DJ de 02/08/1996).
O Ministro Relator Celso de Mello defendeu que estavam presente todos os pressupostos necessários para se configurar a responsabilidade objetiva do Estado, os quais são citados no decorrer de seu voto:
“(a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417)”.
E conclui que, por encontrar-se o aluno sob os cuidados, vigilância e fiscalização do Poder Público, o município, ao demonstrar a falta de recursos necessários e satisfatórios para o funcionamento regular de seus serviços, tornou-se responsável pelos danos decorrentes de sua incapacidade de garantir uma proteção eficaz aos alunos da rede de ensino.
Deste modo, esclarece que a norma do §6º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 estabeleceu como regra a responsabilidade objetiva para as ações bem como para as omissões danosas do Estado. Explica que:
“Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público, consoante enfatiza o magistério da doutrina”.
E, ainda, acrescenta:
“É que a responsabilidade objetiva do Poder Público não deriva, necessariamente, da conduta eventualmente culposa dos agentes estatais. Posto que é inteiramente objetiva, essa modalidade de responsabilidade civil prescindi da demonstração de dolo ou culpa subjacente ao comportamento do servidor público”.
Assim, ao adotar a responsabilidade civil objetiva do Estado o Ministro aponta o dever daquele em velar pela integridade física dos alunos que estão sob sua guarda e vigilância, sob pena de responsabilizar-se pelos danos que venham a ocorrer, independente se por ação ou omissão.
Um tema bastante presente na pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal, observado ao longo dos anos, diz respeito à responsabilidade civil do Estado por danos relativos ao patrimônio ou à pessoa que se encontra sob sua guarda, especificamente nos casos em que se responsabilizou ou não o Poder Público por lesão à integridade física e moral de presidiários.
A Juíza Federal Helena Elias Pinto, em sua tese de doutorado, ressalta que a representatividade do número de casos desta matéria que são analisados pela Suprema Corte deve-se ao “fato de que se trata de violação de regra expressamente prevista no texto constitucional, o qual prevê, no artigo 5º, XLIX, que ‘é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral’” (PINTO, 208, p. 182).
Sobre esta temática, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 179.147-1/SP, o Ministro Relator Carlos Velloso, incialmente, decidiu pela responsabilidade subjetiva. Eis o teor da ementa:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. CF., art. 37, § 6º. I. – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. II. – Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. III. – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses. IV. – Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service. V. – R.E. não conhecido” (STF – RE 179.147/SP. Relator Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma. Brasília, DF, 12 de dezembro de 1997. Divulgado no DJ de 27/02/1998).
No caso em tela, o presidiário que fora assassinado já vinha sendo ameaçado de morte e, tendo ele comunicado às autoridades policiais, estas não providenciaram a sua transferência para uma cela segura, vindo, posteriormente, a ser morto por colegas de cela.
Em seu voto, o Ministro Relator Carlos Velloso destaca o dever de agir do Estado em impedir ou tentar amenizar a ocorrência do dano iminente, pois uma vez que tenha tomado conhecimento das ameaças que sofria determinada pessoa que estava sob sua guarda e vigilância o Estado tem por obrigação legal providenciar todos os meios disponíveis para manter o preso em segurança. Uma vez tendo se omitido, identifica a conduta estatal como negligente, incidindo a responsabilidade subjetiva na modalidade faute du service dos franceses.
Em caso bastante semelhante o Ministro Relator Ilmar Galvão também afirma a responsabilidade subjetiva do Estado por omissão. No voto de julgamento do Recurso Extraordinário nº 170.014-9/SP acrescenta que:
“Ao Estado cumpre a tomada de todas as medidas necessárias para assegurar a integridade física dos presos sob sua guarda. A omissão, a ineficiência administrativa, geram, sem dúvida, responsabilidade indenizatória quando ocorrem casos com o dos autos, em que o preso é morto dentro de sua própria cela por outro detento” (STF – RE 170.014/SP. Relator Ministro Ilmar Galvão, 1ª Turma. Brasília, DF, 31 de outubro de 1997. Divulgado no DJ de 13/02/1997).
Percebe-se, dos referidos julgados, que, inicialmente, o STF visando reconhecer a responsabilidade do Estado, aplicava a teoria subjetiva, vislumbrando nos casos concretos a omissão específica do ente estatal em promover a segurança de pessoas que estão sob sua guarda.
Todavia, a perfeita adequação da teoria subjetiva a casos semelhantes mostrou-se inconsistente na jurisprudência daquele tribunal, o qual não deixou de considerar a responsabilidade do Estado, mas, por outro lado, passou a entender que em tais situações deve ser reconhecida a responsabilidade objetiva, conforme se observa no julgamento do Recurso Extraordinário nº 215.981-6/RJ, onde o Ministro Relator Néri da Silveira decidiu idêntico caso fundado na responsabilidade objetiva, do qual resultou a seguinte ementa:
“1. Responsabilidade civil do Estado. Morte de preso no interior do estabelecimento prisional. 2. Acórdão que proveu parcialmente a apelação e condenou o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de indenização correspondente às despesas de funeral comprovadas. 3. Pretensão de procedência da demanda indenizatória. 4. O consagrado princípio da responsabilidade objetiva do Estado resulta da causalidade do ato comissivo ou omissivo e não só da culpa do agente. Omissão por parte dos agentes públicos na tomada de medidas que seriam exigíveis a fim de ser evitado o homicídio. 5. Recurso conhecido e provido para condenar o Estado do Rio de Janeiro a pagar pensão mensal à mãe da vítima, a ser fixada em execução de sentença” (STF – RE 215.981/RJ. Relator Ministro Néri da Silveira, 2ª Turma. Brasília, DF, 08 de abril de 2002. Divulgado no DJ de 31/05/2002).
Para o Ministro restou plenamente comprovado o nexo causal entra a omissão do Estado e a morte do preso, uma vez que demonstrado nos autos a previsibilidade do dano e a possibilidade de se evitá-lo com a simples transferência do estabelecimento prisional. Logo, incidindo a responsabilidade objetiva, situação em que somente se tratando de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, restaria isento o Estado de indenizar pelo dano.
Embora o Tribunal tenha demonstrado uma possível mudança de entendimento no acórdão anteriormente citado, nos anos seguintes outros casos semelhantes foram julgados, nos quais prevaleceu a aplicação da responsabilidade subjetiva.
Neste feito, citando a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello no qual leciona que a omissão do poder público não dá causa ao dano, apenas podendo ser responsabilizado mediante o dever legal de agir, o Ministro Relator Carlos Velloso mais uma vez decide pela responsabilidade subjetiva:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: DETENTO MORTO POR OUTRO PRESO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. CF., art. 37, § 6º. I. – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes — a negligência, a imperícia ou a imprudência –, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. – A falta do serviço — faute du service dos franceses — não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. – Detento assassinado por outro preso: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, dado que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. – RE conhecido e não provido” (STF – RE 372.472/RN. Relator Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma. Brasília, DF, 04 de novembro de 2003. Divulgado no DJ de 04/11/2003).
Ao longo do voto ainda ressalta que se tratando de responsabilidade por ato omissivo não é necessário que a culpa do ente estatal seja individualizada, uma vez que deve ser atribuída ao serviço público de maneira genérica, ou seja, a falta do serviço.
Interessante observar que, embora fundado na responsabilidade subjetiva defendida pela doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, o Ministro Carlos Velloso além de destacar o dever de agir do ente estatal, inclui como requisito a demonstração do nexo causal entre a ação omissiva e o dano, contrariando o entendimento do doutrinador citado, que defende que a omissão do Estado não é capaz de causar o dano, apenas possibilitar a sua ocorrência, logo, o que determina se o Estado é ou não responsável não mais é o elo causal entre a conduta e o dano, mas sim a existência do dever impositivo de agir para evitar ou amenizar o provável dano.
No mesmo sentido, citem-se os acórdãos do Recurso Extraordinário nº 382.054-1/RJ e o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 512.698-4/AC.
No entanto, a composição dos Ministros do Supremo Tribunal Federal é de grande influência diante da vertente adotada nas decisões. Assim, decisões mais recentes veem demonstrando a mudança do entendimento do Tribunal, que passa a adotar a responsabilidade objetiva por danos morais ou físicos sofridos por presidiários sob sua custódia, decorrente da omissão estatal.
Nesta seara, o Recurso Extraordinário nº 272.839-0/MT, julgado em fevereiro de 2005, no qual foi relator o Ministro Gilmar Mendes, reconheceu que a responsabilidade do Estado é objetiva:
“1. Recurso extraordinário. 2. Morte de detento por colegas de carceragem. Indenização por danos morais e materiais. 3. Detento sob a custódia do Estado. Responsabilidade objetiva. 4. Teoria do Risco Administrativo. Configuração do nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda (art. 5º, XLX). Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento” (STF – RE 272.839/MT. Relator Ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma. Brasília, DF, 01 de fevereiro de 2005. Divulgado no DJ de 08/04/2005).
Para o referido Ministro a responsabilidade objetiva é caracterizada pela relação de causalidade entre a atuação estatal e o dano produzido, correlacionada a uma situação de risco. Assim, no caso em análise, “a responsabilidade advinha do dever de vigilância ou guarda pode ser objetivamente imputado ao aparato estatal”.
Nesta mesma acepção, conforme consta no Informativo nº 567 do Supremo Tribunal Federal, de novembro de 2009, o Ministro Celso de Mello proferiu decisão no julgamento do Agravo de Instrumento nº 299.125/SP onde afirma que a responsabilidade civil do Estado por morte de detento em razão de rebelião em presídio também é objetiva.
Como se pode ver, o entendimento do Tribunal acerca da responsabilidade civil do Estado decorrente de omissão por dano causado a presidiário desde a concepção da Constituição Federal de 1988 não possui histórico pacífico, em casos fáticos semelhantes ora entendeu pela teoria objetiva, ora pela subjetiva. Contudo, atualmente, percebe-se uma sensível estabilização pela adoção da teoria objetiva de responsabilização do estado.
No entanto, esta não é a única temática sobre o qual a Suprema Corte já se pronunciou.
O Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário nº 176.564-0/SP, relatado pelo Ministro Marco Aurélio, no qual entendeu que a responsabilidade do Estado por omissão de seu agente é objetiva. Naquela situação determinado policial militar foi morto por disparos feitos por um suspeito que, detido por um companheiro seu, também policial militar, não foi revistado e nem convenientemente dominado. Resumindo na seguinte ementa:
“RESPONSABILIDADE DO ESTADO – NATUREZA – POLICIAIS MILITARES – DILIGÊNCIA. A responsabilidade do Estado é objetiva, pressupondo nexo de causalidade entre o fato ou serviço que lhe seja próprio e a ausência de dolo ou mesmo culpa por parte da vítima. (…) Responde o Estado por dano decorrente de diligência policial em que servidor policial militar haja atuado com negligência, vindo a ser baleado, por agente que deveria estar sob vigilância, colega de serviço. Hipótese concreta a extrapolar o risco, simples risco, resultante da atividade policial e a ensejar a responsabilidade do Estado no que "consequência lógica inevitável da noção de Estado de Direito" – Celso Antônio Bandeira de Mello” (STF – RE 176.564/SP. Relator Ministro Marco Aurélio, 2ª Turma. Brasília, DF, 14 de dezembro de 1998. Divulgado no DJ de 20/08/1999).
Para o Ministro Relator Marco Aurélio, o nexo de causalidade entre a omissão do policial militar e a morte de seu companheiro mostrou-se na falha do serviço que a Administração Pública normalmente desempenha, uma vez que, ao apreender o suspeito o agente público deveria ter realizado a revista do mesmo, conforme de costume, o que não ocorreu, como disse “o policial militar mostrou-se inapto ao serviço, deixando de observar regra mínima de segurança”. Desta maneira, posteriormente, o meliante veio a efetuar disparos de arma de fogo, que foi fatal para a vítima.
Ao finalizar seu voto, o referido ministro ainda acrescenta que não há dúvidas quanto aplicação da teoria objetiva, mesmo decorrendo o dano de ato de terceiro, pois o texto constitucional não fez nenhuma ressalva quanto aos atos comissivos ou omissivos para se responsabilizar o ente público:
“A Administração Pública, pelo fato de o tiro haver partido de um particular, não se exime da obrigação de indenizar. O que cumpre ter presente é a causa remota, pouco importando que a imediata diga respeito a quem não atuava em nome da Administração Pública. Enfoque diverso, excluindo da responsabilidade do Estado os danos causados aos próprios agentes públicos, acabaria por esvaziar o preceito do § 6 º do artigo 37 da Constituição Federal, estabelecendo distinção nele não contemplada, que, assim, tendo com aplicado como toda propriedade pela Corte de origem”.
O mesmo Ministro do Supremo Tribunal Federal, noutra oportunidade, confirmou o seu entendimento sobre a responsabilidade do Estado por omissão, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 180.602-8/SP, ao responsabilizar objetivamente o município pelos danos causados a terceiro em virtude da insuficiência de serviço de fiscalização visando à retirada, de vias urbanas, de animais.
O caso tratou-se de acidente ocorrido em via pública na qual a vítima colidiu com animal que trafegava indevidamente no local. O Ministro Relator Marco Aurélio julgou o recurso procedente entendendo que a responsabilidade do Estado é objetiva, pois é dever do Município fiscalizar as vias urbanas visando à retirada de animais, onde só há de se questionar a presença do requisito culpa numa possível ação regressiva. Desta maneira, condenou o ente público a indenizar as vítimas pelos danos sofridos.
Mais recentemente, em julgamento datado de maio de 2002, o Ministro Ilmar Galvão também decidiu a responsabilidade civil do Estado fundado na teoria objetiva. Tratava-se de descumprimento de ordem judicial a qual determinou ação policial em imóvel rural que fora invadido por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Mesmo ciente da decisão judicial o ente público omitiu-se em realizar o policiamento no local e a retirada dos invasores, situação da que resultou em danos na propriedade da vítima. Eis a ementa:
“CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ARTIGO 37, § 6.º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DANOS CAUSADOS POR TERCEIROS EM IMÓVEL RURAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE DE PARTE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. Esta Corte já firmou entendimento de que é incabível, na via extraordinária, alegação de ofensa indireta à Constituição Federal, por má interpretação de normas processuais, contidas na legislação infraconstitucional. Caracteriza-se a responsabilidade civil objetiva do Poder Público em decorrência de danos causados, por invasores, em propriedade particular, quando o Estado se omite no cumprimento de ordem judicial para envio de força policial ao imóvel invadido. Recursos extraordinários não conhecidos” (STF – RE 283.989/PR. Relator Ministro Ilmar Galvão, 1ª Turma. Brasília, DF, 28 de maio de 2002. Divulgado no DJ de 13/09/2002).
Para o Ministro, restou claro que o §6º do artigo 37 da Constituição Federal abrange os danos causados por omissão do agente público, desde que descuide do seu dever de agir. Assim, julgou o recurso improcedente, condenando o Estado a ressarcir com os danos sofridos pelo proprietário do imóvel.
Outro tema interessante já analisado pelo Supremo Tribunal Federal diz respeito à responsabilidade do ente público por danos ocorridos em estabelecimento de sua administração, tais como parques turísticos.
Nestes termos, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 238.453-6/SC reconheceu a responsabilidade objetiva do Estado por omissão de guarda, fiscalização e vigilância adequada de suas dependências. No caso em análise, uma família passeava no parque turístico do Município de Concórdia – SC e, ao realizar passeio de barco no lago do parque, veio a ocorrer trágico acidente, no qual foram vítimas fatais o pai e os seus dois filhos menores, sobrevivendo apenas a mãe.
O Ministro Relator Moreira Alves destacou que o parque recebia elevado número de turistas, no entanto “não mantinha as menores condições de segurança no local, sabidamente periculoso”, pois não havia nenhum aviso de advertência de perigo e os barcos ficavam à disposição de quem quisesse utilizá-los, sem nenhuma vigilância ou equipamentos de segurança.
Assim, concluiu pela responsabilidade objetiva fundada no risco administrativo, a qual apenas afasta o dever do Estado de indenizar diante da prova da culpa exclusiva da vítima ou da decorrência de caso fortuito ou força maior. O que, para o referido relator, não restou demonstrado. Desta maneira, condenou o município a indenizar a autora pelos danos morais sofridos.
Embora no decorrer da análise jurisprudencial o entendimento do Supremo Tribunal Federal aparente estar se unificando a entender que a responsabilidade extracontratual do Estado por omissão é objetiva, colaciono a seguir dois casos idênticos, julgados em anos subsequentes, no qual o Tribunal interpretou o mesmo dispositivo constitucional de forma diametralmente oposta.
Primeiramente, o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 460.812-0/MG, julgado em maio de 2007, o qual analisava a responsabilidade do Estado por crime cometido por presidiário foragido. A seguir a ementa do acórdão:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. HOMICÍDIO COMETIDO POR FUGITIVO DE PRISÃO ESTADUAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ART. 37, § 6o DA CB. NEXO DE CAUSALIDADE. INEXISTÊNCIA. 1. Inexistência de nexo de causalidade entre o fato danoso e o ato omissivo atribuído a autoridade pública. Ausência de relação entre a suposta falha do sistema penitenciário estadual e o ato ilícito. 2. Agravo regimental a que se dá provimento” (STF – Ag no RE 460.812/MG. Relator Ministro Eros Grau, 2ª Turma. Brasília, DF, 08 de maio de 2007. Divulgado no DJe de 23/05/2007. Publicado em 24/05/2007).
Na oportunidade, fora reconhecido a responsabilidade objetiva do Estado[1], no entanto o recurso fora provido, absolvendo o ente estatal do dever de indenizar, tendo em vista a não demonstração do nexo causal, vínculo essencial para a configuração da teoria do risco administrativo. Como citou o Ministro Relator Eros Grau: “o crime não teve como causa necessária a fuga, vez que resultou da formação de concurso de pessoas com o objetivo de matar que ocorreu aproximadamente 20 (vinte) dias após a evasão”.
Curioso destacar que, num julgamento semelhante, o mesmo Ministro decidiu pela configuração do nexo de causalidade para responsabilizar o Estado objetivamente por dano causado por preso foragido, citando que “a negligência estatal na vigilância do criminoso, a inércia das autoridades policiais diante da terceira fuga e o curto espaço de tempo que se seguiu antes do crime são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade”[2].
O segundo caso, sobre a mesma temática, julgou de maneira contrária ao anteriormente citado, utilizando-se da teoria subjetiva[3]. No entanto, não foi dado prosseguimento ao recurso, por entender inexistir o nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano. O Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 395.942-5/RS, julgado em dezembro de 2008, resultou na seguinte ementa:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. OMISSÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CRIME PRATICADO POR FORAGIDO. ART. 37, § 6º, CF/88. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. 1. Inexistência de nexo causal entre a fuga de apenado e o crime praticado pelo fugitivo. Precedentes. 2. A alegação de falta do serviço – faute du service, dos franceses – não dispensa o requisito da aferição do nexo de causalidade da omissão atribuída ao poder público e o dano causado. 3. É pressuposto da responsabilidade subjetiva a existência de dolo ou culpa, em sentido estrito, em qualquer de suas modalidades – imprudência, negligência ou imperícia. 4. Agravo regimental improvido” (STF – RE 395.942/RS. Relator Ministra Ellen Gracie, 2ª Turma. Brasília, DF, 16 de dezembro de 2008. Divulgado no DJe de 26/02/2008. Publicado em 27/06/2008).
Percebe-se que a teoria utilizada pelo Supremo Tribunal Federal neste julgado, apesar de fundar-se na alegação da falta do serviço (faute du service), exige a demonstração do nexo de causalidade como requisito indispensável à caracterização da responsabilidade civil, contrariando a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, um dos maiores defensores da teoria subjetiva, onde entre a omissão e o dano não existe nexo de causalidade e a responsabilidade é determinada pela existência do dever agir.
Entretanto, legitima o ensinamento de Carvalho Filho (2009, p. 540) e di Pietro (2009, p. 652), que, mesmo adeptos da teoria subjetiva, defendem a necessidade de se perquirir o nexo causal, como maneira de conter a responsabilização desenfreada do Estado, conforme já oportunamente visto.
Porém, de uma maneira geral, o Supremo Tribunal Federal tem se influenciado pela teoria objetiva fundada no risco administrativo, conforme se observa de julgado datado de abril de 2009, do qual colaciono a ementa:
“RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS – PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – INFECÇÃO POR CITOMEGALOVÍRUS – FATO DANOSO PARA O OFENDIDO (MENOR IMPÚBERE) RESULTANTE DA EXPOSIÇÃO DE SUA MÃE, QUANDO GESTANTE, A AGENTES INFECCIOSOS, POR EFEITO DO DESEMPENHO, POR ELA, DE ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM HOSPITAL PÚBLICO, A SERVIÇO DA ADMINISTRAÇÃO ESTATAL – PRESTAÇÃO DEFICIENTE, PELO DISTRITO FEDERAL, DE ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL – PARTO TARDIO – SÍNDROME DE WEST – DANOS MORAIS E MATERIAIS – RESSARCIBILIDADE – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o "eventus damni" e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. A omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. (…) Servidora pública gestante, que, no desempenho de suas atividades laborais, foi exposta à contaminação pelo citomegalovírus, em decorrência de suas funções, que consistiam, essencialmente, no transporte de material potencialmente infecto-contagioso (sangue e urina de recém-nascidos). – Filho recém-nascido acometido da "Síndrome de West", apresentando um quadro de paralisia cerebral, cegueira, tetraplegia, epilepsia e malformação encefálica, decorrente de infecção por citomegalovírus contraída por sua mãe, durante o período de gestação, no exercício de suas atribuições no berçário de hospital público. Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido” (STF – Ag no RE nº 495.740/SP. Relator Ministro Celso de Mello, 2ª Turma. Brasília, DF, 15 de abril de 2008. Divulgado no DJe de 13/08/2009. Publicado em 14/08/2009).
Neste caso, o Ministro Relator Celso de Mello explica a responsabilidade do Estado através da teoria objetiva. Aduz que, uma vez presente os requisitos necessários, quais sejam, a alteridade do dano; a causalidade material; a atividade de agente estatal que tenha agido nessa qualidade por ação ou omissão e a ausência de excludentes de responsabilidade, o Estado deve ser responsabilizado, mesmo não tendo agido diretamente, pois expõe alguém a situação de risco que vem a desencadear a ocorrência do dano.
Assim, identifica o nexo causal em três oportunidades, a submissão da servidora a agentes infecciosos, no período gestacional; a prestação deficiente do acompanhamento pré-natal, que deveria ter realizado o teste da doença que contraiu o autor da ação de indenização para tratamento prévio, fato este que poderia minimizar as mazelas sofridas e a demora na realização do parto, que causou evidente agravamento do estado de saúde, já debilitado, do recém-nascido.
Ao final conclui que:
“As circunstâncias do presente caso evidenciam que o nexo de causalidade material restou plenamente configurado em face do comportamento omissivo em que incidiu o Poder Público, que se absteve de promover a transferência da mãe do menor para outro setor do Hospital Regional de Planaltina, no qual não houvesse exposição da gestante, no desempenho de seu trabalho, a agentes infecciosos”.
Por fim, cabe ressaltar importante julgado, que ainda está para ser finalizado pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema em debate. Trata-se do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 136.861/SP, o qual contempla o sobre dano ocorrido em explosão de local destinado ao comércio de fogos de artifício, que se localizava em região residencial da cidade de São Paulo. O proprietário do comércio comunicou a autoridade municipal requerendo licença para explorar a atividade de venda de fogos de artifício, efetuando o pagamento para expedição da licença. No entanto, antes de obter a respectiva licença veio a ocorrer o sinistro, que causou graves danos aos vizinhos ao estabelecimento.
O caso é extenso em detalhes, pois o fato ocorrera em 1985, ainda sob a vigência da Emenda Constitucional nº 1/1969. No que tange a responsabilidade civil, o entendimento do Tribunal é que não houve significativa mudança em relação ao texto constitucional atual, aplicando-se as mesmas regras para se responsabilizar o ente público. Entretanto, referente à autorização para a exploração a venda de fogos de artifício surge grande controvérsia, tendo em vista que à época dos fatos vigorava determinada lei municipal, a qual deixava lacunas quanto aos requisitos mínimos necessários para se conceder a licença. Fato este que veio a ser tratado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 170.
O Ministro Relator Joaquim Barbosa proferira seu o voto pela aplicação da responsabilidade subjetiva. Aduz que houve falha grave na omissão do município, que mesmo informado pelo proprietário da instalação de comércio de fogos de artifício em zona residencial, deixou de realizar vistoria no local para determinar a legalidade do feito.
Fato interessante é que, para a doutrina, quando o Estado provoca um dano por omissão, não é efetivamente um agente seu que comete o ato danoso, mas sim um fato da natureza ou ato de terceiro. Situações estas considerada por doutrinadores como capazes de excluir a responsabilidade do Estado (STOCCO, 1995, p. 324).
Logo, uma vez considerada a responsabilidade subjetiva, surge uma tênue linha de diferenciação entre a causa do dano (fato da natureza ou ato de terceiro) e as excludentes de responsabilidade. Essa diferença funda-se principalmente na existência do “dever de atuação e segundo limites de eficiências normais” (MELLO, 1981, p. 14) do Estado.
Assim, em seu voto, o Ministro Joaquim Barbosa analisa as possibilidades de exclusão da responsabilidade do Estado, concluído-as inexistentes. Interessante comentário tece o Ministro acerca das características do ato de terceiro:
“Para que o ato de terceiro configure de fato uma excludente da responsabilidade civil do Estado devem estar presentes condições especiais que permitam alcançar alto nível de imprevisibilidade, tornando impossível esperar que o dano pudesse ser impedido pelo funcionamento regular da Administração. Neste sentido, pode-se dizer que a responsabilidade do poder público é tanto mais evidente quanto maior á a possibilidade de prever e evitar o evento danoso, inclusive quando se tratar de dano provocado por terceiro” (STF – Ag no RE 136.861/SP. Relator Ministro Joaquim Barbosa, 2ª Turma. Brasília, DF, 01 de fevereiro de 2011. Divulgado no DJe de 14/04/2011. Publicado em 15/04/2011).
E assim, prossegue identificando qual fora a falha do ente público:
“No caso concreto, o funcionamento regular da máquina administrativa do Município de São Paulo teria sido suficiente para evitar o evento danoso, análise prévia e superficial do requerimento já permitia ver que o endereço informado não comportava, por se tratar de área residencial, o estabelecimento de comércio de fogos de artifício. Mesmo assim, ao invés de indeferir o pedido imediatamente, negando ao particular a perspectiva de exercício do comércio naquele ramo de atividade em local residencial, o Município forneceu à sociedade a falsa impressão de segurança, tendo inclusive determinado a juntada de outros documentos. Não se deve esquecer que o pedido de licença foi protocolado em março de 1985, meses antes do período dedicado às festas juninas, no qual é característica a utilização de fogos de artifício, muitas vezes responsável por lesões graves e até mortes. Era razoável esperar que o Município de São Paulo tomasse providências, especialmente naquela época do ano, incrementando a fiscalização dos estabelecimentos e limitando a instalação de novos nas áreas residenciais. Dessa forma, a contribuição do Município de São Paulo para o evento danoso me parece determinante”.
Não obstante o posicionamento do Ministro Relator, para o Ministro Gilmar Mendes o feito distingue-se dos outros já analisados pelo Supremo Tribunal Federal, pois o sinistro decorrera de atividade para a qual a lei exige autorização prévia, requisito sine qua non até para a simples exibição dos fogos de artifício à venda, a qual não foi obtida.
A peculiaridade do caso levou-o a se pronunciar pela suspensão do julgamento para conhecimento do pleno, considerando que:
“Esse é um caso realmente de responsabilidade civil objetiva por omissão, o que gera controvérsia. E o caso tem essa singularidade, por que é difícil imputar ao Estado, que dizer, o Estado tinha o dever de visualizar, quando, na verdade, em princípio, o requerente não deveria ter operado os fogos de artifício sem autorização”.
Percebe-se do comentário do referido Ministro o seu claro posicionamento em julgar o feito ante a responsabilidade objetiva, porém, considerando a inexistência de precedentes específicos, manifesta-se pela necessidade do julgamento amplo pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Deste modo, fora reconhecida a repercussão geral no RE 136.861/SP, afetando o julgamento do recurso extraordinário ao Plenário daquela Corte, de modo a que os processos relacionados fiquem afetados de imediato à sistemática dos arts. 543-A e 543-B do CPC. Até a data de encerramento desta edição, o presente recurso ainda não havia sido analisado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal.
Ainda, fora também reconhecida a repercussão geral nos Recursos Extraordinários nº 608.880/MT e RE 842.846/SC, a fim de averiguar a responsabilidade civil do Estado por dano decorrente de crime praticado por presidiário foragido e por omissões e atos danosos praticados por tabeliães e registradores de registros públicos no desempenho da atividade delegada, respectivamente.
Assim, importante aguardar a decisão do pretório excelso sobre os referidos recursos, vislumbrando-se a possibilidade de uma discussão aprofundada sobre os requisitos e delimitações da responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Nesse contexto, verifica-se da análise do panorama jurisprudencial, que o Supremo Tribunal Federal possui entendimentos divergentes acerca da subjetividade ou objetividade da responsabilidade do Estado por omissão, embora nos últimos anos demonstre uma maior tendência à responsabilidade objetiva. Essa divergência, que continuou após a Constituição Federal de 1988 perdura até os dias atuais e, com certeza, ainda será objeto de muita discussão, sempre considerando as peculiaridades do caso concreto.
Considerações finais
O presente artigo foi realizado através de uma revisão bibliográfica acerca da discussão doutrinária sobre natureza jurídica da responsabilidade civil do Estado por omissão, considerando-se os principais autores nacionais que defendem a teoria subjetiva ou subjetiva, bem como a influência das teorias internacionais para o instituto da responsabilidade civil.
Trata-se de tema amplo e de difícil abordagem, dada a sua complexidade e os diversos aspectos que o envolvem. Para tanto, buscou-se esclarecer os principais conceitos sobre a teoria geral da responsabilidade civil, identificando seus pressupostos e diferenciando a responsabilidade subjetiva da objetiva.
Após, fora ponderada a responsabilidade do Estado propriamente dita, apontando sua evolução desde a fase da irresponsabilidade total, fundamentada pela máxima the king can do no wrong, até o surgimento da teoria do risco administrativo, também chamada de teoria da responsabilidade objetiva.
Foram mostradas também as causas excludentes da responsabilidade civil do Estado, que ocorrem quando há rompimento do nexo causal, bem como o tratamento normativo constitucional sobre a matéria, tendo em vista que o §6º do artigo 37 da Carta Magna estabelece que o Estado responderá objetivamente pelos danos que seus agentes causarem, sem, no entanto, distinguir entre a responsabilidade pelos atos comissivos e omissivos.
Desta lacuna identificou-se a controvérsia doutrinária acerca da responsabilidade civil extracontratual do Estado por omissão, expondo os argumentos e fundamentos de ambas as correntes: subjetiva e objetiva.
Após este levantamento teórico, foi realizado um estudo evolutivo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, desde o início da vigência da atual Constituição Federal até o encerramento desta edição, nos quais foram analisados os julgados que discutiram a aplicabilidade da responsabilidade subjetiva ou objetiva nos atos omissos do Estado, a fim de demonstrar como a discussão doutrinária reflete-se na prática, no momento em que o maior órgão da justiça brasileira interpreta a norma constitucional e determina quando o ente público é responsável por um dano ocasionado por sua ineficiência.
O instituto da responsabilidade civil é instrumento essencial à construção do Estado democrático de direito, pois assegura os direitos do cidadão em face de um injusto dano causado pelo Poder Público a seu patrimônio.
Assim, é pacífico no ordenamento jurídico brasileiro o entendimento que o Estado, atuando no exercício da atividade pública, pode vir a causar danos aos seus administrados, seja através de atos lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, gerando o dever de reparar tais prejuízos.
Os danos causados a terceiros por condutas comissivas do Estado são de natureza objetiva. Doutrina e jurisprudência são unânimes quanto a esta afirmativa. Entretanto, com relação aos danos provenientes da inação Estatal, ou seja, de sua conduta omissiva, não existe uma uniformidade de pensamento.
Conforme demonstrado ao logo desta obra, doutrinadores há que propugnam a adoção da responsabilidade subjetiva, com base na teoria da culpa do serviço, devendo-se provar que a ausência ou demora injustificada do serviço foi fator decisivo para a ocorrência do dano, com base nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello.
Assim, a omissão não seria causa direta do dano, mas mera condição para sua ocorrência. Seguindo este entendimento, não há como estabelecer um nexo causal entre a omissão estatal e o prejuízo, pois se o Estado não deu causa, não se lhe pode imputar a responsabilidade pelo dano. Surge desta maneira a necessidade de se verificar a culpa do ente estatal, mesmo que considerada de maneira genérica e não atribuída a nenhum agente em específico.
A outra parte da doutrina, que entende ser objetiva a responsabilidade do Estado nas condutas omissivas, o faz nos moldes do §6º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, partindo-se da ideia de que o dispositivo mencionado não faz distinção entre condutas ativas e omissivas. Consequentemente, aduz que ao intérprete e ao aplicador do direito não cabe fazer distinções ou acréscimos que não estejam inseridos na lei, concluindo-se que a perquirição da culpa só se faz exigível nas ações de regresso do Estado contra o agente causador do dano.
De tal modo, com base na teoria do risco administrativo, deve-se apenas perquirir a relação de causalidade entre o ato omisso do agente e o dano sofrido por terceiro para restar configurada a responsabilidade estatal, sendo estes elementos suficientes para responsabilizar o Estado pelo dano sofrido.
Embora diversos os doutrinadores que defendem ambas as teorias, a responsabilidade estatal alberga ainda um leque de pontos controvertidos e polêmicos, os quais foram analisados com o intuito de se ponderar qual a solução a ser observada em se tratando de responsabilidade do Estado por omissão.
Assim como a doutrina, o Supremo Tribunal Federal, mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, conforme se concluiu da análise dos julgados colacionados ao longo da pesquisa, não deteve orientação pacífica ou homogênea sobre o tema, demonstrando oscilação teórica na fundamentação da responsabilidade estatal por omissão, intensificando e acalorando, sobremaneira, o debate sobre o instituto.
Todavia, constatou-se que em recentes decisões o órgão constitucional vem demonstrando acentuada tendência à adoção da corrente objetivista, a qual determina que nos casos de omissão a responsabilidade estatal prescinde de verificação do elemento culpa para que se configure o dever de indenizar, bastando a comprovação do dano, da omissão estatal e o nexo causal entre ambos.
No entanto, sabe-se que o Supremo Tribunal Federal é um órgão político, e seu entendimento é influenciado pela composição dos ministros que o integram, portanto, ainda podem ocorrer modificações constantes quanto à temática, ao menos que sobrevenha um dispositivo constitucional que regule expressamente o assunto, sem margens para interpretações dúbias.
Neste ponto, importante agudar a posição deste tribunal acerca dos julgados nos quais fora reconhecida repercussão geral, ainda pendentes de julgamento[4].
Em virtude da análise realizada ao logo deste trabalho, percebeu-se que a responsabilidade subjetiva é corrente majoritária entre os doutrinadores, contudo, sua adoção desmedida pode acabar por criar situações de impunidade estatal, pois acomete ao particular o ônus de demonstrar que o Estado ágil com culpa na omissão.
Ora, plausível se mostra a adoção da responsabilidade objetiva, prestigiando eficácia imediata dos direitos fundamentais do indivíduo, mostrando-se justa ao responsabiliza o ente estatal por danos decorrentes de sua omissão, em especial em situações que tinha o dever legal de agir.
É certo que o Estado, sobretudo o brasileiro, é prodigo em causar danos por omissão; constantemente estampam as manchetes dos jornais notícias que relatam o descaso da Administração Pública, que é inerte, ineficiente e tardia em cumprir suas obrigações.
Contudo, a exigência da demonstração culpa, acaba por significar um retrocesso na evolução histórica da responsabilidade civil do Estado, propiciando um visível caso de desigualdade entre vítima e o Poder Público.
O Estado democrático brasileiro, obviamente, não tem a obrigação de suportar o ônus de responder por tudo que acontece de errado com a sociedade, tendo em vista que a adoção desmedida da responsabilidade objetiva o Estado poderia levar ao entendimento de que só seria isento do dever de indenizar quando provasse o rompimento do nexo de causalidade.
Não é bem assim que deve se entender.
De fato, voltando-se a norma constitucionalizada, a Constituição Federal apenas previu uma única espécie de responsabilidade para o Estado: a objetiva, e é com base nesta que se deve perquirir as demandas em face deste.
Não há, inobstante entendimentos em contrário, que se analisar se o ato é comissivo ou omissivo. A solução para evitar a responsabilização desmedida encontra fundamento nos demais elementos, anteriormente analisados, acerca da responsabilidade civil. Deste modo, havendo omissão, há um fortalecimento na necessidade de demonstração do nexo causal, que, diferente do entendimento de Celso Antônio Bandeira de Melo, deve existir conforme a teoria da causalidade adequada, adotada pelo ordenamento pátrio.
Do contrário, reconhecer a responsabilidade subjetiva estaria desconsiderando a vulnerabilidade da parte mais fraca – que são as vítimas das atuações e das inações ilícitas estatais, desrespeitando à cidadania e desconstruindo a aplicação do princípio da igualdade material, não sendo suficiente a possibilidade de inversão do ônus da prova a fim de presumir a culpa do Estado.
Assim, conforme a teoria objetiva, o cidadão que sofra determinado dano será encarregado somente da comprovação do prejuízo sofrido e do nexo de causalidade com a omissão estatal, e ao Estado, o ônus de comprovar eventuais excludentes do nexo causal capazes de eximir o dever de indenizar.
Não obstante o presente estudo, ainda é necessário a continuidade na pesquisa, para se aprofundar a discussão acerca dos pontos controversos entre as teorias objetiva e subjetiva, tendo em vista tratar-se de tema de extrema importância, onde a divergência dentro do órgão máximo guardião das normas constitucionais reflete nas decisões dos demais tribunais brasileiros e gera insegurança jurídica há ambas as partes da relação: o Estado, pela impossibilidade de determinar as obrigações que lhe geram o dever de indenizar; e a vítima, pela incerteza da chance de ter seus danos ressarcidos por um ente público que se omite em cumprir seu dever.
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