Responsabilidade civil por abandono afetivo

Resumo: O presente artigo tratará sobre a responsabilidade civil por abandono afetivo, abordará discussões a cerca da possibilidade de responsabilizar os pais por abandono afetivo de seus filhos. Tema atual e relevante para a sociedade, passível de opiniões contrapostas, de forma, será analisada jurisprudências dos Tribunais Superiores, nas quais versam sobre o tema estudado.

Palavras-chave: Direito de Família. Responsabilidade civil. Abandono afetivo.

Abstract: This article deals with a civil responsibility for affective abandonment, discusses the possibility of holding parents accountable for the abandonment of their children. Current and relevant topic for a society, subject to conflicting opinions, so will be analyzed jurisprudence of the High Courts, on which the subject studied.

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Keywords: Family right. Civil responsability. Emotional abandonment.

Sumário: Introdução. 1. Conceito de Família. 1.2 Princípio da Afetividade. 1.3 Princípio da plena proteção das crianças e dos adolescentes. 1.4 Princípio da dignidade humana. 2. Conceito de Responsabilidade Civil. 2.1. Espécies da Responsabilidade Civil 3. A aplicabilidade da responsabilidade civil no Direito de Família. 3.1 Abandono afetivo. 3.2 Entendimentos desfavoráveis à possibilidade indenização por abandono afetivo. 3.3 Entendimentos favoráveis à possibilidade de indenização por abandono afetivo. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Com a evolução da sociedade e, consequentemente, com a evolução da do conceito de família, as relações no âmbito familiar passaram e passam por diversas transformações, sendo a responsabilização dos pais por abandono afetivo uma das novas vertentes no cerne familiar.

O tema é bastante discutido, há a corrente de juristas que defende a possibilidade de responsabilizar os pais por abandonarem afetivamente seus filhos e, como consequência seja aplicada uma indenização para reparar os danos.

Esta corrente aduz que o abandono moral, psicológico e humano poderia ser considerado um ilícito civil previsto no artigo 186 do Código Civil de 2002 ou um caso de perda do pátrio poder previsto no art. 1638 do referido código. Entendem ser possível a existência de danos morais nas relações familiares, pois entendem que o art. 5,º V e X da CF e artigos 186 e 927 do CC/2002 tratam do tema de maneira ampla e irrestrita, podendo regular inclusive as relações no âmbito familiar.

De outro modo, há a corrente de juristas que é contrária a possibilidade de responsabilizar um pai ou uma mãe por abandono afetivo, por afirmarem que o amor não se compra.

Sendo assim, a problemática consiste na possibilidade de condenação dos pais por abandono afetivo, através de uma interpretação dos art. 227 da CF/88, com base nos princípios do direito de família.

Pretende-se demonstrar que é possível a aplicação da responsabilidade civil no âmbito do Direito de Família e consequente condenação ao pagamento de indenização por danos morais nas relações familiares, quando tratar-se do abandono afetivo pelos pais.

O presente trabalho será composto por três capítulos, o primeiro trata o conceito de família e sobre os princípios específicos aplicáveis ao direito de família, quais sejam, princípio da afetividade, princípio da plena proteção das crianças e adolescentes, e por fim, princípio do respeito à dignidade humana.

O segundo capítulo consiste em uma análise do instituto da responsabilidade civil, trazendo o conceito de responsabilidade civil, as espécies da responsabilidade civil.

Por fim, o último capítulo tratará sobre a aplicação da responsabilidade civil no direito de família, abordando-se sobre o conceito de abandono afetivo e os entendimentos favoráveis e desfavoráveis no que concerne a possibilidade de indenização por abandono afetivo.

1. CONCEITO DE FAMÍLIA

A doutrina ainda discute acerca da definição do que é família. Para Nelson Godoy (2008, p. 27), família é uma instituição social de pessoas que se agrupam pelos laços do casamento ou pela união estável de um casal. O autor afirma que normalmente um individuo nasce em uma família e, posteriormente, constrói a sua família.

Carlos Gonçalves define que família (2011, p. 17) é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social.

Além disso, Maria Helena Diniz assevera que (2011, p. 23-25) na seara jurídica encontram-se três acepções fundamentais do vocábulo família: a) a amplíssima; b) a lata e c) a restrita.

No sentido amplíssimo o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vinculo consanguíneo ou da afinidade. Já na concepção lata, além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes de linha reta ou colateral, bem como os afins. Por fim, a restrita, é o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação.

Nesse mesmo diapasão Paulo Lôbo afirma que: “Sob o ponto de vista do direito, a família é feita de duas estruturas associadas: os vínculos e os grupos. Há três sortes de vínculos, que podem coexistir ou existir separadamente: vínculos de sangue, vínculos de direito e vínculos de afetividade. A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a integram: grupo conjugal, grupo parental (pais e filhos), grupos secundários (outros parentes e afins).”

Depreende-se que para o Direito, família é uma organização social que pode ser formada por laços sanguíneos, jurídicos ou afetivos. De forma que os laços afetivos têm que se priorizados, uma vez que é aceitável o fato de que o afeto surge como elemento essencial para a construção de qualquer tipo de família, seja família monoparental, de união estável, do casamento ou de uma relação homossexual

Logo, cabe ao Direito de Família abarcar todos os tipos de família que estejam pautados nos princípios básicos para que todos possam viver em harmonia, principalmente, para que as crianças tenham seus direitos resguardados

1.2 PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

1.3 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

O princípio da afetividade é o que baseia todo o direito de família moderno, ou seja, prioriza que toda relação familiar seja constituída observando o afeto.

De fato, o amor, ou seja, a afetividade têm diversas faces, mas é fundamental para toda e qualquer relação social, e nada mais evidente que no Direito de Família o afeto é primordial para se construir relações saudáveis e seres humanos de caráter, capazes de se relacionar socialmente fora do âmbito familiar.

Segundo Pablo Stolze (2011, p. 90)“[…] o próprio conceito de família, elemento-chave de nossa investigação cientifica, deriva – e encontra a sua raiz ôntica – da própria afetividade. Vale dizer, a comunidade de existência formada pelos membros de uma família é moldada pelo liame socioafetivo que os vincula, sem aniquilar as suas individualidades.”

Depreende-se que o vínculo afetivo é o propulsor das relações familiares, sem ele não se alcança o real significado da palavra família, sendo o porto seguro, o ambiente de amparo de todo ser humano.

Dessa forma, quando uma criança nasce e cresce em um ambiente desprovido de afeto, de atenção é provável que desenvolva traumas, sendo muitas vezes danos irreversíveis.

Sabe-se que no Brasil várias famílias são formadas principalmente por laços afetivos, o que se dá em razão de muitos pais abandonarem afetivamente os filhos, deixando que estes sejam criados por terceiros, nascendo assim um laço muito mais forte do que a o laço sanguíneo, que é o afeto, o amor que nasce através da convivência.

É inerente da dignidade humana a garantia do convívio entre os familiares, para possibilitar a existência de uma relação afetiva e esta relação está abarcada no texto constitucional, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal de 1988.

Assim, podemos observar que aqueles que compõem o núcleo familiar possuem um dever, principalmente, de cuidado, que deveria ser revestido de afeto, isto porque, o cuidado com afeto acarreta uma relação mais humana entre os familiares.

Verifica-se que em muitos casos os pais abandonam os filhos não apenas financeiramente, mas também afetivamente, agindo como se não tivessem responsabilidade nenhuma pelos seus descendentes. Sendo necessário colocar a criança em outro seio familiar para que possa garantir um ambiente familiar saudável, elevando a sua dignidade humana.

O afeto é, portanto, sentimento intrínseco ao homem e deve ser respeitado com um princípio fundamental, isto porque, é por meio do afeto que serão constituídas famílias mais saudáveis.

1.4 PRINCÍPIO DA PLENA PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O Princípio da plena proteção das crianças e dos adolescentes prevê a necessidade de uma proteção especial a eles, isto porque, possuem uma condição de fragilidade e vulnerabilidade.

Dessa forma, é dever do Estado dar um tratamento especial a esses indivíduos, conforme se observa com a criação da Lei nº 8.069/1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, dando o devido reconhecimento aos menores de idade como sujeitos de direito.

As crianças e os adolescentes têm direito a educação, ao lazer, a dignidade, à cultura, dentre outros direitos, dispostos no artigo 277 da Constituição Federal de 1988.

Nesse contexto, o Estatuto é baseado pelos princípios da proteção integral, bem como do melhor interesse da criança. Dessa forma, os membros da família devem sempre estarem atentos ao melhor interesse da criança e adolescente, lhes proporcionando qualidade de vida.

1.5 PRINCÍPIO DO RESPEITO À DIGNIDADE HUMANA

O princípio do respeito à dignidade humana, é denominado pelos doutrinadores de macroprincípio, está expressamente disposto no art. 1º, III da Constituição Federal, sendo algo que deve ser buscado pelo Estado brasileiro.

Essa denominação se dá devido a sua grande aplicabilidade em diversos ramos do direito, porém, no direito civil sua aplicabilidade é específica no sentindo de que mostra ser inerente ao ser humano a sua qualidade de um ser pensante e, como tal possui vontades e anseios individuais, os quais devem ser respeitados, principalmente, no que diz respeito às relações familiares.

É por meio desse principio, que não se aceitam mais as determinações que antigamente eram feitas, apenas, por um dos membros que compunham a família.

O modelo patriarcal, no qual o homem era tido como superior em detrimento de seus filhos e esposa, hoje não é mais aceito, isto porque, pelo princípio do respeito à dignidade humana, todos aqueles que compõem a família merecem respeito, justamente, porque cada um possui qualidades e defeitos individuais.

Dessa forma, por estar elencado na CF/88 é totalmente inadmissível atitudes que contrariem tal principio constitucional, pelo fato de que, mais uma vez se ressalta, que a dignidade humana é direito de todo ser humano e, cada um tem o direito de realizar seus projetos de vida, anseios da forma que lhe convier.

2. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Nas lições de Maria Helena Diniz defini-se a responsabilidade civil (2008, p. 34): “Como a aplicação das medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal”

Nota-se que como dito anteriormente, o conceito de responsabilidade civil sofreu ampliação, isto porque, é possível responsabilizar alguém por ato praticado por terceiro sob sua guarda, assim como um animal sob sua guarda.

Para Sílvio Venosa (2010, p. 1) toda atividade que acarreta prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar. Ressalta-se que em determinadas situações, há excludentes, que impedem a indenização. Entretanto, o autor assevera que o termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual uma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato, ou negócio danoso. Dessa forma, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar.

Observa-se que o conceito de responsabilidade civil é fundamental para se compreender posteriormente sua relação com o direito de família, área esta que traz complexidades que devem ser analisadas sob a ótica da responsabilidade civil.

Nota-se que a responsabilidade civil quer resguardar qualquer pessoa que foi prejudicada por outrem, resguardando o seu patrimônio, seu bem estar físico e moral, sendo estes direitos de qualquer ser humano.

Segundo Pablo Stolze (2013, p. 51) a responsabilidade deriva da transgressão de uma norma jurídica civil preexistente, impondo ao infrator a consequente obrigação de indenizar o dano.

É imperioso notar, que ninguém tem direito de causar um prejuízo a outrem e ao causar, é fundamental que arque com as consequências do ato já praticado, para que se resguarde o status quo ante do prejudicado.

2.1 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil pode ser observada em duas espécies: responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva.

Falar-se-á em primeiro da responsabilidade civil subjetiva é aquela decorrente da culpa do causador do dano. Nas palavras de Gagliano e Pamplona (2013, p.55) esta culpa, se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com negligencia ou imprudência, conforme dispõe a primeira parte do artigo 186 do Código Civil de 2002, o qual dispõe que: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Depreende-se que na responsabilidade civil subjetiva surge a idéia de que cada sujeito responde pela culpa que lhe corresponde. Portanto, nessa espécie de responsabilidade é necessária a verificação de culpa do agente para que ele seja responsabilizado.

Contrapondo a responsabilidade civil subjetiva há a responsabilidade civil objetiva, na qual não é necessária a existência de culpa na ação do agente causador do dano.

A responsabilidade civil objetiva busca apenas o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado, para que se possa responsabilizar o sujeito que praticou algum ato ilícito.

Gagliano e Pamplona (2013, p.56-57) asseveram que: “Segundo tal espécie de responsabilidade, o dolo ou culpa na conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta doa gente responsável para que surja o dever de indenizar.”

Dessa forma, nessa espécie de responsabilidade, o que se prioriza é a atividade ou conduta do agente que gera uma exposição a algum perigo. Não sendo, portanto, necessária a comprovação de culpa do agente.

Para Gagliano e Pamplona fica claro que o sistema material civil brasileiro adotou originariamente a teoria subjetivista, conforme se observa no artigo 186 do Código Civil de 2002. Entretanto, é notório que a responsabilidade civil objetiva também se faz presente no ordenamento jurídico brasileiro, conforme o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002.

O parágrafo único dispõe que: “Artigo 927 (…)Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Dessa forma, nos dizeres dos autores supramencionados, a nova concepção que deve reger a matéria no Brasil é de que vige uma regra geral dual de responsabilidade civil, em que temos a responsabilidade subjetiva, coexistindo com a responsabilidade civil objetiva.

3. A APLICABILIDADE DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA

3.1. ABANDONO AFETIVO

Pode-se conceituar o abandono afetivo quando há um comportamento omisso, contraditório ou de ausência de quem deveria exercer a função afetiva na vida da criança ou do adolescente (2008, p.70).

O abandono afetivo causa clara violação aos direitos da personalidade dos filhos que dependem não só do aspecto material, mas, principalmente, do aspecto afetivo em relação aos pais.

É um grande equívoco considerar que pai e mãe são aqueles que unicamente dão aos seus filhos amparo material, ser pai e mãe vai além do patrimônio, um filho necessita de amparo emocional, de carinho, de afeto, para que possa se desenvolver de forma sadia, com um psicológico sadio.

Dessa forma, hoje não se pode aceitar que aqueles pais e mães que só dão apoio material a seus filhos estejam cumprindo com o seu dever de criar e educar seus filhos.

Hironaka conceitua o abandono afetivo como: “[…] omissão dos pais, ou de um deles, pelo menos relativamente ao dever de educação, entendido este na sua acepção mais ampla, permeado de afeto, carinho, atenção, desvelo […]”[1]

Nota-se que o abandono afetivo não se configura apenas com a falta de afeto, mas como a omissão de cuidar, educar, de se fazer presente de fato na vida de seus filhos.

O artigo 1.634 do Código Civil de 2002 define o dever dos genitores em relação aos seus filhos, leia-se: “Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I – dirigir-lhes a criação e educação;

II – tê-los em sua companhia e guarda;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.”

Lendo o dispositivo, é notável que os pais têm o dever de criar e educar os filhos. Muitos acreditam que o pai que paga pensão alimentícia estaria exercendo de fato sua função de pai, ocorre que pagar a pensão, é sustentar sua prole, porém o cuidado é um gênero do qual o sustento faz parte.

Ainda em relação ao referido artigo, este impõe que o dever dos pais não se restringe ao dever de sustento. Existe a obrigação de dirigir aos filhos sua educação e criação, bem como o dever de tê-los em sua companhia e guarda (Revista Visão Jurídica, número 75, p. 67).

 Nesse diapasão a autora e professora renomada do ramo de Direito de Família, Giselda Hironaka, baseando-se no dever de convivência disposto no artigo 227 da Constituição Federal, defende a possibilidade de indenização pelo abandono afetivo. Para Hironaka, a expressão "convivência familiar" deve ser interpretada de forma mais ampla, ou seja, não deve ser entendida apenas como dever de coexistência, de coabitação, mas, principalmente, o dever de educar.

Como já foi dito, educar um filho vai além do valor patrimonial, a criança e o adolescente no âmbito familiar necessitam de amparo psicológico e emocional, os pais têm que se fazer presente em suas vidas, buscando lhes dar todas as condições possíveis de crescer e se formar em um meio familiar saudável, para que ao se relacionar em sociedade possam se habitar de forma sadia.

Criar e educar um filho é lhes proporcionar valores importantíssimos da família, demonstrar o seu afeto por ele, respeitar o seu individualismo, tentar lhe ajudar a construir um bom caráter.

A formação da personalidade de um filho está ligada a presença dos pais e como de fato eles exercem sua função como pai e mãe. A família sendo a primeira fonte de controle social informal deve estar pautada em princípios e valores que ajudem a formar a personalidade da criança e adolescente. Portanto, o descumprimento do dever de convivência familiar pode ocasionar danos irreversíveis à personalidade do filho.

 Ressalta-se que os direitos de personalidade da criança, foram consagrados no artigo 5º da Constituição de 88, e qualquer atitude contrária é passível de sanções pelo ordenamento jurídico através das indenizações por dano moral.

Stolze e Pamplona (2012, p.747) asseveram que: “Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a frieza o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo da vida. Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente, a “perda do poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria como um verdadeiro favor.”

Nota-se que os autores defendem que a simples perda do poder familiar não é suficiente para a problemática em comento, como outros autores já explanaram essa perda do referido poder seria um verdadeiro favor para aqueles pais que já não se responsabilizavam de fato por seus filhos.

Dessa forma, possibilitar a indenização por abandono afetivo pode ser um mecanismo para inibir condutas irresponsáveis dos pais, que podem acarretar prejuízos irreversíveis aos seus filhos. Não é uma forma de comprar o amor, pois isso não existe, mas sim uma forma de tentar amenizar os danos ocorridos aquela criança ou adolescente abandonado afetivamente.

3.2 Entendimentos desfavoráveis à possibilidade indenização por abandono afetivo

A possibilidade de responsabilizar os pais por abandono afetivo é polêmica e, dessa forma, gera opiniões divergentes no meio jurídico. Há defensores de duas correntes, os que afirmam que existe a possibilidade de indenizar os pais por abandono afetivo e, contrapondo, existem os não defensores dessa possibilidade de indenização.

O direito como ciência prevê essas discussões, reflexões sobre as problemáticas as quais a sociedade está inserida, portanto, de outra forma não seria, a problemática do abandono afetivo traz divergências que merecem ser estudadas com cuidado.

Em que pese a evolução das relações familiares, hoje ainda não se prevê juridicamente a responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais, dessa forma, existem doutrinadores e jurisprudências que discordam completamente dessa possibilidade.

Nesse sentindo, a jurisprudência não está pacificada quanto a possibilidade de indenização por abondo afetivo, conforme se observa nas jurisprudências abaixo:

“EMENTA: INDENIZAÇÃO. Danos morais. Abandono afetivo. Filho que afirma ter sofrido graves transtornos psicológicos ante a falta da figura paterna. Ordenamento jurídico que não prevê a obrigatoriedade do pai em amar seu filho. Recurso desprovido.

(Brasil. Tribunal de Justiça do estado de São Paulo. Apelação Cível nº 9199720772009826 SP 9199720-77.2009.8.26.0000. , 4ª Câmara de Direito Privado. Relator: Teixeira Leite. São Paulo, SP, data de Julgamento: 16/02/2012, data de Publicação: 24/02/2012).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE VISITA PATERNA COM CONVERSÃO EM INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. A paternidade pressupõe a manifestação natural e espontânea de afetividade, convivência, proteção, amor e respeito entre pais e filhos, não havendo previsão legal para obrigar o pai visitar o filho ou manter laços de afetividade com o mesmo. Também não há ilicitude na conduta do genitor, mesmo desprovida de amparo moral, que enseje dever de indenizar. APELAÇÃO DESPROVIDA.

(Brasil. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70044341360. Sétima Câmara Cível. Relator: André Luiz Planella Villarinho. Porto Alegre, RS, data de Julgamento: 23/11/201, data de Publicação: 28/11/2011)”

Observa-se que os argumentos utilizados para não condenar os pais ao pagamento de indenização é de que no ordenamento jurídico não há previsão legal que obrigue um pai a amar seu filho, manter laços de afetividade ou visita-lo.

Dessa forma, a corrente que é contrária a possibilidade de indenização em decorrência do abandono afetivo argumenta, justamente, de que o amor não se compra, não é possível quantificar esse sentimento que deve ocorrer de forma natural.

Autores como Carlos Roberto Gonçalves, são contrários à possibilidade de indenização por abandono afetivo, afirmando que uma vez aceita essa alegação, estaria ocorrendo uma “monetarização do afeto”, sendo o afeto impossível de ser auferido quantitativamente e que ninguém pode obrigar alguém a amar outrem, já que o amor deve ser sempre natural e espontâneo.

Alegando, ainda, que o Judiciário não poderia intervir dessa forma nas relações entre pais e filhos, e que nada se ganharia com uma possível indenização, a não ser afastar ainda mais uma relação já desgastada.

 O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao analisar questão, vem se posicionando no sentido de que o abalo moral causado por abandono afetivo dos pais não é motivo de gerar responsabilidade civil, pois não configura ato ilícito passível de reparação:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO MORAL E MATERIAL – REVELIA – EFEITOS – PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE – COMPENSAÇÃO REQUERIDA PELO FILHO AO PAI – MANIFESTAÇÃO DE AMOR E RESPEITO ENTRE PAI E FILHO – SENTIMENTOS IMENSURÁVEIS – AUSÊNCIA DE ILICITUDE -NÃO CABIMENTO. – Revela-se inconteste a dor tolerada por um filho que cresce sem o afeto do pai, bem como o abalo que o abandono causa ao infante; entendo, no entanto, que a reparação pecuniária além de não acalentar o sofrimento, ou suprir a falta de amor paterno poderá provocar um abismo entre pai e filho, na medida em que o genitor, após a determinação judicial de reparar o filho por não lhe ter prestado auxílio afetivo, talvez não mais encontre ambiente para reconstruir o relacionamento. (Acórdão n° 1014508475498-8, Relator: Osmando Almeida, 30.01.2012)”

A decisão aduz que a indenização não é capaz de acabar com o sofrimento daquele que foi abandonado afetivamente, e mais, agravaria a situação de uma relação já desgastada por um processo e uma possível indenização não possibilitaria uma aproximação entre pais e filhos, ao contrário isso ficaria ainda mais distante.

Nesse sentido, os professores Cláudia Viegas e Leonardo Poli, segue o raciocínio de que o ato ilícito passível de indenização é aquele em desacordo ao direito e, como não há previsão normativa sobre a responsabilidade dos pais por abandono afetivo, não é possível impor uma indenização por essa conduta, não há possibilidade de responsabilizar os pais por não darem afeto aos seus filhos (Revista Síntese Abr-Maio/2013, p. 82).

Ainda nos ensinamentos dos professores citados, asseveram que: “Outro aspecto que justifica a não configuração da responsabilidade civil por abandono moral: deduz-se que a conduta de quem não dá afeto ao filho seria omissiva e, considerando que a conduta omissiva configuradora do dano afetivo deve ser culposa, na modalidade negligencia, torna-se ademais subjetiva a sua configuração. Ora, a falta de afeto pode em tese ser justificada por inúmeros fatores íntimos e até pela provocação da outra parte que detém a guarda do menor. Mostra-se temerária a atribuição exclusiva a alguém pela falta de amor, e a prova da conduta culposa configura-se de difícil ou impossível verificação.”

Depreende-se que autor levanta outros motivos capazes de justificar o abandono afetivo e, que é a prova da culpa na conduta é de difícil ou impossível reparação. Portanto, mostrando-se ineficaz a indenização em decorrência do abandono afetivo.

Ainda de acordo com os referidos professores, eles levantam outro ponto nessa questão, o fato de que o dano moral decorre de um ato ou conduta que provoca um ato ilícito ofensivo a direito da personalidade da vítima e, a indenização tem o caráter de trazer satisfação ou paz de espirito ao ofendido.

Dessa forma, o amor e o afeto são sentimentos que não podem ser quantificados e, tão pouco exigidos, pois ocorrem de forma natural, sendo assim, o seu inadimplemento também não pode gerar o direito à indenização.

 Nesse mesmo diapasão, os professores asseveram que o nexo de causalidade entre a conduta do pai ou mãe que abandona o filho e o dano causado, sua constatação é improvável, pois outros motivos poderiam ter levado a configuração do dano. Logo, a prova do nexo de causalidade entre a conduta e o dano, na maioria das vezes, será controvertida.

Ademais, o posicionamento contrário a possibilidade de indenização por abandono afetivo, parte do pressuposto que o afeto é um valor moral e, portanto, é um sentimento que não pode ser imposto, ninguém pode obrigar outrem a amá-lo. E o Estado por sua vez, estaria intervindo demasiadamente no Direito de Família.

Esta corrente afirma que existem outros meios de se punir um pai ou uma mãe que abandono afetivamente seus filhos, como a perda, destituição do poder familiar.

Como bem assevera Venancio (2012, p. 25) que a penalização dos pais já estaria amparada pelo direito de família, através da sanção denominada suspensão ou mesmo destituição do poder familiar, a qual já teria função punitiva suficiente contra os pais.

Cláudia Viegas e Leonardo Poli afirmam que uma conduta não exteriorizada, que consiste em simples omissão, não pode ensejar ato ilícito passível de indenização civil, por ausência do conteúdo e do alcance normativo dessa conduta (Revista Síntese, Abr-Maio/2013, p. 90).

Diante do exposto, estes são os principais argumentos desta corrente desfavorável a possibilidade de indenização por abandono afetivo pelos pais em relação aos seus filhos.

3.3 Entendimentos favoráveis à possibilidade de indenização por abandono afetivo

Como já foi abordado, o tema sobre o abandono afetivo praticado pelos pais em detrimento de seus filhos é polêmico, há os que defendem essa possibilidade.

Os que defendem a tese de que é possível responsabilizar os pais por abandonar afetivamente seus filhos, acreditam numa paternidade e maternidade responsável, e uma vez sendo negado o afeto, gera diversas consequências psicológicas aos filhos, caracterizando um ato contrário ao ordenamento jurídico, sendo cabível a sanção no campo da responsabilidade civil.

Dessa forma, aqueles que defendem essa possibilidade de responsabilizar os pais pelo abandono afetivo, entendem de que seria possível a indenização por abandono afetivo, uma vez que os pais que praticaram a conduta de abandonar afetivamente seu filho, estaria violando o artigo 227 da Constituição Federal de 1998, assim como os artigos 3º, 4º, 5º, 7º e 22º do ECA.

Importa salientar que a criança é um ser incapaz de proteger-se de forma adequada, portanto, necessitam veementemente da figura de um pai ou de uma mãe presente, portanto, cabe aos pais seja biológico ou socioafetivo, dar total amparo aos seus filhos.

É com base nessa idéia de que parte da doutrina e jurisprudência afirmam que os pais cometem um ilícito civil no momento em que deixam de garantir todos os direitos elencados nos referidos artigos, podendo gerar um abalo psicológico na criança que não teve o convívio familiar.

Para que uma criança e um adolescente se desenvolvam de forma correta, é necessária a presença de uma família estruturada, abarcada pelo afeto uns com os outros. Sabe-se que promover a educação é dever do Estado, mas é um dever, principalmente, da família, é ela a base para construção do caráter do individuo.

Neste sentido, o abandono afetivo ao ser concretizado, seria um ato ilícito, gerando assim consequências muitas vezes irreversíveis às crianças e adolescentes, pois estes se tornam indivíduos melindrosos, receosos e em muitos casos revoltados com essa situação.

A doutrina que afirma a possibilidade de indenização por abandono afetivo assevera que o dano moral configurara-se pelo fato de um pai ou uma mãe abandonar o filho, privando-o de afeto, à vivência doméstica. Nesse tipo de situação não se trata de ausência de recursos financeiros, isto porque, a obrigação de pagar alimentos já é assegurada por lei.

No caso de abandono afetivo o que se discute, são os danos causados às crianças e adolescentes que se encontram em uma situação de abandono afetivo, não tendo a presença de seu pai ou sua mãe, por livre vontade destes e, portanto, não sendo capaz de compreender tamanha displicência.

Dessa forma, o individuo que é abandonado afetivamente é prejudicado moralmente, uma vez que lhe é negado direitos essenciais para a formação de caráter de todo ser humano.

O abandono afetivo causa abalo psicológico à criança ou adolescente, caracterizando assim o dano moral, nada mais elementar do que afirmar que o dano moral gera responsabilidade civil de indenizar a vítima pelo dano causado.

Nesse diapasão os autores Pamplona e Gagliano asseveram que (2012, p.747): “Uma importante ponderação deve ser feita. Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo de sua vida. Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente a “perda do poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria como um verdadeiro favor.”

Nota-se que os autores afirmam que esse comportamento é danoso tanto juridicamente, quanto espiritualmente, de forma que a indenização teria caráter punitivo e pedagógico, e não uma forma de comprar o amor dos pais. Ainda nesse sentido, como bem elucida Giselda Maria Fernandes Hironaka:

“Tem me sensibilizado, igualmente, nesta vertente da relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade, este viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.”

A professora Hironaka também destaca sua preocupação com a as consequências do abandono afetivo para os indivíduos que se encontram nessa situação, ela assevera que uma criança abandonada afetivamente, está tendo seus direitos violados, direitos inerentes da personalidade humana.

A professora Roselaine Sarmento cita o professor Sérgio Resende, que de forma brilhante discorre que (2008, p. 233):“Em interessante artigo, Sérgio Resende de Barros afirma que o afeto é o primeiro dos direitos humanos operacionais da família, seguido pelo direito ao lar. Portanto, os filhos menores têm direito ao lar, ao afeto no lar, à vivencia doméstica e à convivência familiar; direito ao apoio da família, à saúde, à educação, à solidificação da pessoa humana, ao reconhecimento à paternidade e à maternidade; direito ao parentesco e à afinidade; direito ao respeito e à amizade entre os familiares.”

É notório que hoje a família está pautada nesses preceitos básicos citados pelo professor, demostrando novamente, que ao analisar o contexto do abandono afetivo, quer se discutir os direitos violados das crianças e adolescentes, as consequências dessa conduta lesiva e, acima de tudo, tentar reparar o dano causado.

No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná é possível encontrar decisões amparadas na possibilidade de reparação civil pelo abandono afetivo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DE ABANDONO AFETIVO. SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL SOB O FUNDAMENTO DE AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. II CERTIDÃO NO DISTRIBUIDOR ONDE CONSTA DIVERSAS AÇÕES DE ALIMENTOS AJUIZADAS PELA AUTORA. III ATO ILÍCITO CARACTERIZADO. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À CONVIVÊNCIA FAMILIAR. ART. 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. IV DANO MORAL. DEVER DE INDENIZAR. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. V VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM R$5.000,00. VI – RECURSO PROVIDO. (TJPR – 8ª C.Cível – AC 768524-9 – Foz do Iguaçu – Rel.: Jorge de Oliveira Vargas – Unânime – J. 26.01.2012).
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. "A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido. Por sua vez, outra corrente defende que não existe obrigação legal de companhia e afeto". (STJ Resp nº 757411/MG Rel. Ministro Fernando Gonçalves Quarta Turma DJ 27.3.2006) APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (TJPR – 10ª C.Cível – AC 639544-4 – Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Nilson Mizuta – Unânime – J. 04.03.2010).”

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tem reconhecido a possibilidade de reparação de danos por abandono afetivo, ressalvando que ela exige uma interpretação restritiva e uma avaliação criteriosa de cada caso:
“APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO NÃO DEMONSTRADO. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. A reparação de danos que tem por fundamento a omissão afetiva, no âmbito do direito de família, é sabidamente de interpretação restritiva, pois que, visando a traduzir o afeto humano em valor monetário, é marcada por enorme subjetividade, e não se configura pelo simples fato de os pais não terem reconhecido, de pronto, o filho. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70041619511, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 02/04/2012).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO MATERIAL, MORAL E AFETIVO. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. O pedido de reparação por dano moral no Direito de Família exige a apuração criteriosa dos fatos e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, sendo mero fato da vida. Embora se viva num mundo materialista, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro. RECURSO DESPROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70045481207, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 28/03/2012).”

Nas palavras de Pamplona e Gagliano (2012, p.747) defendem a possibilidade de indenização por abandono afetivo: “Uma importante ponderação deve ser feita. Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo de sua vida.Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente a “perda do poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria como um verdadeiro favor.”

Os autores ressaltam que a indenização tem caráter punitivo e pedagógico e que somente aplicar a perda do poder familiar para o genitor que abandonou afetivamente um filho isso seria muito benéfico, enquanto que o filho abandonado não teria nenhum tipo de ressarcimento pela falta de afeto.

Aqueles que defendem a possibilidade de indenização por abandono afetivo afirmam que não se busca a compra do amor, busca-se um reparo ao dano causado, alertando outros pais para que não hajam dessa forma danosa com seus filhos.

A autora Roselaine Sarmento (2008, p. 234) aborda uma questão interessante asseverando que o Superior Tribunal de Justiça julgou um caso, no qual uma pessoa até os seis anos de idade, atualmente com 24 anos, matinha contato com seu pai regularmente. Após o nascimento de sua irmã, fruto de outro relacionamento do pai, este teria se afastado definitivamente e deixado de conviver com o filho.

Ela continua a contar história do estudante, este recebia pensão alimentícia, porém afirmava que a única coisa que queria do pai era o seu amor. Dessa forma, a sua apelação foi aceita com base no entendimento de que a responsabilidade pelo filho não se pauta somente no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar-lhe desenvolvimento humano, com base no principio da dignidade da pessoa humana.

Nota-se que o argumento utilizado, recai, novamente, no sentido de que a responsabilidade de um pai ou de uma mãe transcende o caráter pecuniário, não é só pagar pensão alimentícia ao filho que faz alguém ser pai ou mãe.

As obrigações parentais para com seus filho, como dito exaustivamente, vai além do dinheiro, é dever dos pais dar amor, afeto, educação à seus filhos, sendo estes direitos de todo e qualquer filho, seja ele legítimo ou não.

Com base nas palavras de Roselaine (2008, p. 237) ela afirma que a responsabilidade é uma tarefa que envolve uma constante atuação dos pais em benefício de seus filhos. Entre tantos exemplos, ela cita tais como: negligência nos deveres de assistência moral dos filhos, que significa não acompanhamento do desempenho dos filhos na escola e o não envolvimento com a sua formação moral e intelectual.

De fato, a problemática envolvendo o abandono afetivo é bastante polêmica, ainda mais no que diz respeito ao papel do Poder Judiciário, pois aqueles que são contra a responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo, afirmam que o Estado estaria interferindo nas relações familiares além do permitido.

Ocorre que o Poder Judiciário deve garantir efetivamente os direitos e deveres que envolvem as relações familiares, para impedir que ações de pais que abandonam seus filhos voluntariamente, lhes causando muitas vezes danos irreparáveis à sua personalidade.

Ressalta-se que para a formação da sociedade seja mais harmônica e saudável se faz com a criação e educação de sujeitos amparados na base primordial de uma sociedade, qual seja, a família.

Dessa forma, é interesse do Estado em garantir que a entidade familiar nasça, cresça e se forme com base em ensinamentos saudáveis, observando a dignidade humana de todos os envolvidos no núcleo familiar.

De forma brilhante a autora Roselaine Sarmento aborda questionamentos importantíssimos sobre o assunto (2088, p. 241):

“As relações familiares devem ser entendidas e vistas como possibilidades de crescimento do ser humano. E o desenvolvimento emocional dos filhos é dever constitucional dos pais, a ausência de afeto, que resulta quase sempre no abandono moral, enseja ação de responsabilidade civil e reparação de danos morais. Os pais devem ter a exata consciência de seu papel como provedores e educadores dos cidadãos do futuro, além de terem ciência de que os atos danosos por eles praticados poderão gerar sérios prejuízos aos seus filhos.”

Não se pode admitir que pais, simplesmente, não amparem moralmente seus filhos, estes necessitam mais do que qualquer outro membro familiar, de apoio, de amparo, de atenção, pois são hipossuficientes no âmbito familiar. Negar-lhes afeto, amparo e proteção é uma afronta aos seus direitos básicos e essenciais.

As crianças e adolescentes por serem hipossuficientes merecem toda proteção do Estado de direito, família e sociedade. Portanto, seria um equívoco se o Poder Judiciário ficasse inerte diante de casos de abandono afetivo, isto porque, ao analisar o caso concreto e ficar comprovado nexo de causalidade entre a conduta de abandono afetivo e dano causado ao filho, se estar diante de um ato ilícito civil, passível de indenização.

Ademais, a recente decisão prolatada no dia 24/042012, julgado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, um pai foi condenado a indenizar a filha por tê-la abandonado no valor de R$ 200.000. Entretanto, a decisão não foi unânime.

O min. O Min. Paulo de Tarso Sanseverino, a sua vez, “pontuou que o reconhecimento do dano moral em matéria de Direito de Família deve ser excepcional, tendo em vista que as frustrações no âmbito familiar são próprias da vida e contribuem para o crescimento pessoal do indivíduo.”

Desse modo, o ministro defendeu o entendimento de que apenas o abandono total e flagrante do filho tem o condão de gerar a responsabilidade civil dos pais.

No mesmo recurso o ministro, o Min. Massami Uyeda, divergiu do voto da relatora, justificou que “a posição adotada pela Min. Nancy Andrighi representaria uma potencialização, pelo Judiciário, das mágoas íntimas decorrentes do convívio familiar”. Asseverando que “a tese pioneira adotada pela relatora repercutirá no país como parâmetro de unificação jurisprudencial, causando instabilidade dentro da instituição familiar”.

Ressaltando, ainda, que o conceito de negligência no exercício do poder familiar é incerto, bem como que muito embora possa existir lesão à estima do filho: “a vida é feita de perdas e ganhos, talvez até mais de perdas do que de ganhos”.

Vale transcrever a decisão, vejamos:

“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO  AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.

1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à Responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.

2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.

4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.

6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.

7. Recurso especial parcialmente provido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Epecial nº 1.159.242. 3ª Turma Recursal. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. São Paulo, SP, data de Julgamento: 24.04.2012).”

A título de explicação, a decisão decorre de uma Ação de indenização por danos materiais e danos morais ajuizada por Luciane Nunes de Oliveira Souza, contra o seu pai, o Sr. Antônio Carlos Jamas dos Santos, isto porque este abandonou material e moralmente a filha durante sua infância e adolescência.

Dessa forma, o juízo de primeiro grau julgou o pedido improcedente, inconformada a autora recorreu da decisão, momento em que o Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao recurso, reconhecendo o abandono afetivo, tendo fixado indenização por danos morais no valor de R$ 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil reais).

Desta decisão, o Sr. Antônio Carlos Jamas dos Santos interpôs Recurso Especial perante o STJ, a Exma. Ministra Relatora Nancy Andrighi reconheceu a ocorrência do abandono afetivo, entretanto reduziu o valor da indenização fixado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

A Ministra fez ainda um breve comentário acerca da diferença entre a perda do poder familiar e a possibilidade do pagamento de indenização por abandono afetivo, depreendendo-se que uma situação não exclui a outra posto que, a perda do poder familiar corresponde a uma sanção que tem como principal objetivo resguardar a integridade física e moral, já a indenização possui natureza jurídica não somente de sanção, mas é uma forma de compensação pelo dano sofrido.

A destituição do poder familiar não pode ser considerada a única forma de punir um indivíduo que não exerceu seus deveres perante a entidade familiar, pois como já foi dito anteriormente, muitas vezes a perda do poder familiar, pode ser benéfico para os pais, pois estes não terão mais qualquer dever ou obrigação para com seu filho.

Dessa forma, levando-se em consideração a possibilidade de aplicação da responsabilidade civil no direito de família, é necessário sempre analisar o caso concreto para observar se, de fato estão presentes os requisitos necessários à caracterização do dano moral, que são, a conduta, o dano e o nexo de causalidade.

Segundo este argumento, a Relatora concluiu pela ocorrência do abandono afetivo, oportunidade em que manteve a condenação ao pagamento de indenização a título de danos morais.

O que se verifica é a tendência da jurisprudência dos Tribunais pátrios, como no caso do TJSP, TJPR, o STJ, dentre outros que já vem admitindo a possibilidade da aplicação da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares, assim como vem considerando o abandono afetivo um ilícito civil.

Diante de todo o exposto, sob a perspectiva dos princípios constitucionais e específicos do direito de família, entende-se que a corrente mais plausível é aquela favorável à aplicação da responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se por todo o exposto, que a família atual não mais se harmoniza com os conceitos e valores antes ditados, não se aceita mais o autoritarismo de uma pessoa do núcleo familiar, antes a família era regido pelo pater.

Com a promulgação da Constituição de 1988 transformações profundas modificaram o ordenamento jurídico, afastando o preconceito, principalmente, no que diz respeito à família, isto porque estabeleceu a condição de igualdade entre homens e mulheres, extinguiu as diferenças entre os filhos, não mais se aceitando tratamento diferenciado com os filhos havidos fora do casamento.

A promulgação da supramencionada Constituição modificou o pensamento em relação a família, o principio da dignidade humana passou a reger essa instituição. Todos os membros da família passaram a ter direitos iguais, todos têm que ser ouvidos e respeitados.

Quando se trata do Direito de Família, sabe-se que serão abordadas questões muitas vezes difíceis de questionar ou analisar, uma vez que estão envolvidos sentimentos, emoções, ou seja, questões pessoais. Dessa forma, o abandono afetivo vem sendo discutido por juristas, doutrinadores, acadêmicos de direito, justamente, por ser um tema que vem tendo grande repercussão no mundo jurídico e no meio social.

 O objetivo central deste trabalho foi a discussão acerca da possibilidade da aplicação da responsabilidade civil nas relações familiares em decorrência do abandono afetivo, praticado por um dos genitores em detrimento dos filhos.

Por se tratar de um tema polêmico, foram levantados os questionamentos divergentes, sendo assim, o presente trabalho contou com doutrinadores e jurisprudências que discorriam sobre a possibilidade de indenização ou não por abandono afetivo pelos pais.

Importante ressaltar que ainda que o presente trabalho tenha acompanhado a corrente que defende a indenização por abandono afetivo, as opiniões divergentes foram levadas em consideração e proporcionaram um estudo mais gratificante para a confecção deste.

Isto porque, toda e qualquer discussão que traz a baila argumentos a serem defendidos tem relevância, pois, é através das divergências que muitas vezes compreendemos melhor determinada problemática.

Dessa forma, a posição defendida é que o abandono afetivo é passível de ensejar indenização em favor do filho abandonado, isto porque, o Judiciário não pode ficar inerte diante da configuração do abandono afetivo voluntário, pois esta conduta pode ensejar danos psicológicos irreversíveis para criança ou adolescente que se encontra nessa situação.

E como foi ressaltado, exaustivamente, é dever do Estado, da sociedade e dos pais assegurar a proteção efetiva à criança e ao adolescente, lhes proporcionando um desenvolvimento equilibrado e saudável.

Sendo assim, ainda que não haja previsão legal sobre o abandono afetivo, este pode ser considerado um dano moral e, portanto, há possibilidade de responsabilizar o sujeito que praticou o dano em detrimento do seu filho.

Salienta-se que a aplicação da responsabilidade civil nesse tipo de situação especifica, precisa ser analisada em cada caso concreto, é necessário que todos os pressupostos estejam presentes para que se aplique o instituto. Ainda que não haja previsão legal em relação ao abandono afetivo, entende-se que por violar preceitos constitucionais, o próprio Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente, a possibilidade de indenização é tutelada pelo ordenamento jurídico brasileiro, bastando fazer uma interpretação sistemática.

A responsabilidade civil por abandono afetivo não pode ser vista com um meio de comercialização do amor, porque de fato esse sentimento não é passível de quantificação. Ocorre que em decorrência dos graves danos que o abandono afetivo acarreta nos filhos abandonados, responsabilizar os pais por tal conduta é uma forma justa de tentar amenizar os danos causados.

Não seria justo não tomar qualquer providência em relação a conduta de pais que se ausentam voluntariamente da vida de seus filhos, com a justificativa de que não há previsão legal no ordenamento jurídico que abarque essa conduta ou que essa seria uma forma de comprar o amor.

Deve-se ter em mente, que a indenização tem o caráter de reparar danos que muitas vezes não são reversíveis, de tentar amenizar a dor de carregar a vida toda à ausência de um de seus genitores.

É nesse sentido, que se conclui que o abandono afetivo é passível de gerar efeitos na esfera da responsabilidade civil e, portanto, há a possibilidade de se pleitear indenização em face dos danos que os pais possam acarretar a seus filhos, principalmente, no que diz respeito, quando eles são privados de usufruir seus direitos e garantias fundamentais ao seu desenvolvimento equilibrado e saudável.

Contudo, os operadores do direito têm que ter cautela no ingresso e julgamento dessas demandas que envolvem o abandono afetivo, para que não amparem pretensões movidas por um instinto de vingança, não sendo esse o objetivo de responsabilizar os pais por abandonarem afetivamente seus filhos.

 

Referências
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Nota
[1] HIRONAKA, Giselda. Responsabilidade civil na relação paterno-filial. Disponível em http://jus.com.br/artigos/4192/responsabilidade-civil-na-relacao-paterno-filial/2. Acesso em 09/08/2013.

Informações Sobre o Autor

Lorena Araujo Matos

Advogada. Mediadora do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Especialista em Direito Penal e Processo Penal


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