Resumo: A pesquisa objetiva um breve estudo a respeito do fenômeno jurídico da responsabilidade civil e penal por fatos causados por animais, será feita uma abordagem específica da responsabilidade civil decorrente dos danos causados por cachorros, em particular os das raças “Pitt-bull”, “Fila”, “Doberman” e “Rotweiller”. Essas raças de cães estão contempladas pela Lei Estadual nº 3205, de 09 de abril de 1999, sancionada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro e modificada pela Lei nº 4.597, de 16 de setembro de 2005. A realização deste trabalho vem preencher um hiato, examina-se o instituto e atesta-se que sua eficácia na sociedade – apesar de ser uma lei altamente republicana, no sentido de visar o bem da coletividade – é muito baixa. A pesquisa utiliza metodologia bibliográfica e empírica.
Palavras-chave: Direito, responsabilidade, cachorro, segurança, legislação.
Abstract: The research aims at a brief study on the legal phenomenon of civil and criminal liability for acts done by animals, there will be a specific approach to liability for damage caused by dogs, particularly breeds "Pitt-bull", "Fila" "Doberman" and "Rottweiler". These dog breeds are covered by State Law Nº. 3205 of 09 April 1999, sanctioned by the Governor of the State of Rio de Janeiro and modified by Law Nº. 4,597, of September 16, 2005. This work fills a gap, the institute examines and certifies that its effectiveness in society – despite being a highly republican law, to seek the good of the community – is very low. The research methodology utilizes literature and empirical.
Keywords: Right, liability, dog, security, law.
Sumário: Introdução; 1. O sistema da responsabilidade civil e penal; 1.1. Conceito de responsabilidade; 1.1.1. Dever jurídico originário e sucessivo; 1.2. Breve histórico da responsabilidade civil; 1.3. Distinção entre obrigação e responsabilidade; 1.4. Fato jurídico; 1.5. Ato jurídico; 1.6. Ato ilícito; 1.7. Espécies de responsabilidade; 1.7.1 Responsabilidade Contratual e Extracontratual; 1.7.2 Responsabilidade Civil e Penal; 1.8. Responsabilidade Subjetiva; 1.8.1. Ação ou Omissão; 1.8.2 Culpa ou Dolo do Agente; 1.8.3 Relação de Causalidade; 2.8.3 Relação de Causalidade; 1.9. Responsabilidade objetiva; 2. Responsabilidade pelo fato das coisas; 2.1. Caracterização do problema; 2.2. Responsabilidade por fatos de animais; 2.2.1 Responsabilidade do Guarda do Animal; 2.3. A jurisprudência brasileira; 2.4. Causas excludentes da responsabilidade do dono ou do detentor do animal; 3. Os dispositivos reguladores do Código Civil brasileiro; 3.1. Apresentação e análise; 4. A lei estadual, conhecida como “Lei do pit-bull”; 4.1. Histórico; 4.2. Repercussão social da sua aplicação; 4.3. O texto da Lei 3205/99; 4.4. Análise da lei; 4.5 o direito de propriedade; 5. Declaração universal dos direitos dos animais; 6. Conclusão. Referências
“A maior parte de todo o saber humano, em cada um dos seus gêneros, existe apenas no papel, nos livros, nessa memória de papel da humanidade”. (Arthur Schopenhauer)
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão de curso é constituído de uma análise dos aspectos sócio-políticos e legais em que se dá a troca de informações visando o bem-estar da sociedade.
A pesquisa que resultou esta sistematização foi motivada pela constatação de que a Lei 3.205 causou grande revolta nos donos e simpatizantes em geral das raças de cachorro por ela englobadas, e de outro lado, um grande alívio para a sociedade em geral que vinha sentindo uma grande insegurança pública nas vias públicas com os costumeiros ataques de cães violentos, principalmente, na cidade do Rio de Janeiro.
A relevância deste estudo se deve ao interesse da segurança pública, bem como visualizar até que ponto o Estado pode interferir no direito de propriedade de alguns, visando à segurança da maioria.
O objetivo principal deste trabalho de conclusão de curso é estudar o instituto da responsabilidade por fatos de animais.
Além de possuir objetivos específicos como analisar a “Lei de pit-bull” e seus desdobramentos.
A metodologia utilizada reuniu as propostas de uma pesquisa bibliográfica e empírica.
Desse modo, o trabalho está organizado em seis capítulos. No primeiro, um exame acerca do sistema da responsabilidade civil e penal; no segundo, um estudo pormenorizado acerca do instituto da responsabilidade pelo fato das coisas; no terceiro, apresentação e análise dos dispositivos reguladores do código civil brasileiro; no quarto, um histórico da lei estadual 3.205 de 1999; no quinto, traz-se a lume a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, e no sexto, a conclusão de toda a pesquisa científica realizada.
2. O SISTEMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE
Conforme afirmou o renomado jurista SAN TIAGO DANTAS[1], “o principal objetivo da ordem jurídica é proteger o lícito e reprimir o ilícito”.
Segundo o professor SÉRGIO CAVALIERI FILHO[2], isso significa dizer que ao mesmo tempo em que a ordem jurídica se empenha em tutelar a atividade do homem que se comporta de acordo com o Direito, reprime a conduta daquele que o contraria.
Conforme destaca o citado professor, para atingir esse desiderato, a ordem jurídica estabelece deveres que, conforme a natureza do direito a que corresponde, tanto podem ser positivos, de dar ou fazer, como negativos, de não fazer ou tolerar alguma coisa.
Fala-se, até, em um dever geral de não prejudicar a ninguém, expresso pelo Direito Romano através da máxima neminem laedere.
Alguns desses deveres atingem a todos indistintamente, como no caso dos direitos absolutos; outros, nos direitos relativos, atingem a pessoa ou pessoas determinadas.
Entende-se, assim, por dever jurídico a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito positivo por exigência da convivência social. Não se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas uma ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações.
Silvio Rodrigues enfatiza a afirmação segundo a qual o principio informador de toda a teoria da responsabilidade é aquele que impõe “a quem causa dano o dever de reparar”. Na mesma linha de raciocínio inscreve-se Serpa Lopes, para quem a responsabilidade civil significa o dever de reparar o prejuízo.
2.1.1 DEVER JURÍDICO ORIGINÁRIO E SUCESSIVO
Conforme nos ensina o mestre SÉRGIO CAVALIERI FILHO[3]:
“A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo. A título de exemplo, lembramos que todos têm o dever de respeitar a integridade física do ser humano. Tem-se aí, um dever jurídico originário, correspondente a um direito absoluto. Para aquele que descumprir esse dever surgirá um outro dever jurídico: o da reparação do dano.” (grifo nosso)
Afirma então o referido professor que :
“É aqui que entra a noção de responsabilidade civil. Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.”
Concluindo, o professor CAVALIERI FILHO[4] ensina que:
“Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde houver violação de um dever jurídico e dano. Em outras palavras, responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de um precedente dever jurídico. E assim é porque a responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida.
Daí ser possível dizer que toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem, é fonte geradora de responsabilidade civil.”
2.2 BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
No começo de nossa civilização, a ocorrência de um dano gerava na vítima a idéia de vingança contra o agressor, sendo assim a justiça era feita com as próprias mãos. A justiça era dente por dente, olho por olho, de acordo com a pena de Talião. O dano era punido com outro dano, o que era de extrema violência.
Mais à frente, surge o período da composição a critério da vítima, mas sem se discutir a culpa do agente causador do dano.
Posteriormente, o Estado interfere, e proíbe a vítima de fazer justiça com as próprias mãos, estabelecendo uma indenização pecuniária para se constituir a composição. O Estado cria uma espécie de tabela estabelecendo o quantum equivalente ao dano, assim: X para orelha amputada, Y para morte, etc.
Quando da fundação de Roma em 572 ante Christum, um tribuno do povo, Lucio Aquilio, propôs e obteve aprovação de uma lei penal, a Lei Aquilia, que era baseada em dois pilares[5]:
– assegurar o castigo a pessoa que causasse dano a outrem, obrigando-a a ressarcir os prejuízos dele decorrentes;
– punir o escravo que causasse algum dano a cidadão, ou ao gado de outrem, fazendo-o reparar o dano causado.
A França aperfeiçoou a idéia de Roma, e o Direito francês estabeleceu certos princípios que influenciaram outros povos:
– direito a reparação, sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado);
– a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações), e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da imprudência, negligência ou imperícia. Com o Código de Napoleão surge a distinção entre culpa contratual e culpa delitual.
A responsabilidade civil se formou tradicionalmente (a partir do Código de Napoleão) sobre o conceito de culpa, propagando-se nas legislações de todas as nações.
Com a Revolução Industrial, multiplicaram-se os danos, e com isso novas teorias sobre responsabilidade surgiram sempre mais inclinadas a favorecer a vítima.
Além da Teoria da Culpa, a Teoria do Risco, esta cada vez mais aplicada na doutrina, que se baseia na idéia de que o exercício de atividade perigosa é fundamento da responsabilidade civil. Isto é, que a execução de atividade que ofereça perigo possui um risco, o qual deve ser assumido pelo agente, ressarcindo os danos causados a terceiros pelo exercício da atividade perigosa.
Indo mais profundamente na História da responsabilidade civil, seu princípio é encontrado nos mais antigos textos legais: gregos, babilônicos, astecas e romanos.
O Código de Hamurabi, elaborado por ordem do monarca babilônico Hamurabi (2003 a 1961 a.C.), trazia em seu bojo disposições reparatórias do dano ou prejuízo causado pelo agente do fato, ou seja, uma forma primitiva de responsabilizar-se civilmente alguém.
A Grécia instituiu a denominada “democracia”, aproximadamente na época de Sólon (638 a 538 a.C), renomado legislador ateniense, foi o ponto inicial para a igualdade civil dos cidadãos, ajudando a responsabilização sobre danos causados.
O político romano Cícero (106 – 43 a.C) celebrou o princípio da indenização no caso de furto, depositário de má-fé, do dano causado pelo animal em propriedade alheia, daquele que fez passar seu rebanho em terreno alheio, daquele que provocou uma fratura em outro, e assim por diante.
Com a queda do Império Romano do ocidente em 476, verificou-se uma pluralidade legislativa, onde conquistadores e conquistados, passaram a conviver; conhecido como o regime da personalidade das leis, mas acabando por prevalecer os princípios do Direito Romano, que continuaram na Idade Moderna (Renascimento, século XV, até a Revolução Francesa em 1789), baseados da dicotomia consistente na responsabilidade contratual, em virtude de inadimplemento, ou de dano causado a outrem, pela prática de um incito.
Em 1804, com o advento do Código Civil Francês (Código Napoleônico), acontece novo marco histórico no princípio da responsabilidade civil fundada na culpa, influenciando a legislação dos países civilizados de maneira geral.
Em 1824 foi promulgada a Constituição Política do Império do Brasil, que em seu artigo 179, inciso XVIII, previa a organização dos Códigos Civil e Criminal, estipulando que fossem embasados solidamente nos princípios da Justiça e da Equidade, acarretando no Código Criminal de 1830.
O capitulo V do Código Criminal, cujo titulo era “Da Satisfação”, elencava as regras que poderiam ser aplicadas pelos tribunais brasileiros, como orientação para apreciação e julgamento dos casos de responsabilidade civil. O artigo 21 do referido Código dispunha que: “O delinqüente satisfará o dano que causar com o delito.
O artigo 22 ordenava:
“A satisfação será sempre a mais completa que for possível e, no caso de dúvida, a favor do ofendido. Para esse fim, o mal que resultará a pessoa do ofendido será avaliado em todas suas partes e conseqüências.”
O pensamento do Código de 1830 foi mantido nos Códigos Penais de 1890 (artigos 31, 69, 70) e de 1940 (artigo 74, inciso I).
Vê-se com o desenrolar do trabalho, a responsabilidade civil nos dias de hoje.
2.3 DISTINÇÃO ENTRE OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE
A distinção entre a obrigação e a responsabilidade é importante, embora não seja comum a maioria dos autores que cuidam da matéria.
Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo conseqüente à violação do primeiro. Se alguém se compromete a prestar serviços profissionais a outrem, assume uma obrigação, um dever jurídico originário. Se não cumprir a obrigação (deixar de prestar os serviços), violará o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação.
Conforme ressalta o professor CAVALIERI, em certeira síntese:
“Em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto que na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo. E, sendo a responsabilidade uma espécie de sombra da obrigação (a imagem é de Larenz), sempre que quisermos saber quem é o responsável teremos de observar a quem a lei imputou a obrigação ou dever originário”.
O renomado professor destaca ainda, que SAN TIAGO DANTAS[6] atribui a ALOIS BRINZ essa importante distinção entre a obrigação e a responsabilidade, que permite resolver inúmeros problemas jurídicos.
A responsabilidade pode ser da mesma natureza do dever jurídico originário (ou seja, da obrigação), acrescido de outros elementos (quando este é de dar alguma coisa), ou de natureza diferente (quando a obrigação é de fazer e a responsabilidade tem de implicar indenização em dinheiro).
Conforme ensina o jurista SÉRGIO CAVALIERI[7], o credor, que não recebeu o pagamento na data oportuna, poderá exigir não só a prestação devida (o principal), como também os juros, correção monetária e a cláusula penal eventualmente prevista. Mas se o pintor que se obrigou a fazer determinado quadro recusar-se a fazê-lo, o credor dele poderá exigir apenas o ressarcimento dos prejuízos decorrentes do inadimplemento. A responsabilidade passa, aqui, a substituir a prestação originária. O devedor será o mesmo, mas, ao invés do dever a que anteriormente estava adstrito – o quadro -, passa a dever uma nova coisa: a composição do prejuízo – o id quod interest.
2.4 FATO JURÍDICO
Sendo a responsabilidade um fenômeno jurídico, torna-se relevante situá-la no plano geral da ordem jurídica.
Como vimos anteriormente, o ato ilícito é o fato gerador da responsabilidade. Para chegarmos ao exato lugar onde ele se situa no plano geral do Direito, temos de partir do fato jurídico, que, como do conhecimento comum, é todo acontecimento capaz de produzir conseqüências jurídicas, como o nascimento, a extinção e a alteração de um direito subjetivo.
Inúmeros fatos sociais não têm repercussão no mundo jurídico, razão pela qual deles não se ocupa o Direito. Tome-se como exemplo o fato de alguém caminhar por uma rua ou passear por uma praça. Mas, se nessa praça houver placas proibindo pisar na grama e essa pessoa desrespeitar a proibição, já teremos, aí, um fato jurídico, porquanto o Direito lhe atribui conseqüências jurídicas.
Os fatos jurídicos podem ser:
a) naturais, quando decorrem de acontecimentos da própria Natureza, como o nascimento, a morte, a tempestade etc., e
b) voluntários, quando têm origem em condutas humanas capazes de produzir efeitos jurídicos.
Os fatos jurídicos voluntários, por sua vez, dividem-se em lícitos e ilícitos. Lícito é o fato praticado em harmonia com a lei; ilícito, a contrario sensu, é o fato que afronta o Direito, o fato violador do dever imposto pela norma jurídica.
2.5 ATO JURÍDICO
Os atos lícitos podem ser de duas espécies: ato de mera conduta e negócio jurídico.
O ato de mera conduta, também chamado de ato não-negocial, caracteriza-se pelo fat de produzir conseqüências jurídicas sem qualquer atenção à vontade, ou seja – conduta voluntária sem o fim específico de produzir determinado efeito.
O negócio jurídico tem por característica ser uma declaração de vontade destinada a criar direitos e obrigações. Assim, só podemos falar em negócio jurídico quando a conduta do homem se alia à vontade de produzir conseqüências jurídicas específicas, tais como o contrato, a renúncia etc.
2.6 ATO ILÍCITO
O ato ilícito, tal como o lícito, é também uma manifestação de vontade, uma conduta humana voluntária. É dele que exsurge a responsabilidade.
Conforme destaca o professor SÉRGIO CAVALIERI FILHO[8], o conceito de ato ilícito é uma conquista do Direito moderno, devida à obra monumental dos pandectistas alemães do século XIX, que criaram a parte geral do Direito Civil e, por conseguinte, deram-nos os fundamentos científicos de toda a teoria da responsabilidade hoje estudada. O Código Civil alemão – BGB1897 – foi o primeiro a abandonar a tradicional classificação romanista de delito e quase-delito e, no lugar dessa dicotomia erigiu um conceito único – o conceito do ato ilícito.
SÉRGIO CAVALIERI FILHO menciona a perfeita colocação feita pelo jurista ANTUNES VARELA que, em sua obra –“Das Obrigações em Geral” (8ª ed., V.I/pág. 534, ed. Almedina), afirma: – “O elemento básico da responsabilidade é o fato do agente – um fato dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana – pois só quanto a fatos dessa índole têm cabimento a idéia da ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei impõe”.
Diferentemente dos atos jurídicos que podem se restringir a meras declarações de vontade, como, por exemplo, prometer fazer ou contratar etc., o ato ilícito é sempre uma conduta voluntária. Se for ato, nunca o ato ilícito consistirá numa simples declaração de vontade. Importa dizer que ninguém pratica ato ilícito simplesmente porque promete a outrem causar-lhe prejuízo.
2.7 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE
Sendo o elemento central da responsabilidade uma conduta voluntária violadora de um dever jurídico, é possível classificá-la em diferentes espécies, de acordo com a origem desse dever e segundo o elemento subjetivo dessa conduta.
Preliminarmente cabe destacar a distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal.
A ilicitude, por ser essencialmente uma contrariedade entre a conduta e a norma jurídica, pode surgir em qualquer ramo do Direito.
Assim, dependerá exclusivamente da norma jurídica que impõe o dever violado pelo agente, a sua classificação como ilicitude penal ou civil.
Se o agente infringir uma norma penal, de Direito Público, teremos um ilícito penal.
No ilícito civil, a norma violada pelo agente é de Direito Privado.
O professor Sérgio Cavalieri[9] ressalta que por mais que buscassem, os autores não encontraram uma diferença substancial entre o ilícito civil e o penal. Ambos, como já ficou dito, importavam em violação de um dever jurídico, ou seja, em infração da lei.
Lembra o professor Cavalieri[10] que Beling já acentuava que a única diferença entre a ilicitude penal e a civil é somente de quantidade ou de grau; está na maior ou menor gravidade ou imoralidade de uma em cotejo com outra. O ilícito civil é um minus ou residum em relação ao ilícito penal.
Podemos então concluir que aquelas condutas humanas mais graves, que atingem bens sociais de maior relevância, são sancionadas pela lei penal, ficando para a lei civil a repressão das condutas menos graves.
Existem condutas que podem resultar, ao mesmo tempo, em violação à lei civil (ilicitude civil) e à lei penal (ilicitude penal).
Há, portanto, dupla ilicitude, e sua caracterização dependerá de sua gravidade. Por exemplo: – o motorista que, dirigindo com imprudência ou imperícia, acaba por atropelar e matar um pedestre fica sujeito à sanção penal pelo crime de homicídio culposo e, ainda, obrigado a reparar o dano aos descendentes da vítima.
Em tal caso, como se vê, haverá dupla sanção: a penal, de natureza repressiva, consistente em uma pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, e a civil, de natureza reparatória consubstanciada na indenização.
São razões puramente de conveniência política que determinaram a punição de certos ilícitos na esfera do Direito Civil em vez de o serem na órbita do Direito Penal.
Para o Direito Penal é transportado apenas o ilícito de maior gravidade objetiva, ou que afeta mais diretamente o interesse público, passando, assim, o ilícito penal. O ilícito civil, de menor gravidade, não reclama a severidade da pena criminal, nem o vexatório striptus judiciae.
Lembra o professor Sérgio Cavalieri[11] que outra não é a razão pela qual a sentença penal condenatória faz coisa julgada no Cível quanto ao dever de indenizar (an debeatur) o dano decorrente do crime, consoante os arts. 91, I, do Código Penal, 63 do Código de Processo Penal e 584, II, do Código de Processo Civil, sendo o ilícito e a culpa penais mais graves, caracterizado o ilícito mais grave, está também caracterizado o menos grave.
2.7.1 Responsabilidade contratual e extracontratual
Uma pessoa pode causar prejuízo a outrem por descumprir uma obrigação contratual (dever contratual). Por exemplo: o ator que não comparece para dar o espetáculo contratado; o comodatário que não devolve a coisa que lhe foi emprestada porque, por sua culpa, ela pereceu.
O inadimplemento contratual acarreta a responsabilidade de indenizar as perdas e danos, nos termos do artigo 389 do Código Civil.
Quando a responsabilidade não deriva de contrato, mas de infração ao dever de conduta (dever legal) imposto genericamente no artigo 927 do mesmo diploma, diz-se que ela é extracontratual ou aquiliana.
Embora a conseqüência da infração ao dever legal e ao dever contratual seja a mesma (obrigação de ressarcir ao prejuízo causado), o Código Civil brasileiro distinguiu as duas espécies de responsabilidade acolhendo a teoria dualista e afastando a unitária, disciplinando a extracontratual nos artigos 186 e 187, sob o título “Dos Atos Ilícitos”, complementando a regulamentação nos artigos 927 e seguintes e a contratual, como conseqüência da inexecução das obrigações, nos artigos 389, 395 e seguintes, omitindo qualquer referência diferenciadora. No entanto, algumas diferenças podem ser apontadas:
a) na responsabilidade contratual, o inadimplemento presume-se culposo. O credor da lesão encontra-se em posição mais favorável, pois só está obrigado a demonstrar que a prestação foi descumprida, sendo presumida a culpa do inadimplente. É o caso do passageiro de um ônibus que fica ferido em colisão deste com outro veículo; por ser contratual (contrato de adesão) a responsabilidade do transportador, que assume, ao vender a passagem, a obrigação de transportar o passageiro são e salvo (cláusula de incolumidade), a seu destino;
b) na extracontratual, ao lesado incumbe o ônus de provar culpa ou dolo do causador do dano (caso do pedestre que é atropelado pelo ônibus e que tem o ônus de provar a imprudência do condutor);
c) a contratual tem origem na convenção, enquanto a extracontratual atém na inobservância do dever genérico de não lesar a outrem (neminem laedere);
d) a capacidade sofre limitações no terreno da responsabilidade contratual, sendo mais ampla no campo da extracontratual.
2.7.2 Responsabilidade Civil e Responsabilidade Penal
De acordo com o professor CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA[12] – dada a sua freqüência na problemática social e sua incidência no quotidiano das especulações, a tendência absorvente da Responsabilidade Civil quase a torna “centro das atividades jurídicas”.
Nos diversos ordenamentos jurídicos, em nível internacional, não é homogênea a postura frente à responsabilidade civil. Antônio Lindbergh C. Montenegro[13] em sua obra de responsabilidade civil alerta que:
“No estágio atual do direito a responsabilidade civil apresenta tendências diversas de acordo com o desenvolvimento cultural e social dos povos. Nos países do primeiro mundo, assim considerados aqueles de economia forte, verifica-se o fenômeno da diminuição do campo da responsabilidade, com o conseqüente agigantamento de órgãos coletivos de reparação e dos seguros sociais e voluntários. Nos países decadentes, ao contrário, dilata-se a área da responsabilidade civil, mercê de uma legislação demagógica e eleitoreira que, a despeito de proteger as vítimas, entrava o desenvolvimento empresarial, principalmente da pequena empresa”.
O instituto da responsabilidade civil, previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos V e X, garante a reparação econômica dos danos lesivos causados pelo agente à esfera juridicamente garantida de outrem.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:
Inciso V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou a imagem;
Inciso X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
Conforme afirma Caio Mario da Silva Pereira[14], a Constituição estabeleceu o mínimo. Não se trata obviamente de “numerus clausus”, ou enumeração taxativa. Esses, mencionados nas alíneas constitucionais, não são os únicos direitos cuja violação sujeita o agente a reparar. Não podem ser reduzidos, por via legislativa, porque inscritos na Constituição. Podem, contudo, ser ampliados pela legislatura ordinária.
Se, ao causar dano, o agente transgride também, a lei penal, ele torna-se, ao mesmo tempo, obrigado civil e penalmente. A ilicitude é chamada de civil ou penal tendo em vista exclusivamente a norma jurídica que impõe o dever violado pelo agente. Na responsabilidade penal, o agente infringe uma norma penal, de direito público. O interesse lesado é o da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse diretamente lesado é o privado. O prejudicado poderá pleitear ou não a reparação.
A responsabilidade penal é pessoal, intransferível. Responde o réu com a privação de sua liberdade. A responsabilidade civil é patrimonial: é o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações. Ninguém pode ser preso por dívida civil, exceto o depositário infiel e o devedor de pensão oriunda do direito de família.
A responsabilidade penal é pessoal também em outro sentido: a pena não pode ultrapassar a pessoa do delinqüente. No cível, há várias hipóteses de responsabilidade por ato de outrem (art. 932 do Código Civil, por exemplo). A tipicidade é um dos requisitos genéricos do crime. No cível, no entanto, qualquer ação ou omissão pode gerar a responsabilidade, desde que viole direito e cause dano a outrem (CC, arts. 186 e 927). A culpabilidade é bem mais ampla na área cível (a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar).
Na esfera criminal exige-se, para a condenação, que a culpa tenha certo grau ou intensidade. Na verdade, a diferença é apenas de grau ou de critério de aplicação, porque substancialmente, a culpa civil e a culpa penal são iguais, pois têm os mesmos elementos.
A imputabilidade também é tratada de modo diverso. Somente os maiores de dezoito anos são responsáveis criminalmente. No cível, o menor de dezoito anos responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem a obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes, e se a indenização, que deverá ser eqüitativa, não o privar do necessário ao seu sustento, ou ao das pessoas que dele dependem (CC, art. 928, caput, e parágrafo único).
2.8 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
O Código Civil Brasileiro de 1916 adotou a doutrina da culpa, em seu Livro III, Titulo II, artigo 159, onde estabeleceu que quem, por ação ou omissão voluntária, imprudência ou negligência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, será obrigado a reparar o dano.
Os artigos 1518 a 1532 e 1537 a 1553, regulam a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade, verificando-se quatro requisitos essenciais para a apuração da responsabilidade civil subjetiva:
– a ação ou omissão;
– culpa ou dolo do agente;
– o nexo de causalidade;
– o dano sofrido pela vítima.
O dispositivo legal abrange os casos de responsabilidade aquiliana, isto é, assegura o castigo a pessoa que causa um dano a outrem, obrigando-a a ressarcir os prejuízos dele decorridos.
O artigo 159 que fala da ação ou omissão, refere-se a qualquer pessoa, isto é, por ato próprio ou por ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente, bem como os danos causados por animais ou coisas que lhe pertençam. Depois trata do dolo quando se refere a ação ou omissão voluntária para, em seguida, referir-se a culpa, quando fala em negligência ou imperícia, que deve ser provada pela vítima. Seguindo este raciocínio a Lei fala em nexo de causalidade, que é a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano sofrido pela vítima, pois sem ela não há o que se falar em indenização.
O dano deve ser demonstrado, seja ele material ou moral, pois sem sua prova, o agente não pode ser responsabilizado civilmente. Esta é a teoria, adotada pelo Código Civil Pátrio de 1916, cujo pressuposto para o fundamento da responsabilidade é a culpa.
Pressupostos da responsabilidade subjetiva – da análise do art. 186 do CC, que disciplina a responsabilidade subjetiva, também chamada de extracontratual, fica evidente que são quatro os seus elementos essenciais: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e dano.
2.8.1 Ação ou Omissão
A lei refere-se a qualquer pessoa que, por ação ou omissão venha causar dano a outrem. A responsabilidade pode derivar de ato próprio, conforme arts 939, 940, 953 etc do CC; de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente (art. 932) e ainda, de danos causados por coisas (art. 937) e animais (art. 936) que lhe pertençam. No caso de animais, a culpa do dono é presumida – responsabilidade objetiva imprópria. Para que se configure a responsabilidade por omissão é necessário que exista o dever jurídico de praticar determinado fato (de não o omitir) e que se demonstre que, com a sua prática, o dano poderia ter sido evitado. O dever jurídico de não se omitir pode ser imposto por lei (dever de prestar socorro às vítimas de acidentes, imposto a todo condutor de veículos) ou resultar de convenção (dever de guarda, de vigilância, de custódia) e até da criação de alguma situação especial de perigo.
2.8.2 Culpa ou dolo do agente
Com relação à ação ou omissão voluntária, o art. 186 do CC cogita o do dolo. Para em seguida, referir-se à culpa em sentido estrito, ao mencionar “a negligência ou imprudência”. Dolo é a violação deliberada, intencional, do dever jurídico. A culpa consiste na falta de diligência que se exige do homem médio. Para que a vítima obtenha reparação do dano, exige o mencionado dispositivo legal que prove dolo ou culpa stricto sensu (aquiliana) do agente (imprudência, negligência ou imperícia) por ter sido adotada, entre nós a teoria subjetiva. Como essa prova muitas vezes se torna difícil de ser conseguida, o CC algumas vezes presume a culpa, como o faz no art. 936.
E, no parágrafo único do art. 927 dispõe que haverá obrigação de reparar o dano, “independentemente de culpa, nos casos especificados em lei” (leis especiais admitem, em hipóteses específicas, casos de responsabi- lidade independentemente de culpa fundada no risco) “ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Do que se conclui que a responsabilidade subjetiva subsiste como regra necessária, sem prejuízo da adoção da responsabilidade objetiva, nos casos especificados em lei ou de exercício de atividade perigosa.
Com base na extensão da culpa, a teoria subjetiva faz distinções:
– culpa lata ou grave: imprópria ao comum dos homens é a modalidade que mais se avizinha do dolo;
– culpa leve: falta evitável com atenção ordinária;
– culpa levíssima: falta só evitável com atenção extraordinária ou com especial habilidade.
A culpa grave ao dolo se equipara (culpa lata dolus equiparatu). Assim, se em determinado dispositivo legal constar a responsabilidade do agente por dolo, deve-se entender que também responde por culpa grave (CC, art. 392).
No cível, a culpa mesmo levíssima obriga a indenizar (in lege aquilia levíssima culpa venit). Em geral, não se mede o dano pelo grau de culpa. O montante do dano é apurado com base no prejuízo comprovado pela vítima. Todo dano provado deve ser indenizado, qualquer que seja o grau de culpa. Reza o art. 944 do CC que, “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Aduz o parágrafo único que, no entanto, se houver “excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”. Em algumas poucas leis especiais, como na Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67), o grau de culpa pode ter influência no arbitramento do dano.
2.8.3 Relação de Causalidade
Relação de causalidade é o nexo causal entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. É expresso no verbo “causar”, consoante o art. 186. Sem ela não existe a obrigação de indenizar.
Se houve dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e, por via de conseqüência, a obrigação de indenizar. As excludentes da responsabilidade civil, como a culpa da vítima e o caso fortuito e a força maior (CC, art. 393), rompem o nexo de causalidade, afastando a responsabilidade do agente.
Assim, se a vítima, querendo suicidar-se, atira-se sob as rodas do veículo, não se pode afirmar ter o motorista “causado” o acidente, pois na verdade foi mero instrumento da vontade da vítima, esta sim, responsável exclusiva pelo evento.
2.8.4 Dano
A prova do dano é exigência essencial para alguém ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser patrimonial (material) ou extra-patrimonial (moral), ou seja, sem repercussão na órbita financeira do lesado. O CC consigna um capítulo sobre a liquidação do dano, isto é, sobre o modo de se apurarem os prejuízos e a indenização cabível (arts. 944 a 954), com o título “Da Indenização”.
Mesmo que haja violação de um dever jurídico, existindo culpa e até mesmo dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida uma vez que não se tenha verificado prejuízo. A ausência de dano torna sem objeto a pretensão à sua reparação. Às vezes a lei presume o dano, como acontece na Lei de Imprensa, que pressupõe a existência de dano moral em casos de calúnia, difamação e injúria praticadas pela imprensa. Acontece o mesmo em ofensas aos direitos da personalidade.
É de lembrar que, como exceção ao princípio de que nenhuma indenização será devida se não tiver ocorrido o prejuízo, a regra do art. 940 do CC, que obriga a pagar em dobro ao devedor quem demanda dívida já paga, como uma espécie de pena privada pelo comportamento ilícito do credor mesmo sem prova de prejuízo.
E, na responsabilidade contratual, pode ser lembrado o art. 416 do CC, que permite ao credor cobrar a cláusula penal sem precisar provar prejuízo.
2.9 RESPONSABILIDADE OBJETIVA
Segundo Caio Mario da Silva Pereira[15], campo fértil aos debates e aos litígios, a responsabilidade civil tem procurado libertar-se do conceito tradicional de culpa. Esta é, às vezes, constritora e embaraça com freqüência a expansão da solidariedade humana. A vítima não consegue, muitas vezes, vencer a barreira processual, e não logra convencer a Justiça dos extremos da imputabilidade do agente. Desta sorte, continuando, embora, vítima, não logra o ressarcimento.
É verdade que a tendência é o alargamento do conceito de culpa, e conseqüente ampliação do campo da responsabilidade civil, ou do efeito indenizatório. Uma corrente, dita objetivista, procurou desvincular dever de ressarcimento de toda idéia de culpa.
Dois são os tipos de responsabilidade civil:
– a) a primeira fundada na culpa, caracterizada esta como um erro de conduta ou transgressão de uma regra predeterminada, seja de natureza contratual , seja extracontratual;
– b) a segunda, com a abstração da idéia de culpa, estabelecendo ex lege a obrigação de reparar o dano, desde que fique positivada a autoria de um comportamento, sem necessidade de se indagar se foi ou não foi contrário a predeterminação de uma norma. Uma vez apurada a existência do fato danoso, caberá indenização por parte do ofensor ou de seu preponente: mas, como se não cuida aqui de imputabilidade da conduta, somente a de ter cabida naqueles casos expressamente previstos na lei, pois é claro, se for deixado sem uma frenação conveniente, a conseqüência será o inevitável desaparecimento da primeira, com os inconvenientes acima apontados, da equiparação da conduta jurídica a antijurídica. A regra, que presidir a responsabilidade civil, e a sua fundamentação na idéia de culpa; mas, sendo insuficiente esta para atender as imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção.
Não será sempre que a reparação do dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando o autorizar a ordem jurídica positiva. É neste sentido que os sistemas modernos se encaminham, como, por exemplo, o italiano, reconhecendo em casos particulares e em matéria especial a responsabilidade objetiva, mas conservando o princípio tradicional da imputabilidade do fato lesivo.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor abraçou de forma genérica a teoria da responsabilidade objetiva, aceitando a doutrina do risco criado (Lei n. 8.078, de 11.09.1990, art.12).
O Código Civil de 2002 não ficou imune ao desenvolvimento civil sem culpa, tendo em diversas hipóteses previsto este tipo de responsabilidade.A regra mais importante e a do parágrafo único do art. 927, que instituiu uma clausula geral de responsabilidade objetiva, ao determinar que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
3. RESPONSABILIDADE PELO FATO DAS COISAS
3.1 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA
Só é possível falar em responsabilidade pelo fato das coisas quando ela da causa ao evento sem culpa direta do dono ou detentor da coisa, como por exemplo, um painel publicitário que se desloca e cai sobre uma vítima, a porta do elevador que se abre incorretamente e causa a queda da vítima, entre outras.
Não é admissível responsabilizar arbitrária e indiscriminadamente qualquer um por ser responsável pelo fato da coisa, mais sim somente aquele que tem relação com a coisa, ou seja, aquele que exerce o poder de guarda sobre a mesma. Não necessita ser necessariamente o dono da coisa, mas tão somente seu detentor, aquele que possuía, no momento do evento danoso, a guarda e o controle sobre a coisa.
Segundo MARIA HELENA DINIZ[16], a responsabilidade pelo fato da coisa se apresenta sob duas modalidades, abrangendo a responsabilidade por dano causado por animais (CC,art.936) e a responsabilidade pelo fato de coisa inanimada, abrangendo não só os casos do Código Civil, arts. 937 e 938, mas também outros, como os transportes.
O animal e as coisas são objetos de guarda, de maneira que essa responsabilidade pelo fato da coisa baseia-se na obrigação de guardar.
Responderão pelos danos causados por animais ou por coisas inanimadas tanto o seu proprietário como o seu detentor ou possuidor, pois o dever de indenizar decorre da negligencia na guarda ou na direção do bem.
A respeito da “noção de guarda” cabe lembrar o que ensina Caio Mário da Silva[17], para quem: "Guarda é aquele que tem a direção intelectual da coisa, que se define como poder de dar ordens, poder de comando, esteja ou não em contato material com ela".
Normalmente cabe ao proprietário da coisa a responsabilidade por sua guarda, entretanto, tal presunção é relativa, uma vez que é possível mediante prova que a guarda e o poder de direção sobre a coisa foi transferida a outrem, ou ainda, pode o proprietário tê-la perdido, por motivo justificável (furto, roubo, etc.).
3.2 RESPONSABILIDADE POR FATOS DE ANIMAIS
Segundo SILVIO RODRIGUES[18], a respeito do dano causado por animais,o novo Código modificou profundamente a legislação anterior. Com efeito, o art. 936 do novo diploma introduziu a regra dentro dos quadros da teoria da responsabilidade da guarda da coisa inanimada. O guarda da coisa inanimada responde pelo dano por esta causado a outrem e só se libera de tal responsabilidade provando a culpa da vítima ou a existência de força maior.
Ora o art. 1.527 do Código 1916 permitia que o dono do animal que causou dano a outrem se evadisse da responsabilidade, mediante mera prova que atuou sem culpa.
Dentro da teoria da guarda só se permite a exoneração do guarda se provar caso aleatório, força maior ou culpa da vítima, não podendo desvencilhar-se do dever de ressarcir o dano mediante mera demonstração de que agiu diligentemente.
Em sua íntegra, dispõe o artigo 1527:
“Art. 1.527. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar:
1) que o guardava e vigiava com cuidado preciso;
2) que o animal foi provocado por outro;
3) que houve imprudência do ofendido;
4) que o fato resultou de caso fortuito, ou força maior.”
Segundo MARIA HELENA DINIZ[19], a responsabilidade civil funda-se, ora no risco, hipótese em que será objetiva, ora na culpa, sendo, então, subjetiva. Essa responsabilidade civil do proprietário ou do detentor, portanto, rege-se, concomitantemente, por normas inspiradas na teoria clássica da responsabilidade, fundada na culpa, e por normas inferidas da moderna teoria objetiva da responsabilidade, que elimina o conceito subjetivo, para fundá-la na idéia de que o risco da coisa deve ser suportado pelo seu proprietário ou possuidor, pelo simples fato de ele ser o titular do domínio ou da posse. Claro está que o proprietário ou possuidor não poderá ser responsabilizado se não houver nexo de causalidade entre o dano causado pela coisa e a sua conduta. Deverá haver, pelo menos, um vínculo entre o prejuízo ocasionado pela coisa e o comportamento comissivo ou omissivo do seu titular, que deverá ser o autor indireto do referido evento lesivo.
3.2.1 Responsabilidade do Guarda do Animal
Ao exercer os seus poderes sobre o animal, o seu dono ou detentor poderá causar, indiretamente, dano tanto aos bens pertencentes a terceiros como a integridade física de alguém, caso em que deverá ser responsabilizado, tendo obrigação de indenizar os lesados. Os donos ou detentores de animais, domésticos ou não, deverão ressarcir todos os prejuízos que estes porventura causarem a terceiros.
Sua responsabilidade por dano causado pelo animal na integridade física ou patrimonial de outrem tem por base a presunção de culpa, com circunstâncias expressamente constantes no art. 936 do Código Civil, estabelecido no fato de que lhe incumbe guardar e fiscalizar o animal, logo, indiretamente, pode decorrer do comportamento o próprio detentor ou proprietário, hipótese em que se aplicarão os princípios concernentes a culpa in vigilando.
O dever de vigiar o animal dependerá muito do fato de ser ele selvagem ou doméstico, assim, se for feroz, deverá ter maior cautela na sua guarda. O proprietário ou detentor do animal cumprirá a obrigação de vigilância se tomou todas as providências ou precauções para evitar que ele danifique pessoa, coisa ou plantações.
Por todos os danos causados por animal, responderá seu proprietário, ou quem detiver a sua guarda, e que será responsável, sendo que uma responsabilidade exclui a outra, exceto se se tratar de empregado.
Haverá, por exemplo, responsabilidade do dono ou detentor do animal:
– a) Pelo contágio de uma enfermidade transmitida a outrem pelo animal enfermo, por exemplo, se o cão transmitir raiva a alguém. Sendo uma enfermidade característica e comum nos cães, não poderá ser invocada como escusa do proprietário, porque, estando doente o animal, maior deveria ser sua vigilância e, além disso, deveria ter tomado as devidas providências para evitar aquela enfermidade, como por exemplo, ter vacinado seu cão contra essa doença.
– b) Pelos danos causados a terceiros em sua pessoa, em objeto que lhe pertence, ou em sua lavoura (R T, 464:104, 523:239, 422:181, 557:215; ciência jurídica, 55:132). Por animais de pequeno ou de grande porte, por não ter cercado sua propriedade para deter nos seus limites não só ave doméstica e animais, tais como cabritos, porcos e carneiros, que exigem tapumes especiais, como também gado vacum, cavalar e muar, que requerem tapume comum, impedindo sua passagem ao terreno vizinho (CC,art.1.297). Os tapumes especiais, que visam impedir passagens de animais de pequeno porte, apresentam-se como uma obrigação dos proprietários e detentores desses animais, que, se não o construírem, estarão sujeitos ao pagamento de todos os prejuízos causados por esses animais no prédio contíguo, a menos que haja alguma das causas excludentes da responsabilidade civil (RT, 169:68, 222:434, 285:630, 155:239, 290:369, 321:391, 422:181, 444:81, 526:79, 425:103; ciência jurídica, 55:132). Por outro lado a introdução de animais em imóvel alheio por ausência de tapumes pode configurar o crime previsto no art.164 do Código Penal.
– c) Pelos danos ocasionados por picadas de abelhas que lhe pertencem ou por mordida de animais de sua propriedade (RT,237:283); pois o ataque demonstra que houve negligência na vigilância dos mesmos, a não ser que prove culpa da vítima ou ocorrência de força maior (CC,art.936).
Infere-se desses exemplos que, se a vítima demonstrar o dano e o ato causador e estabelecer o nexo de causalidade entre o dano sofrido e o ato do animal, configurar-se-á responsabilidade do seu dono ou detentor, que só se exonerara se comprovar uma das excludentes legais (RT, 309:678). A prova do liame de causalidade incumbirá à vítima.
3.3 A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
Demandas e litígios são solucionados caso por caso. À medida que os casos concretos se repetem, é natural que sentenças e acórdãos passem a consolidar uma orientação uniforme, de tal forma que se pode depreender, antecipadamente, e com segurança quase total, como decidirão os tribunais a respeito de casos que, a eles submetidos, encontram precedentes nas decisões anteriores. Esta uniformidade de decisões a respeito de um caso determinado se chama jurisprudência. Sobre este tema assim tem entendido nossos tribunais:
"Indenização – Responsabilidade Civil – Ato do preposto – Empregada doméstica que convida colega de profissão para adentrar na residência dos patrões, à noite. Ataque de cão feroz – Lesões graves no couro cabeludo da vítima – Ausência de cuidados na guarda e vigilância dos cães – Precauções da empregada, insuficientes para impedir o ataque – Verba devida – Recurso parcialmente provido" (1º TACiv, SP, 8ª C.C.; Ap. Civ. Nº 204.963-1 SP, j. 22.6.1995, v.u., Re. Juiz Osvaldo Caron)."
"Responsabilidade pela guarda de animais – Danos às plantações de vizinho – Arts. 1.527 e 588 do Código Civil – Honorários de Advogado na assistência judiciária. Em zona de minifúndio agrícola, é ao proprietário de gado que incumbe a iniciativa na construção de tapumes, de molde a impedir a invasão da propriedade lindeira e prejuízos às plantações alheias. As normas do Art. 588 do Código Civil hão de ser consideradas de acordo como disposto no Art. 1.527, do mesmo diploma legal, e os costumes locais" (STJ, 4ª T. Resp. nº 6.619 – RS, Rel. Min. Athos Carneiro, j. 19.03.1991, v.u., DJU-I, de 22.4.1991, pág 4.793, in Boletim da AASP nº 1.695, de 19 a 25.6.1991, pág. 162)."
Nos termos do CC, art. 1.527, será responsável pelo ressarcimento do dano causado pelo animal o seu proprietário ou detentos (Ac. 3ª T, TJDF, Ap Cív. 35.365). O dano é objetivo. O réu é que terá de provar que guardava e vigiava o animal com o cuidado devido. "Para o lesado há tão somente o ônus de demonstrar o prejuízo e o nexo causal. Para o dono do animal é que se carreia o encargo de provar uma das causas exonerativas da Lei". (Ac. TJMG, Ap. Civ. 62.663).
“2005.001.38671 – APELACAO CIVEL. DES. WANY COUTO – Julgamento: 04/01/2006 – DECIMA CAMARA CIVEL – TJ-RJ
Responsabilidade civil. Lesão sofrida em ataque de cão feroz. Danos estéticos e morais. Obrigação do proprietário do animal de guardá-lo em segurança para que não ataque pessoas ou animais. Art. 1527 – CC Quadro probatório da autora, incluindo depoimentos testemunhais e fatos. Não demonstrado pela ré qualquer excludente de responsabilidade. Correta a decisão monocrática de procedência que ora se mantém. Desprovimento do apelo.”
“2005.001.34634 – APELACAO CIVEL DES. MARIA AUGUSTA VAZ – Julgamento: 18/10/2005 – PRIMEIRA CAMARA CIVEL – TJ-RJ AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS DECORRENTES DE LESÃO CORPORAL. Lesão corporal que gerou perda de visão no olho esquerdo do apelado. Demonstração do dano, culpa e nexo de causalidade pelos elementos colhidos nos autos, impondo-se o ressarcimento pelos danos morais e patrimoniais causados. Não se justifica a agressão física pelo fato de animal de propriedade do apelado ter invadido terreno do apelante e menos ainda justifica a alegação de culpa exclusiva da vítima. Montante indenizatório fixado com base no princípio da razoabilidade, não merecendo qualquer redução. Honorários advocatícios que não podem ser inferiores a 10% do valor da condenação, por disposição do artigo 20 do CPC. Sentença que se mantém.”
Na Apelação Cível 9069613-42.2009.8.26.0000 (994.09.340.176-3) do Tribunal de Justiça de São Paulo, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator: NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA. A turma julgadora referendou sentença de primeira instância que condenava o dono do pitbull a pagar R$ 5.250,00, como forma de recompensar o dano moral sofrido. Para o relator, desembargador Natan Zelinschi, a maneira como se deu a morte da cadela de estimação, estraçalhada pelo cão de guarda, trouxe angústia e desgostos aos seus proprietários. “O réu, sendo possuidor de um cão da raça pitbull, deve observar os cuidados necessários de forma constante e com prevenção apurada”, afirmou o relator Natan Zelinschi. Para a decisão, a turma julgadora se baseou em depoimento das testemunhas que comprovariam a responsabilidade do dono do animal de guarda.
“Quem se predispõe a possuir um cão da raça pitbull deve suportar a responsabilidade correspondente, mesmo porque, restou caracterizada a anomalia na grade que separa o imóvel utilizado pelo réu do passeio público, o que permitiu o ataque do perigoso animal contra a inofensiva cachorrinha dos autores”, anotou N Zelinschi.[20]
Em decisão do Juizado Especial do Rio de Janeiro, o professor de jiu-jitsu Alexandre Leonardo Carvalho Ferreira foi condenado a pagar indenização por danos morais de 30 salários mínimos (R$ 4.080,00) à vítima atacada por seu cachorro, da raça pitbull. Também foi arbitrada indenização de R$ 138,64 por danos materiais. A decisão foi tomada pela 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Rio de Janeiro, por unanimidade, e é definitiva.
Em julho do ano passado, o comerciário Renato dos Santos Simões foi atacado por um dos cães criados por Alexandre. Simões levou diversas mordidas e oito pontos no rosto. Na ocasião, o cão estava sendo conduzido por um menor com apenas uma coleira improvisada por uma faixa de jiu-jitsu, não tinha focinheira nem enforcador. Em seu voto, o relator do processo, juiz Cleber Ghelfenstein, entendeu que a responsabilidade do réu "decorre da negligência na guarda do cão e imprudência em permitir que um animal tão feroz fosse conduzido a passeio, às 11h da manhã".
Pelo acórdão, "emerge daí a inequívoca responsabilidade do réu ao consentir que o animal pudesse ser levado a passeio pelas ruas, naquela hora, e sem focinheira". Para os juízes, o professor assumiu "o risco de tal procedimento, devendo assumir as consequências daí advindas". A decisão tem como base a relator a Lei Estadual 3.205/99, que determina que os cães da raça pitbull só podem circular nas ruas das 22h às 5h, conduzidos por maiores de 18 anos, portando guia com enforcador e focinheira.[21]
3.4 CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO DONO OU DO DETENTOR DO ANIMAL
O nosso Código Civil, no art. 936, dispõe que o dono ou detentor do animal deverá ressarcir o dano por este causado a pessoas, a coisas ou plantações (RT, 579:100, 295:428; RF, 192:294), mesmo que prove que o guardava e vigiava com o cuidado preciso (RT, 444:88, 444:71 2 81). O proprietário ou detentor não se libertará da responsabilidade pelo fato de animal se provar que exerceu a diligência e a vigilância precisas para evitar o evento danoso, que, apesar de seu cuidado, adveio de um fato externo imprevisível irresistível. Cumprirá ao magistrado, ante o disposto no art. 936, verificar se no caso sub judice houve ou não culpa da vítima ou força maior. Logo, tal verificação é deferida ao prudente arbítrio do juiz (RT, 436:79, 309:678 e 589:109). Em regra, a responsabilidade do dono ou detentor advém do fato de não ter vigiado o animal convenientemente tanto que só não será responsável se provar culpa da vítima ou força maior. Assim se houver falta de cuidado do dono do animal, por não ter tomado as precauções necessárias no caso, ao tipo de animal. Se o prejuízo resultar do próprio impulso do animal, seu dono ou detentor será responsável.
O dono ou detentor isentar-se-á de ressarcimento de prejuízo causado a pessoa, coisa ou plantação, pelo animal que estava sob sua direção ou vigilância, se demonstrar que houve provocação imprevisível e inevitável de outro bicho, ou lhe sendo possível evitar o evento lesivo (força maior). Neste caso a responsabilidade passará a ser do proprietário ou detentor do animal provocador. Se porventura não se puder apurar qual é o animal provocador, o quantum dos prejuízos causados deverá ser distribuído entre ambos os proprietários (CC.art.945 c/c 936).
Se o ofendido agiu imprudentemente, por exemplo, por ter-se aproximado de um animal sem as necessárias cautelas, mesmo sabendo que ele era perigoso. A imprudência é culpa comissiva e militante. Em oposição à negligencia, que é culpa omissiva, logo, se o Código Civil se refere à culpa (o que abrangeria a imprudência e a negligência), está evidente que atina às hipóteses em que a falta do lesado consiste também na omissão de cautelas.
O art. 936 do Código Civil alude, por exemplo, aos casos em que o indivíduo provoca um cachorro feroz, sendo por este atacado ou ferido (RT, 257:485). Se a vítima fustigou ou açulou o cão que a mordeu ou montou cavalo bravo, sem ter experiência necessária, ou picou as esporas no cavalo que abusivamente montou, não haverá que se falar em responsabilidade do dono do animal.
Por outro lado, não se poderá considerar imprudência do ofendido, mas sim legítima defesa, o pontapé que desferiu no cão que o procurou morder. A simples providência da vítima no sentido de procurar conter, espantar ou desviar o animal não pode escusar seu proprietário ou detentor por serem gestos naturais de quem se sente em perigo. Se a imprudência da vítima e a negligência do guarda forem causas do ato danoso, ter-se-á culpa concorrente da vítima, hipótese em que a indenização do prejuízo (CC, art. 945) será fixada, levando-se em conta a gravidade da culpa do lesado em confronto com a do dono ou detentor do animal.
Se o caso resultou de caso fortuito ou força maior (RT, 406:138), ante sua imprevisibilidade. O roubo ou furto do animal que causou o dano escusara seu dono da responsabilidade se este provar que não agiu com negligência na guarda do animal e que não pode prever ou impedir a perda do animal, caso em que se terá caso fortuito. Mas, se puder comprovar que o desapossamento se deu a caso fortuito, será responsável pelo prejuízo causado, mesmo que subseqüente ao furto do animal.
O Código Civil, art.936, ao estatuir que “o dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”, procura limitar as excludentes da responsabilidade.
Percebe-se que a responsabilidade do dono ou detentor do animal funda-se na idéia de culpa presumida, devendo, para dela se eximir, provar qualquer uma dessas circunstâncias excludentes no art. 936 do Código Civil (RT, 535:111, 526:60, 495:217, 458:199, 444:81, 526:79, 523:96, 518:228, 508:193, 493:54, 464:92, 462256). Daí ser uma presunção júris tantum de responsabilidade, recaidiço sobre a guarda do animal, pelos danos por este causados à terceiro, que será ilidível pela prova da culpa do ofendido e da ocorrência de força maior ou caso fortuito. Só ao proprietário ou detentor do animal é que incumbirá a demonstração da causa exonerativa.
Além da responsabilidade civil, há a penal, pois a Lei das Contravenções Penais considera como contravenção a omissão de cautela na guarda ou condução de animais (art. 31).
4. OS DISPOSITIVOS REGULADORES DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
4.1 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE
O Código Civil vigente trata da Responsabilidade Civil em capítulo próprio e especificamente sobre a responsabilidade por dano causado por animais em seu Artigo 936, que assim estabelece: ”Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.”
No mesmo diploma legal, já no capítulo relacionado ao Direito de Vizinhança, na seção dos Limites entre Prédios e do Direito de Tapagem, estabelece em seu Artigo 1.297 e § 3º:
– ”Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.”
– ”§ 3º: A construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de pequeno porte, ou para outro fim, pode ser exigida de quem provocou a necessidade deles, pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as despesas.”
Referido tema ainda comporta sanções nas vias penais, uma vez que há tipificação do mesmo no Decreto-Lei nº 3.688 /41 (Lei das Contravenções Penais) que assim aduz em seu Artigo 31:
– ”Omissão de cautela na guarda ou condução de animais:
– Art. 31: Deixar em liberdade, confiar à guarda de pessoa inexperiente, ou não guardar com a devida cautela animal perigoso:
Pena: prisão simples, de 10 (dez) dias a 2 (dois) meses, ou multa.
Parágrafo único: Incorre na mesma pena quem:
a) na via pública, abandona animal de tiro, carga ou corrida, ou o confia a pessoa inexperiente;
b) excita ou irrita animal, expondo a perigo a segurança alheia;
c) conduz animal, na via pública, pondo em perigo a segurança alheia.”
Diz o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1518, que o causador do dano – ofensa ou violação de direito alheio – responde com os seus bens pela reparação do prejuízo causado.
É também nele que vem inserta, em seu artigo 159, a noção de responsabilidade civil adotada em nosso ordenamento: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.”
Filiou-se, pois o Código Civil à teoria de que a responsabilidade civil surgirá a partir da constatação de culpa, atingindo a todos que de uma maneira ou outra estejam vinculados ao prejuízo – dano causado. Admite o Código Civil a responsabilidade sem culpa apenas em questões restritas, raras e especialíssimas.
A avaliação da responsabilidade, bem como a verificação da culpa, são reguladas pelo estatuído no Código Civil Brasileiro, nos artigos 1.518 a 1532 e 1.537 a 1.553.
A obrigação de indenizar surgirá no momento da ocorrência de três pressupostos:
1 – do dano – prejuízo;
2 – o ato ilícito, ou o risco – dependendo da lei exigir ou não a culpa do agente;
3 – o nexo causal entre os dois pressupostos anteriores.
Outro artigo de relevância do Código Civil pátrio é o de número 1056 (“Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos”) no regramento dos efeitos da responsabilidade civil.
O fundamento principal da responsabilidade civil está na culpa. Essa, no entanto, tem se mostrado insuficiente para cobrir toda a variedade de prejuízos indenizáveis. Atualmente, os juristas estão convencidos de que a responsabilidade civil construída sobre o conceito de culpa já não satisfaz.
5. A LEI ESTADUAL CONHECIDA COMO “LEI DO PITT-BULL
5.1HISTÓRICO
O problema com cachorros ferozes é mundial, inclusive paises de primeiro mundo como a Suíça em que seu governo pretende banir os pittbulls e adotar medidas mais severas para o controle de cães considerados perigosos, como o rottweiler e o dobermann. O objetivo é evitar tragédias como a que ocorreu no fim de 2005, quando um menino de seis anos morreu após ter sido atacado por três pittbulls. Segundo a proposta do governo suíço, os donos desses cães terão que provar a origem do animal e receber autorização de posse. Conforme noticiou o Jornal do Brasil de 14 de janeiro de 2006.
A lei 3205/99, que restringe a circulação dos pitt-bulls pelas ruas do Rio de janeiro, que finalmente foi regulamentada em julho de 2005, por decreto da governadora, revista, a partir de projeto de lei, acabando-se com a restrição de horários para o passeio de cães ferozes.
O decreto governamental inclui no mesmo pacote outra lei sobre cães ferozes, como o rottwailler e o fila. A lei pune basicamente o dono irresponsável, com multas e indenizações por danos morais e materiais. Mas a restrição de horário para passeio dos cães deveria ser revogada.
Em agosto de 2005, o deputado Carlos Minc entrou com projeto de lei para corrigir essa questão, juntamente com a deputada Alice Tamborindeguy. O deputado Noel de Carvalho também entrou com um PL, devendo ser unificados de comum acordo.
O deputado Carlos Minc não é a favor da restrição de horário, pois se o cão tem coleira, enforcador, focinheira e é conduzido por maior de idade, longe da porta das escolas, não pode atacar ninguém. É óbvio que os cães necessitam de sol para viver, indo às ruas para se exercitar, mas as crianças também tem direito ao sol, o que e vedado nas praças por pitt-bulls sem focinheiras.
O projeto de lei original – que redundou na Lei 3205/99, a chamada Lei Pitt-bull – permitia a circulação desses animais em qualquer horário, desde que com guia com enforcador e focinheira. Mas recebeu emendas, que o alteraram como a restrição do horário de passeio, das 22h às 5h.
Ao regulamentar duas leis em conjunto, em julho de 2005, o decreto governamental acabou estendendo essa restrição para outros cães, o que devera ser corrigido pelo novo PL.
O deputado Carlos Minc defende a vida das pessoas e também dos animais. Queremos garantir que as focinheiras sejam largas o bastante para garantir a respiração dos cães pelo nariz e pela boca.
Minc consultou leis de 42 países que proibiram ou restringiram fortemente o pitt-bull, como em França e na Inglaterra. A maior parte da população e fortemente favorável a Lei do Pitt-bull, que é preventiva a integridade e a vida de animais, crianças e adultos.
A Lei do Pittbull foi solicitada a Minc por quatro entidades de defesa dos animais, como Falabicho. Proprietários de pitt-bulls entraram no STF contra a lei em 2000, alegando que contrariava o direito de propriedade e o de ir e vir. Mas o Supremo Tribunal Federal julgou que o direito a vida e a integridade prevaleciam sobre o direito a propriedade. A lei continuou então valendo, a espera de regulamentação, o que ocorreu em julho de 2005.
5.2 REPERCURSÃO SOCIAL DA SUA APLICAÇÃO
Bastante controvertida na sociedade, a Lei do Pitt-bull possui mais simpatizantes do que os que são contra. A verdade é que não se vê mais a exposição diária que o pitt-bull tinha na mídia a um ano atrás, sinal de que os ataques de cães ferozes diminuíram significativamente, fazendo com que a sociedade se sinta mais segura.
No dia 17 de dezembro de 2005 o Jornal do Brasil publicou nota sobre a prisão de Renato P. L. Filho por andar com dois rotweillers sem focinheira na Praia da Barra (RJ), pois desrespeitou a lei estadual 3205/99 que proíbe o trafego de cães ferozes sem focinheira e enforcador. O réu respondia por omissão de cautela na guarda ou condução dos animais. O juiz Joaquim Domingos de Almeida afirmou que o réu não teria condições de conter os animais, o condenando a 15 dias de prisão.
Observe-se algumas opiniões colhidas no sitio eletrônico www.melhoramigo.flog.oi.com.br:
“1) Onde estão as estatísticas que sustentam que este animal deva ser exterminado? Até agora só apareceram declarações emocionais. A revista Época, na edição de Domingo passado, cita dados do Ministério da Justiça que apontam para 400.000 acidentes com cães no anos passado. O pit bull, este monstro que acham que merece ser exterminado, contribuiu com 14 (QUATORZE!) incidentes no eixo Rio-SP.
2) Segundo o Deputado Carlos Minc (RJ), o cão é completamente louco, instável e naturalmente assassino. Só que ele esqueceu de contar que existem de 2500 a 3000 deles no Estado do Rio de Janeiro, que foi o primeiro Estado a começar com essa arbitrariedade. Quantas mortes estes cães já causaram? Quantas pessoas da própria residência foram mordidas? Como pode estar competindo em provas de obediência e trabalho, sendo inclusive campeão brasileiro de adestramento (falo do cão Jeep, que apareceu no Gugu)?
3) O acusam de ser um "cão de laboratório". O que significa ser feito em laboratório? A raça já existia exatamente como é hoje há 150 anos. Fruto de cruzamentos? TODAS as raças o são! Não existem canídeos selvagens de orelhas caídas e pelo que cresce indefinidamente, como o poodle e o cocker spaniel, portanto estes também são de laboratório.
4) Porque as opiniões de cientistas do gabarito da Dra. Hanelore Fuchs e João Telhado não são ouvidas? Porque os professores universitários não são ouvidos? Porque os treinadores não são ouvidos? Porque os veterinários e o seus Conselhos Regionais não são ouvidos? Porque os canis não são visitados e feita uma avaliação estatística séria por parte do Centro de Controle de Zoonoses com o apoio de membros da sociedade?
5) A opinião pública É CONTRÁRIA AO EXTERMÍNIO DA RAÇA! Isto foi mostrado no Fantástico, quando 73% dos ouvintes rejeitaram a proibição. Nas passeatas, os cães são aplaudidos e as crianças brincam com eles. Nas exposições em SP não ocorre um único incidente. Os donos de todas as raças se mostram contrários. As comunidades de donos de cães também. Resta apenas a Rede Globo, martelando as pessoas diariamente. No JB, quando aparece algo, é a favor. Dá espaço a cartas e pouco espaço à notícia, colocando-a na sua verdadeira dimensão. Detalhe: o Sr. Roberto Marinho é o principal criador brasileiro de Ridgeback, um cão violentíssimo usado para caçar leões e que já causou acidentes em exposições. Seu funcionário Faustão cria Cane Corso, outro cão extremamente violento.”
Atualmente, percebe-se, na cidade do Rio de Janeiro, que a Lei 3.205 é uma lei que “não pegou”, ou que ao que tudo indica, o Estado não se empenha em fiscalizar aqueles que não cumprem os ditames da mesma. Com já dito alhures, houve uma significante redução dessas espécies perigosas em nosso convívio, alguns proprietários seguem as normas de segurança legais, mas os que não as seguem, não sofrem qualquer tipo de repreensão policial, multa ou apreensão do animal; como diz o jurista Rudolf Von Ihering[22]: “a norma que se tem desprezado e calcado, deve ser defendida sob pena de torná-la uma frase vazia de sentido”.
5.3 O TEXTO DA LEI
“LEI Nº 3205, DE 09 DE ABRIL DE 1999, com redação dada pela Lei 4597 de 16 de setembro de 2005
DISPÕE SOBRE A IMPORTAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, CRIAÇÃO E PORTE DE CÃES DA RAÇA PITT-BULL, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS
O Governador do Estado do Rio de Janeiro,
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º – Fica proibida, em todo o território do Estado do Rio de Janeiro, a importação, comercialização e a criação de cães da raça pitt-bull, bem como de raças que resultam do cruzamento do pitt-bull, por canis ou isoladamente.
* Art. 2º – É obrigatória, a partir dos 06 (seis) meses de idade, a esterilização de todos os cães da raça pitbull, ou dela derivada, no Estado do Rio de Janeiro. (NR) * Nova redação dada pela Lei nº 4597/2005.
Parágrafo único – Os donos dos cães pitt-bull, ou de raças resultantes do cruzamento do pitt-bull, terão um prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a partir da data de publicação desta Lei, para efetuarem a esterilização de seus animais.
Art. 3º – Somente será permitida a posse de animais da raça pitt-bull, ou dela derivada, mediante comprovação de sua esterilização e atualização das vacinas.
Art. 4º – Ficam vedadas:
I – a circulação e a permanência de animais ferozes nas praias;
II – a permanência de animais ferozes em logradouros públicos, precipuamente, locais em que haja concentração de pessoas, tais como ruas, praças, jardins e parques públicos, e nas proximidades de hospitais, ambulatórios e unidades de ensino públicos e particulares. (NR)
§ 1º – A circulação de animais ferozes nos locais referidos no inciso II deste artigo será permitida desde que conduzidos por maiores de 18 (dezoito) anos através de guias com enforcador e focinheira apropriados para a tipologia racial de cada animal.(NR)
§ 2º – Considera-se animal feroz, para efeito do que determina esta Lei, todo animal de pequeno, médio e grande porte que tem índole de fera e coloca em risco a integridade do cidadão, mais especificamente os cães pitbull, fila, doberman e rotweiller. (NR)
§ 3º – Considera-se praia, para efeito do que determina o caput deste artigo, a orla de terra, em declive suave, ordinariamente coberta de areia, e que confina com o mar. (AC) * Nova redação dada pela Lei nº 4597/2005.
* Art. 5º – Os proprietários e/ou condutores de cães da raça pitbull, ou dela derivada, bem como fila, doberman e rotweiller são responsáveis pelos danos que venham a ser causados pelo animal sob sua guarda, ficando sujeitos às sanções penais e legais existentes, além daquelas dispostas no art. 7º desta Lei. (NR) * Nova redação dada pela Lei nº 4597/2005.
Art. 6º – Os donos de cães pitt-bull, ou de raças dela derivadas, ficam obrigados a registrar seus animais no órgão Estadual competente com atuação nos municípios, e comprovar que eles foram esterilizados e estão com as vacinas em dia.
§ 1º – O Poder Executivo Estadual, através de seus órgãos competentes, fica autorizado a estabelecer convênios e parcerias com órgão municipais e instituições de ensino superior que tenham curso de medicina veterinária bem como utilizar os Organismos Estaduais de Segurança Pública, para o fiel cumprimento do disposto nesta Lei.
§ 2º – Qualquer pessoa do povo poderá requisitar força policial, mediante a constatação da inobservância de qualquer dispositivo desta Lei, para intervenção que obrigue o infrator aos desígnios legais.
Art. 7º – O não cumprimento do disposto nesta Lei acarretará ao infrator, proprietário e/ou condutor as seguintes sanções, independentemente de outras sanções legais existentes e pertinentes:
I – multa de 05 (cinco) a 5.000 (cinco mil) UFIR´s, que deverá ser aplicada em dobro e progressivamente, nos casos de reincidência à infração;
II – apreensão do animal nas hipóteses de reincidência, abandono do animal ou ataque deste a pessoa ou a outro animal;
III – reparação ou compensação de danos causados independentemente da agressão ter sido contra pessoas e/ou animais. (NR)
§ 1º – A aplicação da multa prevista no inciso I deste artigo independe da aplicação do disposto nos seus incisos II e III.
§ 2º – Aplicar-se-ão, cumulativamente, as sanções previstas neste artigo, em caso de reincidência. (AC)
§ 3º – No caso de aplicação do inciso II, poderá o dono ser considerado fiel depositário, estando sujeito às multas, reparações, indenizações e restrições determinadas. (AC) * Nova redação dada pela Lei nº 4597/2005.
* Art. 8º – Todos os cães objeto desta Lei que participarem de eventos cinófilos oficiais poderão transitar livremente com o condutor ou proprietário, dentro do local do evento, sem a focinheira. * Acrescido pela Lei nº 4597/2005.
* Art. 9º – O Poder Executivo terá o prazo de 60 (sessenta) dias, contados a partir da data de sua publicação, para regulamentar esta Lei.* Renumerado pela Lei nº 4597/2005.
* Art. 10 – Esta Lei entrará em vigor, na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
* Renumerado pela Lei nº 4597/2005.
Rio de Janeiro, 09 de abril de 1999.
ANTHONY GAROTINHO
Governador”
5.4 ANÁLISE DA LEI
Trata-se de Lei originada de proposta legislativa. A lei em questão objetiva estabelecer medidas para preservar a integridade física das pessoas, devido a violência dos cachorros de raça pitt-bull, doberman, fila e rotweiller.
Sob essa perspectiva, não merece reparos a conduta do Estado, que, ante sua plena capacidade para regular o assunto, exerce o respectivo poder de polícia, ao restringir direitos dos proprietários dos animais referidos na proposição, fazendo-o, em última análise, na preservação do interesse da coletividade, de forma a se evitar que seus membros sejam atacados por cães ferozes.
Com efeito, ao impedir, em seu artigo 1º, a prática da comercialização desses animais, a proposição ingressa, notoriamente, em matéria que se submete no tocante à ação legislativa, ao domínio exclusivo da União, de acordo com a partilha constitucional de competências, tal como deferida no artigo 22, inciso I da Constituição Federal.
Assim, ao incursionar em domínio normativo do ente federativo maior, excluído da atuação legiferante do Estado-membro, o dispositivo apontado vicia-se de inconstitucionalidade, por usurpação de competência legislativa do Poder Central, com ofensa ao princípio federativo, que repousa, especialmente, na repartição das competências estatais, buscando o justo equilíbrio entre o Poder Central e os demais poderes da nação (estaduais e municipais).
E, ressalte-se, o mencionado artigo 1° revela-se inconstitucional, em toda a sua inteireza, pois, no contexto, ao proibir a criação e a reprodução das raças canídeas, nele referidas, tal conduta, ainda o seja de forma indireta, vem, em última análise, frustrar a comercialização desses animais, o que, como esclarecido, refoge à disciplina legal do Estado-membro.
Além disso, o artigo 1º em questão inquina-se de inconstitucionalidade material, na medida em que, proibindo a reprodução desses cães, desrespeita o artigo 225 da Constituição da República, que assegura a todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado, vedando, na forma da lei, em seu § 1º, inciso VII, a prática de medidas que implique extinção das espécies, o que fatalmente ocorrerá, em poucos anos, conforme aduz a Pasta, ante a impossibilidade de reprodução dessas raças canídeas, a que se acresce a imposição de esterilização desses animais, prevista no artigo 2º do texto. Este último (artigo 2º) inquina-se da mesma inconstitucionalidade. Os criadores de cachorros da raça pitt-bull, terão seu negócio extinto, pois todos os cães dessa raça devem ser esterilizados, ferindo assim o direito de propriedade, como veremos adiante. Antes da Lei 3205/99 ter seu texto alterado pela Lei 4597/05 os cães da raça pitt-bull ou dela derivada passear nas ruas de 22 horas às 05 horas, o que era cruel, pois privava os animais da luz do dia, com a modificação, os animais podem circular a qualquer hora desde que acompanhados por maior de 18 anos e com enforcador e focinheira.
O artigo 4º do texto regula de forma correta a circulação dos referidos cachorros no meio urbano, impondo regras aos seus proprietários.
O legislador ao estabelecer as regras constantes no artigo 5º (sanções penais) e no artigo 7º, II (reparação de danos causados), novamente invade a competência do Poder Central.
Merecem elogios os dispositivos constantes no artigo 6º e seus parágrafos 1º e 2º, pois objetivam o controle tanto do registro, bem como da vacinação dos cachorros das raças agraciadas pela lei.
No artigo 8º o legislador de forma brilhante respeita o direito de propriedade, permitindo que os cães objeto dessa Lei participem de eventos caninos.
5.5 O DIREITO DE PROPRIEDADE
Conforme analisado no item anterior, a lei em questão feriu o direito de propriedade ao impor a proibição de comercialização e criação de cães da raça pitt-bull e dela derivada.
Relativamente ao direito de propriedade cabe destacar que a Constituição Federal, no seu art. 5º, assegura a inviolabilidade dos direitos à liberdade individual e ao direito de propriedade. O Código Civil Brasileiro, no seu art. 524, assegura ao proprietário o direito de "usar, gozar e dispor de seus bens".
Conforme preceitua o citado art. 524, o proprietário tem o direito de usar e dispor de seus bens e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua; o que a princípio leva a crer que há um direito absoluto de utilização. Mas não é assim, mesmo porque sabemos que o direito como um todo não é absoluto, pois quando seu exercício passa a incomodar terceiros esbarra no direito alheio, ante o seu caráter bilateral, não fugindo à regra o direito de propriedade, pois o uso normal da propriedade implica em não extrapolar os seus limites, havendo hodiernamente restrições à sua utilização.
Em termos administrativos as restrições são aquelas impostas pelo poder público no exercício de seu poder de polícia, o qual pode ser muito amplo, observando que Hely Lopes Meirelles cita, entre outros poderes, a polícia sanitária, polícia das construções, polícia das águas, polícia da atmosfera, polícia das plantas e animais nocivos, polícias dos logradouros públicos, polícia de costumes, polícia de pesos e medidas e polícia das atividades urbanas em geral (Direito Municipal Brasileiro, ed. Revista dos Tribunais, 4ª ed.). Isto mostra que a progressiva evolução do direito de propriedade aponta cada vez mais para uma perfeita e harmoniosa utilização da propriedade, visando o respeito à sociedade. Todo esse conjunto traça o perfil atual do direito de propriedade no ordenamento jurídico brasileiro, que deixou de apresentar as características de direito absoluto e ilimitado para transformar-se em um direito de finalidade social.
6. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS
“PREÂMBULO
Considerando que todo o animal possui direitos,
Considerando que o desconhecimento e o desprezo destes direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza,
Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo,
Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros.
Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante,
Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais.
PROCLAMA-SE O SEGUINTE:
Art. 1º – Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.
Art. 2º Todo o animal tem o direito a ser respeitado.
O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais.
Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Art. 3º Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis.
Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia
Art. 5º Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie.
Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito.
Art. 6º Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural.
O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.
Art. 14º Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar presenteados a nível governamental.
Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.
(*) A Declaração Universal dos Direitos dos Animais foi proclamada pela UNESCO em sessão realizada em Bruxelas – Bélgica, em 27 de Janeiro de 1978.”
7. CONCLUSÃO
Após essa análise acerca da responsabilidade civil por fato de animais no direito brasileiro, conclui-se que ainda remanescem alguns pontos controvertidos na doutrina e na jurisprudência.
Sempre que houver modificações no ordenamento jurídico, existirão doutrinadores e juristas prontos para fazer uma análise construtiva, visando sempre o bem estar social, o justo, a paz, o honesto e o íntegro.
A Lei do Pitt-Bull nada mais é do que a tentativa de dar uma satisfação à população quanto à responsabilização aos danos que vem sendo cometidos por proprietários irresponsáveis e seus animais violentos.
Nesse contexto, o Código Civil Brasileiro de 1916, adotou a doutrina da culpa, e o Novo Código Civil de 2002, adotou um misto, onde a doutrina do risco se sobressai sobre a doutrina da culpa.
Fica claro com o presente trabalho, que se um animal (ser irracional) causa prejuízo a outrem, fere alguém ou outro animal, há sempre que se buscar o responsável pela guarda do animal, guarda essa que é de muita importância, pois ela determinará quem era o responsável pelo animal no momento do ato animalesco que acarretou no dano material ou físico sofrido pela vítima.
Relativamente à chamada Lei do pitt-bull – Lei 3.205/99 – apesar do destaque que merecem as boas intenções do legislador e do Estado, cabe ressaltar que as inconstitucionalidades apontadas na análise do seu texto a tornam uma lei de dificílima aplicação.
Há que se ressaltar, que a falta de fiscalização do poder público torna por vezes inócua a letra da lei; fato este que prejudica a segurança pública.
Professor de Direito Constitucional da Universidade Estácio de Sá. Pesquisador associado ao CONPEDI. Advogado. Pós-Graduado lato sensu em Direito e Gestão da Segurança Pública pelo PPGD/UGF. Mestre em Direito pelo PPGD/UGF-RJ. Doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais pelo IUPERJ/UCAM.
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