Resumo: Neste artigo analisa-se a possibilidade de responsabilização das empresas na esfera cível, penal e administrativa por danos ambientais. Examinando-se a complexidade em torno dos empreendimentos empresariais denominados joint ventures, como é o caso da empresa Samarco, discute-se a possibilidade das empresas controladoras da referida sociedade serem responsabilizadas, de forma solidária, pelos danos ambientais causados no evento ocorrido no dia 05 de novembro de 2015, na região Central de Minas Gerais.
Palavras-chave: Joint venture; Samarco; responsabilização; danos ambientais.
Abstract: This article analysis the possibility of companies liability in civil, criminal and administrative justice for environmental damages. The possibility of joint liability of the controllers of the company Samarco for the environmental damages incurred in the events of the 5th of November of 2015 in central Minas Gerais is discussed, taking in account the complexities surrounding joint venture enterprises.
Keywords: Joint Venture; Samarco; liability; environmental damages.
Sumário: Resumo. Palavras-chave. Introdução. 1. Considerações sobre a Samarco como uma Joint venture. 2. Responsabilidade por danos ambientais. 2.1 Responsabilidade empresarial civil por danos ambientais. 2.2. Responsabilidade penal por danos ambientais 2.3. Responsabilidade administrativa por danos ambientais. 3. Conclusão. Referência Bibliográfica.
INTRODUÇÃO
A Samarco é uma empresa brasileira de mineração, de capital fechado, a qual possui dois controladores diretos, a anglo-autraliana BHP Billiton Brasil Ltda e a transnacional brasileira Vale S.A. Assim, cada uma dessas transnacionais possui o poder de controle por 50% das ações da Samarco.
A fundação da empresa se deu em 1997 e tem sua sede em Belo Horizonte, capital brasileira do estado de Minas Gerais, existindo neste mesmo lugar uma de suas unidades industriais. A referida empresa possui ainda unidades industriais no Espírito Santo, no Município de Anchieta. Atualmente realiza, em caráter principal, a produção de pelotas de minério de ferro, as quais são exportadas para 19 países. As unidades industriais referidas são interligadas, possibilitando o transporte da polpa de minério de ferro entre os dois Estados brasileiros mencionados. Ressalta-se, ademais, a existência do Complexo de Alegria, compreendido por barragens e minas de exploração de ferro, situados no Município de Mariana, em Minas Gerais (SAMARCO, 2016).
No dia 5 de novembro de 2015, houve o rompimento de uma das barragens da Samarco, inundando toda a região central de Minas Gerais. De acordo com John Knox, Special Rapporteur on human rights and the environment at ONU, o dano ambiental causado atingiu uma área de mais de 850 quilômetros. Assim informou o especialista: “The scale of the environmental damage is the equivalent of 20,000 Olympic swimming pools of toxic mud waste contaminating the soil, rivers and water system of an area covering over 850 kilometers,”. Esta informação foi conferida por Knox em um Comunicado oficial da ONU, em Genebra (KNOX, 2016).
Até o dia 20 de novembro de 2015, de acordo com o Ministério Público Federal, o rompimento da barragem fez com que uma grande quantidade de lama de rejeitos de mineração adentrasse o distrito de Bento Rodrigues e atingisse diversas comunidades locais. A bacia do Rio Doce também fora afetada, seguindo-se desta até o Espírito Santo, rumo ao mar, matando milhares de peixes, os quais eram comercializados pela população local (PGR, 2016).
Tendo-se em vista os danos ambientais causados neste evento, serão realizadas considerações sobre as joint ventures, bem como se analisará as possibilidades de responsabilização nas três esferas do Direito, civil, penal e administrativa, nos casos de danos ambientais causados por pessoas jurídicas. Por fim, estender-se-á a discussão para reflexões acerca da possibilidade dos contratantes da Samarco serem responsabilizados solidariamente pelo evento corrido no dia 5 de novembro de 2015.
1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A SAMARCO COMO UMA JOINT VENTURE
A globalização econômica e social propicia a intercomunicação em escala mundial, permitindo não só a troca de informações entre comunidades economicamente interrelacionadas, mas o desenvolvimento tecnológico e social dos agentes direta ou indiretamente envolvidos naquele processo.
As joint ventures, cujo instituto é de natureza contratual, surgem neste cenário como uma das formas de possibilitar a internacionalização de diferentes mercados, representando ainda, de imediato, uma forma de evitar os riscos, sobretudo econômicos, envolvidos nas discussões acerca da responsabilidade jurídica por empresas subsidiárias ou filiais nas quais se tenha realizado investimentos diretos (RASMUSSEN , 1998), vez que as partes podem entrar em acordo sobre os limites desta responsabilidade por danos gerados no exercício de suas atividades empresariais.
De acordo com Ana Frazão (2015), as joint ventures representam uma nova possibilidade de coadunar aspectos tradicionais da produção de bens e serviços dentro da organização empresarial com as necessidades comerciais latentes, inerentes ao processo de globalização. Deste modo, as joint ventures situam-se em uma zona intermediária dos aspectos mencionados, possibilitando a criação de um terceiro agente econômico com certa estabilidade empresarial, mas atento à flexibilidade exigida pela internacionalização do mercado. Nesses termos, colaciona-se o entendimento da autora:
“Não obstante essas considerações iniciais, a perfeita compreensão da função econômica das joint ventures só é possível quando se constata que as opções tradicionais de produzir bens e serviços dentro da própria organização empresarial ou adquiri-los no mercado (make or buy) nem sempre levará a arranjos organizacionais adequados. Daí por que as joint ventures e diversos contratos de cooperação e alianças entre empresas situam-se em zona intermediária entre esses dois extremos, procurando combinar aspectos favoráveis da estabilidade empresarial e da flexibilidade do mercado. Assim, opta-se por uma terceira alternativa entre produzir ou comprar (make or buy), rompendo com a dicotomia proposta por Ronald Coase entre a empresa e o mercado” (FRAZÃO, 2015).
No Brasil, não existe legislação específica acerca da joint venture, estando esta figura empresarial somente prevista como um ato de concentração, na Lei da Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529 de 2011), que determina:
“Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando:
I – 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;
II – 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas;
III – 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou
IV – 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.
Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes”. (BRASIL 1998a)
Não obstante a falta de definição legislativa, a flexibilidade desta modalidade de empreendimento entre empresas possibilita a sua utilização cada vez mais recorrente por atores do cenário econômico. Isto porque algumas de suas características essenciais são a autonomia e independência jurídica, tendo-se em vista que são combinados os capitais das empresas para a exploração de atividades com um objetivo comum, sem que exista relação de subordinação societária entre as mesmas, conforme assinala Carlos Alberto Bittar (1994):
“A expansão empresarial alcançada nas últimas décadas mostrou que as operações conjuntas entre sociedades distintas e, mesmo, de países diferentes, são interessantes e rentosas, permitindo, a um tempo, a absorção de tecnologia e a respectiva evolução, a racionalização da produção da administração e da comercialização e, enfim, o desenvolvimento dos negócios comuns, na linha de abertura traçada pela prática de instituição de grupos não-formais de empresas. De fato, a necessidade de ampliação de mercados, a rigidez das fórmulas societárias, a limitação dos riscos da concentração, a excessiva oneração social e tributária de atividades produtivas e outros fatores acabaram levando as empresas a reunir-se em cadeias ou redes, contratualmente formadas, sem subordinação societária, para a obtenção de objetivos comuns.”
Além do mais, é cabível considerar que a doutrina classifica as joint ventures quanto à sua natureza como contratuais ou societárias e quanto aos controladores como nacionais ou internacionais. Nesses termos, é possível antecipar que a empresa Samarco, agente econômico analisado neste artigo, pode ser considerada como uma joint venture internacional, de natureza societária.
A razão desta consideração é nítida ao se observar que a Samarco possui 100% do seu capital social dividido igualmente entre duas transnacionais, a BHP Billiton Brasil Ltda, de origem anglo-autraliana, e a Vale S.A, por sua vez, brasileira, ambas com um objetivo comum: exploração de minério de ferro e outros elementos afins. Outrossim, os efeitos gerados pela Samarco possuem abrangência transnacional, impactando as economias dos mercados no cenário internacional (SAMARCO, 2016). Dessa maneira, já que os co-ventures possuem nacionalidade diferentes, de um ponto de vista estrutural, e os impactos gerados pela produção de bens e serviços pela Samarco é transnacional, esta se trata de uma joint venture internacional (BITTAR, 1994).
A natureza societária da empresa pode ser depreendida do fato de que nas joint ventures de natureza contratual (unincorporated joint venture), de um modo geral, não existe a criação de uma nova pessoa jurídica. Assim, as relações das empresas são regidas por contratos obrigacionais, que não contam necessariamente com investimentos dos associados, inexistindo, portanto, personalidade jurídica advinda destas relações (GAMBARO, 2016). Por outro lado, as joint venture de natureza societária (incorporated joint ventures) implicam na criação de uma nova empresa, como é o caso da Samarco. Assim, quando os acionistas detentores do capital da joint venture, decidem emprestar-lhe uma personalidade jurídica, escolhendo, para tanto, um tipo societário específico, verifica-se o surgimento da incorporated joint venture (MACHADO NETO, 2015).
Diante do exposto, tem-se que a Samarco é uma joint venture de natureza societária, representando um novo centro de poder empresarial, cujo controle é compartilhado entre as duas empresas acionistas, quais sejam, BHP Billiton Brasil Ltda e a Vale S.A, vez que cada uma delas detém 50% das ações daquela empresa.
Faz-se mister reforçar, nesse ínterim, que ao se associarem, os agentes econômicos interessados em constituir uma joint venture contratual ou societária podem estabelecer seu regime de responsabilidades, de forma livre, vez que sua natureza constitutiva é contratual. Com isso, as co-ventures podem, em seu regime, optar por afastar a responsabilidade solidária por futuros danos gerados pela joint venture, conforme ensina Ana Frazão:
“Em ambos os tipos de joint venture temos a comunhão de interesses e a coordenação de atividades empresariais para exercer um empreendimento conjunto sob risco comum das participantes. O resultado prático da associação é a criação de um novo centro de poder empresarial, cujo controle pode ser compartilhado ou não. Os contratantes também têm a possibilidade de disciplinarem livremente o seu regime de responsabilidade, inclusive para afastar qualquer forma solidária entre eles, sendo responsáveis, em princípio, somente pelas próprias obrigações” (FRAZÃO, 2016).
Dessa maneira, na mesma referência, a estudiosa explica que nos casos das joint ventures societárias, a depender das relações contratuais específicas realizadas entre as empresas detentoras do capital social, apenas as joint ventures seriam as responsabilizadas pelos riscos da atividade exercida em seu âmbito. Assim, ter-se-ia uma clara limitação de responsabilidades, já que prévia e contratualmente estabelecidas.
Com isso, diante do contexto fático apresentado relativo aos danos ambientais causados pelo rompimento da barragem em Minas Gerais, em novembro de 2015, envolvendo a joint venture Samarco, questiona-se a possibilidade de extensão da responsabilidade dos co-ventures pelos danos causados em situações tais como a vista no distrito de Mariana, sob o viés de responsabilização integral pelos danos sofridos pelo meio ambiente, de modo a se discutir a possibilidade de cumprimento não só das obrigações contratuais previamente estabelecidas, mas também pela responsabilização civil, administrativa e penal dessas acionistas controladoras. Antes de delinear as reflexões a esse respeito, realiza-se uma análise acerca da responsabilidade por danos ambientais causados por empresas jurídicas.
2. RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS
2.1. RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS.
A Constituição Federal de 1998, com vistas à preservação do meio ambiente, normatiza em seu artigo 225, parágrafo 3º o direito a todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tratando-se de um bem de uso comum do povo. Não obstante, a Carta cidadã prevê o dever de reparar danos causados por condutas e atividades consideradas lesivas a este bem comum, in verbis:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (…)
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (BRASIL, Constituição Federal de 1998).
A interpretação doutrinária acerca desta proteção jurídica entende que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, com escopo na teoria do risco integral, o que significa que uma vez ocorrido o dano, a pessoa física ou jurídica deve responsabilizar-se integralmente pela reparação do mesmo, não se admitindo, pois, excludentes de responsabilidade. Assim, para que ocorra a referida responsabilização basta que reste comprovada a existência do nexo causal entre o risco causado e o dano evidenciado, em decorrência da conduta do agente.
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.373.788/SP, de Relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em que se pode observar, ademais, outros dois dispositivos os quais preveem o dever de indenizar /reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos em que restarem comprovados danos ambientais e a terceiros, de um modo geral (art. 927 do Código Civil Brasileiro e artigo 14, parágrafo 1º da Lei 6.938/1981). In verbis o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“DIREITO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA POR DANO AMBIENTAL PRIVADO.
A responsabilidade civil por danos ambientais, seja por lesão ao meio ambiente propriamente dito (dano ambiental público), seja por ofensa a direitos individuais (dano ambiental privado), é objetiva, fundada na teoria do risco integral, em face do disposto no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, que consagra o princípio do poluidor-pagador. A responsabilidade objetiva fundamenta-se na noção de risco social, que está implícito em determinadas atividades, como a indústria, os meios de transporte de massa, as fontes de energia. Assim, a responsabilidade objetiva, calcada na teoria do risco, é uma imputação atribuída por lei a determinadas pessoas para ressarcirem os danos provocados por atividades exercidas no seu interesse e sob seu controle, sem que se proceda a qualquer indagação sobre o elemento subjetivo da conduta do agente ou de seus prepostos, bastando a relação de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a situação de risco criada pelo agente. Imputa-se objetivamente a obrigação de indenizar a quem conhece e domina a fonte de origem do risco, devendo, em face do interesse social, responder pelas consequências lesivas da sua atividade independente de culpa. Nesse sentido, a teoria do risco como cláusula geral de responsabilidade civil restou consagrada no enunciado normativo do parágrafo único do art. 927 do CC, que assim dispôs: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. A teoria do risco integral constitui uma modalidade extremada da teoria do risco em que o nexo causal é fortalecido de modo a não ser rompido pelo implemento das causas que normalmente o abalariam (v. G. Culpa da vítima; fato de terceiro, força maior). Essa modalidade é excepcional, sendo fundamento para hipóteses legais em que o risco ensejado pela atividade econômica também é extremado, como ocorre com o dano nuclear (art. 21, XXIII, c, da CF e Lei 6.453/1977). O mesmo ocorre com o dano ambiental (art. 225, caput e § 3º, da CF e art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981), em face da crescente preocupação com o meio ambiente. Nesse mesmo sentido, extrai-se da doutrina que, na responsabilidade civil pelo dano ambiental, não são aceitas as excludentes de fato de terceiro, de culpa da vítima, de caso fortuito ou de força maior. Nesse contexto, a colocação de placas no local indicando a presença de material orgânico não é suficiente para excluir a responsabilidade civil.” (BRASIL, 2014).
Não obstante a falta de definição legislativa específica sobre os requisitos e demais atribuições das joint ventures, a legislação é vasta no que tange à responsabilidade civil em torno da proteção ambiental, ainda que a causadora do dano seja pessoa jurídica, vez que a responsabilização desta é claramente prevista pela Constituição Federal de 1998.
Nesta senda, Annelise M. Steigleder entende que os princípios ambientais, de um modo geral, estão inter-relacionados com a responsabilidade civil ambiental, de modo que “amplia-se a função da responsabilidade civil que deve responder satisfatoriamente à necessidade de reparar os danos ambientais a fim de que as gerações futuras possam usufruir, pelo menos, da mesma quantidade de que dispomos hoje.” (STEIGLEDER, 2011)
Dessa forma, a legislação, a jurisprudência e a doutrina brasileira não parecem divergir no que diz respeito à responsabilidade civil ambiental pelas práticas empresariais de condutas contrárias à preservação do meio ambiente, procurando além de reparar os danos sofridos pela natureza, prevenir a prática reiterada de atividades as quais produzam efeitos indesejados a toda sociedade, violando o patrimônio público, que é um bem de uso comum a todos e, portanto, um direito difuso.
2.2. RESPONSABILIDADE PENAL POR DANOS AMBIENTAIS
A discussão acerca da possibilidade de responsabilização penal exclusiva de pessoas jurídicas pela prática de condutas lesivas ao meio ambiente e aos demais direitos difusos precisou ser levada às Cortes Superiores. Ao analisar um Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, o STJ entendeu ser possível a responsabilização penal da empresa pela ocorrência de crimes ambientais, com base no disposto no artigo 225, artigo 3º supra mencionado. Assim é o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça Supremo, in litteris:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIME AMBIENTAL: DESNECESSIDADE DE DUPLA IMPUTAÇÃO CONCOMITANTE À PESSOA FÍSICA E À PESSOA JURÍDICA.
1. Conforme orientação da 1ª Turma do STF, "O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação." (RE 548181, Relatora Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 6/8/2013, acórdão eletrônico DJe-213, divulg. 29/10/2014, public. 30/10/2014).
2. Tem-se, assim, que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Precedentes desta Corte.
3. A personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução.
4. Recurso ordinário a que se nega provimento” (BRASIL, 2015).
A partir disto, observa-se que a Lei 9.605/98, artigo 3º c/c art. 21, elenca as penas a serem aplicadas a pessoas jurídicas quando praticarem crimes ambientais contra a fauna, a flora, a poluição, entre outros:
“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I – multa;
II – restritivas de direitos;
III – prestação de serviços à comunidade”. (BRASIL, 1998b)
Nesses termos, é possível a responsabilização e, por conseguinte, punição das empresas nos casos de danos ao meio ambiente, excluindo-se qualquer possibilidade de que a pessoa jurídica causadora dos danos se esquive da responsabilidade pela prática dos crimes previstos nas legislações comentadas.
2.3 RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA POR DANOS AMBIENTAIS
Os fundamentos para a consideração da responsabilidade administrativa por dano material também estão contidos no dispositivo constitucional mencionado acima, qual seja, artigo 225, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1998 Além desta norma constitucional, pode-se elencar o artigo 24, segundo o qual compete a União, aos Estados e ao Distrito Federal, legislar concorrentemente sobre a responsabilidade por dano ao meio ambiente (BRASIL, 1998a).
A legislação infraconstitucional também cuidou de fundamentar a responsabilidade administrativa ambiental. O artigo 70 da Lei 9.605 de 1998, traz a definição de infração administrativa como sendo “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente” (BRASIL, 1998b).
Por sua vez, o artigo 14 da Lei 6.938 disciplina a Política Nacional do Meio Ambiente, elencando precisamente os tipos de sanções administrativas pelas violações à regra estabelecida no artigo 70 da Lei 9.605 de 1998. De um modo geral, as sanções compreendem multas diárias, que podem ser agravadas a depender das circunstâncias, variando até a Suspenção do exercício de suas atividades empresariais, o que, neste caso, pode afetar diretamente a lucratividade da empresa, além de inúmeros outros fatores, como por exemplo, à perda de confiabilidade na marca.
Dessa maneira, observa-se a proteção estatal em mais uma esfera jurídica, reforçando-se o valor que o Estado atribuí à responsabilização pela prática de ilícitos que causem, ou venham causar, a degradação da qualidade ambiental.
CONCLUSÃO
A análise do entendimento legal e jurisprudencial brasileiro permite a conclusão de que inexiste previsão específica acerca das joint ventures, tampouco acerca da responsabilização civil, penal ou administrativa de todos os agentes econômicos que constituem a complexa estrutura da joint venture.
Assim, não se pode afirmar, com base em elementos legais e jurisprudências específicos[1] o pronunciamento das cortes brasileiras no que tange à responsabilidade dos acionistas constitutivos desse tipo de empreendimento jurídico complexa. Por outro lado, é nítida a proteção, por todas as fontes de direito, ao meio ambiente, de modo a se observar, por completo, a devida chancela estatal a este direito difuso.
Com isso, no que tange ao caso concreto apresentado neste artigo, a partir das análises realizadas, tendo-se em vista o grande escopo do estado brasileiro em proteger, preservar e punir civil, administrativa e penalmente (em ultima ratio) o meio ambiente, é clara a percepção de que a pessoa jurídica Samarco deverá ser responsabilizada pelos atos ilícitos cometidos em todas as esferas mencionais.
Contudo, a controvérsia complexa e principal parece se desenrolar sob a perspectiva de que, apesar da existência jurídica de uma nova pessoa jurídica, qual seja, Samarco, há duas outras empresas as quais parecem controlar economicamente a joint venture societária. Diante deste fato, enseja-se o questionamento sobre ser possível ou não que as acionistas constituintes da Samarco sejam responsabilizadas solidariamente pelos danos ambientes causados ao meio ambiente.
A doutrina brasileira, por outro lado, não é omissa a estas questões. A professa Ana Frazão em seu artigo Joint ventures contratuais (FRAZÃO, 2015) sugere, no que tange às joint ventures, que a questão da correta responsabilização dos agentes nestas envolvidos precisa ir além, ou melhor, romper com o paradigma da pessoa jurídica e suas respectivas soluções, em alguma medida, tradicionais. Assim, o critério para a identificação de quem seria responsabilizado por danos ao meio ambiente, no caso das joint ventures seria realizado com base em quem nela exerce o poder de controle empresarial e como o exerce, como ocorre em outros ramos do Direito.
Nesta senda, é com a devida cautela que se pode perceber, no caso Samarco, a partir das análises apresentadas neste artigo, que existe a possibilidade jurídica de acionistas, as quais exercem poder de controle sobre a joint venture societária, serem solidariamente responsáveis pelos danos ambientais gerados pelo rompimento da barragem localizada na região central de Minas Gerais, vez que o controle empresarial, reforça-se, parece ser realizado pelos co-ventures.
Por derradeiro e diante do exposto, é com muito bom grado a ampliação do escopo doutrinário aludido, impulsionando-se a necessidade da discussão, jurídica, legislativa e jurisprudencial, de forma efetiva e específica, acerca dos novos agentes surgidos no contexto econômico, impulsionados pelo processo de globalização, para que se constate a realização precisa da proteção do meio ambiente e dos demais direitos difusos, os quais são, por sua relevância pública, são intensamente protegidos pelo Estado.
Acadêmica do curso de Direito da Universidade de Brasília
Professor de Direito Civil e Prática Jurídica da UNB – Universidade de Brasília
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