Resumo: O presente trabalho visa analisar a restituição do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, na substituição tributária progressiva, quando o fato gerador ocorre por valor inferior ao presumido. Para tanto, abordará algumas peculiaridades do ICMS, em especial a não-cumulatividade, sua natureza de tributo indireto e, especialmente, a previsão constitucional da substituição tributária progressiva. Posteriormente, será apresentada a problemática da ação de repetição de indébito na substituição tributária progressiva, será abordada a legitimidade ativa para a ação e a vedação existente quanto ao fato gerador que ocorreu por valor inferior ao presumido. E, finalmente, será objeto de aprofundamento a divergência jurisprudencial referente ao problema posto, com a conclusão pela possibilidade da repetição de indébito do ICMS quando o fato gerador ocorre por valor inferior ao presumido, de modo a garantir uma solução justa ao caso do Estado de São Paulo.
Palavras-chave: ICMS – Substituição tributária – Restituição
Abstract: This study aims to analyze the return of the Tax on the Circulation of Goods and on Transport Services Rendered Interstate and Intermunicipal and Communication – ICMS, the progressive tax substitution when the taxable event occurs below the value assumed. For this, will address some peculiarities of ICMS taxation, in particular the non-cumulative, nature of indirect tax and especially the constitutional provision of the progressive tax substitution. Later, the issue of overpayment of action in the progressive tax substitution will be presented, the active legitimacy to the action and the existing fence as the triggering event that occurred at a value below the presumed will be addressed. And finally, will jurisprudential the deepening object divergence on the problem set, with completion by the possibility of ICMS taxation, overpayment repeat when the taxable event occurs by value lower than assumed in order to ensure a fair solution to the case of the State of Sao Paulo.
Keywords: ICMS taxation – Tax Substitution – Refund
Sumário: Introdução. 1. Vedação Prevista no Convênio CONFAZ nº 13 de 1997 e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. Solução apresentada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para o caso específico do Estado de São Paulo. Conclusão. Referências.
Introdução
Como é cediço, o ICMS é um imposto indireto, pois entre a ocorrência do fato gerador e a obrigação de pagar o tributo, há a possibilidade de intercalação de sujeitos, ou seja, pode ocorrer a transferência da obrigação de pagar o tributo ao próximo da cadeia produtiva.
Ademais, o ICMS também um imposto não-cumulativo, característica que permite que o sujeito passivo realize a compensação do montante pago anteriormente com o que é devido na posição seguinte dentro de uma mesma cadeia de produção para o mesmo Estado ou a outro ou ao Distrito Federal, conforme prevê o artigo 155, §2º, Constituição Federal.
Por outro lado, sabe-se que o ICMS pode se submeter ao regime de substituição tributária progressiva. Este regime implica em uma antecipação do pagamento do imposto. Primeiro, se dá o pagamento e posteriormente, ocorre o fato gerador. Representa um caso de fato gerador presumido ou também chamado de antecipação dos efeitos do fato gerador. Não tem previsão no Código Tributário Nacional, mas está autorizado pela Constituição Federal, in verbis:
“Art. 150.(…)
§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)”
No passado, muito se discutiu se seria possível a ideia de um fato gerador presumido, pelo fato de que poderia representar um possível vilipêndio ao princípio da tipicidade dos fatos geradores em Direito Tributário, e o Supremo Tribunal Federal já havia se posicionado no sentido de que esta modalidade de substituição tributária era admissível. Com a edição da Emenda Constitucional nº 3 de 1993, que inseriu o §7º no artigo 150, o qual muitas vezes teve sua constitucionalidade confirmada por este Tribunal, a questão passou a ser pacífica e superada, como se percebe:
“ICMS. Substituição tributária autorizada pelo § 7º acrescentado ao art. 150 da Constituição pela Emenda 3/1993, tendo como base de cálculo o valor do estoque de mercadorias, sem infração, ao primeiro exame, dos princípios da legalidade e da irretroatividade.” [1]
“Tributário. ICMS. Estado de São Paulo. Comércio de veículos novos. Art. 155, § 2º, XII, b, da CF/1988. Convênios ICM 66/1988 (art. 25) e ICMS 107/1989. Art. 8º, XIII e § 4º, da Lei paulista 6.374/1989. O regime de substituição tributária, referente ao ICM, já se achava previsto no Decreto-Lei 406/1968 (art. 128 do CTN e art. 6º, § 3º e § 4º, do mencionado decreto-lei), normas recebidas pela Carta de 1988, não se podendo falar, nesse ponto, em omissão legislativa capaz de autorizar o exercício, pelos Estados, por meio do Convênio ICM 66/1988, da competência prevista no art. 34, § 8º, do ADCT/1988. Essa circunstância, entretanto, não inviabiliza o instituto que, relativamente a veículos novos, foi instituído pela Lei paulista 6.374/1989 (dispositivos indicados) e pelo Convênio ICMS 107/1989, destinado não a suprir omissão legislativa, mas a atender à exigência prevista no art. 6º, § 4º, do referido Decreto-Lei 406/1968, em face da diversidade de estados aos quais o referido regime foi estendido, no que concerne aos mencionados bens. A responsabilidade, como substituto, no caso, foi imposta, por lei, como medida de política fiscal, autorizada pela Constituição, não havendo que se falar em exigência tributária despida de fato gerador. Acórdão que se afastou desse entendimento.” [2] (grifo nosso)
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o pagamento antecipado não representa recolhimento do tributo antes da ocorrência do fato gerador, pois este Tribunal faz distinção entre o momento da incidência do tributo previsto na lei e a cobrança do tributo pelo sistema de substituição tributária[3].
Posteriormente, o Pretório Excelso sedimentou a tese de que a substituição para frente era constitucional, mesmo quando criada pela legislação estadual antes do advento da referida Emenda[4].
A única ressalva foi feita no sentido de que a substituição tributária progressiva exige lei em sentido formal, não basta decreto, sendo ponto comum tanto na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[5], como do Supremo Tribunal Federal [6]. O Superior Tribunal de Justiça também esclarece que não pode instrução normativa proclamar a substituição tributária para frente com respaldo em convênio, no lugar de lei [7].
Mas caso se refira a operações interestaduais, o artigo 9º da Lei Kandir exige que seja realizado acordo específico celebrado entre os Estados interessados, para que se adote o regime de substituição tributária.
Com a ocorrência do primeiro fato gerador, o primeiro da cadeia produtiva deve recolher o ICMS de todo o restante da cadeia. Para o cálculo, será aplicado um total presumido, valendo-se de uma estimativa do valor da mercadoria no mercado, tomando-se por base o artigo 8º da Lei Complementar nº 87 de 1996, que estabelece o regime de valor agregado. Este cálculo é feito da seguinte forma: na substituição tributária, a base de cálculo, em relação às operações subsequentes, será o somatório do valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário, o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço e a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes.
O Superior Tribunal de Justiça considera esse cálculo, com base no regime de valor agregado, válido, e entende que não se confunde com o regime de “pauta fiscal”, que é considerado ilegal, conforme a Súmula 431 (“É ilegal a cobrança de ICMS com base no valor da mercadoria submetido ao regime de pauta fiscal”).[8].
A substituição tributária progressiva é muito utilizada em operações envolvendo combustíveis, lubrificantes, energia elétrica, cerveja, dentre outros. Este instituto busca evitar a necessidade de fiscalização de uma miríade de contribuintes, centralizando-se a cobrança e fiscalização em uma quantidade muito menor de sujeitos passivos, tornando menos provável a sonegação.
No tocante ao ICMS, a própria Constituição Federal em seu artigo 155, §2º, XII, “h”, com as alterações produzidas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, determina que a lei complementar poderá prever que determinados combustíveis e lubrificantes estarão sujeitos à incidência do ICMS uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará a imunidade tributária das operações que destinem a outros Estados o petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica (artigo 155, §2º, X, “b”).
Portanto, quando não se tratar da conhecida imunidade sobre operações interestaduais que envolvam combustíveis e lubrificantes derivados de petróleo e energia elétrica, a Constituição Federal determina uma incidência monofásica do ICMS, desde que assim preveja a lei complementar. Como finalidade, se tem a obrigatoriedade de utilização da substituição tributária progressiva, nos casos previstos na lei complementar, de modo a antecipar a cobrança do imposto, com o objetivo final de se reduzir as chances de sonegação fiscal.
No entanto, é importante consignar que a substituição progressiva deve ser utilizada com bastante cautela, para se evitar a tributação desmedida, já que não há certeza se de fato a operação irá se realizar:
“Criticável a tributação fundada em fatos inexistentes, situações, estados ou circulações eventuais e imagináveis, uma vez que as relações jurídicas devem ficar adstritas às imposições tributárias quando ocorre a subsunção do fato imponível (situação concreta) à imagem normativa (substituição abstrata)”. (PAULSEN; MELO, 2012, p.257)
Na substituição tributária progressiva do ICMS, como ocorre uma antecipação do pagamento, sem que se tenha certeza se, de fato, ocorrerá o fato gerador e por qual valor de base de cálculo se dará, é possível que mais à frente na cadeia de produção da mercadoria, o fato gerador não se verifique, por exemplo, no caso de desistência do negócio, ou que ocorra, mas por valor inferior ao que se presumiu inicialmente, por exemplo, quando há oscilações de mercado, oferecimento de descontos, dentre outros casos. Surge, então, a pretensão à repetição de indébito.
Na substituição tributária, muito embora tanto o contribuinte substituto como o substituído participem do regime de substituição e tenham juridicamente algum interesse na demanda devolutiva, somente possui legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição aquele que arcou com o pagamento do tributo.
Hugo de Brito Machado Segundo explica com clareza esta constatação:
“Tanto o substituto como o substituído, portanto, possuem legitimidade ativa ad causam para a propositura de ações questionando a validade de aspectos do regime, ou mesmo a sua totalidade. Ambos integram a relação jurídica tributária. O substituto tem o direito subjetivo de não pagar tributo indevido e de não ter de reter ou descontar tributo indevido, e o substituído tem o direito de não ter retido ou descontado tributo indevido. A única restrição que se faz, insista-se, diz respeito à ação de restituição do indébito, para a qual terá legitimidade quem provar haver efetivamente arcado com o ônus do tributo. Note-se que nessa hipótese será viável a prova, e aquele que tiver arcado com o tributo terá todo o interesse (também de fato) em pleitear a sua restituição. Aplica-se, portanto, o artigo 166 do CTN, não para cercear o acesso ao judiciário, amesquinhando direitos fundamentais, mas para assegurar esse acesso a quem teve direito violado.” (MACHADO, 2012, p. 322)
E por fim, este autor conclui: “ressalte-se ainda que, nos termos do art. 166 do CTN, assiste legitimidade para repetir o indébito a qualquer dos contribuintes, substituto ou substituído. Basta o contribuinte provar haver assumido o ônus, ou estar autorizado por quem o houver sofrido”. (MACHADO, 2012, p. 323)
Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a Segunda Turma já manifestou posicionamentos diferentes sobre esse tema. Há julgados que dizem que o contribuinte substituído não é detentor de legitimidade ativa ad causam[9], por outro lado, há julgados que entendem que o substituído possui legitimidade ativa[10].
Para solucionar a controvérsia, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que o contribuinte substituído é detentor de legitimidade ativa ad causam:
“O STJ, por suas 1ª e 2ª turmas de Direito Público, admite a legitimidade do contribuinte substituído para discutir judicialmente a sistemática do recolhimento antecipado do ICMS, no regime de substituição tributária, já que, embora não figure na legislação como responsável pelo pagamento do tributo, é sobre ele que recai o ônus da imposição fiscal.” [11]
Em verdade, não há razões para se limitar a legitimidade do contribuinte substituído na substituição para frente, pois é o substituído que antecipa o pagamento e arca com o tributo, enquanto o substituto é um mero repassador da quantia, que, dificilmente, irá se insurgir contra a Fazenda por meio de ação de repetição de indébito. Fosse assim, estaria afastada a chance se buscar em juízo a devolução do valor que, indevidamente, o Fisco arrecadou.
A Constituição Federal, no artigo 150, §7º, não deixa dúvidas de que, caso o fato gerador não se realize, caberá a devolução do valor pago. Ocorre que, ao presumir a ocorrência do fato gerador, a autoridade administrativa também presume o valor da base de cálculo do tributo. A Constituição Federal nada diz, porém, em relação ao caso em que o fato gerador ocorre, mas por valor inferior ao presumido. A questão que se coloca, nesta toada, é se seria possível a restituição da quantia paga.
No tocante ao ICMS, a Lei Complementar nº 87 de 1996, no artigo 10, também reforça que há direito de restituição de ICMS pago por força de substituição tributária no caso de o fato gerador presumido não se realizar.
Caso, então, o tributo seja recolhido nos moldes do artigo 8º da lei de regência, e posteriormente, não se verifique o fato gerador, haverá direito inconteste de pedir repetição de indébito, mas não está garantido expressamente o direito de repetir quando o fato gerador se verifica por valor inferior ao presumido.
1. Vedação prevista no Convênio CONFAZ nº13 de 1997 e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
No caso do ICMS, foi celebrado o Convênio nº 13 de 1997, no âmbito do CONFAZ, com a finalidade de harmonizar o procedimento referente à aplicação do § 7º do artigo 150, da Constituição Federal e do artigo 10 da Lei Complementar nº 87 de 1996, para disciplinar os procedimentos a serem adotados pelas unidades federadas com referência às normas relativas à substituição tributária do ICMS.
Este Convênio proibiu, na sua cláusula segunda, a restituição do ICMS quando ocorrer o fato gerador, mas por um valor inferior ao presumido.
Ocorre que nem todos os Estados da Federação foram signatários do acordo, a exemplo de Pernambuco, Paraná, Santa Catarina e São Paulo. Há que se lembrar que os Convênios, segundo a Lei Complementar nº 24 de 1975, artigo 3º, podem dispor que a aplicação das cláusulas seja limitada a um ou alguns Estados da Federação, mas como se sabe, a aprovação de benefícios fiscais referentes ao ICMS depende de decisão unânime dos Estados, por isso, causa, em primeiro momento, certo estranhamento que este Convênio tenha sido celebrado somente por uma parte dos Estados. Dentre aqueles que assinaram e ratificaram o convênio, há que se observar as regras ali previstas, não há dúvidas. Mas quanto aos demais, coloca-se o questionamento, se caberia ou não a repetição de indébito, quando o fato gerador ocorrer.
Suscitada a problemática a respeito da vedação prevista na cláusula segunda do Convênio nº 13 de 1997 do CONFAZ através da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 1.851 ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), o Supremo Tribunal Federal concluiu pela constitucionalidade do Convênio, pois o único dispositivo da Constituição Federal que trata da substituição tributária progressiva é o artigo 150, §7º, que estabelece apenas que, não ocorrendo o fato gerador, cabe a restituição. Nada diz a respeito da hipótese em que o fato gerador ocorre, mas por valor inferior ao inicialmente presumido. A fim de que se dê maior clareza aos termos do julgado em comento, colaciona-se a sua ementa, in verbis:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO 13/97 E §§ 6.º E 7.º DO ART. 498 DO DEC. N.º 35.245/91 (REDAÇÃO DO ART. 1.º DO DEC. N.º 37.406/98), DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA OFENSA AO § 7.º DO ART. 150 DA CF (REDAÇÃO DA EC 3/93) E AO DIREITO DE PETIÇÃO E DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Convênio que objetivou prevenir guerra fiscal resultante de eventual concessão do benefício tributário representado pela restituição do ICMS cobrado a maior quando a operação final for de valor inferior ao do fato gerador presumido. Irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida de concessão de benefício (LC 24/75, art. 2.º, INC. 2.º). Impossibilidade de exame, nesta ação, do decreto, que tem natureza regulamentar. A EC n.º 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7.º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema jurídico-tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade. A lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas em parte e, nessa parte, julgada improcedente”.
A mesma tese está presente e é reforçada em diversos julgados, a saber:
“Substituição tributária. Restituição. O Plenário da Corte deu pela legitimidade do regime de substituição tributária. A restituição assegurada pelo § 7º do art. 150 da CF/1988 restringe-se apenas à hipótese de não ocorrer o fato gerador presumido, não havendo que se falar em tributo pago a maior ou a menor por parte do contribuinte substituído. Precedentes: ADI 1.851/AL, RE 309.405-ED/MT e AI 337.655-AgR/RS (DJ de 13-12-2002, 14-2-2003 e 27-9-2002, respectivamente”. [12] (grifo nosso)
“A tese da agravante não foi acolhida pelo Plenário desta Corte que, ao julgar o mérito da ADI 1.851, entendeu que o § 7º do art. 150 da Constituição não garante ao contribuinte o direito de se creditar da diferença do ICMS, recolhido sob o regime de substituição tributária ‘para frente’, quando o valor estimado para a operação final for maior que o efetivamente praticado. No mesmo sentido: RE 567.216-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 25-2-2014, Segunda Turma, DJE de 7-3-2014; RE 453.125-AgR-segundo, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 4-10- 2011, Segunda Turma, DJE de 21-10-2011”.[13] (grifo nosso)
Assim, o fato de o Convênio disciplinar essa hipótese, não viola a Constituição Federal, pois esta não determina nem que é cabível a restituição, nem que é vedada. Destarte, o Supremo Tribunal Federal concluiu pela constitucionalidade da cláusula segunda do Convênio multicitado e assim, assentou que o contribuinte somente é detentor de direito à restituição de valores recolhidos de ICMS no regime de substituição tributária na hipótese de não ocorrência do fato gerador, mas não tem direito quando o preço de venda tenha sido inferior à base de cálculo esperável.[14]
Ademais, a Corte Suprema entendeu ser irrelevante o fato de o Convênio não ter sido subscrito por todos os Estados, já que não cuida de concessão de benefícios fiscais.
Mutatis mutandis, é forçoso concluir que, guiando-se por esta lógica, quando ocorre o fato gerador por um valor superior ao presumido, também não cabe ao Fisco Estadual pleitear a diferença de ICMS a ser recolhido, porquanto, seguindo a orientação fixada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o que vale é sempre o valor presumido, e não o efetivamente praticado.
Desta feita, o Supremo Tribunal Federal, tornou pacífica a questão de que quando ocorre o fato gerador por valor inferior à base de cálculo presumida, não há direito à restituição.
No entanto, os Estados de São Paulo e Pernambuco possuem legislação estadual unilateral no sentido de que na substituição progressiva, ocorrendo o fato gerador por um valor inferior ao presumido, cabe restituição, por representar excesso de tributação e enriquecimento ilícito do Fisco. No caso do Estado de Pernambuco, trata-se da Lei nº11.408 de 1996, no artigo 19 especificamente, e no Estado de São Paulo, refere-se à Lei 6.374 e 1989, na redação dada pela Lei 9.176 de 1995, no art. 66-B, inciso II.
Por via de consequência, os governadores dos Estados de São Paulo e Pernambuco levaram esta questão à apreciação do Supremo Tribunal Federal, por meio das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) nº 2.675/PE e nº 2.777/SP, que visam a declaração de inconstitucionalidade destes dispositivos das leis estaduais paulista e pernambucana, ainda pendentes de julgamento, pois o Tribunal resolveu sobrestar o julgamento até a decisão final do recurso extraordinário nº 593.849/MG, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, ao qual já se reconheceu repercussão geral, mas ainda não teve julgamento do mérito.[15]
2. Solução apresentada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para o caso específico do Estado de São Paulo
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, mais recentemente, em aplicação da orientação do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº1.851/AL, entendeu que este julgado da Suprema Corte não teria aplicabilidade aos Estados não signatários do Convênio nº 13 de 1997, a exemplo do Estado de São Paulo. Com a finalidade de dirimir a problemática surgida com a ADI 1.851/AL, o Superior Tribunal de Justiça limitou a decisão do Supremo Tribunal Federal aos Estados signatários do Convênio, conforme se depreende da ementa desta decisão, in verbis:
“TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. FATO GERADOR OCORRIDO EM VALOR INFERIOR AO PRESUMIDO. RESTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DA ADI N. 1.851/AL DO STF. ESTADO DE SÃO PAULO. ANÁLISE DE LEI LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. 1. O STF, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.851/AL, entendeu que o contribuinte somente tem direito à restituição de valores recolhidos de ICMS no regime de substituição tributária na hipótese de não ocorrência do fato gerador, ainda que o preço de venda tenha sido inferior à base de cálculo presumida. Entretanto, a jurisprudência do STJ, na aplicação da orientação do STF na mencionada ADI, entendeu que o referido entendimento não se aplica aos Estados não signatários do Convênio 13/97, a exemplo: São Paulo. Precedentes. 2. No caso de São Paulo, a restituição do imposto pago a maior, na hipótese em que a base de cálculo real é inferior à presumida, é possível. Todavia, tal restituição não é imediata e automática, pois há no Estado legislação específica determinando a forma de restituição dos valores recolhidos a maior a título de ICMS. Assim, não compete ao STJ analisar a forma da restituição, a teor da aplicação analógica da Súmula 280 do STF. 3. Não cabe ao STJ, em recurso especial, a apreciação de suposta violação do artigo 150, § 7º, da Constituição Federal, sob pena de usurpação da competência do STF. Agravo regimental improvido.”[16]
Portanto, segundo o Superior Tribunal de Justiça, no caso do Estado de São Paulo, é possível a restituição do imposto pago a maior quando a base de cálculo real for inferior a presumida. Todavia, a restituição não se dará de forma imediata e automática, como determina o artigo 150, §7º da Constituição Federal para o caso em que não se verifica o fato gerador, pois há em São Paulo legislação disciplinando o assunto. Trata-se, como se disse, da Lei 6.374 e 1989, na redação dada pela Lei 9.176 de 1995, no art. 66-B, inciso II, que aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 2.777/SP, para ser declarada constitucional ou inconstitucional.
O artigo 66-B assegura a repetição de indébito tanto quando não se verifica o fato gerador presumido (inciso I), como quando se verifica que a obrigação tributária teve valor inferior à presumida (inciso II). E determina que o pedido de restituição deve vir acompanhado de cópia da documentação fiscal da operação realizada que comprove o direito à restituição. Determina que os pedidos de restituição serão processados prioritariamente, tanto a sua instrução, quanto a apreciação, e que pode o Poder Executivo prever outras formas de devolução do valor, à escolha do contribuinte. Por isso, a devolução não é automática e imediata, pois requer uma instrução e comprovação do direito à restituição.
Mas, como se frisou, este dispositivo legal do Estado de São Paulo é objeto de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, desse modo, por ora, vige o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça de que é possível a repetição de indébito na ocorrência do fato gerador do ICMS na substituição tributária por valor inferior ao presumido, no Estado de São Paulo.
Espera-se que a Corte Suprema mantenha este entendimento, por ser o mais razoável e que afasta o enriquecimento ilícito da Fazenda Pública Estadual nestes casos, e especialmente, por garantir o princípio da capacidade contributiva, já que se adequa à riqueza que o contribuinte demonstrou possuir, efetivamente, e não apenas a que fora presumida pelo Fisco.
Conclusão
A repetição de indébito do ICMS no regime de substituição tributária, quando o fato gerador ocorre, mas por valor inferior ao que se presumiu, muito embora não garantida expressamente pela Constituição Federal, deve ser admitida no Estado de São Paulo, bem como nos demais Estados não signatários do Convênio do CONFAZ nº13 de 1997, como se demonstrou.
A existência da vedação prevista em convênio não assinado pelo Estado de São Paulo e o entrave trazido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não devem ser utilizadas como escudo pela Fazenda Pública. A presença de legislação local trazendo esta garantia reforça ainda mais a tese. Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se atentou para o caso específico dos Estados não signatários do convênio citado e foi absolutamente clara no sentido de que o entendimento consagrado pelo Pretório Excelso não deveria ser utilizado a estes Estados, por ser incompatível e não se referir a eles.
Esta é a solução que mais se coaduna com o princípio da capacidade contributiva, porquanto respeita a real manifestação do fato gerador e sua correspondência com a demonstração de riqueza do sujeito passivo.
Advogada. Graduada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo
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