Retenção previdenciária na prestação de serviço

1.Introdução

É visível nos dias de hoje a criação, pelo Legislador, de mecanismos mais eficazes de garantia da arrecadação tributária. Antigos métodos como a responsabilidade solidária ainda são facilmente encontrados, mesmo na normatização previdenciária, mas estão longe de atender aos fins que se propõe.

A responsabilidade solidária, em particular na prestação de serviços, tem se mostrado ineficaz não só pela dificuldade de demandar o valor devido do responsável solidário, especialmente quando não há fiscalização específica junto ao sujeito passivo originário que comprove a existência do crédito, mas também pela situação de constante insegurança em que é lançada qualquer empresa que viesse a contratar serviços terceirizados, por exemplo.

Neste contexto, os mecanismos de retenção na fonte, tradicionalmente limitados ao imposto de renda e contribuições de empregados, espraiam-se para as demais exações, traduzindo mecanismo simples e eficaz de garantia da arrecadação tributária, além de refletir sistemática muito mais transparente para àquelas empresas que freqüentemente se viam surpreendidas com a cobrança estatal, na condição de solidárias.

Daí ser imperiosa a plena compreensão destes mecanismos, de modo a atender os anseios dos profissionais do direito e demais interessados. O tema da retenção na fonte tem me ocupado já há algum tempo, sendo minha primeira obra sobre o tema, ainda que em escopo restrito[1].

Tenho como propósito, neste texto, abordar as retenções previdenciárias atualmente existentes, começando pelas hipóteses clássicas das contribuições de segurados empregados e trabalhadores avulsos, com o acréscimo de contribuintes individuais, além da retenção atualmente prevista no art. 31 da Lei n° 8.212/91. Em relação à última, farei uma breve distinção frente à cotização existente na relação com cooperativas de trabalho.

2.A Retenção da Contribuição Devida por Empregados, Avulsos e Contribuintes Individuais.

2.1.Noções Introdutórias

Os segurados empregados são definidos no art. 11, I da Lei n° 8.213/91 e no art. 12, I da Lei n° 8.212/91, que traz reprodução inútil da relação de segurados do RGPS. Os trabalhadores avulsos, por sua vez, têm definição própria no inciso VI dos mesmos artigos, assim como os contribuintes individuais, no inciso V.

O segurado empregado comporta definição mais ampla que a prevista no art. 3° da CLT, pois, além deste, incluem-se aí servidores públicos sem Regime Próprio – RPPS, servidores que ocupam, exclusivamente, cargo em comissão e até exercentes de mandato eletivo, desde que não vinculados a RPPS. Os trabalhadores avulsos, além do requisito óbvio de prestarem serviços sem vínculo empregatício, devem fazê-lo por meio de intermediação obrigatória do sindicato ou órgão gestor de mão-de-obra. Os contribuintes individuais são basicamente todos aqueles que exercem atividade remunerada por conta própria.

Os limites desta obra não permitem maiores considerações conceituais sobre os segurados em epígrafe, os quais presumo já serem de conhecimento do leitor. A compreensão da divisão dos beneficiários dos RGPS é pré-requisito para o conhecimento de praticamente qualquer tema do direito previdenciário[2].

De acordo com o art. 30, I, “a” da Lei n° 8.212/91, a empresa é obrigada a arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração, e em razão do art. 33, § 5° da mesma lei, há sobre este encargo uma presunção absoluta de seu cumprimento, e por isso tais segurados nunca terão de comprovar recolhimento previdenciário para fins de obtenção de benefícios, mas, no máximo, a atividade remunerada e respectiva remuneração (art. 35, Lei n° 8.213/91).

Cabe à empresa descontar os valores devidos nos termos do art. 20 da Lei n° 8.212/91, pois, do contrário, terá de arcar com os mesmos, acrescidos de juros e multa de mora. Atualmente, a mesma retenção deve ser feita frente aos contribuintes individuais que prestam serviços a empresas, na forma do art. 4° da Lei n° 10.666/03.

O assunto, a priori, não comportaria maiores problemas, até por ser já de antiga utilização. Todavia, a ausência de uma definição precisa de sua natureza jurídica traz diversos problemas, como o titular do direito de repetição de indébito.

2.2.Natureza Jurídica da Retenção Previdenciária

Muito comum encontrar-se equiparações da retenção previdenciária à substituição tributária tradicional ou “para frente” (com antecipação). Todavia, não parece ser correta esta posição, a qual confunde institutos jurídicos distintos. A retenção previdenciária é obrigação acessória[3].

Como já tive oportunidade de dizer, a retenção na fonte é

Mutatis mutandis, é possível comparar a obrigatoriedade da retenção dos 11% com o desconto do imposto de renda na fonte. Em ambas as situações, a fonte pagadora tem o dever legal de efetuar determinada retenção, diminuindo o valor pago. É um facere, isto é, uma prestação positiva imposta a determinada pessoa, no interesse da arrecadação de exações devidas[4].

Trata-se de obrigação de fazer, pois a empresa contratante não está vendo sua disponibilidade econômica ser reduzida por esta obrigação. A retenção é obrigação acessória, visa à garantia dos aportes previdenciários dentro de determinado ramo da atividade econômica; é nova sistemática de arrecadação, e não nova contribuição.

O importante a ser observado é a existência de dois momentos distintos, sendo o primeiro a simples obrigação acessória de efetuar a retenção. Caso esta conduta não seja realizada pelo retentor, ensejará o segundo momento, decorrente da retenção, que é a assunção da responsabilidade dos valores não retidos (e não do tributo ou contribuição) pela fonte pagadora. É interessante observar, na já tradicional retenção do imposto sobre a renda, que a pessoa que sofre o desconto continua sendo contribuinte do tributo, devendo realizar o ajuste na sua declaração de rendimentos (IRPF). À semelhança do IR retido na fonte, o art. 31, caput, do PCSS atribui à fonte pagadora a responsabilidade pelos 11% quando não efetivar a retenção (“…observado o disposto no § 5º do art. 33”).

Henry Tilbery, citando Dino Jarach, acrescenta: “(…) há uma diferença fundamental entre o agente de retenção e o substituto tributário, que consiste no fato da obrigação da fonte para com o Fisco só nascer no caso da falta do recolhimento do imposto retido, quando pelo contrário ao substituto cabe a obrigação tributária direta e primordialmente”[5]. Claramente, a retenção dos 11% não constitui substituição tributária. Criou-se a figura do agente de retenção.

Por último, o próprio Código Tributário Nacional, no seu art. 113, § 2º, expõe: “A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. Esta é exatamente a natureza da retenção: prestação positiva no interesse da arrecadação, mero dever instrumental.

Provavelmente a mens legislatoris sobre obrigações acessórias dizia respeito às atividades escriturais, as quais possibilitam identificar corretamente o montante devido do tributo ou contribuição. Entretanto, é inegável a perfeita adequação da retenção na fonte como obrigação acessória. Em nenhum momento o CTN proíbe que esta obrigação de fazer recaia sobre pecúnia. Por isso, entendo que a retenção previdenciária não é somente uma relação obrigacional de direito público, mas sim obrigação acessória previdenciária.

Neste sentido caminhou o STF (RE 393946/MG, Rel. Min. Carlos Velloso, 3.11.2004 – ver Informativo n. 368)[6]. Ainda que esta decisão tenha se referido à retenção do art. 31 da Lei n° 8.212/91, que será vista infra, a lógica de funcionamento é a mesma do desconto sofrido por empregados, avulsos e contribuintes individuais. Há verdadeira obrigação acessória e não substituição tributária.

2.3.A Teoria Dualista das Obrigações Como Fundamento à Retenção na Fonte

A relação obrigacional tem necessariamente dois pólos, ativo e passivo, que não precisam ser determinados desde já, mas devem ser determináveis, não se admitindo que a indeterminação subjetiva perdure para além da fase executória.[7] Ainda que a determinação seja a regra, esta não existe, no caso do credor, nas hipóteses de título ao portador e promessa de recompensa (854, CC).  Esta substituição é possível em razão do abandono do extremo personalismo que reinou no direito romano.[8]

Esta percepção da evolução da relação obrigacional não é, de forma alguma, novidade. Clóvis Beviláqua já dizia que na concepção moderna de obrigações, ao contrário da concepção romana, o critério pessoal não é mais tão relevante, podendo existir a relação sem identificação plena das partes, como um título ao portador[9].

Ou seja, é plenamente possível a indeterminação dos sujeitos ativo e passivo da relação obrigacional. Como exemplo adicional, há as obrigações propter rem, que são indeterminadas quanto ao sujeito passivo, tendo natureza ambulatória, já que acompanha a coisa, e não uma pessoa determinada[10].

Para Barros Leães, muitas questões intrincadas encontram fácil solução com a teoria dualista[11]. Assim certamente o é em razão da retenção na fonte. Ainda lembra que Rubens Gomes de Sousa teve a teoria em mente quando da redação do CTN[12].

Como aduz o citado autor, na relação jurídica típica, em estado puro, reflete esta um mero direito postestativo, nome que indica que o conteúdo do direito subjetivo se esgota numa potestas, que tem como correlato passivo um simples estado de sujeição. Já na relação obrigacional,

(…) o objeto imediato é dado pelo comportamento do sujeito passivo, porque o poder do sujeito ativo dirige-se a este comportamento e só ele é apto para satisfazer o seu interesse. A este comportamento do sujeito passivo, dá-se o nome técnico de prestação, que deve ter caráter patrimonial, e cujo conteúdo pode consistir num dar, num fazer ou num deixar fazer ou suportar[13].

A relação obrigacional, como se vê, não contém somente a relação crédito-débito. Se há inadimplemento, o encargo, que deveria ter sido cumprido de modo voluntário, passa a submeter-se a execução forçada, mediante o surgimento do segundo elemento da relação obrigacional, que é a garantia-responsabilidade.

Tem-se na segunda etapa uma relação de poder e sujeição. As partes não mais se colocam em situação de igualdade, como na relação primária de crédito-débito. É a clássica decomposição entre debitum e obligatio[14].  Tem-se de um lado, a dívida (Schuld), que consiste conduta esperada do devedor; do outro, a responsabilidade (Haftung), que traduz o estado de sujeição dos bens do obrigado à ação do credor. A dívida é assim um vínculo pessoal; a responsabilidade, um vínculo patrimonial[15].

Assim se compreende a retenção na fonte. Há uma primeira obrigação, de natureza instrumental (debitum), condizente com o encargo do retentor em descontar e repassar estes valores ao Estado. Havendo o inadimplemento, surge a segunda como sanção, usualmente manifestada na responsabilidade do retentor pelos valores que deveriam ter sido repassados, independente se a retenção chegou a existir ou não (obligatio).

2.4.Repetição de Indébito

Somente admitindo-se o retentor na fonte como sujeito passivo de mera obrigação acessória[16] é que se chegará a uma solução adequada ao tema em epígrafe. Imaginemos que um empregado sofra retenção em valores superiores ao devido. Sendo a retenção na fonte forma de substituição tributária, nada poderia reclamar frente ao fisco, já que não integraria a relação jurídica – o pólo passivo é ocupado exclusivamente pelo substituto tributário.

Esta situação é de grande relevância pois coloca por terra a ultrapassada convicção da retenção na fonte como substituição tributária. Nem se vá aqui utilizar a clássica saída do instituto sui generis, pois a lógica da substituição tributária não se adequa a esta sistemática arrecadatória.

Como justificar a restituição de imposto de renda ou contribuição social recolhida a maior dos segurados? Se estes não participam da relação obrigacional (na visão tradicional da substituição tributária), como abonar a restituição de valores a estas pessoas?

Na visão da obrigação acessória tudo se esclarece. O sujeito passivo da relação tributária ainda é o segurado, até em razão de expressa previsão legal (art. 20 e 21, Lei n° 8.212/91) mas este fica dispensado do recolhimento em razão da obrigação de fazer imposta à fonte pagadora (debitum). O fato de a lei aplicar a esta retenção uma presunção absoluta, podendo transferir o encargo do tributo à fonte pagadora (obligatio – sanção pelo descumprimento da relação inicial), não exclui a natureza instrumental da relação original de retenção.

Não se pode definir um instituto com base no seu inadimplemento. A retenção na fonte é obrigação instrumental que, se for o caso, poderá converte-se em responsabilidade por substituição. Somente havendo o descumprimento por parte da fonte pagadora é que surge a responsabilidade tributária por substituição. Esta não é originária, mas derivada do descumprimento de um encargo legal. Assim o é pois a lei poderia, somente, impor uma multa pelo descumprimento da retenção.

De modo a garantir o recolhimento dos trabalhadores, achou o legislador melhor transferir a responsabilidade na ausência de retenção. É procedimento bastante distinto daquele no qual a lei, desde a ocorrência do fato imponível, já fixa no pólo passivo da relação jurídico-tributária o responsável. É esta situação que se vê na relação com cooperativas de trabalho – ao invés de criar-se também um mecanismo de retenção na fonte, optou o legislador por instituir uma substituição tributária, alocando a empresa contratante como substituta, que passa a recolher contribuição em nome próprio, incidente sobre a nota fiscal emitida pela cooperativa[17].

A substituição tributária ocorre em um momento pré-jurídico, na fase de elaboração da norma pelo Legislador, que por opção de praticabilidade da arrecadação (assim como a retenção), já fixa no pólo passivo uma pessoa diferente daquela que teria relação pessoal e direta com o fato gerador, na dicção do CTN.

Vejamos mais um exemplo: uma empresa não efetua a retenção da contribuição de seus empregados, e portanto é notificada pela fiscalização e, reconhecendo sua falha, paga integralmente o valor fixado em lançamento de ofício. Posteriormente, verifica-se que o montante aferido pela fiscalização foi superior ao devido. Quem terá direito à restituição nesta hipótese? Aqui certamente será a empresa, pois nesta hipótese, houve a efetiva substituição tributária, em razão do descumprimento do dever original de reter a contribuição na fonte.

Se a contribuição foi retida, em montante superior, mas não repassada, o direito de restituição do trabalhador somente tomaria lugar com o efetivo recolhimento. Isto, ao contrário do que possa parecer, não contraria a presunção absoluta (art. 33, § 5°, Lei n° 8.212/91) de recolhimento, pois esta somente se aplica para fins de concessão de benefício. Isto é, se a contribuição devida pelo segurado empregado é de 11% sobre seu salário-de-contribuição, presumir-se-á que a mesma foi feita. Mas se este alega que foi descontado em 20%, somente poderá restituir-se junto à Previdência Social se restar comprovado o efetivo recolhimento à maior.

Devemos lembrar que as presunções, em especial quando absolutas, tem sua aplicação restrita, sob pena de extrapolar os fins que justificaram sua instituição. Uma aplicação meramente literal do art. 33, § 5°, Lei n° 8.212/91 poderia nos conduzir a verdadeiros absurdos, nos quais o empregador, sob pretexto de reter contribuições sociais, desconta metade do salário de seus empregados e, posteriormente, orienta os mesmos a buscar ressarcimento junto à Previdência Social! Não é por outro motivo que o art. 89 da Lei n° 8.212/91 somente admite a restituição ou compensação na hipótese de recolhimento indevido.

Especialmente em uma Constituição que adota expressamente um sistema previdenciário contributivo (art. 201, caput, CF/88) e determina a pré-existência do custeio frente aos benefícios (art. 195, § 5°, CF/88), a interpretação do art. 33, § 5°, Lei n° 8.212/91 deve ser restrita, sob pena, ainda, de gerar um enriquecimento ilícito de terceiros em detrimento da seguridade social.

Sendo efetivamente recolhido o valor à maior, certamente haverá direito do segurado à repetição de indébito, pois tais créditos não são sequer contribuição social, mas verbas salariais indevidamente descontadas pela empresa e equivocadamente repassadas à Previdência Social.

Havendo o desconto por parte da empresa, mas sem o repasse, ainda há transferência da responsabilidade, pois o debitum não foi plenamente cumprido. Nesta situação, a União irá demandar desta empresa valores descontados dos segurados que permanecem em seu poder, na condição de substituto tributário, o que pode mesmo configurar o crime de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, CP). O desenvolvimento aqui exposto também é plenamente aplicável ã retenção do art. 31 da Lei n° 8.212/91, que se inicia a seguir.

3.A Retenção do art. 31 da Lei n° 8.212/91

Aqui tratamos de uma outra forma de retenção na fonte prevista no Direito Previdenciário. Todas as premissas fixadas anteriormente continuam plenamente válidas. Não obstante, a retenção aqui delineada em nada se confunde com a descrita supra. Nesta nova hipótese, há determinados serviços pactuados entre empresas, mediante cessão de mão-de-obra ou empreitada. Os tópicos anteriores previam a retenção de contribuições devidas por pessoas físicas que prestassem serviços com ou sem vínculo empregatício.

Esta ressalva é de muita importância, pois muitas pessoas, ao tratar da retenção na prestação de serviços, freqüentemente confundem uma com a outra. A primeira hipótese sempre se aplica quando uma empresa contratar, diretamente, pessoas físicas. A aqui tratada, somente quando contratar pessoas jurídicas, que lhe prestem alguns dos serviços relacionados no art. 219, RPS e desde que por cessão de mão-de-obra ou empreitada.

A sistemática da retenção de 11% sobre documentos fiscais referentes a contratações de serviços prestados mediante cessão de mão-de-obra e empreitada foi inovação da Lei n. 9.711, de 20 de novembro de 1998. A citada lei alterou a redação do artigo 31 da Lei n. 8.212/91, o qual previa a responsabilidade solidária entre prestadores e tomadores de serviço no que diz respeito às contribuições devidas por aqueles.

Isto é, caso a empresa prestadora de serviços, cedente de mão-de-obra, não efetuasse os recolhimentos previdenciários, poderia a União exigir tais valores da empresa contratante, tomadora dos serviços prestados.  Como toda sistemática de responsabilidade fiscal, a razão de sua existência era a garantia da arrecadação das exações devidas, ainda que direcionada a pessoa que não realizou o fato gerador, mas evidentemente vinculada ao mesmo (art. 128, CTN).

Não obstante a plena legalidade da sujeição passiva indireta do tomador de serviço, o Legislador entendeu por bem mudar a sistemática de garantia da arrecadação previdenciária, extinguindo a solidariedade na prestação de serviços mediante cessão de mão-de-obra, mas criando a obrigatoriedade da empresa contratante reter e repassar à Secretaria de Receita Federal do Brasil – SRFB, em nome da empresa contratada, 11% do valor bruto da nota fiscal emitida pelo serviço prestado[18]. Como visto no início, a retenção na fonte é mecanismo de garantia de arrecadação muito superior à responsabilidade solidária.

A questão também foi tratada pelo Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99. A partir do artigo 219 a sistemática da retenção é regulamentada, constando inclusive de uma relação exaustiva dos serviços sujeitos à retenção (art. 219, § 2°).

Após a retenção, que se presume feita à época oportuna (Art. 33, § 5°, Lei n. 8.212/91), poderá a empresa prestadora de serviço deduzir-se dos valores retidos por seus tomadores, pagando somente a diferença, em guia de recolhimento única.

Por exemplo: empresa fornece mão-de-obra para 3 tomadores distintos, realizando a cobrança por meio de faturas emitidas em março, concernentes a serviços prestados em fevereiro. Cada fatura tem o valor de R$ 10.000,00.

Neste modelo, a competência para efeitos da retenção é março, mês de emissão do documento fiscal, pouco importando a data da real prestação do serviço. A empresa prestadora sofrerá retenções no valor de R$ 3.300,00, sendo que cada tomador reterá R$ 1.100,00 referente à sua nota, recolhendo em guia própria, específica, à SRFB, até o dia 10 de abril, no CNPJ da empresa prestadora.

Caso a empresa prestadora deva à Previdência Social R$ 4.000,00 referente a contribuições previdenciárias, abater-se-á dos valores retidos (R$ 3.300,00) e recolherá somente a diferença à SRFB (R$ 700,00), em GPS única, por estabelecimento.

O percentual de 11% foi escolhido em razão de atender, na maioria dos casos, a valor próximo ao devido pela empresa contratada, em razão da mão-de-obra cedida. Como na maioria das situações o percentual do valor bruto da nota referente à mão-de-obra é de 40%, a incidência da alíquota básica de 20%, mais o SAT médio de 2% e a alíquota mínima de 8% para segurados, perfazem 30% de 40%, ou seja, 12%. Com 1% de margem de erro, optou-se pelo percentual de 11%.Naturalmente, exceções existem, e por isso há regulamentação da SRFB prevendo situações em que a base da retenção é inferior ao valor bruto da nota fiscal ou fatura (Instrução Normativa SRP n° 03/2005).

As cooperativas de trabalho, na condição de prestadoras de serviço, não mais se submetem à retenção, pois neste tipo de relação o legislador achou por bem implementar uma efetiva substituição tributária, deslocando, desde a ocorrência do fato imponível, a sujeição passiva para o responsável  – a empresa contratante.

3.1. Conceito de Empreitada

A empreitada, já conhecida do Direito romano, pode ser singelamente definida como a contratação que visa a realização de determinada obra ou tarefa. Empreitada, como diz José Carlos Moreira Alves, é espécie da locatio conductio. É conhecida como locatio conductio operis. Nesta contratação, o conductor se obriga ao resultado final da obra a realizar, e não ao trabalho em si[19].

Dentro da mesma linha de raciocínio, Orlando Gomes aduz: “Na empreitada uma das partes obriga-se a executar, por si só, ou com o auxílio de outros, determinada obra, ou a prestar certo serviço, e a outra, a pagar o preço respectivo. Obriga-se a proporcionar a outrem, com trabalho, certo resultado”[20].

Washington de Barros Monteiro assim define a empreitada: “Empreitada é o contrato em que uma das partes se propõe a fazer ou a mandar fazer certa obra, mediante remuneração determinada ou proporcional ao serviço executado. É a locatio operis[21]. Trata-se de contrato oneroso e bilateral, e, ainda, possui a característica de ser limitado no tempo, pois a empreitada deve ter início, meio e fim. É contratação que já nasce destinada a morrer, quando atinge o fim colimado pelas partes.

A empreitada é usualmente dividida em duas espécies: a de lavor e a mista. Na primeira, há o exclusivo fornecimento de mão-de-obra por parte do empreiteiro, ficando o fornecimento de material por conta do dono da obra ou contratante. Já na empreitada mista, o empreiteiro também fornece o material, além da força de trabalho. Interessante notar que a empreitada mista, no Direito Romano, transformava-se em compra e venda.

Apesar de o texto legal utilizar-se da expressão “empreitada de mão-de-obra”, entendemos ser despicienda a menção à mão-de-obra. A empreitada é contratação que envolve um determinado objetivo desejado pelas partes. A mão-de-obra é somente o meio utilizado para alcançar o objetivo.

Também inadequada a utilização da expressão “empreitada de obra”, pois se trata de redundância: a empreitada sempre visa uma obra, em seu sentido amplo. Ainda, para não restar dúvidas quanto ao conceito de empreitada, é imprescindível discorrer, à minúcia, sobre as questões aí envolvidas.

Apesar da ênfase da obra no conceito de empreitada, deve-se ter em mente a advertência de Orlando Gomes: obra “significa todo resultado a se obter pela atividade ou pelo trabalho, como a produção ou modificação de coisas, o transporte de pessoas ou de mercadorias, a realização de trabalho científico ou a criação de obra artística ou imaterial”[22].

Isto é, todas estas designações (obra, tarefa, resultado) têm o mesmo objetivo: ressaltar a característica elementar da empreitada, o fim a ser atingido. Seja lá qual for a atividade, o serviço, caso este seja concluído, definitivamente, em algum lapso temporal determinável, tem-se uma empreitada.

A empreitada não visa a realização de serviços de maneira continuada. Embora comporte exceções, a locatio operis é trazida à existência já com o desejo das partes de alcançar o seu fim. Ou seja, o contratante quer ver o quanto antes a tarefa pronta, e a contratada quer terminar esta o quanto antes, para receber o preço ajustado.

Caso uma empreitada passe a ser prestada de maneira continuada, durante longo lapso de tempo, acabar-se-á por ter uma cessão de mão-de-obra, ou até um contrato de trabalho com os obreiros que prestam o serviço. É evidente que este raciocínio não se aplica a tarefas que, naturalmente, levam maior tempo para sua realização.

Como a lei não alterou o conceito de empreitada, cabe ao operador do Direito a busca deste conceito no Direito Civil, com suas origens no Direito Romano. Como já definido anteriormente, a empreitada visa a contratação de determinada obra ou tarefa.

Portanto, o local da realização do serviço é de total irrelevância para a identificação da empreitada. Em vista disso, a empreitada pode ser perfeitamente realizada dentro do estabelecimento da contratada. Tampouco é importante a natureza do serviço na empreitada, uma vez que é a contratação de uma obra ou tarefa, requisito este necessário e suficiente, que a define.

Porém, para efeitos de retenção, deve-se observar somente os cinco primeiros itens da lista do art. 219, § 2º do RPS, em razão de previsão expressa do art. 219, § 3º do RPS (limpeza, conservação e zeladoria; vigilância e segurança; construção civil; serviços rurais; digitação e preparação de dados para processamento).

3.2. Conceito de Cessão de Mão-de-Obra

Como dito no item anterior, parte do locatio conductio operarum tornou-se contrato de trabalho. Entretanto, outra parte, não sujeita às regras da CLT, veio a ser conhecida como cessão de mão-de-obra.

O locatio operarum é contratação que visa a obtenção de mão-de-obra por parte do contratante. Obviamente, como é inaceitável considerar uma pessoa objeto de um contrato, o verdadeiro objeto é a força de trabalho desta pessoa.

Assim, um contrato de cessão de mão-de-obra é aquele em que o fim desejado pelo contratante é a obtenção desta mão-de-obra (força de trabalho) para realizar algum mister. Perceba-se, desde já, que aí reside a diferença fundamental entre empreitada e cessão de mão-de-obra. No primeiro, a mão-de-obra é mero meio para atingir a obra ou tarefa desejada pelo contratante. Já na cessão, a mão-de-obra é a própria razão de existência da contratação.

Veja que não se trata de mera intermediação de mão-de-obra, mas sim da realização de serviços contínuos que requerem a permanente disponibilidade de pessoal para a empresa contratante. A continuidade temporal da atividade desempenhada é que traz como conseqüência a relevância da mão-de-obra nesta contratação.

Exemplificando: uma empresa terceiriza seu serviço de limpeza predial, e, para tal, contrata determinada prestadora de serviço. A prestadora irá disponibilizar, para a contratante, determinado número de pessoas, com o objetivo de realizar o serviço de limpeza. Ora, o que está sendo contratado? A força de trabalho, para que esta fique à disposição da contratante. Tem-se aí a cessão de mão-de-obra.

Por outro lado, imagine que outra empresa venha a contratar a mesma prestadora de limpeza predial. Só que, agora, a contratante deseja uma limpeza do prédio após a festa de final de ano. Qual seria esta contratação? Certamente, trata-se de uma empreitada: a contratante deseja a realização de determinada tarefa, no caso, a limpeza do prédio. Nesta situação, a mão-de-obra é simples meio a ser utilizado para a consecução do fim colimado.

A disponibilidade é indicativo da existência de cessão de mão-de-obra. Nas contratações onde o seu objeto é força de trabalho visando a realização de serviços contínuos, é conseqüência lógica que a mão-de-obra fique a sua disposição, para realizar determinado serviço.

Não é necessário que os obreiros fiquem o tempo todo de suas jornadas de trabalho à disposição da contratante. Mesmo que a disponibilidade seja por poucas horas, ou até menos, ainda assim poderá existir a cessão de mão-de-obra. Basta analisar o objeto do contrato. Em sendo a força de trabalho, ter-se-á cessão de mão-de-obra.

Pelo já exposto, é conclusão lógica que o local da prestação dos serviços é irrelevante para caracterizar tanto a locatio operis ou a locatio operarum. A distinção entre ambas reside no objeto da contratação, independente do local a ser executada a tarefa (empreitada) ou do local a ser disponibilizada a mão-de-obra para serviços contínuos (cessão).

Entretanto, a Lei n° 8.212/91 traz definição de cessão de mão-de-obra, no seu art. 31, § 3º: “Para os fins desta Lei, entende-se como cessão de mão-de-obra a colocação à disposição do contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com a atividade-fim da empresa, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação” (grifei).

Em virtude da expressão “em suas dependências ou nas de terceiros”, o Legislador restringiu o conceito para efeitos previdenciários, e por isso não há cessão de mão-de-obra quando a disponibilização de mão-de-obra for feita em estabelecimento da própria empresa contratada (cedente de mão-de-obra).

Com relação à empreitada, permanece a irrelevância do local da prestação do serviço para a sua caracterização. Repita-se, ad nauseam, que a caracterização da cessão de mão-de-obra decorre do objeto contratado. Portanto, é indiferente a natureza do serviço prestado para a identificação da locatio operarum.

Porém, deve-se observar que, para efeitos da retenção dos 11%, somente os serviços listados no art. 219, § 2º, do RPS são sujeitos à retenção. qualquer outro serviço, mesmo que contratado mediante cessão de mão-de-obra, não estará sujeito à retenção.

Ainda dentro do conceito legal de cessão de mão-de-obra, encontra-se menção a “serviços contínuos”, no sentido de que somente estes seriam sujeitos à retenção dos 11%.

Os chamados “serviços contínuos”, no contexto trabalhista, devem ser entendidos como as tarefas que são inerentes à atividade econômica da empresa. A continuidade não diz respeito ao obreiro, mas sim ao serviço. Por exemplo, a limpeza é um serviço contínuo, pois sempre será necessária a sua realização para o adequado andamento da atividade econômica da contratante. Mesmo que a contratada permaneça por pouco tempo prestando este serviço, ainda sim está caracterizado o serviço contínuo.

Entretanto, ao analisar-se mais profundamente as atividades empresariais, fica cada vez mais complexo identificar com exatidão quais os serviços que seriam contínuos e quais seriam eventuais. Aliás, a doutrina trabalhista está longe de atingir o consenso sobre o que seriam os serviços não-eventuais, ou contínuos.

Ainda mais, a cessão de mão-de-obra não depende deste conceito estrito de continuidade dos serviços. Por exemplo: determinada empresa do ramo industrial, devido à “excentricidade” de seu proprietário, firma contrato com empresa interposta, onde esta se obriga a colocar mão-de-obra à disposição da contratante para a busca de “pássaros raros”. Por mais ampla que seja a acepção juslaboral do termo “serviços contínuos”, é visível que a busca de pássaros raros na área industrial não é atividade contínua. Entretanto, a contratação aqui relatada deixou de ser cessão de mão-de-obra? Certamente não. O objeto ainda é a força de trabalho para a realização de serviço, ainda tem-se locatio operarum.

Os serviços contínuos, para efeitos previdenciários, devem trazer à lume as atividades sem pretensão de término ou tempo certo, que são consideradas pela empresa contratante como de necessidade contínua, e por isso carecem de mão-de-obra que fique a sua disposição na realização deste serviço.

É sabido que ao intérprete não é lícito assumir que a lei contenha palavras inúteis, desprovidas de sentido. Porém, em virtude da inexistência de conceito unívoco a respeito dos “serviços contínuos”, e também se tendo em mente a inutilidade deste conceito para a caracterização da cessão de mão-de-obra (pois o que interessa é objeto contratado, somente), é totalmente dispensável a perquirição da natureza dos “serviços contínuos”.

3.3. A Aposentadoria Especial e o Adicional ao SAT – Efeitos na Retenção de 11%

A aposentadoria especial é devida, uma vez cumprida a carência exigida, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos (Art. 57, Lei n. 8.213/91).

De modo a fazer frente ao custo adicional da aposentação precoce de tais segurados, a Lei n. 9.732/98 instituiu adicional à contribuição para financiamento do seguro de acidentes do trabalho – SAT, que passou a denominar-se contribuição destinada ao financiamento da aposentadoria especial, e dos benefícios concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho (art. 202, RPS).

A empresa, além da alíquota básica do SAT de 1, 2 ou 3%, de acordo com o risco de acidentes de trabalho de sua atividade preponderante, passou a arcar com um incremento de 6, 9 ou 12%, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente (art. 57, § 6°, Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 9.732/98).

Tal adicional foi inclusive estendido a outras situações, como se pode verificar na Lei n° 10.666/03. O aumento da alíquota da retenção sobre faturas referentes à cessão de mão-de-obra vem justamente em razão do chamado adicional ao SAT.

Em algumas situações, os serviços prestados pela empresa cedente de mão-de-obra são realizados em localidades insalubres, com exposição a agentes nocivos, assegurando o direito à aposentação especial para estes segurados, desde que cumprido o tempo mínimo, ou, ao menos, a conversão deste tempo de especial para comum.

Destarte, nada mais natural do que se cobrar o adicional de SAT também nestas condições, como de fato é feito. O adicional, como regra geral, é cobrado da empresa ao qual o segurado está vinculado, sendo pago juntamente com o SAT básico e demais contribuições[23].

Todavia, quando da cessão de mão-de-obra, a retenção de 11% é dimensionada para somente atender às contribuições básicas, sem incluir o adicional do SAT, como se viu supra. Ou seja, a nova técnica de arrecadação previdenciária não era eficaz para garantir que o acréscimo para financiamento da aposentadoria especial fosse efetivamente recolhido, cabendo este feito exclusivamente ao prestador de serviço.

Daí, de modo a suprimir esta falha, o art. 6° da Lei n° 10.666/03 passou a determinar incremento de retenção nestas hipóteses[24]. Assim, caso a empresa prestadora de serviço tenha seus empregados, ou parte deles, expostos a agentes nocivos no tomador de serviços ou em localidade por este indicada, haverá a retenção de 15, 14 ou 13% sobre a nota fiscal, ao invés de somente 11%.

Desta forma ficará assegurado o recolhimento da maior parte das contribuições devidas pela empresa, incluindo o adicional ao SAT.  Resta a dúvida da aplicação concreta dos novos percentuais, principalmente quando a empresa prestadora de serviço não tem conhecimento da nocividade do ambiente de trabalho ou quando somente parte dos trabalhadores é exposta a agentes nocivos.

Cabe lembrar que a concessão de aposentadoria especial irá depender, a partir de julho de 2003, da emissão do perfil profissiográfico previdenciário – PPP, sendo este elaborado a partir das informações constantes em laudo técnico de condições ambientais do trabalho – LTCAT.

Quem elabora o LTCAT é a empresa do local da prestação do serviço, isto é, a empresa tomadora de serviço. Já o PPP é confeccionado pela empresa que detém o vínculo com o trabalhador, ou seja, a empresa cedente de mão-de-obra.

Como o PPP é elaborado, necessariamente, a partir do LTCAT, a empresa contratada deverá ter pleno acesso a este, viabilizando a emissão do perfil e, ao mesmo tempo, percebendo a existência dos agentes nocivos superiores, vislumbrando a necessidade de retenção em percentual superior a 11%, caso exista a exposição a agentes nocivos.

De modo a efetivar com maior segurança estas questões, é inclusive aconselhável que a obrigatoriedade de cessão do LTCAT pela empresa tomadora de serviço conste do contrato ou, se já elaborado, de termo aditivo.

Quando somente parte dos trabalhadores tem exposição aos agentes nocivos, nova questão se apresenta na retenção: qual o percentual a utilizar? Certamente será mais de um, pois a parcela do serviço que envolva trabalhadores não expostos ao ambiente insalubre será de 11%, enquanto a outra parcela sofrerá retenção de 15, 14 ou 13% sobre a nota fiscal.

Por exemplo: empresa prestadora de serviço cede mão-de-obra em atividade de refinaria, sendo que parte de seus trabalhadores exercem atividades ligadas a produção, com exposição a agentes nocivos, e outro segmento exerce seu mister am atividades administrativas, sem exposição – caso o serviço total tenha o custo de R$ 20.000,00, deverá a prestadora identificar que, no caso, que R$ 10.000,00 são referentes a atividades sujeitas a aposentação especial e os outros R$ 10.000,00 são atividades comuns.

Sendo a atividade insalubre protegida pela aposentadoria especial de 20 anos, sobre a parcela de R$ 10.000,00 com exposição, a retenção será de 14% sobre o valor bruto da nota, sendo recolhida em nome da empresa contratada. A outra parcela de R$ 10.000,00 sofrerá retenção de 11%, normalmente.

Naturalmente, deverá o contrato distinguir o valor do serviço referente a cada atividade, cabendo à empresa contratada, quando da cobrança do serviço, destacar em separado no documento fiscal os serviços prestados com exposição e sem exposição a agentes nocivos, permitindo ao tomador a aplicação dos percentuais corretos.

Poderia também a prestadora de serviço emitir documentos distintos, cobrando os serviços com exposição a agentes nocivos em separado. Todavia, a separação deve seguir fielmente o previsto em contrato, sob pena de exigência da retenção pelo maior percentual sobre os valores totais.

4.Conclusão

Após breve bosquejo sobre a temática da retenção na fonte, acredito ser inevitável alcançar-se suas conclusões. Em primeiro lugar, resta patente a diferença entre a retenção na fonte e o instituto da responsabilidade tributária por substituição. Como amplamente demonstrado, são totalmente distintos. A substituição tributária altera, desde a ocorrência do fato gerador, a sujeição passiva, enquanto que, na retenção na fonte, a substituição do pólo passivo somente toma lugar como sanção pela ausência de retenção. Ao contrário do que possa parecer, vimos que a distinção é relevante, como na matéria relativa à repetição de indébito.

Em segundo lugar, fica bastante evidente a superioridade da retenção na fonte como mecanismo de garantia da arrecadação, muito superior aos clássicos métodos de responsabilidade tributária. Por isso os mesmos têm sido adotados não somente no Direito Previdenciário, mas em praticamente todas as legislações tributárias, em todos os Entes Federativos, e por isso o desenvolvimento deste instituto deve alcançar o mesmo grau de sofisticação que há na matéria de responsabilidade tributária, ao invés de sofríveis tentativas de enquadrá-lo como mais uma forma de substituição tributária.

 

Notas:
[1] A Retenção de 11% Sobre a Mão-de-Obra. São Paulo: LTr, 2000.
[2] Sobre o tema, ver o meu Curso de Direito Previdenciário, 9ª Edição. Niterói: Impetus, 2007.
[3] Defendi, inicialmente, esta posição no artigo intitulado Obrigações das Empresas em Decorrência da Lei n. 9.711/98, in 3º Simpósio Nacional IOB de Direito do Trabalho, São Paulo, p. 39, maio/99. Da mesma forma na obra A Retenção de 11% sobre a Mão-de-Obra, cit.
[4] A Retenção…, p. 23
[5] Apud Ives Gandra da Silva Martins (coordenador), Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 1, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 322. No mesmo sentido, ver Albert Hensel. Derecho Tributario. Madrid: Marcial Pons, 2005, p. 163.
[6] In verbis: O Tribunal, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão da 3ª Turma do TRF da 1ª Região que decidira pela legitimidade da retenção, pela empresa contratante de serviços executados mediante mão-de-obra, de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal ou da fatura de prestação de serviços, para fins de contribuição previdenciária, nos termos previstos no art. 31 da Lei 8.212/91, com a redação dada pela Lei 9.711/98 – v. Informativo 355. Entendeu-se que a alteração introduzida pela Lei 9.711/98 não implicou criação de nova contribuição ou contribuição decorrente de outras fontes com ofensa ao art. 195, §4º, da CF, porquanto apenas objetivou simplificar a arrecadação do tributo e facilitar a fiscalização no seu recolhimento, não ocorrendo, por conseguinte, violação à regra da competência residual da União (CF, art. 154, I). Salientou-se ser improcedente a assertiva de que o fato gerador estaria ocorrendo posteriormente ao recolhimento, uma vez que o sujeito passivo estaria obrigado a reter 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia 2 do mês subseqüente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura em nome da empresa cedente da mão-de-obra, observadas as disposições inscritas nos parágrafos no art. 31 e no §5º do art. 33 da Lei 8.212/91. Afirmou-se que a CF autoriza a lei a atribuir ao sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido (CF, art. 150, §7º), sendo que o CTN ainda prescreve em seu art. 128 que “sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. Concluiu-se, afastando a tese de que a mencionada retenção constituiria empréstimo compulsório (CF, art. 148), que os valores retidos em montante superior ao devido pela empresa contratada deverão ser restituídos nos termos do art. 31, §2º, da Lei 8.212/91, com a redação da Lei 9.711/98, razão por que também não estaria havendo utilização do tributo com efeito de confisco (CF, art. 150, IV). Vencido o Min. Marco Aurélio que dava provimento ao recurso por considerar que a legislação ordinária acabou por aditar a CF, introduzindo, em termos de adiantamento, uma nova base de incidência da contribuição social, ou seja, o valor da nota fiscal relativa à prestação de serviço, a qual abrangeria outros fatores estranhos à folha de salários, inclusive o lucro.
[7] Cf. Calixto, Marcelo Junqueira. Reflexões em Torno do Conceito de Obrigação, Seus Elementos e Suas Formas, in Obrigações – Estudos na Perspectiva Civil-Constitucional (Coord.: Gustavo Tepedino). Rio: Renovar, 2005, p. 07. Afirma o Autor que a indeterminação passiva seria mais rara, como no caso adquirente de um imóvel hipotecado responder junto com o devedor, pois “o credor que o era de um certo devedor tornar-se-á apto  a receber de qualquer um a quem venha trocar a coisa gravada” (p. 8, apud Caio Mário, op. cit., p. 16).
[8] Cf. Calixto, Marcelo Junqueira. Op. cit., p. 8.
[9] Op. cit., p. 16.
[10] GAGLIANO, Pablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Obrigações. Vol. 02. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, p. 18 e 19.
[11] Barros Leães, G. Paes de. Obrigação Tributária. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1971.
[12] Op. cit., p. 02.
[13] Op. cit., p. 05.
[14] Cf. Barros Leães, G. Paes de, op. cit., p. 5.
[15] Cf. Barros Leães, G. Paes de, op. cit., p. 6. Como expõe este Autor, O elemento crédito-débito se traduz na obrigação, estabelecida por lei, de dar o quantum do tributo ao fisco; e o elemento garantia-responsabilidade, no poder de o exator agir sobre os bens do devedor, mobilizando as forças cogentes do Estado no sentido de assegurar o cumprimento da obrigação (p. 10). A primeira é “relação de dívida” e a segunda é “relação de responsabilidade” (p. 11). Esta relação de responsabilidade é que garante a satisfação do credor (p. 31).
[16] Não se ignora a forte dissidência sobre a efetiva natureza acessória destas obrigações, mas devido aos limites desta obra, nos limitamos a admitir a posição de Hugo de Brito Machado que tenta justificar a dicção do CTN, afirmando que a “crítica não é procedente. É fruto de uma visão privatista, inteiramente inadmissível em face do Código Tributário Nacional, em cujo contexto o adjetivo acessória, que qualifica essas obrigações, tem sentido inteiramente distinto daquele do Direito Privado. (…) em Direito Tributário, as obrigações acessórias não precisariam existir se não existissem as obrigações principais. São acessórias, pois, neste sentido” (Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 88 e 89).
[17] A incidência da contribuição tem base-de-cálculo alterada. Deixa de ser a remuneração dos cooperados (contribuintes individuais) e passa a ser o valor bruto da nota fiscal ou fatura, já que é este valor que a empresa contratante tem conhecimento. A alteração de base imponível de contribuições é expressamente autorizada pelo art. 201, § 9° da Constituição.
[18] Assim reza a Lei: “Art. 31. A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia dois do mês subseqüente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, em nome da empresa cedente da mão-de-obra, observado o disposto no § 5º do art. 33.
§ 1º O valor retido de que trata o caput, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, será compensado pelo respectivo estabelecimento da empresa cedente da mão-de-obra, quando do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos segurados a seu serviço.
§ 2º Na impossibilidade de haver compensação integral na forma do parágrafo anterior, o saldo de remanescente será objeto de restituição.
§ 3º Para os fins desta Lei, entende-se como cessão de mão-de-obra a colocação à disposição do contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com a atividade-fim da empresa, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação.
§ 4º Enquadram-se na situação prevista no parágrafo anterior, além de outros estabelecidos em regulamento, os seguintes serviços:
I – limpeza, conservação e zeladoria;
II – vigilância e segurança;
III – empreitada de mão-de-obra;
IV – contratação de trabalho temporário na forma da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974.
§ 5º O cedente de mão-de-obra deverá elaborar folha de pagamento distintas para cada contratante.
[19] José Carlos Moreira Alves, Direito Romano, Forense, 6ª edição, vol. II, p. 177 e seguintes.
[20] Orlando Gomes (atualizador: Humberto Theodoro Júnior), Contratos, Forense, 18ª edição, p. 297.
[21] Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, Saraiva, 30ª edição, vol. 5, p. 196.
[22] Orlando Gomes, Contratos, cit., p. 291.
[23] Observe que esta regra é distinta no que diz respeito a cooperados vinculados a cooperativa de trabalho, situação na qual caberá à empresa tomadora de serviço recolher os 15% com o adicional nove, sete ou cinco pontos percentuais (art. 1°, § 1°, Lei n° 10.666/03).
[24] “Art. 6°- O percentual de retenção do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços relativa a serviços prestados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, a cargo da empresa contratante, é acrescido de quatro, três ou dois pontos percentuais, relativamente aos serviços prestados pelo segurado empregado, cuja atividade permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.”

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Fábio Zambitte Ibrahim

 

Professor da Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio; Doutorando em Direito Público – UERJ; Mestre em Direito Previdenciário – PUC/SP

 


 

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