Revisitando Montesquieu: uma análise contemporânea da teoria da separação dos poderes

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo uma análise crítica sobre os atuais movimentos dos poderes estatais (Executivo, Legislativo e Judiciário) e sua atuação no palco político brasileiro. Para tanto, aborda de forma sucinta o embasamento teórico sobre o assunto, tomando por base Montesquieu e comparando-o com outros autores contemporâneos, para verificação do modelo democrático presente no Estado contemporâneo. A partir dessa solidificação da ideologia reinante, busca apreciar através dos dados fornecidos pelos próprios atores qual a maneira de relacionamento entre eles desde a redemocratização brasileira, em especial a partir da Constituição de 1988. Num estudo comparativo, o estudo busca mostrar um movimento de equacionamento de forças através da compensação de forças pelo Legislativo e Judiciário frente a uma tendência autoritária do Executivo herdada dos primórdios da organização brasileira e derrubar o conceito reinante no senso comum de que o Estado se encontra à beira da desconstituição dos princípios democráticos como são conhecidos.


Palavras-chave: Montesquieu; Democracia; Poderes.


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Sumário: 1. Introdução. 2. Teoria da Separação dos Poderes. 3. A teoria dos freios e contrapesos e sua inserção no regime democrático. 4.Os Poderes na prática – ação das instituições na democracia brasileira contemporânea. 5. Conclusões. Referências


1. Introdução


A teoria da Separação dos Poderes, desenvolvida por Montesquieu[1], prevê a autonomia dos Poderes como um pressuposto de validade para o Estado Democrático. A idéia de que o poder deve ser controlado pelo próprio poder pressupõem que as atitudes dos atores envolvidos no palco de decisões sejam interligadas, com uma clara divisão nas competências de cada um deles, e uma interdependência que garanta uma gestão compartilhada e homogênea.


Dessa forma, as ações do Executivo, Legislativo e do Judiciário devem ser, em tese, autônomas e complementares. O obstáculo à atuação legítima de qualquer um dos entes deve pressupor um abuso de seu poder institucional, sendo válido aos demais, portanto, a interferência para buscar um retorno ao status quo ante.


Entretanto, a atual conjuntura brasileira desenha um quadro diferente. A utilização indiscriminada de Medidas Provisórias pelo Executivo, a instalação de CPI’s pelo Legislativo e a utilização de Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADIN), entre outras, pelo Judiciário, aponta para uma interferência mútua nos círculos de poder dos atores estatais.


Cabe ressaltar que nenhuma das atividades acima é ilegal ou inédita. Todas têm amparo legal e são instrumentos previstos na atuação do Estado. O que desperta interesse no momento é que a utilização das mesmas vem crescendo nos últimos 10 anos, às vezes como forma de acelerar o processo de gestão, ou como maneira de obstacularização do processo decisório.


Nesse sentido, o escopo do presente trabalho é questionar não a natureza do processo, mas seu objetivo. Afinal, a utilização demasiada desses métodos é a personificação de uma atitude despótica de conquista do poder pelas facções ideológicas (partidos políticos), ou uma readequação da teoria do Check and Balances, como uma resposta dos demais poderes a concentração de força no Executivo?


E ainda, caso a primeira opção se confirme qual o Papel do judiciário nessa contenda, uma vez que sua natureza deve ser percebida como apolítica e, portanto, não inscrita na relação de disputa apresentada? Cabe a ele ser o mediador do conflito entre as demais facções notadamente políticas, consubstanciando-se tão somente como “la bouche de la loi” ou representa-se como ator ativo no palco do domínio do poder?


Ao propor uma revisita ao estudo de Montesquieu à luz de outros autores contemporâneos, o presente trabalho visa trazer à luz esta questão crucial da divisão do poder no interior do Estado. Entretanto, não guarda o intuito de exaurir a discussão, uma vez que a relação encontrada é dinâmica e, portanto, avessa a uma conformação a qualquer teoria hegemônica.


2. Teoria de Separação dos Poderes


Ao iniciar essa discussão, é preciso traçar as linhas gerais sobre o que seja, e de onde venha, a idéia de que o poder deve ser exercido de forma separada e complementar. Para alguns autores, inclusive, o poder político é indivisível e deriva do Estado e do Povo. O que aconteceria na realidade é a especialização das funções entre entes diversos que, conjuntamente, exercem o poder do Estado[2]. Esta idéia, contudo, é rechaçada por aqueles que entendem que o foco do estudo não está nem na idéia funcionalista nem na estruturalista (órgãos) do governo, e sim na sua capacidade de imperium sobre os indivíduos[3].


Ao iniciar seu trabalho sobre as leis, Montesquieu divide os três estilos de governo em republicano, monárquico e despótico. A diferença entre eles é básica e inscrita no próprio senso comum: na república todo povo ou, ao menos, parte dele, exerce diretamente o controle do Estado; a monarquia é representada por apenas uma figura, mas regrada por leis fixas e estabelecidas; já o déspota ignora a instituição de normas e governa por seu próprio arbítrio.[4]


Nessa análise inicial o autor coloca força num poder intermediário, de contenção, ou “repositório de leis”, como um poder mediador entre a vontade do governante e o povo. Tal fenômeno inclusive é o que impede a evolução de um poder centralizado (monarquia) para um sistema despótico. Além disso, sugere a existência de primazias ou princípios aos sistemas republicanos e monárquicos, a virtude e a honra, sem os quais se descaracterizam os sistemas. São esses elementos, portanto, também freios primários do poder constituído.[5]


A proposta de limites ao poder de comandar e coagir o cidadão está assente na teoria de Montesquieu, mas possui raízes mais profundas. Platão e Aristóteles, na Grécia antiga, Tomás de Aquino e Marsílio de Pádua, na era medieval, e mais modernamente Bodin e Locke já se ocuparam do assunto, muito embora mais especialmente o primeiro e o último foram considerados verdadeiros precursores do aristocrata francês[6].


Contemporaneamente, esta percepção foi trabalhada por Locke, ao desenhar uma separação entre os poderes, inspirado fortemente da Constituição inglesa. Para esse autor, existiriam o Executivo, responsável pela execução das leis, o Legislativo, expressão do povo para a criação de tais enunciados, e ainda outros dois, Confederativo e Discricionário[7].


Refinando este modelo, Montesquieu afirma claramente a necessidade de divisão dos poderes como forma de constituição do Estado moderno: ”Há em cada Estado três espécies de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil.”[8]


O autor ainda compara monarquias moderadas da Europa, onde existe uma fração do poder de governo na mão do povo (justiça), com república onde não existe separação, como a Itália da época. Na sua concepção o último exemplo, apesar de dito democrático, é menos aberto que as monarquias citadas, e o governo precisa “para manter-se, de meios tão violentos quanto os dos turcos” onde “reina um horrível despotismo”[9].


Partindo desta visão, o poder no Estado Moderno, e particularmente no Brasil, divide-se em Legislativo (expressão máxima do poder popular, cujos representantes efetivamente criam as leis e regras que serão dirigidas a todos); Executivo (órgão responsável pela execução das leis e direção central da nação, também escolhido pelo povo), e Judiciário (repositório da legislação, com função de interprete e guardião das normas e princípios norteadores do EDD).


Mais moderno e aprofundado, o conceito dado por Canotilho pressupõe não apenas uma divisão horizontal, como a já definida acima, mas também uma separação vertical dos poderes, como princípio básico do federalismo e a separação em União, Estados e Municípios. A análise retoma a idéia funcional dos entes de governo como “complexos orgânicos” com regimes de competências definidos, estas sendo separadas e interdependentes. [10]


Com efeito, a idéia de um perfeito equilíbrio entre o Poder Central e os periféricos está assentada na base da idéia de parlamento, como afirma Bobbio[11]:


“O nascimento e desenvolvimento das instituições parlamentares dependem, portanto, de um delicado equilíbrio de forças entre o poder central e os poderes periféricos. Onde o poder central goza de uma significativa preponderância (…) as instituições parlamentares vingam mal e dificilmente prosperam. Mas tampouco na situação oposta (…) existem condições para a consolidação dos Parlamentos: falta, na verdade, um estímulo que leve as várias forças do país a se unirem de forma duradoura.”


Baseado no estudo constitucional Português, o autor trabalha a estruturação de Montesquieu em três esferas: plano funcional (legislativa, executiva e judiciária); b) plano institucional: existência de três órgãos constitucionais para cada uma das funções; e c) plano sócio-cultural: articulação de cada poder com as estruturas sociais. [12]


3. A teoria dos freios e contrapesos e sua inserção no regime democrático


A separação dos poderes é discutida como a forma de evitar a concentração do imperium nas mãos de uma só pessoa. Sua instituição é a transição do Estado Absolutista (ou despótico) para um estado liberal, caracterizado modernamente pelo Estado Democrático de Direito. Este apartamento das atividades, entretanto, não é rígido, havendo interferências recíprocas em que cada Poder, além de exercer suas competências, também influencia nos demais[13].


A utilização de ferramentas intra potestas é reconhecida no sistema brasileiro e abrangida pelos normativos federais. Elencando as principais delas, podemos reconhecer:


Medida provisória: ação de uso exclusivo do Executivo, com o objetivo principal de dar celeridade a questões urgentes. Tem força de lei a partir de sua edição, cabendo ao Legislativo reagir a ela dentro de um prazo determinado, aprovando-a ou não, arcando assim com os custos de tal decisão.[14]


Comissão Parlamentar de Inquérito: prerrogativa do Congresso Nacional, serve para a apuração de irregularidades nos atos do poder Executivo. Os legisladores têm poderes para chamar ministros para esclarecimentos, determinar quebra de sigilo bancário, entre outros. Trata-se da função de Fiscalização e Controle prevista na Constituição Federal, artigo 49, X, que resulta na possibilidade de julgamento por Crime de Responsabilidade de autoridades federais, entre elas, o Presidente da República[15].


Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADIN): de cunho judicial e de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, visa resguardar os direitos do cidadão em face de uma inoperância dos criadores (Legislativo) ou dos executores (Executivo) das leis. Sua declaração “obriga” o responsável a manifestar-se e sanar determinadas lacunas na legislação, em vista de preceito ou garantia fundamental prevista na Constituição Federal[16].


Essas são apenas três formas de interferência nas relações Executivo/Legislativo/Judiciário. Uma quantidade de outras opções existem no dia-a-dia, como a possibilidade das CPI’s determinarem a prisão de cidadãos durante o inquérito (antes de prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário), a utilização de regime de urgência pelo Executivo em determinadas matérias, o que pode causar o trancamento da pauta do Congresso, e a utilização de interpretação extensiva e de súmulas vinculantes e jurisprudência pelo Judiciário, interpretando e completando o sentido das leis.


Para muitos autores, esse tipo de atuação tem interesses nocivos no que tange a relação entre os entes discriminados. A preponderância do Executivo sobre os demais sistemas se consolida pela utilização de medidas capazes de cercear o poder Legislativo, principalmente em função das exigências de calendário, como é o exemplo do orçamento, que autoriza a utilização de 1/12 ao mês do valor previsto em caso de atraso[17].


Tal preponderância parecer ser confirmada pelo crescente número de leis de autoria do Executivo em detrimento dos demais poderes. Neto[18] avalia tal dissonância como fruto de um sistema autoritário enraizado na ditadura militar dos anos 70. Os próprios protagonistas do regime que dominou essa época reconheceram, no início do período liberalizante (1980-86) que houve um atrofiamento do processo legislativo, como foi o caso do general Couto e Silva[19], braço-direito do primeiro presidente militar, Castelo Branco:


“A hipertrofia do Executivo acabaria por anular a atividade legislativa do Congresso, quase que limitando a chancelar projetos de iniciativa do Poder Maior, quando não se abstendo perante eles. Em assuntos decisivos, o Poder Executivo substituir-se-ia até mesmo ao Judiciário no julgamento e punição de quem se insurgisse contra ele, recorrendo para tanto a diplomas de execução.”


De fato, ao se analisar a linha de produção das normas no período de 1946 até 1994, nota-se claramente uma inversão na iniciativa legislativa a partir de 1964, que perdura até os dias atuais[20]. Tal separação se deve, em muito, na distinção de finalidades das leis editadas, com clara predominância daquelas de cunho orçamentário, de iniciativa exclusiva do poder Executivo.


No que tange a interferência do Legislativo nas esferas funcionais dos demais poderes, a linha de atuação é menos clara. As comissões parlamentares de inquérito tem efetiva responsabilidade para a apuração de desvios de conduta por parte das autoridades federais. Por princípio, não se envolve em questões privadas e pessoais (private affairs), e devem se relacionar com fatos determinados[21].


Entretanto, dada a possibilidade de caráter extensivo da interpretação destas normas, além do cunho eminentemente político das casas legislativas, nem sempre o que ocorre é o previsto. De fato, pode-se afirmar que casos pessoais são averiguados nas referidas comissões, podendo, para tanto, valer-se da argumentação de que tais assuntos podem desaguar em responsabilidades públicas. Além disso, mais e mais a atuação política tem se norteado para tentativas de apuração de casos complexos, sem fatos claros ou denúncias concretas.


Uma vez que a abordagem institucional (Executivo x Legislativo) é insuficiente para a análise das CPI’s, é possível uma averiguação mais crítica quanto à composição das casas. É necessária assim uma separação entre oposição e governo, no sentido de dar vazão ao verdadeiro confronto existente nessa relação. Aliás, a falta dessa abordagem é o que se pode fazer de crítica ao estudo proposto por Figueiredo na relação dos dois poderes.


É importante a análise do Congresso a partir de suas tendências partidárias. Não se pode absorver a idéia de que as atitudes dos parlamentares são individuais ou totalmente corporativas. De fato[22]:


“… a estrutura real de uma assembléia parlamentar também é definida por elemento que se situam numa outra dimensão: aquela que concerne aos grupos políticos presentes no Parlamento. Os parlamentares não agem, com efeito, de modo atomístico, mas geralmente enquadrados em unidades superindidivuais…”


Um fato de peso é que a própria existência dos partidos está inserida na lógica de poder. Muito embora sua atuação seja, teoricamente, o modo de expressão da população no sistema democrático participativo, sua força está diretamente ligada à possibilidade de barganha e de influência no jogo político. De fato, conforme afirma Sartori[23]:


“Um partido tem condições de relevância sempre que sua existência, ou aparência, reflete a tática da competição partidária e particularmente quando modifica a direção da competição – determinando uma transferência da competição centrípeta para a centrífuga, seja para a esquerda, para a direita, ou em ambas as direções – dos partidos voltados para o governo.”


Outro ponto importante a ser trabalhado é a influência do Judiciário em todo o processo democrático. Inobstante tal instituição não possuir um caráter eminentemente político, é de profunda importância para o funcionamento do sistema. Responsável por tratar da interpretação das leis e de seu cumprimento, é também o interlocutor entre a origem (Legislativo) e o fim (executivo).


Como já referido acima, são inúmeras as possibilidades de interferência da Justiça nas atividades dos outros elementos. Não só através de Adi ns, mas pela emissão de Enunciados e Jurisprudências, influencia diretamente no processo de produção legislativa. Além disso, ações de Descumprimento de Preceito Fundamental, Mandados de Segurança e outras atividades pautam, no dia a dia, a atuação do Executivo.


De muito vem se discutindo o papel do judiciário no palco político. Por certo, a idéia de “judicialização da política” ou ainda da “politização da justiça” tem se afirmado entre diversos doutrinadores. A possibilidade do judiciário não apenas influir, mas muitas vezes dirigir certos momentos do processo político-democrático deve ser discutido mais a fundo.


Segundo alguns autores, a atividade judicial nesse âmbito não se demonstra como uma usurpação de funções, mas como uma realocação dos poderes com base na positivação dos direitos fundamentais. Assim, seria na realidade uma formulação favorecida pelo processo democrático e, além disso, uma resposta à impossibilidade de mobilização social herdada do regime autoritário[24].


O fortalecimento do judiciário pós 1988 também é condicionado por alguns pelo enfraquecimento do Legislativo frente ao Executivo e a ultrapassagem do primeiro pelo último na produção normativa. Tal fato seria fruto do descasamento entre a atividade política e o plano social. Com efeito[25]:


“O próprio Legislativo parece estar consciente dessa contingência, uma vez que é dele, desde a Constituinte, que tem partido as iniciativas de reforçar as funções de checks and balances do Poder Judiciário e de instituir (…) uma modalidade de esfera pública que medre em torno da representação funcional.”


Falta, entretanto, a essa opinião, o mesmo foco salientado acima, sobre a influência da relação oposição/situação em detrimento das esferas funcionais.


4. Os Poderes na prática – ação das instituições na democracia brasileira contemporânea


Uma vez analisado o cabedal teórico acerca das necessidades e vantagens na separação dos Poderes num regime democrático, é necessária a aplicação de tais conhecimentos no modelo prático brasileiro, como forma de tentar definir o movimento político. Até que ponto, realmente, as ações implementadas fora da esfera principal de cada setor está ligada a simples tomada de poder, subvertendo a teoria de Montesquieu? Ou ainda, o que acontece é uma realocação das posições entre os órgãos institucionais, dentro da idéia de interdependência orgânica apresentada por Canotilho[26]?


O primeiro passo é definir se realmente, ao se utilizar de mecanismos de fiscalização (Comissões Parlamentares de Inquérito), o objetivo do Legislativo está inserido única ou principalmente no jogo eleitoral. Para isso utiliza-se a análise dos dados apresentados pelo Congresso Nacional acerca das CPI’s instaladas após a redemocratização (tabelas 1 e 2)


Quando se cruzam os dados obtidos nas duas fontes de informação com os períodos eleitorais contemporâneos (1994, 1998, 2002 e 2006), não se observa o pressuposto de maior produção de inquéritos parlamentares nos anos chave do processo eleitoral. A exceção parece ser, no caso do Senado, o ano prévio às eleições, 1993 e 2005, com o segundo e terceiro maior número de requerimentos no período apurado.


 


 


Já a Câmara dos Deputados apresenta números diferentes, com uma concentração de requerimentos nos anos iniciais dos mandatos eletivos. Os períodos de 1995-1996, 1999-2000 e 2003, referentes sempre ao início das legislaturas, é o que apresenta uma maior concentração de atuações de CPI’s, com 25 dos 29 processos. O que se pode analisar é que a produção de inquéritos parlamentares independe, propriamente, no período da disputa eleitoral.


Entretanto, é possível notar que a relação entre situação e oposição é mais declarada nas ações do Senado e Mistas. No primeiro segmento, representado pelo governo FHC, com uma base maior e homogênea no legislativo, houve menos incidência de processos. Já o interstício atual, no Governo Lula, tem apresentado uma elevação dos índices, baseado principalmente na fraca coesão entre os aliados e a diferença ideológica dos partidos componentes da estrutura governista.


Já na tabela a seguir (3) referente à utilização de Medidas Provisórias por parte do Governo Federal, é possível a apreciação de um aumento expressivo na década atual em comparação com a anterior, fortemente puxada pelo desempenho em 2001, que foi 2,4 vezes superior à média do período inteiro. As principais variações acompanham ainda o final do segundo mandato de FHC e de uma maneira mais distribuída no Governo Lula. É importante salientar que os dados representam apenas as medidas principais, não levando em conta suas reedições.


Essa análise demonstra que o uso de MP’s está mais ligado à instabilidade político/partidária da base de sustentação aliada do que propriamente a uma tática de tomada ou manutenção do poder ligada exclusivamente ao processo eleitoral.


 


Mais uma vez se configura uma concentração onde o governo tem um apoio mais fragmentado (dada a amplitude ideológica dos apoiadores), como é o caso do período petista, ou num período de reconfiguração de alianças, até mesmo motivado pelas eleições, como foi no biênio 2001-2002. No ano de 2007, na esteira dos escândalos e do suposto risco de morosidade legislativa, o uso das Medidas, somente no primeiro semestre, já ultrapassa a média anual da década passada e aproxima-se do valor atingido em todo o ano de 2005, muito menos influenciado por discussões no Congresso.


A última fonte de dados presente (Tabela 4), trata das ADI’s que tramitaram pelo Supremo Tribunal Federal desde a Constituinte. Pela limitação de informações do STF, não foi possível a separação das ações por omissão. Entretanto, uma vez que a manifestação de inconstitucionalidade de uma norma pelo Tribunal gera efeitos erga omnes e, portanto, também interfere na relação entre os Poderes, a informação a seguir é perfeitamente válida como objeto de estudo.


 


Para o estudo dos números em questão pode-se traçar um divisor de década. Assim, é possível comparar os dados dos períodos 1988-1997 e 1998-2007. Muito embora a distribuição das ações não tenha aumentado muito de um período para outro (de 1754 para 2141, ou 22%) foi expressiva a alteração nos processos efetivamente julgados (de 800 para 2107, ou 163,3%).


Assim, a iniciativa social de impetração de ações não seguiu o mesmo ritmo da decisão judicial, que teve um acréscimo de em seus trabalhos no último período. É de se salientar ainda que os últimos anos foram pautados por uma preponderância dos julgamentos sobre a entrada de processos, o que demonstra um aumento na eficácia judicial.


Muito embora os dados apontem para um aumento absoluto no número de julgamentos de ADI’s, a participação delas no total de processos no STF tem diminuído sistematicamente nos últimos cinco anos. De fato, os percentuais entre 2003 e 2007 foram respectivamente: 0,38%, 0,30%, 0,25%, 0,22% e 0,10%. Tais fatos apontam para um crescimento de toda a atividade judicial constitucional, e não obrigatoriamente uma preponderância do Judiciário no palco de intervenção no processo legislativo.


5. Conclusões


Através dos elementos apresentados, pode-se traçar um panorama do teatro político brasileiro, tomando por base a teoria da Divisão de Poderes, elementar no Estado Democrático de Direito, e o Princípio dos Freios e Contrapesos, o Checks and Balances. Os números apontam para um aumento da interdependência nos atos dos entes estudados, não relacionados especificamente com os períodos de preponderância da arena política, as eleições.


Uma análise primária do apresentado parece apontar para uma iniciativa do Executivo no desequilíbrio inicial das forças, sendo seguido por uma compensação por parte dos demais atores. Tal liderança advém do modelo normalmente autoritário brasileiro, reforçado no período de Ditadura Militar.


Essa idéia de compensação das distorções de controle pode ser espelhada nas palavras de Lopes Jr.:


“A tendência de reconcentração das funções governamentais está sendo contrabalançada por novas formas de pluralização do poder político, seja pela reformulação da estrutura tripartite do constitucionalismo moderno, seja pela diversificação dos mecanismos representativos.”


Em outras palavras, Vianna também corrobora a interferência entre os órgãos como uma forma de ajustamento do sistema:


“Tem-se daí que a história atual das relações assimétricas e desarmônicas entre os Três Poderes no país, de onde poderiam provir graves conflitos institucionais, com o que há de negativo nela para a constituição de uma esfera pública política, para se usar uma teoria harbemasiana, tem admitido condições favoráveis para a adaptação criativa da democracia mesmo em um cenário que não lhe é propício, confirmando uma outra tradição da cultura política do país, qual seja, a do pragmatismo quanto à manipulação de formas e procedimentos.”


Muito embora não se possa deixar de lado a disputa partidária e o fim último de chegar ao poder, as demonstrações nesse sentido, seja nas CPI’s seja no uso de Medidas Provisórias pelo Executivo, parecem estar mais diretamente ligadas às diferenças da base de sustentação do que ao processo eleitoral efetivo. Assim, as manobras de invasão da esfera de competência aparecem com via indireta da conquista do sufrágio, e não como seu elemento principal.


O que representa esse movimento de interação? Na realidade, demonstra uma readequação de forças, com a retomada de certos poderes por parte do Legislativo, na luta por evitar um papel secundário no processo decisório, como alega Figueiredo[27], e um fortalecimento do Judiciário, alcançado pelo próprio Congresso, como via para toldar uma hegemonia do Executivo[28].


Disso tudo se pode concluir que nem de longe os movimentos atuais se concretizam como uma derrocada da teoria da Separação dos Poderes como proposta por Montesquieu ou Canotilho. Mais possivelmente, trata-se de um “sincronismo assincrônico”, ou ainda um movimento circular das instituições como forma de reacomodação no processo dinâmico da democracia contemporânea.


 


Referências:

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Globo, 1980.

BOBBIO, Norberto et alii. Dicionário de Política. Brasília: UNB, s/d.

BRASIL. Constituição Federal, art. 103, § 2º. Brasília: Senado Federal, 1988.

COUTO E SILVA, Golbery do. Conjuntura Política Nacional, o Poder Executivo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981.

FIGUEIREDO, Argelina Cheirub, et al. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999.

__. Poderes Legislativos e o Poder no Congresso. Rio de Janeiro: Monitor Público, s/d.

LOPES JR., Eduardo Monteiro. A judicialização da Política no Brasil e o TCU. Rio de Janeiro: FGV, 2007.

MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

MONTESQUIEU, Barão de.  Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2007.

PINHO, Rodrigo César Rebello. Da organização do Estado, dos poderes e histórico das constituições. São Paulo: Saraiva, 2006. p.52.

SARTORI, Giovanni. Pensamento Político. Brasília: UNB, s/d.

TORRONTEGUY, Marco Aurélio Antas. Separação dos poderes e democracia no Mercosul: constitucionalismo comparado, histórico e atualidades. Revista de Integração Latino Americana. Santa Maria: UFSM, 2005.

VIANNA, Luiz Werneck(org.). A democracia e os Três Poderes no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2003.


Notas:

[1] MONTESQUIEU, Barão de.  Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2007.

[2] PINHO, Rodrigo César Rebello. Da organização do Estado, dos poderes e histórico das constituições. São Paulo: Saraiva, 2006. p.52.

[3] MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 246.

[4] MONTESQUIEU, Barão de.  Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 23.

[5] MONTESQUIEU, Barão de.  Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2007. pp. 37-39.

[6] MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 246.

[7] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Globo, 1980. p. 177.

[8] MONTESQUIEU, Barão de.  Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 165.

[9] MONTESQUIEU, Barão de.  Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 166.

[10] TORRONTEGUY, Marco Aurélio Antas. Separação dos poderes e democracia no Mercosul: constitucionalismo comparado, histórico e atualidades. Revista de Integração Latino Americana. Santa Maria: UFSM, 2005. p. 150.

[11] BOBBIO, Norberto et alli. Dicionário de Política. Brasília: UNB, s/d. p. 879.

[12] TORRONTEGUY, Marco Aurélio Antas. Separação dos poderes e democracia no Mercosul: constitucionalismo comparado, histórico e atualidades. Revista de Integração Latino Americana. Santa Maria: UFSM, 2005. p. 150.

[13] PINHO, Rodrigo César Rebello. Da organização do Estado, dos poderes e histórico das constituições. São Paulo: Saraiva, 2006. p.50.

[14] FIGUEIREDO, Argelina Cheirub, et all. Poderes Legislativos e o Poder no Congresso. Rio de Janeiro: Monitor Público, s/d..

[15] PINHO, Rodrigo César Rebello. Da organização do Estado, dos poderes e histórico das constituições. São Paulo: Saraiva, 2006. p.62.

[16] BRASIL. Constituição Federal, art. 103, § 2º. Brasília: Senado Federal, 1988.

[17] FIGUEIREDO, Argelina Cheirub, et all. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 45.

[18] NETO, Octavio Amorim et all. A produção legislativa no Congresso apud VIANNA, Luiz Werneck(org.). A democracia e os Três Poderes no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2003. p. 94.

[19] COUTO E SILVA, Golbery do. Conjuntura Política Nacional, o Poder Executivo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 23.

[20] FIGUEIREDO, Argelina Cheirub, et all. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 49.

[21] PINHO, Rodrigo César Rebello. Da organização do Estado, dos poderes e histórico das constituições. São Paulo: Saraiva, 2006. p.67.

[22] BOBBIO, Norberto et alli. Dicionário de Política. Brasília: UNB, s/d. p. 883.

[23] SARTORI, Giovanni. Pensamento Político. Brasília: UNB, s/d. p. 147.

[24] LOPES JR., Eduardo Monteiro. A judicialização da Política no Brasil e o TCU. Rio de Janeiro: FGV, 2007. p. 39.

[25] VIANNA, Luiz Werneck(org.). A democracia e os Três Poderes no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2003. p. 15.

[26] TORRONTEGUY, Marco Aurélio Antas. Separação dos poderes e democracia no Mercosul: constitucionalismo comparado, histórico e atualidades. Revista de Integração Latino Americana. Santa Maria: UFSM, 2005. p. 149.

[27] FIGUEIREDO, Argelina Cheirub, et al. Poderes Legislativos e o Poder no Congresso. Rio de Janeiro: Monitor Público, s/d. p. 33.

[28] VIANNA, Luiz Werneck(org.). A democracia e os Três Poderes no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2003. p. 15.

Informações Sobre o Autor

Alan Ricardo Fogliarini Lisboa

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Equipe Âmbito Jurídico

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