Eunices Bezerra Santos e Santana Ingram. Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes – UNIT. Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela UNISUL/LFG. Defensora Pública lotada na Defensoria Especial Cível e Criminal da Comarca de São Cristóvão/SE. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Sergipe – UFS.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Serviço público: histórico e conceito. 2. Educação: serviço público ou serviço compartido? 3. A educação como instrumento de efetivação da cidadania. Conclusão. Referências.
RESUMO: Este trabalho traz uma análise dos serviços públicos, com ênfase na educação, abordando a evolução histórica dos serviços públicos, os conceitos trazidos pela doutrina francesa e nas diversas concepções de Estado até o modelo atual de Estado Regulador, que atua na prestação de serviços públicos apenas de forma subsidiária, limitando-se a figurar como agente regulador e controlador, e buscando acompanhar as tendências da globalização e da economia de mercado. Trazendo à tona o serviço público como essencial à coletividade, com papel fundamental à efetivação da dignidade da pessoa humana, tais serviços são assim considerados se titularizados pelo Estado e prestados ou diretamente ou, por particulares, sob o regime de concessão e permissão, merecendo destaque o serviço voltado à educação, que é direito fundamental social, imprescindível à formação do indivíduo de modo a torná-lo apto ao exercício da cidadania. Outrossim, o presente trabalho traz os elementos da cidadania propostos por Marshall, fazendo um paralelo com a realidade brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Serviço público; educação; dignidade da pessoa humana; cidadania.
ABSTRACT: This text brings an analysis about public services, with emphasis on education, talking about the historical evolution of public services, the concepts introduced by the French doctrine and the various conceptions of state to the current model of state regulator, which operates in the provision of services public only secondarily, being regulator and controller, and trying to follow the trends of globalization and market economy. Bringing up the public service as essential to the community, with the effective role of human dignity, such services are considered as if such securities by the State and provided either directly or by individuals under the concession and permission, special focus on service of education, which is fundamental social right, essential to the formation of the individual to make him able to exercise rights of citizenship. In addition, this text talks about the elements of citizenship proposed by Marshall, making a parallel with the brazilian reality.
KEYWORDS: Public service, education, human dignity, citizenship.
INTRODUÇÃO
Os serviços públicos, como atividades voltadas à prestação de utilidades econômicas e postas como de incumbência do poder público, trazem à tona a função precípua da existência do Estado, que é garantir o bem-estar social.
Ocorre que, dada a relevância de certos serviços, a exemplo da educação e da saúde, além do dever do Estado de prestar gratuitamente, é franqueada aos particulares a possibilidade de fazê-lo, como exploração de atividade econômica, partindo da ideia de que, quanto mais entes se encarregarem de oferecer tais serviços, maior será a possibilidade de que cheguem de forma eficiente à disposição da coletividade.
A partir de tais ilações, faz-se necessário diferenciar serviços públicos e serviços compartidos, fazendo um paralelo entre o Estado prestador, intervencionista (Welfare State), e o Estado regulador, que é a tendência trazida pelo mundo globalizado e a economia de mercado.
Destarte, no presente trabalho será feita, além da abordagem acerca dos conceitos básicos de serviços públicos, fazendo um paralelo com os serviços compartidos, traremos uma análise sobre o direito à educação, o qual é garantido constitucionalmente, e como tal reflete no exercício da cidadania, entendida esta a partir da visão pioneira de Marshall.[1]
Após, será analisada a educação como direito que consiste no preparo do indivíduo para ao exercício da cidadania, assim como preconiza a Constituição Federal, para, em seguida, fazermos as colocações derradeiras, na conclusão.
As primeiras noções de serviço público remetem-nos à Roma Antiga, quando incumbia ao Estado a organização da coisa pública e, consequentemente, de certos serviços considerados essenciais, como segurança, higiene, saúde, levando à criação de aquedutos, esgotos, iluminação de ruas etc, visando ao bem-estar da coletividade. (ARAGÃO, 2008, p. 23)
Com a queda do Império Romano, as pessoas se aglomeraram sob a proteção dos senhores. Havia necessidades de toda a coletividade que deviam ser supridas para possibilitar a vida dos vassalos, especialmente para possibilitar as atividades econômicas agropecuárias por eles desenvolvidas. O principal instrumento de satisfação dessas necessidades era as chamadas banalidades feudais (moinhos, fundições, fornos, secadores de peixes etc).
Já revelando raízes de alguns princípios dos serviços públicos de hoje, os vassalos tinham o direito de continuidade do funcionamento das banalidades, de igualdade de acesso e de taxação. (MESTRE Apud ARAGÃO, 2008, p. 24)
No Estado Absolutista, o surgimento das cidades e a perda de poder dos senhores feudais para a nascente classe econômica dos burgueses geraram o esvaziamento do sistema feudal, permitindo ao Rei a concentração dos poderes de criação e aplicação do Direito.
Nesse contexto, as atividades de caráter prestacional não se destinavam tanto a proporcionar utilidades aos súditos, mas estava a serviço das necessidades da monarquia ou do aparato estatal.
Com o advento do Estado Liberal, cujas primeiras ideias surgiram no século XVII, com John Locke e Adam Smith, tendo se desenvolvido no século XIX, apesar do mérito que dito modelo tivera no reconhecimento dos direitos fundamentais, que impunham essencialmente deveres de abstenção ao Estado, permanecera a indiferença ao conteúdo e à substância das relações sociais, reinando o individualismo.
A noção de serviço público era sociológica e não jurídica e as atividades de prestação individual eram de três espécies: funções típicas (segurança, v. g.); de cunho assistencial; de cunho econômico (exploração de infraestruturas), a serem prestadas, via de regra, pela iniciativa privada.
Com o advento do século XX e mudanças ocorridas na primeira metade, a exemplo da Revolução Russa em 1917, que culminaram na concessão de poder político a todas as classes sociais, o Estado sofrera sensíveis alterações em suas funções, refletindo no próprio Direito.
Posteriormente, surge o modelo de Estado denominado Pluriclasse, no qual as atividades assistenciais deixaram de ser caritativas para serem reconhecidas como direitos de cidadania, muitos dos quais com sede constitucional. As atividades econômicas remuneradas e exploradas diretamente ou titularizadas pelo Estado (energia, telefonia, fornecimento de água, exempli gratia) passam a ser funcionalizadas no interesse de todos e por objetivos estratégicos nacionais.
Aqui se firma a ideia de que os serviços públicos são um dos principais mecanismos de que o Estado pode lançar mão para sanar distorções entre a oferta e a procura de bens e serviços essenciais à coletividade, tendo como alvo bens escassos, estes que, normalmente, figuram como requisitos à efetivação da dignidade da pessoa humana.
Após a 1ª Guerra Mundial e com a aquisição de poder político por todas as classes, o Estado Social ganhou substância, buscando a igualdade social e a proteção dos setores menos favorecidos. Como consequência, o poder público passa a assumir novas tarefas, as quais não vêm substituir as antigas (ordem pública e polícia, segurança etc.), mas complementá-las. (ARAGÃO, 2008, p. 33).
Tais tarefas atinem à busca de maior igualdade de oportunidades e, destarte, de maior abrigo aos setores menos favorecidos. O Estado Social, resumidamente, não é uma maneira peculiar de ser do Estado, mas, sim, um determinado modo de agir do Poder Público. (ARAGÃO, 2008, p. 33).
Após a década de 80, irrompe o Estado Regulador, fruto da globalização e da necessidade de ajustar a economia e o modo de agir do Estado à nova realidade mundial, necessitando atrair investimentos estrangeiros e da iniciativa privada, viabilizando, assim, acompanhar os avanços da economia de mercado sem prejuízo da proteção às classes menos favorecidas, equilibrando, destarte, o caráter social do Estado com a necessidade de mercado de livre fluxo de capital, atendendo às exigências do mundo globalizado.
No que toca aos serviços públicos, que é um caminho típico de efetivação de direitos, com a abertura do mercado, o Estado obtém recursos, criando um arcabouço institucional e normativo apropriado aos interesses de lucro e de segurança jurídica dos investidores, através da regulação por agências que detêm autonomia em relação ao Poder Executivo.
Destarte, o Estado, que passa a iniciar um processo de redução da respectiva máquina, visando à própria manutenção e à redução da dívida pública, deixa de lado a feição de prestador e surge, preponderantemente, como agente normativo e regulador da atividade econômica, figurando o setor privado como prioritário para a produção de bens e serviços. [2].
Assim, o Estado Regulador orienta-se pela ideia de subsidiariedade, ou seja, todos os serviços que puderem ser prestados pela iniciativa privada devem sê-lo, não só os serviços industriais, mas também os serviços públicos.
Entrementes, dada a necessidade de se impedir a mercantilização, somente educação e seguridade social deveriam permanecer sob a incumbência do Estado, não só no sentido de controlar como também de prestar diretamente, embora não de forma exclusiva, a fim de se ampliarem as possibilidades de satisfação das necessidades da coletividade.
É nessa alteração do papel do Estado, que passa de prestador a regulador, visando a uma maior eficiência e à manutenção de permanente e de dinâmico controle e regulamentação do setor privado, onde se inserem as agências reguladoras, criadas com a missão de materializar o conceito de Estado Regulador, que é a tônica nos dias atuais.
O Brasil também acompanhou tal processo de transição entre o Estado prestador e o Estado regulador, o qual culminou na privatização de empresas estatais, o que veio a ocorrer a partir da gestão do presidente Fernando Collor de Mello, com o Programa Nacional de Desestatização implementado pela Lei nº 8.031, de 1990.
No Brasil, a história dos Serviços Públicos deu-se de modo bastante peculiar. Nas fases colonial e imperial, as instalações de serviços públicos visavam apenas a interesses particulares, como a construção de estradas ligando fazendas à cidade.
No Estado Novo, por sua vez, o Brasil sofrera forte intervencionismo estatal nas atividades econômicas, com a criação de diversas estatais como a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942) e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945), ensejando o agigantamento do Estado.
A partir da década de 80, porém, o Brasil, através de Reformas Administrativas, deu início à privatização de empresas estatais e à delegação, à iniciativa privada, de atividades econômicas. Tal processo, embora tenha gerado a redução do déficit estatal, não refletiu na modicidade tarifária dos serviços públicos.
Conforme salientado retro, o Brasil também ingressou na fase da regulação, que, destaque-se, coincide com a melhor fase do nosso país em termos de liberdade e melhoria das condições de vida da população.
Destarte, verifica-se, historicamente, que foi no período de maior limitação da liberdade, a exemplo do Estado Novo e do Regime Militar, que sucedeu maior agigantamento da estrutura do Estado, que buscava centralizar o poder.
Entrementes, com o advento do Estado Regulador, sendo a participação do Estado na prestação de serviços públicos e na exploração de atividades econômicas apenas subsidiária, o poder público abre-se para aumentar o controle da qualidade e da eficiência desses serviços, inclusive quando a concorrência não for suficiente à regulação do mercado, criando autarquias para controlar essas atividades e franqueando, concomitantemente, aos administrados, a possibilidade de consulta e de participação nesse controle das atividades dessas agências reguladoras.
Vê-se, pois, que o Estado Regulador, sem perder de vista a ideia de eficiência do serviço público e buscando atender ao bem-estar social, razão da existência do próprio Estado, redunda na ampliação dos mecanismos de participação da sociedade no funcionamento do Estado, reafirmando o regime democrático preconizado na Constituição.[3]
Feitas tais considerações acerca da evolução histórica dos serviços públicos, trazendo um paralelo com as concepções de Estado vigentes, o que refletira sobremaneira a configuração dos serviços públicos, insta trazer à baila o conceito de serviço público, o qual está longe de ser tranquilo na doutrina.
Para tratar do conceito de serviço público não é possível ignorar a doutrina francesa, pioneira no assunto, responsável por desenvolver não só as primeiras concepções de serviço público, como por dar alguns dos contornos ao instituto vigentes até os dias de hoje.
Segundo León Duguit, pai da Escola do Serviço Público, o objeto do Direito Administrativo são os serviços públicos, responsáveis que são pela manutenção dos liames sociais. (ARAGÃO, 2008, pp. 55-58) Gaston Jèze, por seu turno, defendia que os serviços públicos são determinantes à satisfação das necessidades de interesse público.
Já Maurice Hauriou, posteriormente, valendo-se das ideias de Jèze e Duguit, sistematizou os princípios aplicáveis aos serviços públicos como sendo a continuidade, a igualdade e a mutabilidade ou adaptação. Tais elementos são considerados até hoje pela doutrina majoritária. Ainda segundo Hauriou, o poder de império é a pedra angular do Direito Administrativo. (ARAGÃO, 2008, pp. 62-65)
Ainda buscando chegar a um conceito mais ou menos tranquilo, não é possível esquecer de alguns institutos que se diferenciam dos serviços públicos, mas com estes guarda relação e, portanto, merecem nossa lembrança.
É o caso, inicialmente, das public utilities, do Direito norteamericano. O marco fundamental da afirmação da teoria norteamericana das public utilities foi o caso Munn v. Illinois, em que se discutia o art. XIII da Constituição do Estado de Illinois, sancionada em 1870, que outorgava poderes ao Legislativo para regular os preços de armazenagem de grãos. (ARAGÃO, 2008, p. 71)
Ora, a partir da ideia das public utilities, se há benefícios que alcançam o particular, conferindo-o benesses, devem, proporcionalmente, ser impostos ônus que correspondam a esses benefícios, como a regulação de preços, por exemplo.
No Brasil, com o Estado Regulador, há uma gradativa aproximação entre os serviços públicos e as public utilities do Direito norteamericano, já que ambos são pautados, essencialmente, na regulamentação e na prioritária atuação da iniciativa privada na prestação de serviços de interesse da coletividade.
Não se pode olvidar, ainda, que há uma fundamental distinção entre os serviços públicos europeus e latinoamericanos (de tradição jurídica romanogermânica), de um lado, e as public utilities norteamericanas (que segue a tradição jurídica da Common Law) de outro: Aqueles são, em sua abordagem tradicional, atividades titularizadas pelo Estado, eventualmente delegadas a particulares, mantendo-se a titularidade e o controle/regulação estatal, enquanto essas são atividades da iniciativa privada, sobre as quais o Estado, externamente, estabelece e impõe normas de regulação, limitando a entrada no mercado, firmando padrões para a concorrência entre os agentes nele atuantes e fixando padrões mínimos de qualidade e preço dos serviços para os consumidores.
Feitas tais abordagens, insta consignar que a ideia de serviço público está intrinsecamente relacionada à dignidade da pessoa humana, fundamento este que é da República Federativa do Brasil, conforme art. 1º, III, da Norma Ápice.
A Constituição Federal traz a concepção de um Estado não absenteísta, no sentido de não ser indiferente às necessidades sociais, o que se infere dos próprios objetivos estabelecidos no art. 3º, da Constituição, e que são:
I-construir uma sociedade livre, justa e solidária;II-garantir o desenvolvimento nacional; III-erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV-promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 1998)
Destarte, tendo a dignidade como vértice interpretativo das normas e do sistema constitucional, conclui-se que todos os serviços de caráter essencial devem ser, obrigatoriamente, garantidos pelo Estado, independente da prestação ser direta ou através de particulares.
Como exemplo, insta citar o serviço de saúde, que o legislador constituinte, no art. 198, caput, trata como serviço público, utilizando expressamente essa nomenclatura. Ora, tal serviço não é exclusivo do Estado, justamente com o escopo de, franqueando aos particulares o poder de prestá-lo com o fim de lucro, mais facilmente tal serviço, de caráter essencial, chegará à disposição da sociedade.
Assim é que, mesmo com essa peculiaridade, ou seja, com a possibilidade de ser explorado pelo particular como atividade econômica, voltada à obtenção de lucro, o serviço de saúde não perde o caráter de serviço público, desde que quando prestado pelo Estado.
Nesse passo, registre-se que estamos diante de um tratamento híbrido conferido aos serviços públicos pela Constituição Federal no tocante a determinados serviços. Ora, são serviços públicos aqueles considerados essenciais à coletividade, razão pela qual são titularizados pelo Estado e executados preferencialmente (não exclusivamente) por particulares, no último caso sob o regime de concessão ou permissão, exercendo o poder público o controle sobre a atividade prestada pelo particular, o que se depreende da leitura do art. 175 da Constituição.
Assevere-se, ainda, que da leitura da própria Norma Ápice, depreende-se que somente pode ser tratado como serviço público prestado por particular aquele levado a efeito sob o regime de concessão e permissão, fazendo a Constituição previsão expressa quanto a determinados serviços, a exemplo do serviço postal (art. 21, X, da Constituição), dos serviços de saúde (art. 196) e da educação (arts. 205 e 208). [4]
Não há que se falar, pois, em serviço público prestado por particulares em regime de autorização, já que este, conferido em caráter precário, é levado a efeito no exclusivo interesse do particular, autorizatário, sendo incompatível com a ideia de serviço público, que tem caráter relevante à sociedade.
Outrossim, conforme adiantado retro, no caso de serviços ofertados cumulativamente pelo Estado e pelo particular, como na hipótese dos serviços públicos de saúde e da educação, somente na hipótese de prestação pelo Estado é que se pode falar em serviço público, já que no caso do particular é, essencialmente, atividade econômica, que visa, preponderantemente, à obtenção de lucro, em que pese, dada a relevância, seja objeto de regulação e controle pelo Estado.
Nesse sentido, verifica-se que a própria Agência Nacional de Saúde regula a atividade prestada de forma suplementar pelos particulares e não o serviço de saúde prestado nas unidades da rede pública e de forma gratuita.
De mais a mais, o serviço público é a atividade econômica lato sensu, que o Estado toma para si em função da relação que possui com as necessidades ou as utilidades da coletividade.[5] Diferencia-se, pois, das atividades previstas no art. 173 da CF, por estarem sujeitas à concorrência, sendo típica atividade econômica, excluída, pois, da concepção de serviço público.
Outrossim, dado o caráter dinâmico do conceito de serviço público, o qual está sempre afeto ao ordenamento jurídico de cada país, variando, pois, no tempo e no espaço, o conceito de serviço público de DI PIETRO (2006, p. 114), merece nossa transcrição, por ser abrangente sem negar o modelo de Estado Regulador vigente nem limitar sua aplicação, definindo serviço público como:
Toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou parcialmente público. (DI PIETRO, 2006, p. 114)
A Constituição considera serviços públicos as atividades titularizadas pelo Estado e serviços de relevância pública quando exploradas por particulares, mantido, no último caso, o regime jurídico privado e as regras da livre iniciativa, sem prejuízo, naturalmente, da forte regulação sobre elas incidente, inclusive mediante a sujeição a autorizações administrativas prévias e operativas, constituindo-as como atividades econômicas privadas de interesse público.
É exemplo típico, como salientado outrora, a educação, voltada à formação do cidadão, que somente quando prestada pelo Estado é considerada serviço público. Assim, se quando prestada pelo Estado é serviço público, quando prestada por particulares é atividade econômica privada, figurando, em geral, como serviços chamados compartidos, ou seja, que devem ser garantidos e prestados pelo Estado, sem prejuízo da possibilidade de exploração pela iniciativa privada.
Destarte, a educação enquanto espécie de serviço público, ou seja, quando prestada diretamente pelo Estado, é o ponto central deste trabalho, que discute tal garantia constitucional como instrumento de poder para o cidadão, na medida em que é conhecendo os direitos – o que é inconcebível sem a instrução escolar – que o indivíduo passa a ter aptidão para exigi-los.
Nesta senda, é através da educação que se concretiza o princípio democrático[6], previsto no art. 1º, parágrafo único, da Constituição, na medida em que é somente através da instrução que os indivíduos serão capazes de participar ativamente da vida do Estado, exigindo mudanças voltadas à melhoria das condições de vida da população, visando à igualdade de oportunidades.
Preceitua o art. 205 da Constituição:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988)
Assim é que, ao prever a Constituição, no dispositivo retro, que a educação é dever do Estado, da família e da sociedade, deixa claro que, dada a sua relevância, todos têm o dever de concorrer para a efetivação dessa garantia.
Nesse contexto, não à toa o legislador constituinte deixou de estabelecer a educação como de titularidade exclusiva do Estado. Tal providência deu-se justamente com o escopo de, franqueando aos particulares a possibilidade de prestar serviços educacionais com o fim de lucro, mais facilmente tal serviço, de caráter essencial e cuja relevância está na base da estrutura e do desenvolvimento do Estado, chegará à disposição da sociedade, satisfazendo às respectivas necessidades.
Tal é a importância da educação que, além de constar no catálogo de direitos e garantias fundamentais, consoante art. 6º, caput, da Constituição (BRASIL, 1988), por ser uma primordial ferramenta de empoderamento social e de edificação da sociedade brasileira, a própria coexistência de instituições públicas e privadas de ensino assegura a diversidade de ideias e de concepções pedagógicas, o que permite o respeito ao pluralismo político, consagrado no art. 1º, V, da Constituição. (BRASIL, 1988) (NOVELINO, 2016, p. 817)
Outrossim, partindo da premissa de que cabe ao Estado suprir qualquer omissão ou mesmo desinteresse dos particulares na prestação dos serviços essenciais à coletividade, os quais não podem sofrer solução de continuidade; e considerando, ainda, que o particular só explorará a atividade que se revelar economicamente interessante, é que é dever do Estado garantir o ensino público gratuito e de qualidade, sob pena de ser acionado judicialmente para tanto, dada a exigibilidade desse direito.
A educação no Brasil e no mundo tem papel de suma importância no desenvolvimento e na formação do indivíduo. Trata-se de um direito social fundamental, previsto na Constituição, conforme arts. 6º e 205, que tem como objetivo o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho.
Preceitua o art. 6º da Constituição Federal:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988) (grifo nosso)
Nesta senda, destaque-se a relevância da educação para um Estado politicamente organizado e que se intitula democrático e de direito, na medida em que sem ela não será possível formar cidadãos úteis à sociedade, que busquem desenvolver as plenas potencialidades em prol do bem comum. Da mesma sorte, sem educação, o indivíduo será incapaz de conhecer os próprios direitos e, consequentemente, de exigi-los, tornando inócuo o princípio democrático.
Ora, o art. 205, da Constituição, confere a todos o direito à educação, enaltecendo seu papel na formação da pessoa e na habilitação para o exercício da cidadania, garantindo à criança, ao adolescente e ao jovem prioridade absoluta na efetivação de tal direito, de acordo com o que preceitua o art. 227, da Norma Ápice.
Tal ressalva prende-se ao fato de que é a partir da infância, da adolescência e da juventude que se mudam os rumos de um Estado, tornando-o verdadeiramente democrático e de direito, capaz de formar cidadãos conscientes de seus direitos e do papel de somar para o desenvolvimento da nação.
Sem embargo de tal ressalva, a educação básica é um direito social fundamental de todos, estando inserido nessa garantia não só o ensino fundamental, mas o ensino em todos os níveis, na medida em que o mercado de trabalho competitivo e globalizado exige profissionais cada vez mais capacitados e habilitados profissionalmente. [7]
Tal ilação decorre da simples leitura do art. 208, da Constituição, especialmente o caput e incisos II e V, que dispõem:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: […]II – progressiva universalização do ensino médio gratuito; V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um […].
Como se vê, o dispositivo em comento, textualmente, estabelece que é garantido o acesso de todos aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo as aptidões de cada indivíduo.
Ora, se o Estado deve garantir dito acesso dos indivíduos a todos os níveis de ensino e de conhecimento, não podemos interpretar o inciso II, acima mencionado, de forma menos abrangente, como mero programa constitucional ou promessa inconsequente do legislador constituinte, sob pena de se estabelecer uma incoerência.
Destarte, o art. 208 da Constituição estabelece garantia cogente, que, em 1988, com um desenvolvimento social e cultural ainda incipiente – sobretudo considerando que o Estado brasileiro havia saído, há menos de um lustro, da ditadura militar – poderia ser até interpretado como norma programática, de aplicabilidade diferida, mas que, nos dias atuais, com a realidade trazida pela globalização, com os avanços da tecnologia e com um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, é impensável analisar a educação como garantia constitucional sem abranger todos os seus níveis.
Outrossim, dada a natureza fundamental da educação, deve esta ser reputada como conteúdo da dignidade da pessoa humana, já que sem educação não há como se obterem as condições mínimas de existência digna, nem a efetivação do princípio democrático, que se dá seja com a participação do indivíduo nas decisões do Estado, através do voto consciente, seja através da defesa de ideias, da inserção e participação do indivíduo em organizações não governamentais que prestam relevantes serviços à coletividade e que, por estarem mais próximas dos cidadãos, conhecendo os anseios da sociedade, fazem operar grandes transformações, notadamente quando atua no auxílio do poder público, até mesmo sugerindo a adoção de políticas públicas prioritárias.
Nesse contexto, a educação está inserida no mínimo existencial, no dizer de BARCELLOS (2011, p. 302), que leciona:
[…] Na linha do que se identificou no exame sistemático da própria Carta de 1988, o ‘mínimo existencial’ que ora se concebe é composto de quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a educação básica (assumindo-se a nova nomenclatura constitucional), a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à Justiça. Repita-se, ainda uma vez, que esses quatro pontos correspondem ao núcleo da dignidade da pessoa humana a que se reconhece eficácia jurídica positiva e, a fortiori, o status de direito subjetivo exigível diante do Poder Judiciário. […]
Nesse passo, verifica-se que a Constituição deu enorme relevância à cultura, tomado esse termo em sentido abrangente da formação educacional do povo, expressão criadora da pessoa e das projeções do espírito humano materializadas em suportes expressivos, portadores de referências à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. (SILVA, p. 314)
Tal assertiva traz à baila à ideia de identidade nacional, de corporativismo, estes que são determinantes ao sentimento de coletividade, alimentando em cada indivíduo a consciência do verdadeiro sentido e alcance da noção de Estado Democrático e de Direito, e, notadamente, da noção de cidadania, concebida sob três elementos essenciais nucleares, ou seja, o civil, o político e o social, segundo as ideias de Marshall, que trouxe a primeira concepção de cidadania e que serviu de base para todos os estudos sérios nessa seara até os dias de hoje. (MARSHALL, 1967, pp. 63 e 64)[8]
O elemento civil é composto pelos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, de pensamento e de fé -; pelo direito de propriedade; pelo direito de concluir contratos válidos; e pelo direito à justiça. As instituições que asseguram tais direitos são os Tribunais de Justiça. (MARSHALL, 1967, pp. 63 e 64)
O elemento político, por sua vez, é composto pelo direito de participar do exercício do poder político, figurando o parlamento e os conselhos de governo local como as instituições que o assegura. (MARSHALL, 1967, pp. 63 e 64)
Outrossim, o elemento social da cidadania é composto pelo direito a um mínimo de bem-estar econômico e de segurança; pelo direito de participar plenamente da herança social; e pelo direito de ter uma vida compatível com a de um ser civilizado, de acordo com padrões sociais. As instituições que correspondem a esse elemento, assegurando-o, são o sistema educacional e os serviços sociais. (MARSHALL, 1967)
Ora, segundo as ideias de MARSHALL, na realidade inglesa, num dado momento da história, quando ocorreu a separação das instituições que garantem a cidadania, cada um dos elementos respectivos seguiram em separado, só voltando a caminhar juntos em meados do século XX. Devido ao período de divórcio dos elementos, é possível atribuir a cada um deles uma época de formação: direitos civis, séc. XVIII; direitos políticos, séc. XIX; e direitos sociais, séc. XX.
O período de formação dos direitos civis, na Inglaterra, dá-se, precisamente, da Revolução Francesa à primeira Lei de Reforma (1832). Ao final desse período, quando os direitos políticos fizeram sua primeira tentativa infantil de andar, em 1832, os direitos civis já haviam sido incorporados pelo homem, tendo, na maioria dos fundamentos, os mesmos contornos que tinham em meados do século XX. O avanço dos direitos civis deveu-se, em certa medida, ao trabalho dos tribunais em defesa da liberdade individual.
Os direitos políticos começaram a se formar no século XIX, quando os direitos civis já haviam adquirido substância suficiente. E, já no início, não correspondia à criação de novos direitos, já desfrutados por todos, mas à concessão de direitos antigos para novas camadas da população.
No século XVIII, não havia uma distribuição eficaz dos direitos políticos. A Lei de 1832 fizera pouco para corrigir esse defeito, porque os direitos políticos ainda não eram franqueados a todos, sendo o direito a voto monopólio de grupos abertos com base econômica suficiente (capitalismo).
Somente no século XX, com a Lei de 1918, é que se adotou, na Inglaterra, o sufrágio universal, mudando a base dos direitos políticos de substância econômica para o status pessoal.
A Lei de 1918 não estabeleceu a igualdade política de todos em termos de direito de cidadania, restando resquício de desigualdade com base em critério econômico, realidade que persistiu até 1949.
A fonte original dos direitos sociais foi a adesão das comunidades locais e associações funcionais, fonte substituída pela Lei dos Pobres (Poor Law), que introduziu um sistema de regulação de salários, sistema este que foi se deteriorando no século XVIII, não só porque a mudança industrial o tornara administrativamente impossível, como também porque a regulação salarial violava o princípio individualista do contrato de trabalho livre.
A Lei dos Pobres (Poor Law) garantiu assistência aos pobres, mas representava, na Inglaterra da época, a destituição do status de cidadão. O indivíduo era estigmatizado, já que, como alternativa àquele que, por idade ou doença, havia desistido da luta, era prestada assistência com a condição de que o assistido deixasse de ser cidadão em qualquer sentido verdadeiro da palavra.
No séc. XIX, já quando consolidados os direitos civis e com os direitos políticos ganhando fôlego suficiente, na Inglaterra, é que se colocam os direitos sociais, como sendo os voltados à educação e à assistência social.
Nesse passo, não é por acaso que a Inglaterra é um Estado evoluído social e democraticamente, uma vez que, já no século XIX, a educação infantil era preconizada como tendo influência direta sobre a cidadania, dado o propósito de moldar o adulto enquanto criança, sendo requisito necessário à liberdade civil e ao exercício dos direitos políticos, que consistem no direito de participar ativamente das decisões do Estado, no direito de o indivíduo ser ouvido pela representação política.
Assim, já no séc. XIX, na Inglaterra, a educação primária era obrigatória, sendo cada vez mais reconhecido que a democracia necessitava de um eleitorado educado e que a higidez social dependia da civilização.
Na Inglaterra, encarada esta como berço da Revolução Industrial e sempre diretamente envolvida nas revoluções liberais europeias, é natural se verificar uma maior movimentação no sentido de desenvolvimento dos direitos civis, políticos e sociais, já que o senso de cidadania foi desenvolvido no país progressiva e continuamente no decorrer da história e já em 1949, ano em que foram lançadas as ideias de Marshall, encontrava-se bastante consolidado.
Já no Brasil, cujo povo foi, preponderantemente, mero espectador, não tendo participação determinante sequer na Independência, ocorrida em 1822, sempre prevaleceu o poderio dos senhores de terra e das elites rurais.
No caso brasileiro, a ordem de formação dos elementos componentes da cidadania é invertida. Primeiro, vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão de direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular.
Por sua vez, quanto aos direitos políticos, a maior expansão do direito a voto deu-se em período ditatorial. Já no que tange aos direitos civis – base da sequência proposta por Marshall e que, na Inglaterra, abriram as portas para os demais elementos da cidadania – são inacessíveis à maioria até hoje. (CARVALHO, 2008, p. 219-220)
Atualmente, a tendência da cidadania é que caminhe no sentido da redução das desigualdades sociais, tendo a educação papel primordial nesse desiderato, na medida em que viabilizará a formação de cidadãos conscientes dos seus direitos civis, aptos a exercer os direitos políticos e que cobrem respeito aos direitos sociais.
Outrossim, apesar da inversão da ordem dos direitos no Brasil (tendo como referência a sequência proposta de Thomas Humphrey Marshall), é com o exercício continuado da democracia e da cidadania, dando a educação a importância que merece, que será possível ampliar o gozo dos direitos civis, abrindo espaço aos demais.
Ora, somente a formação do indivíduo é capaz de estabelecer a mudança necessária de atitude, de mentalidade, de modo que as políticas assistenciais não sirvam de instrumento de estagnação da sociedade, mas sim de um caminho à busca gradativa da efetivação da garantia da igualdade de oportunidades.
Nesse passo, fazendo um comparativo com o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra, em que aqueles que necessitassem das políticas assistenciais eram estigmatizados, como se houvessem desistido da luta, no Brasil, sem negar os déficits históricos que vitimaram algumas etnias e grupos sociais e daí porque as ações afirmativas são um imperativo, é preciso que o Estado volte a erigir a educação como principal política pública prioritária.
O império da educação precisa ser estabelecido, sob pena de continuarmos a viver em uma sociedade em que cidadãos têm ferramentas de mudança de realidade, mas estão fadados aos estamentos de sempre, por falta de aptidão para operar essas mesmas ferramentas.
Às camadas mais favorecidas, vimos o monopólio do conhecimento, a manipulação das massas com propagação de ideologias top down e que cada vez mais fogem da perspectiva de pluralismo político preconizada pela Constituição Cidadã.
O princípio da liberdade de ensino, que abrange liberdade de aprender, de ensinar, de pesquisar e de divulgar o pensamento, a arte e o saber, consagrado no art. 206, II, da Constituição (BRASIL, 1988), está atrelado diretamente ao pluralismo político, consagrado como fundamento da República Federativa do Brasil, consoante disposto no art. 1º, V, da Constituição (BRASIL, 1988).
Assim é que, sem educação e educação de qualidade, não se pode falar em igualdade de oportunidades, em cidadania e tampouco em Estado Democrático de Direito, mas apenas em uma ordem jurídica que destoa da realidade e da sociedade aos quais se destina.
Em outras palavras, somente se pode falar na promoção dos direitos fundamentais e na realização da dignidade da pessoa humana com a implantação de políticas públicas que concretizem a Constituição, garantindo a “maior eficácia possível” de suas normas (HESSE, 1991, p. 27). O caminho para tais objetivos, sem sombra de dúvidas, é a educação.
CONCLUSÃO
Como se pode ver, a educação, garantida pela Constituição, que a eleva a direito social fundamental, capaz de propiciar ao indivíduo o desenvolvimento necessário ao exercício da cidadania, está diretamente relacionada à ideia de Estado democrático e de direito.
Como é cediço, dada a colonização e o processo histórico, em vez de se partir da consolidação dos direitos civis para então se chegar aos demais direitos, ou seja, aos políticos e aos sociais, como ocorreu em países de democracia mais avançada como a Inglaterra, o processo de formação dos elementos componentes da cidadania, no Brasil, deu-se de forma invertida. Entrementes, ainda assim nem tudo está perdido.
Ora, partindo da ideia de que é exercendo a cidadania que ela se concretiza, é formando cidadãos conhecedores de seus direitos e aptos a exigi-los, que será possível fazer com que se operem transformações sociais, de modo a ser garantida a todos uma existência digna.
Para tanto, não basta implementar políticas assistencialistas, que dissociadas da educação e da busca pela eficiência do aparelho estatal, deturpam a ideia de direitos dos cidadãos e dever do Estado, dando às classes menos favorecidas, sem acesso à educação, a ideia equivocada de favor e não de concretização de direitos consagrados na Constituição, plasmados na dignidade da pessoa humana, cuja busca pela efetividade é a razão da própria existência do Estado.
Assim, não podemos fazer renascerem das cinzas as políticas populistas do século passado, que tolheram a liberdade dos indivíduos, mantiveram no poder a classe dominante, forjando avanços sociais e econômicos inexistentes. Devemos, sim, inaugurar uma nova ordem, em que a educação figura como instrumento essencial de conscientização popular, de transformação e de empoderamento social.
É, outrossim, através da educação, que os direitos e garantias constitucionais deixarão de ser meramente retóricos e passarão a ser sentidos e efetivados. Sem essa noção, continuaremos com uma legislação de vanguarda, mas que, em relação à realidade social, não passará de simples “lei para inglês ver”.[9]
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008;
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios fundamentais: O princípio da dignidade da pessoa humana. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011;
BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, de 05 out. 1988;
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7ª Ed. Coimbra: Almedina, 2003;
CARDOSO, Henrique Ribeiro. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006;
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008;
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2006;
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991;
MARSHALL, T.H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967;
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005;
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2016;
PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. Relações de trabalho na sociedade contemporânea. São Paulo: LTr, 2009;
SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1999.
[1] Thomas Humphrey Marshall foi o primeiro autor a definir os elementos constitutivos da cidadania.
[2] Segundo CARDOSO (2006, p. 41), “as reformas são decorrentes de fatores econômicos, em especial a alta dos déficits fiscais, bem como por fatores democráticos, buscando conferir ao cidadão maior participação e controle da administração pública.” Como precursor da reforma é identificado o Reino Unido, que deu início, já no final da década de 70, a um processo de descentralização dos serviços, de diminuição da máquina estatal, buscando garantir a eficiência do Estado e dos serviços públicos prestados à coletividade. (CARDOSO, 2006, p. 450)
[3] Segundo CANOTILHO (2003, p. 352), “nesse sentido se diz que o Estado Social assume hoje a forma moderna de Estado Regulador de serviços públicos essenciais.” Destarte, a regulação desses serviços para a ser confiada a entidades independentes, não subordinadas ao poder público. Tal mudança não está amparada apenas em razões ideológicas (“menos Estado, melhor Estado”, concorrência como expressão da liberdade, por exemplo), mas na constatação de que a execução de muitas tarefas outrora incumbidas ao núcleo estatal impõe a alocação de recursos, de saberes, competências, especialidades que se encontram fora do aparelho Estatal. (CANOTILHO, 2003, p. 352)
[4] Segundo Mello(2005, p. 643), “a enumeração dos serviços que o Texto Constitucional considera públicos não é exaustiva. Ainda nesse contexto, arremata Mello(2005, p. 643): “Isto significa que, dentro de certos limites, mais ao diante abordados, União, Estados, Distrito Federal e Municípios poderão criar serviços públicos não mencionados na Constituição. Valha como exemplo, na esfera municipal, o ‘serviço funerário’”.
[5] Uma vez que se presta a realizar utilidades econômicas, pois os serviços públicos requerem, para a prestação, a alocação de recursos, inclusive para o estabelecimento da infraestrutura necessária. Por esse motivo é que não se pode deixar de considerar que se trata de atividades econômicas em sentido amplo, diferenciando, por óbvio, das atividades econômicas em sentido estrito, previstas no art. 173 da Constituição Federal.
[6] Segundo o art. 1º, parágrafo único, da Constituição, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. (BRASIL, 1988)
[7]Não se pode olvidar, ainda, que tal mudança reflete nas próprias relações de trabalho, que, gradativamente, deixam de ter, preponderantemente, como objeto a mera aquisição da força de trabalho para se voltar à aquisição da capacidade criativa. (PESSOA, 2009, p. 36)
[8] Na referida obra, oriunda de uma conferência realizada em 1949, na Inglaterra, Marshall traça um panorama da cidadania, tomando como parâmetro a Inglaterra no fim do séc. XIX. Foi a primeira vez em que se separaram os direitos civis, políticos e sociais em categorias. Hodiernamente, porém, vários autores costumam classificar tais direitos, reputados como fundamentais, em gerações ou dimensões.
[9] Acerca da origem dessa expressão, leciona CARVALHO (2008, p. 45-46): “A escravidão estava tão enraizada na sociedade brasileira que não foi colocada seriamente em questão até o final da guerra contra o Paraguai. A Inglaterra exigiu, como parte do preço do reconhecimento da independência, a assinatura de um tratado que incluía a proibição do tráfico de escravos. O tratado foi ratificado em 1827. Em obediência a suas exigências, foi votada em 1831 uma lei que considerava o tráfico como pirataria. Mas a lei não teve efeito prático. Antes de ser votada, houve grande aumento de importação de escravos, o que permitiu certa redução nas entradas logo após sua aprovação. Mas não demorou até que as importações crescessem de novo. Dessa primeira lei contra o tráfico surgiu a expressão ‘lei para inglês ver’, significando uma lei, ou promessa, que se faz apenas por formalidade, sem a intenção de a pôr em prática.”
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