Sistemas previdenciários estrangeiros. Análise das reformas estruturais de previdência complementar

Diversos Sistemas de Seguros Sociais estrangeiros realizaram reformas estruturais na década de 1990 . Movidos pelos incentivos do Banco Mundial , redefiniram novos paradigmas para os seguros sociais contemporâneos . As reformas  podem ser caracterizadas como evolução ou revolução securitária dado a combinação de formas de financiamentos  públicos e privados , a eleição de pilares duplos, triplos, múltiplos e a  adoção de modelos previdenciais substitutivos, paralelos ou mistos . Esta análise  intenta focar as alterações dos seguros sociais estrangeiros , os paradigmas e mecanismos de ajustes protetivos , identificando , por conseguinte, os mitos e verdades sobre as reformas previdenciais fundadas na capitalização e na privatização .


As reformas estruturais iniciadas nas décadas de 1980 e 1990 modificaram radicalmente o sistema público , seja substituindo-o completamente por um privado ou introduzindo um componente privado em acréscimo  ao público , ou mesmo , criando um sistema privado que concorra com o público. Adotamos o termo reformas estruturais, denominação utilizada por pesquisadores ligados à Associação Internacional de Seguridade Social (AISS ) , no lugar de reformas paramétricas , ajustes financeiros-atuariais realizados a fim de  fortalecer  financeiramente o Sistema,  para designar Sistemas Previdenciais profundamente alterados .


Em regra, as reformas são empreendidas como soluções imprescindíveis para as crises financeiras enfrentadas pelos regimes de aposentadorias e pensões . A necessidade de viabilidade técnico-financeira do Instituto provisional , combinada com as questões demográficas, levam os governos a atribuírem às reformas  , o futuro do Sistema previsional .


Diversos sistemas previdenciais têm adotado mecanismos de mudanças e sofreram influências de outros regimes de seguros sociais. Contudo, asseguramos a inexistência de tipos previdenciários idênticos . Intentamos tratar alguns modelos previdenciários estrangeiros submetidos às reformas estruturais nas décadas de 1980 e  1990 , movidos pelos incentivos do Banco Mundial , pela adoção dos  modelos chileno, argentino, sueco, Modelo Social Europeu , ou outras variações, como a dos regimes de pilares duplos, triplos ou múltiplos. 


Importa considerar o conjunto de saberes – concepção e planejamento dos seguros , variáveis atuariais , fatores políticos , econômicos determinantes –  ligados  a  organização do Sistema de Seguridade Social e dos Seguros Sociais de um país. As experiências em torno das reformas previdenciais obedecem mais a orientação da política governamental que a doutrina dos seguros sociais públicos e privados [1] . Os Seguros Sociais produtos histórico-culturais de uma nação, são divergentes . 


1- Reformas Estruturais  –


As reformas estruturais realizadas na Escandinávia, nos países Bálticos e na América Latina, tiveram como alvo a privatização parcial ou total do regime básico de aposentadorias e pensões. Os atuais Sistemas Previdenciais reformados são dependentes ou provenientes dos ajustes realizados nos antigos seguros sociais públicos.  Há enorme distância entre as concepções dos primeiros seguros sociais sob o modelo Bismarck, a organização da Seguridade Social no pós – guerra, e os novos desdobramentos e configurações das atuais políticas previdenciárias[2]. Em outros estudos[3], verificamos que os Sistemas Securitários atuais combinam características dos  regimes  públicos e/ou privados com elementos  complementares do tipo  obrigatório ou facultativo, parcial ou integral,  profissional ou empresarial,  aliando ou associando, regimes financeiros de repartição e de capitalização para o custeio de certos benefícios . Estas novas estruturas têm como objetivo ,a administração de planos de benefícios variados. Tradicionalmente, nos regimes públicos, os planos de benefícios eram definidos (BD – Benefício Definido ou PD – Prestação Definida) e, nos regimes privados, eram freqüentes os Planos CD – Contribuição Definida ou misto.


Na década de 1990 reformas previdenciárias foram empreendidas em diversas partes do mundo . Os sistemas previdenciais apresentaram , por conseguinte, estrutura mais complexa . Dado a velocidade das reformas estruturais e o desprezo pelas  alterações paramétricas em países como  o Chile, a Argentina, os países Bálticos, a Hungria, a Polônia, a República Checa, por exemplo, acrescido do desafio enfrentado pelos países componentes da União Européia na  reunião dos  direitos previdenciais, unificados e universais a serem consagrados como Direitos Fundamentais na Constituição Européia,  verificou-se a impossibilidade de organização de um  modelo previdenciário “puro”, destituído das influências regionais e internacionais.  


2-     Tipos de Proteção Complementar  – Regimes Legais  e Voluntários 


A formação da proteção complementar pode ser pública ou privada , parcial ou integral , vinculada ou não às prestações do regime público oficial – básico. Sua estrutura resulta das características do regime de base . Quanto à forma, esses sistemas podem apresentar-se como regimes complementares legais  ou  voluntários.


Os regimes complementares legais , em geral , possuem características sócio-profissionais , são obrigatórios para os trabalhadores e complementam o benefício do Regime Único (Regime Geral ou de Base). Oferecem uma “complementação adicional” e, tem como objetivo, o financiamento dos regimes de pensões, ou seja, a melhoria das condições sócio-econômicas dos trabalhadores na velhice.


Os regimes legais podem ser “integrados e incorporados” à prestação uniforme do Regime Geral. As prestações são graduadas em relação ao salário e distintas do financiamento da pensão uniforme do regime de base aplicável ao conjunto da população economicamente  ativa  ( regime britânico ). Os regimes complementares ditos “unificados”, apresentam-se como regimes sobrepostos e separados do Regime Geral, são proporcionais ao salário  e dotados de autonomia financeira e institucional  (regime sueco). Os chamados regimes “coordenados” são estritamente profissionais e consistem na obrigação de todos os empregadores, baseados no acordo coletivo, em financiar a complementação dos benefícios sócio-profissionais. Este tipo de regime pretende a extensão e a universalização da cobertura complementar a várias categorias profissionais (regime francês e suíço).


Os regimes complementares voluntários (mutualidades abertas ou fechadas) são do tipo facultativo, organizados sob bases empresariais, cujos planos de benefícios são grupais, individuais ou destinados aos profissionais liberais . O mecanismo financeiro desses regimes obedece técnicas variáveis. Alguns utilizam métodos atuariais similares aos aplicados aos regimes de reparto ou aos métodos dos seguros de vida.


Os modelos complementares transcritos anteriormente, nos últimos anos,  adotaram novas ações, tais como: introduziram maiores garantias aos benefícios complementares por meio das  indexações pelo salário ou pela inflação; garantiram o pagamento  do benefício mínimo pelo governo; repensaram o tradicional modelo complementar ; recriaram procedimentos para o setor público como a introdução do modelo das Contribuições Definidas Teóricas (CDT na  Itália e Suécia), ou mesmo,  adotaram elementos mais chilenos ou mais argentinos[4].


3 – Modelo Social Europeu e Modelo do Banco Mundial –


Os modelos Social Europeu e do Banco Mundial  , representam  conjunto de regras e ações   formadores de  maior ou menor solidariedade . 


O denominado Modelo Social Europeu centra-se no direito à cobertura como direito fundamental, na suficiência dos ingressos, na velhice assistida e protegida, na dignidade existencial e, na solidariedade, base para o desenvolvimento sócio-econômico.  


O Modelo do Banco Mundial se baseia na sustentabilidade e viabilidade fiscal do sistema  previdencial, na poupança e no crescimento econômico. Concentra-se na defesa da capitalização dos fundos individuais como mecanismos que asseguram prestações congruentes com as contribuições anteriormente efetuadas . O Banco aconselha os governos sobre a melhor forma de enfrentar os desafios do sistema previsional e as crises fiscais oriundas , inclusive , das questões demográficas, do envelhecimento, adotando reformas estruturais rumo à privatização e à capitalização. Sugere, por conseguinte , regime de três pilares , o primeiro custeado com impostos gerais que financiam um benefício básico, o segundo pilar, obrigatório capitalizado (mutualismo fechado grupal) e, o terceiro, voluntário subordinado à capitalização aberta e individual. Á uma variedade de desenhos sob a denominação de pilares múltiplos . O segundo pilar pode ainda adotar contas individuais e planos de contribuição definida (CD) ou de Prestação Definida (PD), ser de base profissional ou por empresa.


O grau de intervenção do Estado no primeiro pilar e o nível de solidariedade  do sistema , garantem a aproximação  do Modelo do Banco Mundial (Países Baixos, Reino Unido, países latino – americanos reformados) ou seu distanciamento  (França) .


Ao longo da década de 1990 diversos países da Europa e da América Latina seguiram o exemplo do Chile e passaram do Modelo  PAYG-PD ( reparto ) ao CDC ( contribuições definidas capitalizadas ), ou  ao misto, que incluía um pilar CDC  com um PAYG-PD , ou ao de  pilares múltiplos


Nações que haviam adotado o regime (PAYG-PD) , registraram  nas duas últimas décadas  do século passado,  problemas atuariais  resultantes de alguns de fatores, tais como: o amadurecimento do sistema público, o envelhecimento da população, os programas sustentados em prestações generosas, o aumento do emprego flexível e o advento da  aposentadoria antecipada.


Em meados da década de 1990 surgiu um modelo baseado no conceito de “Contas Teóricas”. As denominadas Contribuições Definidas Teóricas (CDT) se baseiam na fórmula P =C/E (Pensão é igual a Capital virtual sobre  expectativa de vida) . Registra-se que os pilares fundados no modelo de CDT foram introduzidos na Itália (1995) , Letônia (1996), Suécia (1999), Polônia (1999) , Mongólia (2000) .


3.1 – Modelo das Contribuições Definidas Teóricas – CDT


O antigo modelo de reparto PAYG – PD (pay-as-you-go) adaptou-se, por força das reformas ,a um novo  mecanismo , a  do modelo das contribuições definidas teóricas. Trata-se da combinação de características dos regimes PAYG-PD com PAYG-CD ( contribuições definidas )[5]. Definindo de outra forma , representa uma variante do modelo PAYG-PD com ligação mais estreita entre contribuições e prestações. O modelo CDT tem como meta  uma conta individual teórica  não capitalizada ( não são capitalizadas , pois não se baseiam nos rendimentos do mercado de capitais )  para cada trabalhador .  No momento da aposentadoria as prestações CDT se vinculam ao volume das contas teóricas  que se ligam aos câmbios salariais ou ao montante do salário ou ao crescimento do PIB, e na esperança de vida idêntica para ambos os sexos (mais ou menos 65 anos) .


Na Suécia , as pensões de aposentadoria são indexadas , mantendo – se no nível do custo de vida ou da inflação . Na Itália e Letônia se indexam segundo a inflação. Em geral , os países adotantes do regime CDT oferecem um “crédito teórico para pessoas que estão fora do mercado de trabalho ou que, por alguma razão”, não estejam contribuindo.


Quando nos regimes CDT se inclui um componente CDC obrigatório (contribuições definidas capitalizadas) o resultado é um modelo misto ou regime de pilares múltiplos. Nestes regimes uma parte da aposentadoria do trabalhador está sujeita ao risco do regime CDT indexado e a outra parte ao risco das flutuações do mercado de capitais (Suécia, Polônia, Letônia). Regimes onde o mecanismo CDC não é obrigatório busca-se introduzir o modelo CDC individual – facultativo .


Ausente o fator redistributivo , o modelo CDT , das acumulações individuais teóricas, se apresenta como mecanismo alternativo para enfrentar o envelhecimento da população e o desequilíbrio financeiro do regime, por outro lado, o crédito teórico individual desestimula as aposentadorias antecipadas.  A crítica ao sistema CDT é o efeito negativo sobre a taxa de poupança nacional.


3.2- Modelos dos Pilares Múltiplos


A combinação dos regimes das contribuições definidas teóricas com o das contribuições definidas capitalizadas, como pilares separados e complementares de um sistema de pilares múltiplos , segundo a orientação dos pesquisadores da AISS, possui a seguinte configuração: no primeiro pilar, a pensão mínima não-contributiva é financiada orçamentariamente tendo a função de redução ou de prevenção da carência e da  pobreza; no segundo pilar,  o regime CDT é obrigatório; no terceiro pilar, o regime CDC também é obrigatório. O segundo e terceiro pilares têm a função de modelo substitutivo de rendas; e o quarto pilar voluntário (profissional ou individual) possui caráter complementar. O sistema previsional de pilares múltiplos adapta-se e, melhor se desenvolve, em sociedades de economias industrializadas, não sendo apropriado para nações onde se predominam baixos ingressos  ou   mesmo em locais onde  o Sistema de Seguridade encontra-se em processo de formação e consolidação.


Por seu turno, a reforma previsional na Dinamarca nos anos 1990, para fins de estudo , apresenta características importantes. Entre as décadas de 1980 e 1990 discutiu-se os tipos de desigualdades entre as formas de cobertura e, desenvolveram, sistema de pilares múltiplos:  o primeiro, financiado por impostos, oferece uma pensão pública de velhice;  o segundo e terceiro  pilares de base  profissional – obrigatório, capitalizado e de contribuição definida, fazem parte dos convênios coletivos sendo  administrados por sindicatos e, o quarto pilar, é  o das  pensões privadas e capitalizadas .  No sistema dinamarquês, somente os trabalhadores cobertos por convênios coletivos são incluídos nos regimes de pensões profissionais, o que representa uma distinção em relação à cobertura universal dos países nórdicos.  


O sistema de pilares múltiplos dinamarquês  se  iniciou após a segunda guerra. Considerava-se universal , partindo, em seguida ,  para a identificação de mecanismos de desigualdades nas coberturas previdenciais . Os vários ajustes realizados ao longo de décadas de amadurecimento do sistema protetivo progrediram para o atual modelo de pilares múltiplos, sendo o pilar complementar ligado e controlado pelos convênios coletivos. 


4 – Reformas Estruturais na América Latina e Países Bálticos 


Na América Latina , as reformas estruturais dos países em desenvolvimento , centram-se na adoção do modelo do Banco Mundial . As mudanças profundas nos Sistema Previdenciários desses países , levou o arguto pesquisador Carmelo Mesa-Lago a classificar dez reformas estruturais ( não paradigmáticas ) segundo  três conceitos : Sistemas Substitutivos , Sistemas Paralelos e Sistema Misto[6] .  Os quais passaremos a descrever.


Nos Sistemas ditos substitutivos (Chile – 1981 ; Bolívia – 1997; México – 1997 ; El Salvador – 1998 e Nicarágua –2001 ) o Sistema previsional público se fecha para novos integrantes, o Sistema Previsional Privado torna-se o único Sistema e o regime financeiro é o da capitalização plena individual (CPI).  Segundo os ensinamentos de Mesa-Lago, nesses sistemas os assalariados  foram obrigados a passar para o sistema privado,  sendo que os carabineiros, no Chile,  permaneceram no Regime Público.


O Regime chileno , pioneiro na capitalização do pecúlio social  tem pouco mais de 20 anos . Se apresenta como o primeiro país a migrar de um regime PAYG – PD ( de reparto e de prestações definidas ) a outro obrigatório de pensões pessoais fundadas na Contribuição Definida Capitalizada ( CDC ) na década de 1980 . Para aqueles que passaram para o sistema privado assegurou-se bônus de reconhecimento , pensão mínima e/ou rendimento mínimo garantido pelo poder público . Em  outros países reformados , para aqueles que já eram segurados , adotou-se a  seleção por idade  para a passagem obrigatória ou facultativa para o setor privado  . Os mais jovens migraram obrigatoriamente para o novo sistema ,  e o grupo intermediário , teve  a opção de permanecer no sistema (público ) antigo ( El Salvador , Nicarágua ) . Em regra , todos os países que adotaram o sistema substitutivo , os novos segurados filiaram-se obrigatoriamente ao regime CPI , os sistemas privados organizaram-se em torno das Seguradoras , AFPS ou Associações de Fundos de Pensões , e o benefício futuro é capitalizado  resultante  do potencial acumulado nas contas individuais.


Acerca do mecanismo contributivo , as contribuições do empregador no Chile, na Bolívia e no Peru foram eliminadas . Na Bolívia, El Salvador , Nicarágua, Peru e Colômbia, aumentaram a contribuição do trabalhador. No Uruguai, reduziu-se a contribuição do empregador e aumentou a do trabalhador. As estatísticas demonstraram que todos os países latino-americanos reformados, tiveram  um aumento de AFPS  (Administradoras de Fundos de Pensões ) no início da reforma para  depois reduzir  o número de seguradoras privadas, como também em todos os países onde os sistemas foram estruturalmente reformados, houve redução da população coberta e do número de contribuintes ativos.  


Nos Sistemas paralelos o público não se extingue , mas se reforma completa ou parcialmente (Colômbia-1994 e Peru-1993 respectivamente), sendo os  setores  público e privado concorrentes.


Nos Sistemas Mistos (Argentina- 1994 e Uruguai-1996), verifica-se a atuação dos sistemas público e privado no financiamento das pensões. Combinam elementos dos setores privado e público e não se permite aos que passam do sistema público ao privado , retornar ao primeiro . No Uruguai, estabeleceu-se a seleção por idade para aqueles que se encontravam filiados antes da reforma. Assim, os maiores de 40 anos puderam escolher entre ficar no público reformado ou migrar para o misto . A partir da reforma todos que entraram no mercado filiaram-se ao misto.  


No sistema argentino coexistem dois regimes : o de reparto reformado e o de contribuição individual . Destacou-se pela presença de um pilar BD e de outro complementar CD. Com a reforma, o sistema converteu-se em “mais contributivo”. O regime não –contributivo inseriu-se nos programas assistenciais e o novo sistema contributivo, converteu-se no   “Sistema Integrado de Jubilaciones Y Pensiones  ”( SIJP ) unificando os três regimes existentes , o dos trabalhadores autônomos e dos setores público e privado  . A nova estrutura consiste em dois pilares . O primeiro pilar,  financiado com a contribuição patronal iniciada com 16%, foi paulatinamente,reduzida . Esta grade dispõe da  Prestação Básica Universal  (PBU)  administrada pelo Seguro Social Público  e cobre aproximadamente 28% do salário médio para aqueles que cumprem os critérios de elegibilidade . O segundo pilar argentino  possui dois regimes para eleição do trabalhador : o regime PAYG –BD gerido  pelo Seguro Social Público e o regime das Contas Individuais administrados pelos fundos de pensões e companhias de seguro. Aos trabalhadores em transição são conferidos uma prestação compensatória (PC) correspondente ao reconhecimento pelas contribuições realizadas no sistema público anterior.  O sistema argentino sofre críticas relacionadas a redução da cobertura dos mais velhos . Os abalos econômicos recentes provocaram questionamentos acerca da eficiência da reforma, uma vez que o novo sistema previsional fora desenhado para proteção dos adultos que participam do mercado formal . 


O regime geral do Uruguai reformado em 1996 se define como regime misto organizado por dois pilares integrados. O primeiro formado pela solidariedade intergeracional, e o segundo complementar obrigatório, de contribuições individualizadas.


Os sistemas latino-americanos reformados ao longo das décadas de 1980 e 1990 têm em comum alguns indicativos : dependem diretamente do aquecimento da economia e da empregabilidade  ; é atrativo para profissionais  com maiores ingressos  e melhor capacidade contributiva ; há escassa  cobertura do setor informal da economia , o que em termos gerais , verifica-se uma “ seguridade incerta ” . Em termos estatísticos , há reduzida filiação e manutenção da condição de segurado . Acresce-se o fato de que as mulheres representam o lado frágil da cobertura previdenciária privada , dado o nível de aportes inferiores em montantes e em anos contributivos , a expectativa de vida mais elevada e a atividade laboral mais sujeita a menores salários. Todos esses fatores levam a uma redução da cobertura em vários países , como esclarece Carlos Ochando  Claramunt [7] : “as novas reformas aumentam o risco e a incerteza sobre  a quantia futura das pensões … a pensão passa a depender de fatores macroeconômicos  ( crescimento  econômico , inflação etc…)  e o comportamento do mercado financeiro e de capitais … Tudo isso explica que não se possa garantir a longo prazo  as prestações , dado que a rentabilidade está sujeita a boa gestão dos investimentos, ao ciclo econômico e à inflação futura ”.


As novas reformas latino-americanas identificam-se , inclusive, pela baixa cobertura evidenciada pela redução dos contribuintes . Os sistemas transformados seguiram as orientações do Banco Mundial para o “desenvolvimento da poupança nacional”. Por seu turno, verificou-se que  é cedo para sustentar esta variável , pois o custo da transição de um regime público para outro capitalizado  atrai , essencialmente  , os mais jovens , sendo necessário o amadurecimento do novo sistema para melhor avaliá-lo .


As reformas estruturais reduziram o alcance da solidariedade do pilar básico  securitário, romperam com o caráter intergeracional e solidário como elemento cultural e técnico para a formação dos seguros, aprofundaram as desigualdades entre cobertos e não cobertos, contribuintes ativos e não contribuintes, dificultaram  a redistribuição da renda e, por conseguinte, provocaram  agudo empobrecimento  nas camadas sociais historicamente excluídas dos seguros (sociais), como os trabalhadores informais, as mulheres, os sub-empregados, aqueles com reduzida escolaridade, os trabalhadores rurais  e os idosos. Essas novas estruturas securitárias tenderam a beneficiar os trabalhadores de salários mais altos agudizando o abismo entre ricos e pobres. 


A maior aproximação entre contribuição e prestação capitalizada futura  provocou a adoção, por parte de alguns governos, de algumas  garantias como a  pensão mínima  sujeita à indexação conforme a inflação ou o rendimento mínimo. Neste sentido, em todos os seguros sociais reformados estruturalmente na América Latina , com exceção do Peru, o Estado cobre o déficit do programa público. O Chile tem o maior fundo acumulado e o maior PIB, pois é o regime capitalizado pioneiro.


4.1 – Reforma dos Estados Bálticos –


A Estônia, Letônia e Lituânia, extintas Repúblicas Socialistas Soviéticas que se juntaram à União Européia em 2004, haviam organizado seus Sistemas no modelo herdado da União Soviética[8] (prestações sobre a base de uma taxa uniforme , ligadas ao salário e aos serviços). Demonstrando preocupação com o envelhecimento e, adaptando, em conseqüência, elementos capitalizados seguindo a orientação do Banco Mundial, realizaram na década de 1990,  reformas do primeiro pilar: Estônia-1993, Lituânia-1994, Letônia – 1995.


A aproximação de elementos contributivos ao montante das prestações consiste na característica essencial dessas reformas. As prestações ficam sujeitas a um número mínimo de anos de contribuição ao sistema. Nos três países o maior impacto das reformas recai sobre os trabalhadores de baixos salários. 


A Letônia utilizou o modelo CDT (contribuições definidas teóricas) preconizado pelo Banco Mundial e desenvolvido pela Itália e Suécia.    O Regime CDT letão combina capital virtual (inspira-se no regime CDT sueco) onde as prestações dependem das contribuições, da idade de aposentadoria e da esperança de vida. A reforma estabeleceu a idade de 63 anos válida para ambos os sexos , a adesão é obrigatória para menores de 30 anos, voluntária para aqueles entre 30-49 e fechado para maiores de 50 anos. 


As reformas estruturais nos vários países mencionados neste estudo passaram por níveis distintos. Buscaram fundamento nos modelos “chilenos”, do “Banco Mundial”, “argentino”, “CDT”, ou variações, combinações paradigmáticas, tendo por  metas,  a viabilização financeira e atuarial dos regimes, o  ajuste entre contribuições e prestações,  a adoção do segundo e terceiro pilares obrigatórios e/ou facultativos privados e capitalizados e, por fim, demonstrar preocupação como o novo fenômeno social, o do envelhecimento. 


5- MITOS , VERDADES  E PRESSUPOSTOS  SOBRE AS  REFORMAS PREVIDENCIAIS RUMO À CAPITALIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO   :


Esta abordagem não  pretende ser conclusiva. Intenta registrar, sem esgotar, os pressupostos, os mitos , as  verdades e/ou tendências das reformas previdenciais de privatização e  capitalização que , por meio de outros agentes nacionais e estrangeiros,  interferiram  nas  alterações de outros sistemas previsionais  . Apresentamos  o resultado coletado  de  estudos  recentes  . Os pontos elencados abaixo extraem , sem serem axiomáticos, interpretações sobre as transformações  securitárias. São eles :


1 – O Regime Previsional Privado aumenta a poupança nacional em detrimento do Regime Público . Esta variável depende  de outras três:


– Tempo de implantação da reforma;


– Incentivos e medidas legais para promover a transferência de um sistema ao outro ;


– Garantias do Novo Sistema na proteção previdencial do trabalhador ;


2- A propriedade da conta individual em um sistema privado  estimula o pagamento pontual da contribuição .


3- Há estreita relação entre maior benefício e rentabilidade com  capacidade de acumulação e contribuição ;


4- Em um Sistema Privado pressupõe-se que o segurado tenha as informações necessárias  para eleger a administradora  mais vantajosa ( a que paga o maior benefício com menor contribuição ) ;


 5-As reformas previdenciais são  compatíveis  com  a economia de mercado,  promovem  acumulação do fundo de pensão e da poupança nacional. Este pressuposto tem como  variáveis o  tamanho da economia  e o rendimento do fundo ;


6-Sobre Regimes e Planos Previdenciários :


a- O processo de capitalização individual ou coletiva , objeto das reformas previsionais que tiveram início na década de 1980 no Chile e na década de 1990 nos demais países latino-americanos , tem como causas : o desequilíbrio  financeiro , o acatamento das disposições do Banco Mundial  e a insatisfação com a pensão mínima da seguridade pública. Para os optantes do regime público a contribuição aumentou , os benefícios minguaram  e estabeleceu-se  a mesma idade para a aposentadoria em ambos sistemas ;


b- A garantia de uma taxa de rendimento mínima  nos sistemas obrigatórios de CD  pode reduzir no mercado de capitais , a desigualdade entre os participantes ;


c- Os Regimes da América Latina são onerosos , produtores de desigualdades das prestações previdenciais e despreocupados com a incerteza da cobertura. São distintos da Dinamarca , como sistema de administração coletiva e de controle das “desigualdades sociais”;


d-  A individualização de todos os regimes capitalizados , as  transferências das poupanças de um fundo a outro, representa uma ameaça para o modelo de pensões fundado no papel social do seguro;


e- A evasão dos aportes em Regimes PD ou CD produzem benefícios exíguos,  exercem diferentes efeitos sobre a solvência dos planos ( PD  e CD) e exigem a suplementação como contrapartida do Estado;


f- Quando os planos CD constituem a principal fonte dos ingressos de aposentadoria submetem os trabalhadores a um risco moral previdenciário;


g- Um sistema de retiro deve oferecer prestações estáveis e seguras – regra dos regimes PAYG-PD . As administrações privadas de contas CD individuais operam com  agentes  de seguro persuadindo o segurado Mais a adquirir a apólice e MENOS  a manter-se no contrato de seguro . O êxito da venda de apólices não obriga os filiados ao cumprimento das quotas. Este fato não ocorre com um regime estatutário de Seguridade compulsória  cujos filiados não possuem a opção da “ não contribuição “ ;


h- Não há um único e universal modelo de reforma estrutural de pensões. Tecnicamente , não há garantias de que os ingressos capitalizados durem para “todo o processo vital” e que se mantenham atualizadas em relação ao salário ativo ou ao custo de vida;


i- São finalidades da Previdência Complementar, a velhice assistida. O aumento dos ingressos para o financiamento dos benefícios de longo prazo (continuados e programados) devem garantir um standard de vida superior na velhice . A longo prazo , a previsão capitalizada não pretende substituir   a pensão pública , mas elevar os ingressos jubilatórios globais por meio do financiamento bipartido das pensões entre empregador e assalariado;


j- A transferência do pecúlio social para o regime financeiro da capitalização não resolve o problema intergeracional ( demográfico ) e atuarial .


l)Não é verdade o fato de que o provisionamento privado e capitalizado seja desejado . No Sistema Previdencial e seus   regimes (público e privado)  , os benefícios são distintos por gênero. Os ingressos femininos são menores devido a aposentadoria antecipada, as contribuições menores, os benefícios inferiores e a expectativa de vida maior . O resultado é  um processo contínuo de feminilização da pobreza ;


m- É ilusão  diagnosticar que o assalariado  prefere e  acredita na previdência complementar em detrimento da garantia das prestações do setor  público . Os trabalhadores são levados pelas políticas previdenciais governamentais a adotarem mecanismos de poupança previdenciária complementar-privada dado a insuficiência da maior prestação do Regime de Base ;


n- Em todos os sistemas reformados estruturalmente, os trabalhadores de baixos salários foram os mais prejudicados. Foram eliminados dos mecanismos de seguro individual contributivo, restando-lhes a pensão mínima garantida pelo sistema previsional privado;


o- A evasão dos aportes representa o efeito nocivo dos programas de ajustes fiscais .Provocam distintas alterações  nos regimes PD  e  CD ;  


p- O século XXI caminha para a (IN)SEGURIDADE PROGRAMADA INDIVIDUAL como opção para as questões demográficas, fiscais e do envelhecimento ativo. Este modelo, a do regime de risco individual , promove desigualdades sistêmicas, tendo como principal alvo, o próprio poupador previdenciário.


Em resumo, as novas organizações dos regimes complementares dependem das características dos Regimes Básicos nacionais. Podem adotar perfil complementar aliado aos ganhos do regime principal, se apresentar distinto do modelo complementar profissional ou podem optar por um padrão novo e ainda não identificado pelos estudiosos das políticas securitárias.


A análise dos modelos das reformas estruturais nos sistemas de previdência aqui mencionados não se esgotou . Este estudo incipiente desenha alguns elementos e variáveis inerentes aos ajustes sistêmicos realizados em países estrangeiros . Portanto, a análise dos institutos  previsionais-previdenciais  em reforma   intenciona  desdobrar-se  em outras investigações.


 


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– Ross , Stanford G . Doctrina y prática en la  reforma de las pensiones de seguridad social . Revista Internacional de Seguridad Social . Genebra , 53(2) ;3-34, abr/jun/2000

– TURNER, John – “Cuentas Individuais : la lección de Suecia ”.Revista Internacional de Seguridad Social . Genebra , 56 (1) , jan-mar 2004 .

– WILLIAMSON , John B. – “Evaluación de las posibilidades de reforma de un pilar jubilatório de cotizaciones definidas teóricas ”.  Revista Internacional de Seguridad Social . Genebra , 56 (1) , jan-mar 2004.


Notas:

[1] Estudo desenvolvido por Stanford G. Ross . Doctrina y prática en la  reforma de las pensiones de seguridad social . Revista Internacional de Seguridad Social , abr/jun/2000.

[2] Análise de José Vida Soria . “ Estúdio Preliminar sobre la recuperacion de un classico de la doctrina de la seguridad social ”. In : La política contemporánea de seguridad social .

[3] Na obra : Previdência Complementar na Seguridade Social . O risco velhice e a idade para a aposentadoria. São Paulo : Ltr, 2003 . Também : Previdência Complementar . Tipos de Planos. Revista de Previdência Social , ago/2004 .

[4] A reforma estrutural do Chile foi pioneira . Ainda é vista como modelo autoritário fundado na  imposição da capitalização previdenciária individual ( CPI) . A adoção do sistema misto argentino , reflete uma atitude  mais democrática , uma vez que  o empregador participa do novo sistema ,  no financiamento do benefício  complementar adicional  à  Prestação Básica Universal  ( PBU) .

[5] Terminologias mencionadas  no texto “Previdência Complementar . Tipos de Planos ”. Revista de Previdência Social .  São Paulo : Ltr, agosto /2004 .

ó As classificações de Carmelo Mesa-Lago encontram-se descritas  no texto  “La reforma estructural de las pensiones de seguridad social en América Latina: modelos, características , resultados y lecciones ” , na  Revista Internacional de Seguridad Social, vol 54, 2001 .

[7] Carlos Ochando Claramunt. Una evaluación  de las reformas de los sistemas de pensiones en Latinoamerica. Revista Internacional de Seguridad Social, vol 57, 2004, p.37  .

[8] O modelo superado de previdência socialista apresentava um sistema de pilar básico universal  integrado ao orçamento estatal , a contribuição não era registrada individualmente e os empregadores compunham a fonte básica de financiamento do seguro social . Estudo desenvolvido por Katharina Müller em : Reforma Previdenciária no Leste Europeu : Atores , Estruturas e Paradigmas. Planejamento e Políticas Públicas , n. 22, dez de 2000 .

Informações Sobre o Autor

Eliane Romeiro Costa

Doutora em Direito Previdenciário – PUC-SP. Coordenadora e Pesquisadora em Direitos e Políticas Sociais . Professora da graduação e pós-graduação do Dep. de Ciências Jurídicas da Universidade Católica de Goiás.


Equipe Âmbito Jurídico

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