Resumo: Este artigo aborda a questão ainda embrionária do direito à desconexão e sua relação com o sobreaviso.
Palavras chaves: sobreaviso – projeto de vida – desconexão
Abstract: This article approaches the matter of the right to disconnect and its relation to the guard.
Introdução
Entre as características do sobreaviso discute-se a necessidade (ou não) de limitação da locomoção do empregado.
Quanto a esta limitação, o presente estudo aborda o direito a desconexão que todos os trabalhadores possuem e a necessidade de evitar eventual dano existencial a ser reparado pelo empregador.
Neste sentido, entende-se que proporcionar ao empregado uma pausa para o descanso físico e psicológico e permitir um convívio social saudável torna-se um investimento bem sucedido às empresas que não só diminuirão as demandas trabalhistas, mas aumentarão a produtividade.
Sobreaviso e o direito à desconexão
Entende-se que sobreaviso é um instituto do Direito do Trabalho previsto na CLT em seu artigo 244, § 2º[1], que compreende o período que o funcionário fica a disposição do empregador aguardando ordens. É ainda parte integrante do contrato de trabalho e do tempo de serviço obreiro.[2]
Para que se configure o sobreaviso, primeiramente é necessário que exista uma limitação de jornada diária e depois que o mesmo esteja a disposição do empregador, conforme prevê a Súmula 428 do Tribunal Superior do Trabalho.
Já é de ciência de todos os operadores do Direito, a alteração de 2012 na Súmula 428 do TST[3] que prevê que não basta ter um aparelho celular para justificar o pagamento do sobreaviso, porém, faz-se mister frisar, que mesmo com essa previsão o entendimento trabalhista mais uma vez atua de forma protecionista quando especifica a questão da disponibilidade do trabalhador induzindo o entendimento que o celular é um meio de controle da jornada do funcionário que permanece sob os comandos patronais.
Assim noticia o Tribunal Superior do Trabalho, sobre o tema em pauta:
“Empregado que, em período de descanso, for escalado para aguardar ser chamado por celular, a qualquer momento, para trabalhar, está em regime de sobreaviso. Nova redação da Súmula 428 do Tribunal Superior do Trabalho, que trata do regime de sobreaviso, com esse novo entendimento, foi aprovada na última sexta-feira (14). Esse é mais um resultado da 2ª Semana do TST.
A grande mudança nessa Súmula é que não é mais necessário que o empregado permaneça em casa para que se caracterize o sobreaviso, basta o "estado de disponibilidade", em regime de plantão, para que tenha direito ao benefício”.[4] (grifo nosso)
Em contrapartida, relevante frisar que a previsão legal do intervalo intrajornada[5] e interjornada[6] visa permitir que o empregado se desligue do trabalho pelo tempo necessário para evitar o desgaste físico, mental e emocional, o que seria usurpado com o sobreaviso, bem como o descanso semanal remunerado, intervalo para amamentação, intervalo específico de digitador, call center, entre outros.
Todo o período de descanso, seja ele anual, semanal ou dentro da jornada, tem a finalidade de proporcionar ao empregado uma pausa para renovar sua energia e permitir que o trabalhador conviva com sua família e sociedade, direito este garantido pela Carta Magna em seu artigo 7, incisos XV[7].
Para Carmen Camino, o sobreaviso caracteriza-se como “um estado de alerta, na iminência de ser, eventualmente chamado ao trabalho (…) em situação intermediária entre a disponibilidade efetiva para o trabalho (art. 4º da CLT) e o descomprometimento completo com suas obrigações contratuais (intervalos ou folgas)”[8].
Ou seja, é tolhido do trabalhador a ampla liberdade de usufruir seu tempo como bem entender, em horário além da jornada, impedindo-o de se dirigir para local afastado do centro da prestação de serviços ou realizar atividades que o impeçam de atender prontamente a chamados.
Conforme antiga redação da Súmula nº. 428 do TST, para que fosse caracterizado o regime de sobreaviso, o empregado deveria permanecer em local determinado para receber eventuais chamados, tendo sua liberdade de locomoção tolhida, conforme artigo 244 da CLT.
Porém, com a evolução dos meios de comunicação, houve a mitigação da necessidade de permanência do trabalhador em sua moradia, sendo que este assunto constantemente inquieta os tribunais, pois, um dos elementos do suporte fático da norma da CLT que rege o sobreaviso é exatamente a limitação de locomoção.
Fazendo-se uma leitura do art. 244, §2º, da CLT em consonância com a recente Súmula 428 TST, conclui-se que para a caracterização do sobreaviso não é mais necessário que o trabalhador fique no aguardo de ordens do empregador em sua residência, até porque uma das características dos meios de telecomunicação é exatamente a fácil mobilidade.
Portanto, podemos concluir que a necessidade de limitação de locomoção anteriormente exigida foi substituída pela limitação do direito de livre disposição do tempo alheio à jornada, com a ampliação do poder de comando do empregador e impedimento do empregado usufruir do descanso livre.
Neste contexto, faz-se mister trabalhar preventivamente para garantir o direito a desconexão e evitar o risco judicial da gestão.
Manter um empregado em sobreaviso, irregularmente, é aumentar não só o risco judicial, mas também provocar danos existenciais ao trabalhador que possui direito à desconexão.
Ocorre que, entre a busca do “fazer negócio” e o “cumprimento das leis trabalhistas” deve haver um gestor consciente, que cumpra suas atribuições, cumprindo sua função social de zelar pelo bem-estar dos funcionários.
Frise-se que cumprir as leis e regulamentos externos e internos é obrigação de qualquer empresa, portanto os bancos devem zelar, por exemplo, para que os seus executivos recolham e paguem todos os tributos que incidem sobre as operações bancárias, mesmo quando os impostos não os atinjam diretamente, pois, os bancos são as empresas brasileiras mais fiscalizadas pelas autoridades, entre elas as monetárias, tributárias, trabalhistas, previdenciárias etc. [9]
Então, qual a relação da função do gestor com o sobreaviso?
Na prática a busca pelo alcance das metas para se manter no mercado competitivo muitas vezes ocorre em detrimento do direito a desconexão, ou seja, o funcionário não consegue alcançar o equilíbrio necessário para se desconectar de suas atividades profissionais e usufruir de sua vida pessoal, ocasionando inegáveis danos a sua integridade física e moral, impedindo-o muitas vezes de realizar seu projeto de vida ou se privando do tempo de lazer para a família e para seu próprio desenvolvimento pessoal, cultural, artístico, intelectual. Esse prejuízo de ordem pessoal que tolhe o empregado do usufruto dos prazeres da sua própria existência chama-se dano existencial.[10]
Ainda Hidemberg assim define o dano existencial:
“O dano existencial constitui espécie de dano imaterial que acarreta à vítima, de modo parcial ou total, a impossibilidade de executar, dar prosseguimento ou reconstruir o seu projeto de vida (na dimensão familiar, afetivo-sexual, intelectual, artística, científica, desportiva, educacional ou profissional, dentre outras) e a dificuldade de retomar sua vida de relação (de âmbito público ou privado, sobretudo na seara da convivência familiar, profissional ou social)”.[11]
Portanto, tolher a vida pessoal de um funcionário em busca de um objetivo profissional pode lhe trazer danos irreparáveis e prejuízos inestimáveis.
Ainda o gestor deve ficar atento quando o funcionário por si só e espontânea vontade, toma uma atitude de privar-se da vida pessoal, diante de uma aparente liberdade, para que futuramente não recaia sobre a empresa a responsabilidade de não ter zelado pela saúde e direito a desconexão do funcionário.
Sobre o assunto, muito bem explana Reinaldo Lima Lopes nos seguintes termos:
“Seja como livre-arbítrio, seja como liberdade civil, a liberdade resulta de ações e exercícios. A liberdade moderna, significando ausência de coação, exige a tarefa caótica de conhecer e determinar o que de fato coage e limita a vida dos homens”[12]
Mauricio Godinho Delgado assim se posiciona quanto a relação entre jornada e saúde no trabalho:
“Efetivamente, os avanços dos estudos e pesquisas sobre a saúde e segurança laborais têm ensinado que a extensão do contato do indivíduo com certas atividades ou ambientes é elementos decisivo à configuração do potencial efeito insalubre de tais ambientes ou atividades. Essas reflexões têm levado a noção de que a redução da jornada e duração semanal do trabalho em certas atividades ou ambientes constitui medida profilática importante no contexto da moderna medicina laboral. Noutras palavras, as normas jurídicas concernetes à duração do trabalho já não são mais – necessariamente – normas estritamente econômicas, uma vez que podem alcançar, em certos casos, a função determinante de normas de saúde e segurança laborais, assumindo, portanto, o caráter de normas de saúde pública.”[13]
Ainda, este é o entendimento recente da jurisprudência pátria:
“19120351 – HORAS DE SOBREAVISO. DIREITO À DESCONEXÃO. Tempo livre é aquele no qual a subjetividade do trabalhador se distancia dos problemas, questões e compromissos. Potenciais ou efetivos. Concernentes ao mundo do trabalho permitindo-lhe “esquecer” e descansar, repousar e usufruir de seu direito ao lazer (crfb, art. 6º). Em contraponto, o tempo em que o empregado deve permanecer conectado à empresa, ainda que por meio do aparelho celular, é tempo de trabalho e, portanto, deve ser remunerado. As horas de sobreaviso, diante da desterritorialidade do trabalho no mundo contemporâneo, não se definem pela exigência da fixação a um local aguardando ordens, mas pela fixação a um aparelho móvel que aprisiona seu portador às demandas potenciais do empregador. A utilização da analogia, admitida expressamente pelo art. 8º da CLT é em importante recurso de integração das lacunas surgidas com as transformações tecnológicas e produtivas, constituindo-se, pois, em importante modo de atualização do direito do trabalho e manutenção do caráter tuitivo da consolidação nas Leis do trabalho. Recurso das empresas desprovido”. (TRT 1ª R.; RO 0000102-76.2012.5.01.0057; Sétima Turma; Relª Desª Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva; DORJ 09/03/2015)
“19119944 – ADICIONAL DE SOBREAVISO. DIREITO À DESCONEXÃO. Em que pese o artigo 244 da CLT referir-se à categoria dos ferroviários, quanto ao adicional de sobreaviso, nada impede a sua aplicação a empregados que exercem outras atividades, por analogia, ainda mais que se trata de norma de proteção à saúde e higidez do empregado. Nestes termos, inclusive, a Súmula nº 428 do c. TST. A qualquer cidadão é garantido o direito constitucional ao lazer, ao descanso, sendo este imprescindível inclusive para a higidez física e mental de qualquer ser humano. Assim, manter o trabalhador conectado ao trabalho nos momentos em que deveria estar descansando, os colocando à disposição do trabalho por meio de aparelho móvel, fere o que modernamente vem sendo chamado de direito à desconexão do empregado. 5306 1.” (TRT 1ª R.; RO 0003132-71.2012.5.01.0461; Décima Turma; Rel. Des. Leonardo Dias Borges; DORJ 04/03/2015)
“35074883 – JORNADA DE TRABALHO. CONTROLE À DISTÂNCIA POR INSTRUMENTOS TELEMÁTICOS OU INFORMATIZADOS. REGIME DE PLANTÃO OU EQUIVALENTE. SOBREAVISO. Nos termos consolidados pelo e. TST, o uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. Contudo, considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso, mantendo, assim, constante estado de alerta que lhe impossibilita a plena desconexão”. (TRT 18ª R.; RO 0011603-75.2013.5.18.0006; Segunda Turma; Rel. Des. Paulo Sérgio Pimenta; DJEGO 06/02/2015; Pág. 173)
“28142246 – Horas de sobreaviso e acionamentos. Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso (súmula nº 428, II, do tst). Repousos semanais remunerados. A ausência de impugnação específica à alegação de labor em dois rsrs mensais sem a integral remuneração, acarreta a manutenção da condenação ao pagamento em dobro desses dias laborados. Dano existencial. A conduta ilícita do empregador em exigir do empregado jornada excessiva de trabalho, muito superior aos limites estabelecidos nos arts. 7º, XIII, da CF e 59 e 244 da CLT, impedindo-o de usufruir, ainda que parcialmente, das diversas formas de relações sociais (familiares, atividades recreativas e extralaborais), obstruindo o seu repouso e a sua integração à sociedade, viola o direito da personalidade do trabalhador e caracteriza dano existencial” .(TRT 10ª R.; RO 0001204-61.2013.5.10.0021; Terceira Turma; Rel. Des. Ricardo Alencar Machado; Julg. 19/11/2014; DEJTDF 28/11/2014; Pág. 234)
Portanto, garantir aos empregados o direito a desconexão e a efetiva execução de seus projetos de vida, garantirá o real exercício de sua liberdade, a manutenção de sua saúde, a prevenção do dano existencial e a diminuição de diversos pedidos judiciais, tais quais, dano moral, dano material e sobreaviso.
Conclusão: A conclusão alcançada é que a revolução tecnológica e as transformações de ordem jurídica alteraram a forma de trabalho. O tradicional contato entre empregado e empregador foi substituído pelos comandos à distância e reuniões virtuais.
A problemática enfrentada diante desta situação fática é que o empregado compromete seus horários de descanso em prol da empresa e com isso deixa de executar seus projetos de vida, tendo o direito a desconexão lesado.
Advogada na área Trabalhista. Pós graduada em Direito Tributário e estudante do MBA de Liderança e Coaching em Gestão de Pessoas
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