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Socialidade e identidade: Considerações sobre a introjeção de papéis sociais

Resumo: No presente artigo dissertaremos sobre a relação do homem com ao papel a ele atribuído pela organização social. Trataremos de alguns nuances de certas relações do homem em sociedade, baseados no trabalho do professor de sociologia Joel Charon (Minnesota State University), e na sociologia de Max Weber, tais como a formação da identidade individual, pela absorção das características de seu papel, e da organização da sociedade, a partir de tais atributos.


Palavras-chave: Teoria dos Papéis Sociais – Formação da Identidade – Organização Social


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Abstract: In this paper we will discuss the relationship between a person and the role assigned to this person by the social organization. Nuances of certain relations between people in society will be revised, based on the work of the sociology professor Joel Charon (Minnesota State University), and on the Max Weber’s sociology, such as the formation of individual identity, according to the characteristics’ absorption of a personal role, and organization of society, according these characteristics.


Keywords: Theory of Social Roles – Identity’s Formation – Social Organization


Essas considerações deixam claro

que a cidade é uma criação natural,

e que o homem é por natureza,

um animal social[1]

Desde o início a vida em coletividade, o homem é um ator social, ou seja, ocupa um lugar na sociedade com prerrogativas e perspectivas, e segue um padrão a ele atribuído. A socialização do homem é o processo pelo qual o grupo ensina a ele o seu papel na sociedade e o papel a ser seguido pelos demais atores, que compõem a organização social. Tal organização começa com a ação social. Para Max Weber[2], a ação social é todo comportamento ao qual o ator atribui subjetivamente um sentido a algo. Esse sentido pode ser atribuído tanto a ações próprias quanto a ações alheias.


Quando dois ou mais atores praticam ações sociais entre si, acontecem interações sociais. A interação social é um dos objetivos da ação humana, ela é a responsável pela socialização e conduz à formação de padrões sociais, formas preestabelecidas de interação. A ação social padronizada é formadora da organização social, pois a sociedade é formada por papéis a serem interpretados pelos atores sociais, e esses papéis são padronizados segundo classes, que são agrupamentos de papéis sociais iguais. A padronização das ações sociais, que forma a organização social, induz à previsibilidade – e não à espontaneidade – da vida em sociedade. Podemos observar a padronização das ações sociais em todo e qualquer tipo de relação social, segundo os papéis em jogo.


Observemos as relações de amizade e entre empregado e empregador. Espera-se que um amigo ajude o outro e um empregado acate às ordens de seu empregador. Se isso não acontece, há um conflito entre o ator e seu papel. Se há quebra desses padrões sociais gerando um conflito entre o ator e seu papel, esse ator sofre uma sanção. Se é o amigo quem viola tal padrão, ele pode perder a sua amizade; se é o empregado quem inobserva essa ação padronizada, ele pode ser demitido, e assim, excluído daquela organização social.


Assim como as formas de organização social citadas, constituídas de interações entre duas pessoas (díades), existem outros tipos, mais complexos, tais como: grupos, organizações formais, comunidades e, por fim, as sociedades. Essa é a estrutura social. Em cada uma dessas organizações o ator social age em diferentes papéis. Nesse contexto, pode alguém atuar, em díades como: filho, irmão, aluno, namorado ou amigo; em grupos, como: líder, o mais corajoso, o mais engraçado, o mais feio ou o excluído; em organizações formais, como: o orador, o tesoureiro ou o gerente; em comunidades ele pode ser o líder, o excluído, aquele que causa problemas, aquele que soluciona os problemas, o isolado ou o solidário; e, por fim, na sociedade ele pode ser o empresário, o político, a pessoa pertencente a determinada classe, entre uma infinidade de outros papéis.


Cada papel varia de acordo com a função que exerce o ator em sua respectiva organização social. Quando nós interpretamos um papel em uma organização, os membros de tal organização social esperam que nós interpretemos nossos papéis segundo as padronizações sociais anteriormente estabelecidas referente a eles, o que de certa forma, nos tira a liberdade, pela necessidade de se observar as expectativas alheias. Como já dito, o ator é rotulado com seu papel social. Assim, se ele é um líder, ele deve agir como tal. As pessoas acabam por concentrar suas expectativas sobre o comportamento não do próprio indivíduo, mas sim da posição que ele ocupa na interação. Esse rótulo é chamado de posição de status. Todos nós ingressamos em posições de status. Quando outros interagem conosco, o fazem observando nossas posições sociais. É de tal forma que percebemos o que somos para o mundo. Essa interação nos dá os rótulos referentes a nós mesmos, a serem observados pelos demais indivíduos e por nós nas próximas interações sociais. Com o tempo, passamos a pensar sobre nós segundo nossas posições e rótulos. Passo a dirigir a mim mesmo da mesma forma como os demais se dirigem a mim.


O conjunto de características referentes aos rótulos, criado na estrutura social, denomina-se identidade. É o nome que o indivíduo dá a si mesmo e que habitualmente informa aos outros em suas ações[3]. A identidade situa o indivíduo em relação aos outros. Ele vê quem ele é em relação aos outros à medida que atua. Ele, o ator, se torna o seu papel. Portanto, cada um de nós é um grande número de pessoas, cada qual associada a uma posição de status, pois interagimos com várias pessoas, em variadas organizações sociais.


A identidade, assim como a ação, é socialmente criada na estrutura social. As posições de status em geral não são iguais. Cada posição de status, inserida em sua respectiva organização social, é superior ou inferior, implicando em desigualdades. São três as qualidades que identificam a desigualdade: poder, privilégios e prestígio. As pessoas em uma estrutura social têm vários graus dessas qualidades, todos vinculados às suas posições.


Poder[4] é a capacidade que um ator tem para fazer valer sua vontade em relação aos outros na organização social. Podemos observar manifestações de poder através da análise de relações dominação, presentes em toda ação social, sendo tais relações espécies do gênero poder. Assim Weber as define:


“Por “dominação” compreenderemos, então, aqui, uma situação de fato, em que uma vontade manifesta (“mandado”) do “dominador” ou dos dominadores quer influenciar as ações de outras pessoas (do “dominado” ou dos “dominados”), e de fato as influencia de tal modo que estas ações, num grau socialmente relevante, se realizam como se os dominados tivessem feito do próprio conteúdo do mandado a máxima de suas ações (“obediência”).”[5]


O verdadeiro poder social tem alicerce nas posições de status. Prestígio é a honra que as demais pessoas, na estrutura social, atribuem a uma posição. Pelo prestígio submetemo-nos a outras pessoas segundo sua posição social, superior à nossa. Privilégios[6] são coisas boas, benefícios, oportunidades oferecidos aos que ocupam certas posições. Um congressista, por exemplo, em tese, todas dessas três qualidades: poder de fazer as leis que regem a vida da população; prestígio, prova disso é a forma de a ele se dirigir, com o pronome de tratamento Vossa Excelência; e privilégios, tais como: verba para comprar roupas, et caetera. Já um criminoso comum não possui nenhum desses atributos, em regra.


Nossas posições na estrutura social não só nos fornecem nossos papéis, poder, prestígio, privilégios e nossa identidade, mas também determinam nossas perspectivas, ou seja, nos dão as lentes através das quais enxergamos o mundo. Segundo Charon “As pessoas definem o mundo conforme o lugar onde se situam[7]. Aquele criminoso certamente não tem a mesma imagem do Poder Legislativo que o parlamentar. Ricos e pobres diferem quanto a seus pontos de vista e perspectivas, porque todos nós somos condicionados a pensar segundo nossa posição, à qual fomos socializados. O que é verdade para uns, é inverdade para outros; o que é vício para uns, é virtude para outros. Tal ocorre porque tendemos a analisar as coisas do ponto de vista de nossa posição, de nosso ângulo. Uma pessoa assolada pela extrema miséria, excluída de qualquer qualidade ou da devida assistência estatal, provavelmente não se afeiçoa com o Estado. Porém, um alto funcionário de tal estrutura, provavelmente dela deve muito gostar, pois dele advém o seu poder, prestígio e privilégios.


A nossa realidade resulta, em grande parte, da medida de nosso mundo social, e especificamente, de nossa posição na estrutura social. Boa parte do que nós vemos e pensamos é resultado de nossa posição em nossa classe social[8]. Porém, tais tributos, apesar influenciarem muito na construção de nossa personalidade enquanto ser social, não nos classifica hermeticamente e não possui o condão de eliminar por completo a subjetividade de cada um, esta vai além das bases ditadas pelos referidas características a nós atribuídas pela sociedade. Assim observa Brasilmar Ferreira Nunes, professor do departamento de sociologia da Universidade Nacional de Brasília:


“A valorização da honra e do prestígio social coloca uma nova dimensão no existir socialmente e os indivíduos procuram adequá-las às suas trajetórias de vida, norteando suas ações a partir de pressupostos ditados por ambos valores. Pode-se avançar a hipótese de que tínhamos personalidades individuais que se casam perfeitamente com as dimensões sociais da vida. A fragmentação do mercado de trabalho e a generalização dos métodos flexíveis na esfera produtiva colocam estas certezas em questão.”[9]


Por fim, podemos concluir que o que fazemos na vida, o que dela obtemos, nossas perspectivas, quem somos e o que pensamos, inclusive de nós mesmos, depende muito das posições sociais que ocupamos, sendo estas as bases que orientam nossas condutas e nossas formas de viver.


 


Referências:

ARISTÓTELES. Política. Tradução do grego, introdução e notas de Mário da Gama KURY. 3ª ed. Brasília: UNB, 1997.

CHARON, Joel. Sociologia. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Saraiva, 1999.

NUNES, Brasilmar Ferreira. Classes e sociabilidades no meio urbano. Rio de Janeiro: Revista ANPUR, 2009. Disponível em: http://vsites.unb.br/ics/sol/itinerancias/grupo/brasilmar/classes.pdf. Acesso em 4 de janeiro de 2010.

WEBER, Max, Economia e Sociedade. Fundamentos da Sociologia Compreensiva, Vol. 2, Brasília: Editora da UnB, 2004.

WEBER, Max. The Theory of Social and Economics Organization. Trad. de Henderson e Parsons. New York: Free Press, 1947.


Notas:

[1] ARISTÓTELES. Política. Tradução do grego, introdução e notas de Mário da Gama KURY. 3ª ed. Brasília: UNB, 1997, p. 15.

[2] WEBER, Max. The Theory of Social and Economics Organization. Trad. de Henderson e Parsons. New York: Free Press, 1947, p.88.

[3] CHARON, Joel. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 71.

[4] CHARON, Joel. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 74.

[5] WEBER, Max, Economia e Sociedade. Fundamentos da Sociologia Compreensiva, Vol. 2, Brasília: Editora da UnB, 2004, p. 191.

[6] CHARON, Joel. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 76.

[7] CHARON, Joel. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 77.

[8] CHARON, Joel. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 78.

[9] NUNES, Brasilmar Ferreira. Classes e sociabilidades no meio urbano. Rio de Janeiro: Revista ANPUR, 2009, p. 17.

Informações Sobre o Autor

André Pedrolli Serretti

Bacharel em Direito em Faculdade de Direito Milton Campos. Ex-Pesquisador Bolsista pela FAPEMIG. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Membro do Instituto de Ciências Penais de Minas Gerais. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito


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Equipe Âmbito Jurídico

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