Saulo Santos Santana
Resumo: O trabalho em vitrine se propôs a analisar a possibilidade de regulamentação da profissão de prostituto/a e a realidade dos profissionais do sexo, a partir do estudo junto à instituição Força Feminina, que atua na cidade de Salvador/BA. Buscou-se fazer um mapeamento sobre as entidades paraestatais que são parceiras dos prostitutos/as necessitados de auxílio, merecendo destaque a Força Feminina, além de um apanhado dos Projetos de Lei que tratam do tema da regulamentação dos profissionais do sexo ou possuem uma temática semelhante a essa realidade, enfim, de todos os PL’s que direta ou indiretamente dispõe sobre a prostituição e seus impactos laborais, sociais e econômicos. Fazendo assim um paralelo entre os campos teóricos e práticos.
Palavras – chave: Profissionais do Sexo. Regulamentação da Prostituição. PL Gabriela Leite.
Abstract: The work in showcase aimed to analyze the possibility of regulation of the profession of prostitute and the reality of sex workers, from the study with the institution Feminine Force, which operates in the city of Salvador / BA. We sought to map the parastatal entities that are partners of prostitutes in need of assistance, with emphasis on the Feminine Force, as well as an overview of the Bills that address the issue of regulation of sex workers or have a similar theme. to this reality, in short, of all the PL’s that directly or indirectly disposes about prostitution and its labor, social and economic impacts. Thus making a parallel between the theoretical and practical fields.
Keywords: Sex Professionals. Regulation of Prostitution. PL Gabriela Leite.
Sumário: Introdução. 1. Sociedade civil organizada e a construção legislativa acerca da profissionalização da prostituição como profissão. 1.1. Aspectos metodológicos; 1.2. Sociedade civil organizada: conceituação. 1.3. FORÇA FEMININA, atuação e suporte junto às prostitutas do centro histórico de Salvador. 1.4. Demais associações de apoio aos profissionais do sexo. 1.5. FORÇA FEMININA e sua visão acerca do Projeto de Lei nº 4211/2012. 1.6. Estudo crítico acerca dos PL’s que tratam da prostituição e sua convergência com os anseios das prostitutas perquiridas na pesquisa. Considerações Finais. Referências. Apêndices.
INTRODUÇÃO
Tendo em vista uma análise crítica e uma nova roupagem das relações de trabalho hodiernas o presente artigo visa responder a seguinte pergunta: Os anseios dos profissionais do sexo encontram respaldo nos projetos de lei e toda a construção legislativa produzida até o momento? Para tanto, fez-se necessário ouvir profissionais do sexo e profissionais que atuam com prostitutas acerca de sentirem-se contemplados ou não com esse arcabouço legislativo. Assim, para responder tal pergunta, foi feita uma pesquisa de campo com a instituição que hoje é expoente e parceira dos profissionais do sexo na Bahia, a Força Feminina, que atende sobretudo mulheres em situação de baixa prostituição, e também com essas mulheres atendidas pela Força.
Partiu-se da hipótese de que a regulamentação dos profissionais do sexo faz-se necessária, pois trará segurança no exercício da profissão e diversos benefícios à categoria. A previsão legal da profissão sexual inclui a categoria no rol de beneficiados de programas assistenciais e de apoio ao trabalhador, tendo como escopo o aperfeiçoamento dos profissionais, a regulamentação descaracteriza a estereotipação de “vadiagem” para o exercício regular da profissão, saindo assim da clandestinidade. Tal hipótese foi levantada tendo em vista que, em uma possível regulamentação, além da dignificação da profissão do sexo como direito social ao trabalho, isso traria a tutela do Estado em relação a problemas sociais como saúde e segurança. A hipótese supracitada não foi confirmada, pelo menos no que diz respeito ao público que foi alvo da pesquisa, as prostitutas de baixo meretrício. As mesmas através da pesquisa de campo efetuada em forma de entrevista concordaram que deveria haver meios de reduzir a violência sofrida no exercício da função de prostituta, mas não o reconhecimento da atividade como profissão, devendo haver inclusive outras formas de trabalho diferente do da prostituição.
O objetivo geral do presente artigo foi analisar se a construção legislativa acerca da profissionalização da prostituição converge com os anseios dos profissionais do sexo. Adentrando assim nos objetivos específicos que foram: a identificação de associações e entidades que apoiam a causa dos profissionais do sexo, além do mapeamento de todos os projetos de lei findos e em andamento no Congresso Nacional que versem sobre a proteção dos direitos dos prostitutos/as.
O método utilizado foi o de pesquisa bibliográfica e de campo, através de estudo qualitativo, com a utilização de entrevista semiestruturada. Perfazendo assim uma pesquisa que levou em consideração aspectos sociais e jurídicos junto à Força Feminina e às prostitutas atendidas pela mesma instituição. Não analisando somente no aspecto profissional, na legitimidade jurídica de solicitar seus direitos, mas levando em conta aspectos sociais e antropológicos que são essenciais para amparar e dar um melhor encaminhamento às demandas solicitadas pela categoria1.
Demonstra-se a necessidade de uma investigação com elementos técnicos e não puramente morais e consuetudinários, levando a discussão pelo viés jurídico, inserindo-se a necessária regulamentação através da inserção dessas normas regulamentadoras no ordenamento jurídico brasileiro, tentativa essa personificada pelo Projeto de Lei 4211/2012 de autoria do deputado Jean Wyllys, que busca colocar no centro do debate que as/os prostitutas/os são sujeitos de direito com direitos, perspectivas, prerrogativas, obrigações e, sobretudo, a dignidade de exercer o seu labor.
1.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Para se falar da profissionalização da prostituição, em que o corpo é o principal instrumento para o exercício desse labor, faz-se necessário ouvir os potenciais profissionais, ou seja, os/as prostitutos (as).
Dessa forma, na fase de elaboração do presente artigo, foi pertinente além de ouvir esses profissionais tentar também localizar, ouvir e discutir ideias com possíveis instituições no estado da Bahia, que tenham como escopo a proteção do exercício da prostituição como um dos seus objetivos precípuos e na falta destas as que possuam como objetivo derivado de sua atuação.
Logo no começo da pesquisa já era sabido da existência de uma instituição com esse fito, a APROSBA (Associação de Prostitutas da Bahia). Conhecimento esse que se deu através da aula da disciplina Psicologia Aplicada ao Direito, na UNEB (Universidade do Estado da Bahia), campus XV. A disciplina foi ministrada pelo professor Jailson Brandão, que já havia desenvolvido uma atividade com a instituição.
Requisitei ao professor o contato dessa, e o mesmo não possuía, já tendo cessado o contato com a APROSBA há cerca de dois anos. Sendo assim, fiz uma vasta busca via internet para localizar o endereço e telefone da instituição, obtendo êxito na procura das informações. Tentei contato telefônico, não consegui comunicação, logo foi necessária uma visita ao endereço da suposta associação. Chegando lá, a mesma já havia sido desativada, fui então informado sobre a atuação de outra instituição no Pelourinho, que militava nessa área relativa aos profissionais do sexo.
Eis que surge a Força Feminina (neste trabalho também referenciada apenas como Força), que foi o ponto focal da pesquisa de campo que lastreia o presente labor. Com a Força, foi feita uma coleta de dados para esclarecimento de questões pontuais sobre a prostituição e seu exercício, tornando-se essencial ouvir os atores sociais desse labor, bem como quem cuida e apoia os interesses desses profissionais. Vale ressaltar que essa coleta de dados foi feita por intermédio de pesquisa de campo, através de estudo qualitativo, tendo sido feita uma visita à instituição supracitada, utilizando-se assim da entrevista semiestruturada para a referida coleta, conforme roteiros anexados ao trabalho, além da utilização de pesquisa bibliográfica.
Após contato via telefone foi marcada visita para realização da pesquisa. O primeiro agendamento ocorreu para abril/2015, mas devido às chuvas torrenciais que atormentavam a capital baiana à época não foi possível efetivá-la. Assim, houve a tentativa de marcação da entrevista no próprio mês de abril, mas algumas atividades desenvolvidas pela Força dificultaram essa interação, sendo remarcada para maio/2015 e, por questões de conflito de agendas da instituição e do pesquisador, também não foi efetuada a entrevista. Tendo finalmente acontecido o encontro em junho do corrente ano através de entrevista semiestruturada (Apêndices A e B), tanto com a instituição quanto com as prostitutas. Foram entrevistadas Isadora (educadora social, representante da instituição Força Feminina) e três assistidas pela instituição –
Daniela, Eva e Sara[1].
Vale ressaltar que o objetivo original era ter efetuado uma pesquisa mais ampla, com pelo menos uma instituição que desempenhasse trabalho similar ao desenvolvido pela Força Feminina em cada região do país. Entretanto, durante mais de dois meses, de forma exaustiva, houve várias tentativas de contato telefônico e via e-mail com essas instituições e tendo logrado êxito. Sendo assim, só foi possível se debruçar apenas sobre a instituição da capital baiana, a Força Feminina, pois além de ser a única instituição que foi possível contatar, havia a facilidade de acesso pela pequena distância entre as cidades de Valença[2] e Salvador.
Sendo restrito nosso objeto de pesquisa não por inércia, mas pelas dificuldades que se impuseram na coleta das informações através da pesquisa de campo, tentando assim dar nossa contribuição acadêmica.
1.2 SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA: CONCEITUAÇÃO
Nos anos 80 do século passado, com o afã da população na tentativa de desvinculação do poder dos militares da República, surge uma reflexão acerca de qual a verdadeira função do Estado nos setores que afetam diretamente a vida sócio-política da sociedade. Dessa forma, com o fim dos anos de chumbo (ditadura militar) e com a reinstituição da democracia, as entidades que formavam os movimentos sociais encontram respaldo para estabelecer uma intermediação entre as políticas públicas que o Estado proporciona e a população diretamente necessitada desses serviços. Passa existir, assim, um “canal” entre os entes da federação e os “novos atores sociais” (organizações e grupos sociais), fortalecendo assim as entidades da sociedade civil organizada. (SCHMIDT, 2006)
Cabe destacar, nesse sentido, o conceito de sociedade civil organizada. Para Nildo Viana, sociedade civil organizada “é uma mediação burocrática entre sociedade civil e estado” [3], ou seja, a intermediação entre entes não estatais e os poderes públicos. Uma alternativa para a resolução dos conflitos e mazelas que a população encontra-se exposta diuturnamente, fazendo com que Kant “suplique” pela “instauração de uma sociedade civil que administre universalmente o direito” [4]. Em linhas gerais, uma sociedade que tente dirimir o caos social que acomete a vida social, criando uma alternativa às desigualdades criadas tanto pelo Estado como pela própria sociedade.
Com essa realidade, há a distribuição de responsabilidades entre a sociedade civil organizada e o Estado na execução e aprimoramento de políticas públicas, fazendo com que houvesse “crescimento de 157% do número de fundações privadas e associação sem fins lucrativos entre 1996 e 2002. Isso representa um salto de 105 para 276 mil instituições oficialmente cadastradas” [5], segundo dados do IBGE.
A sociedade civil organizada exemplificada pelas associações, clubes, cooperativas, instituições de benemerência, dentre outros, no que se refere aos profissionais do sexo, tem papel fundamental para o exercício da prostituição pelos mesmos, além de apoiar essa categoria na busca por direitos fundamentais como saúde, trabalho, prestação de tutela jurisdicional.
1.3 FORÇA FEMININA: ATUAÇÃO E SUPORTE JUNTO ÀS PROSTITUTAS DO CENTRO HISTÓRICO DE SALVADOR.
Pelourinho, Salvador-Bahia, entre becos e vielas do centro histórico da capital baiana situa-se a Força Feminina, uma instituição privada sem fins lucrativos originária do Instituto das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor que existe há mais de 140 (cento e quarenta) anos. Fundada pelo Padre José Maria Serra e Antônia Maria da Misericórdia, o Instituto das Irmãs Oblatas tem o seu nascedouro na Espanha, mas logo se espalhou pelas províncias do referido país e posteriormente aos demais países europeus, tendo desembarcado no Brasil em 1935, na cidade do Rio de Janeiro.
Na Bahia, as Irmãs iniciaram seu trabalho no ano 198, na cidade de Juazeiro e, em Salvador, em 1997. Na capital, iniciaram uma triagem acerca da realidade das mulheres em situação de prostituição e acerca da existência de instituições que já estivessem desenvolvendo essa atividade, encontrando voluntárias que já haviam dado início a esta ação. É dessa junção de forças que surge a Força Feminina, em 1998, tendo como principal escopo melhorar a vida das mulheres em situação de baixo meretrício. A atuação da Força estende-se a mais três unidades: São Paulo, Juazeiro e Belo Horizonte.
O projeto surgiu baseado na necessidade de conscientizar e inserir essas mulheres que se prostituem no bojo da sociedade, alertando-as sobre seus direitos e auxiliando-as na busca dos mesmos. Mas a Força não apenas busca dos poderes públicos, ele tenta proporcionar atividades sócio-educativas e profissionalizantes a essas mulheres, baseando-se em quatro etapas: “Aproximação da realidade, Formação e cidadania, Organização (perspectiva da Economia solidária) e Seguimento que ocorrem de maneira gradual e articulada.”[6]
A Força Feminina, unidade Salvador, conta com duas irmãs, na iminência da chegada de uma terceira que vai desempenhar a função de administradora, uma assistente social, três educadoras sociais e um profissional de serviços gerais.
Um dos principais desafios da Força é o de trazer as mulheres que se prostituem, sobretudo as que laboram no centro histórico, para dentro da instituição, visando orientá-las na busca dos seus direitos, ensiná-las outra profissão para que não dependam somente da prostituição para sobreviver, além de se proteger da violência sofrida por grande parte delas.
A Força atua diariamente de segunda a sexta, das 08h às 17h e disponibiliza várias atividades e serviços às assistidas (nomenclatura usada pela instituição para definir as mulheres que se prostituem e que são atendidas pela mesma), dentre os quais podemos destacar: oficinas de pintura de tela, oficinas lúdicas, cantinho da beleza, que seria um espaço para o embelezamento dessas mulheres.
A supracitada instituição se sustenta com recursos próprios, atuando com ínfimo apoio por parte dos poderes públicos. O que mais se aproxima da parceria almejada para o enfrentamento das dificuldades encontradas pelos profissionais do sexo são os convênios com os postos de saúde do centro histórico, no sentido de atender àquelas mulheres não residentes no pelourinho e adjacências. Em Salvador, o atendimento à população é de acordo com a localidade em que mora.
Antes de qualquer coisa é preciso fazer um adendo, no sentido que a Força tem uma atuação individual muito forte, sendo a força motriz e referência acerca do acolhimento das prostitutas. Entretanto, a mesma busca diuturnamente “somar” forças e firmar parcerias com diversos setores e seguimentos da sociedade, evidenciando o caráter agregador da instituição. Dessa forma, para efeito de melhor visualização dos parceiros da Força Feminina, foi feita uma divisão dos mesmos levando em consideração os três poderes do estado.
No que tange ao poder executivo, existem parcerias com o executivo estadual, personificada pela secretaria de política para as mulheres, a SPM, que faz parte da estrutura do Governo do Estadual da Bahia. Segundo entrevista feita com a Força, essa secretaria apoiou alguns projetos da mesma, além do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Bahia, uma ação de iniciativa do Ministério da Justiça, que tenta reprimir o tráfico de pessoas, sobretudo para fins de exploração sexual.
No poder judiciário, existe parceria com a Defensoria Pública do Estado da Bahia, que auxilia na emissão de segunda via de documentos. Auxilia também no acesso a alguns benefícios e direitos sociais, pois sem documentação esse acesso não se efetivaria. Existe o auxílio na defesa ou orientação no que tange a processos criminais, tendo em vista que alguns processos são oriundos de outras comarcas e a defensoria faz essa intermediação.
Temos ainda o Ministério Público do Trabalho (MPT), que tem importante contribuição no combate a condutas criminosas e violentas contra as prostitutas. Após assassinato de uma profissional do sexo ocorrido no ano de 2007 no Hotel Prisma, localizado no Centro Histórico da capital Baiana, o MPT firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o supracitado hotel, que dispunha acerca da criação de “procedimentos para preservação da segurança e integridade dos hóspedes”. Tais procedimentos seria a “exigência de documentos”, avisos sobre os efeitos legais da prática de violência, além da oferta obrigatória de preservativos masculinos a cada hospedagem. O hotel ainda ficaria obrigado a exigir a apresentação de identidade na recepção, fazendo anotação de número e nome completo de todas as pessoas que se hospedarem. O hotel deveria checar, “no caso de pernoite de até 12 horas”, instantaneamente, após a saída de uma das pessoas do apartamento, “a continuidade de estadia do outro hóspede” (MPT-PRT5), pois muitas das vezes as mulheres “subiam” para os quartos dos hotéis com os clientes e o mesmo saía primeiro, geralmente a mulher havia sofrido algum tipo de violência e o agressor já havia ido embora.
Já na seara do poder legislativo tanto a nível municipal como estadual não há nenhuma iniciativa dos parlamentares, ficando o destaque a nível federal, com o Projeto de Lei no 4.211 (o PL Gabriela Leite), de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys que tenta regulamentar o exercício da prostituição, além de proporcionar a esses profissionais o gozo de direitos sociais inerentes a todos os trabalhadores.
Diante do exposto, faz-se conhecer as parcerias e projetos convergentes com os objetivos da Força Feminina nas três esferas do poder. Sendo feita uma entrevista de campo com a Força (como já dito anteriormente) que teve como um dos seus principais aspectos destrinchar acerca da afinidade das proposições legislativas com os anseios das prostitutas, contudo daquelas atendidas pela Força.
Importante destacar o perfil das assistidas em relação à escolaridade, etnia e questões sociofamiliares, através de dados da pesquisa do Projeto Força Feminina[7], a saber:
Quadro 1 – Escolaridade
NÍVEL | Porcentagem |
Ensino Fundamental Incompleto | 64,6 % |
Ensino Médio | 5,2 % |
A questão da escolaridade escancara o problema da educação como importante elemento no desenvolvimento de um pensamento crítico social, demonstrando o motivo de muitas vezes haver exígua politização dos profissionais do sexo.
Quadro 2 – Etnia
Negras | 40,6 % |
Brancas | 6,2% |
Pardas | 5,2% |
Ameríndias | 2,1% |
Em relação à questão étnica, a grande parcela é composta por afrodescendentes, demonstrando a relação do baixo meretrício com o seguimento racial historicamente marginalizada.
Quadro 3 – Questão sócio familiar
Solteiras | 67,7% |
Acompanhadas | 18,7 % |
Arrimo familiar | 55,2% |
A questão do apoio familiar e a necessidade de credenciamento como arrimo de família é latente, sendo que uma pequena parte dispõe de companheiros (as). Vale ressaltar que “possuem em média de um a três filhos” [8].
Em linhas gerais, percebe-se que o público atendido pela Força Feminina é composto por mulheres em sua maioria negras, solteiras e com pouca formação acadêmica. Evidenciando assim o perfil de risco daqueles que são marginalizados tanto pelo Estado como pela sociedade, ficando ainda mais difícil trazer essas mulheres ao contexto legal de cidadãs e sujeitas de direitos.
1.4 DEMAIS ASSOCIAÇÕES DE APOIO AOS PROFISSIONAIS DO SEXO
Como visto anteriormente, fica conhecido o exíguo apoio do poder público no que se refere à qualificação e apoio aos profissionais do sexo, cabendo assim ao terceiro setor [9] o auxílio a esses profissionais.
Na entrevista feita com a representante da Força Feminina, a mesma mencionou algumas entidades paraestatais que prestam auxílio às mulheres que laboram com a prostituição. Como exemplo, tem-se o Projeto AXÉ, uma organização não governamental que atua, sobretudo com crianças e adolescentes, mas que não se esquiva de ajudar as profissionais do sexo de alguma forma. Além do CHAME (Centro Humanitário de Apoio à Mulher), que funciona no intuito de alertar e prevenir acerca dos riscos da exploração sexual e suas consequências. Atua, inclusive, na defesa dos direitos dessas mulheres, mas respeitando as suas escolhas, no que tange à exploração do próprio corpo. Existe ainda o Projeto Cáritas, que auxilia essas mulheres também, na mesma linha da Força Feminina. Além das pastorais sociais e dos postos de saúde que, dentro de suas possibilidades, prestam assistência a essas mulheres.
Em nível nacional, temos os projetos Beijo na Rua e Davida que tem como objetivo promover o acesso aos direitos sociais das prostitutas atuando nas áreas de saúde, educação, tentando introduzir essas profissionais na sociedade como cidadãs e sujeitas de direitos.
Alguns estados da federação possuem associações locais em que há essa tentativa de salvaguardar direitos dos profissionais do sexo. Muitas dessas associações já se extinguiram, seja por falta de apoio e interesse dos próprios profissionais, desconhecedores de seus direitos e descrentes em uma instituição defensora deles, seja por falta de uma conjectura político-social que faça com que essas instituições sigam em frente. Como exemplo desse fracasso tem-se a APROSBA (Associação de Prostitutas da Bahia), que não mais existe, permanecendo apenas, em Salvador, a Força Feminina, como instituição que atende às profissionais do sexo no Estado da Bahia. A Associação que mais se destaca entre os estados brasileiros é a APROSMIG (Associação das Prostitutas de Minas Gerais), com atuação no Estado mineiro, possuindo forte representatividade no que tange a descriminalizar o ato de prostituir-se. Defende assim a liberdade sexual daqueles que escolheram o caminho da prostituição, fazendo com que a sociedade conscientize-se de que os profissionais do sexo têm direitos e devem ser respeitados, devendo ser repudiada toda forma de discriminação e violência.
Em linhas gerais, o que se percebe é que o Estado negligencia os profissionais do sexo, ou seja, não apoia, qualifica ou até mesmo leva em consideração essa categoria de profissionais. Dessa forma, cabe ao terceiro setor, personificado pelas associações, instituições paraestatais, dentre outros, o protagonismo no que tange a defesa dessa categoria que se encontra à margem da sociedade brasileira. Em âmbito estadual, como expoente desse negligenciamento das entidades paraestatais, encontra – se a Força Feminina que a duras penas se mantém através de eventuais apoios e parcas parcerias.
1.5 FORÇA FEMININA E SUA VISÃO ACERCA DO PROJETO DE LEI Nº 4211/2012
Diante dos dados apresentados, o posicionamento da Força Feminina em entrevista realizada com a mesma é que o PL Gabriela Leite não traz nada de novo, além de não abarcar as mulheres que são o público alvo da instituição, ou seja, as profissionais do baixo meretrício. Nesse diapasão temos a classificação dada por Renata Casemiro Cavour apud Gaspar (1985) e Dantas (2002):
O baixo meretrício se caracteriza por mulheres de diversas idades que praticam a prostituição […] tem sido uma saída encontrada por milhares de mulheres para resolver questões financeiras. […] Já o médio meretrício está associado à prostituição praticada em boates e casas de massagem. As meninas, geralmente, estão sempre bem vestidas e com boa aparência, já que nesses lugares há esse tipo de exigência. Elas não estão expostas nas ruas. […] Por fim, no alto meretrício, as prostitutas têm o próprio controle de seu trabalho, publicando anúncios em jornais com número de telefone para contato ou através de agências. Deixam claro em seus anúncios o público alvo: executivos de alto nível e de bom gosto[10].
Dessa forma, as mulheres atendidas pela Força estão localizadas no baixo meretrício, tendo em vista que muitas delas são analfabetas e se prostituem para se alimentar, “é uma prostituição da pobreza, uma alternativa de sobrevivência de mulheres pobres no Brasil”[11]. Para a Força a prostituição é uma forma de exploração do corpo e não autonomia do mesmo, dessa forma o supracitado PL não satisfaz os anseios dessas profissionais, mas dos profissionais dos grandes centros, sobretudo da região sul e sudeste, em que há glamour em relação ao exercício do alto meretrício, personificado pelas acompanhantes de luxo que fazem grandes investimentos no cuidado da aparência para melhor atender os clientes, em sua maioria, grandes executivos e empresários. Estes remuneram bem essas profissionais pelos serviços que lhes são prestados.
Para a Força, alguns artigos do Projeto de Lei Gabriela Leite vão de encontro a diversos direitos constitucionais. Como exemplo desse posicionamento, a Força cita o artigo 2º do PL que só considera exploração sexual a apropriação maior que 50% dos rendimentos sexuais, para a instituição. Já há exploração com a apropriação de 50% do valor do programa, pois os mesmos chegam ao valor máximo de R$ 40,00 (quarenta reais), e considerando que exista uma casa de prostituição e a mesma fique com cinquenta porcento do valor, que seria R$ 20,00 (vinte reais), a mulher ainda paga o consumo, tais como camisinha e alimentação, pois isso não é dado à elas. Logo ficariam com bem menos do que 50%, por isso a Força já considera uma forma de exploração sexual.
Outro ponto de crítica da instituição pesquisada foi a falta de originalidade do PL em alguns pontos. A saber: a possibilidade das mulheres contribuírem para a previdência social como trabalhadoras autônomas, além de trazer que elas seriam reconhecidas como prostitutas. Ocorre que as mulheres não querem ser reconhecidas como tais. O texto do PL dispõe que o trabalho vai ser de forma autônoma ou em cooperativa, autônomas elas já são, já a constituição de cooperativa, como não há uma ilicitude no ato de prostituir-se, nada impede que elas abram uma. Então a Força não vê nada de novo nesse projeto de lei, por isso que são contrários a essa proposição legislativa. Existe um adendo no sentido de que, em nenhum momento, o PL traz em seu texto que as mulheres que contribuíssem de forma autônoma seriam reconhecidas como prostitutas.
Por fim, a Força Feminina levanta a importante questão de qual órgão competente atuaria para a legalização e fiscalização do exercício da prostituição, até porque a polícia em alguns momentos assume o seu papel e em outros momentos não (o de coibir o funcionamento das casas de prostituição, já que manter casa de prostituição é crime, mas prostituir-se não). A pergunta que a instituição faz é a seguinte: Como ficaria essa fiscalização? Haveria um órgão fiscalizador? A administração pública descentralizaria ou desconcentraria suas funções para tentar fiscalizar essa nova profissão? O PL é omisso em relação a isso.
Com todas essas indagações e desafios a Força Feminina entende que o atual Projeto de lei não converge com os anseios dos profissionais do sexo, pelo menos no que diz respeito ao público atendido pela instituição, a do baixo meretrício. Não achando favorável a regulamentação do exercício da prostituição, pelo menos nos termos atuais, sendo que talvez, havendo uma modificação do atual projeto, quem sabe haja uma mudança no posicionamento da instituição, pois com o que está posto não há atendimento às reais necessidades da categoria.
1.6 ESTUDO CRÍTICO ACERCA DOS PL’S QUE TRATAM DA PROSTITUIÇÃO E SUA CONVERGÊNCIA COM OS ANSEIOS DAS PROSTITUTAS PERQUIRIDAS NA PESQUISA
Os Projetos de Lei que tratam sobre prostituição adulta, não são tão recentes como se leva a crer no senso comum. Bem verdade que o meretrício ainda é tratado com certa cautela e estigma por grande parte da sociedade, mas há proposições que tentam tanto regulamentá-lo como profissão, quanto criminalizá-lo e que tramitam no Congresso Nacional há algum tempo. Vale ressaltar a exclusividade das proposições na Câmara dos Deputados, tendo em vista que no Senado Federal não há nenhuma proposição legislativa no sentido de regulamentar a prostituição.
Dessa forma, a primeira proposição que dispunha sobre prostituição foi o Projeto de Lei 1312/1975 de autoria do Deputado Roberto Carvalho, em que trazia disposições acerca de medidas sobre o confinamento da prostituição, controle sanitário, assistência previdenciária e reeducação das prostitutas, encerrando sua tramitação em 1979. Tal PL pioneira estava fadado ao fracasso, tendo em vista o momento político do Brasil, a Ditadura Militar, sendo que tal projeto não se coadunava com a corrente política da época, a da repreensão das liberdades individuais e políticas. Fica claro o caráter educativo e assistencialista do referido PL, não dando mostra de autonomia às referidas profissionais, sendo um meio mais no sentido de tê-las sobre o controle estatal do que liberar o exercício da prostituição.
Passados mais de 20 anos, um novo PL acerca da prostituição foi proposto, o Projeto de Lei 3436/1997 de autoria do deputado Wigberto Tartuce – PSDB/DF, sendo arquivado no ano de 1999. O referido PL trazia disposições acerca de direito previdenciário, pois possibilitava a inscrição dos profissionais do sexo como segurados da Previdência Social, na qualidade de autônomos, de direito penal, tendo em vista que o livre exercício da prostituição não autorizava que a atividade fosse incentivada ou explorada. Foram mantidas as disposições da parte especial do Código Penal: de direito constitucional (direito à saúde), era obrigatório aos profissionais do sexo o cadastramento em unidades de saúde, assim como o exame mensal para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; e de direito da criança e do adolescente, por ser vedado o exercício profissional, da prostituição aos menores de 18 (dezoito) anos de idade.
No ano 2000 houve enxurradas de PL’s, como os Projetos de Lei 3330, 3357, 3605, 3872 que tratavam sobre a proibição de propaganda de serviços de sexo nos meios de comunicação social, a saber, anúncio de serviços de sexo (telessexo e acompanhante), em cartazes, outdoors, jornais, além de revistas e emissoras de rádio e televisão.
Na mesma década, três anos mais tarde, o deputado Fernando Gabeira – PT/RJ confeccionou o PL 98/2003 que dispunha sobre a exigibilidade de pagamento por serviço de natureza sexual, sendo arquivado no ano de 2011. A referida proposição traziam questões incidentes sobre direito civil (obrigacional), exigibilidade de pagamento, direito do trabalho, ipsis litteris art. 1º, § 1º do referido PL:
Art. 1º É exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual.
De direito penal, pois, estariam revogados os artigos 228 (favorecimento da prostituição), 229 (casa de prostituição) e 231 (tráfico de mulheres) do Código Penal, “este último porque somente penaliza o tráfico se a finalidade é o de incorporar mulheres que venham a se dedicar à atividade.” (GABEIRA, 2003).
Um ano depois, houve o PL 4244/2004 de autoria do deputado Eduardo Valverde – PT/RO e que foi retirado de tramitação no ano de 2005 através de requerimento do autor do próprio projeto. No supracitado Projeto de Lei havia disposições de direito do trabalho, que além de elencar os profissionais do sexo trazia um rol equiparativo de quem seriam os prostitutos/as – como exemplo, garçons, garçonetes, massagistas, atrizes e atores pornográficos e etc – elenca as condições de trabalho a serem estabelecidas em contrato de trabalho, direito previdenciário, na acepção do art. 5º, § 2º e 3º do PL:
Art. 5º:
De direito administrativo, pois, seria vedado o labor de profissionais do sexo em estabelecimentos que não tenham a autorização das autoridades públicas em matéria de vigilância sanitária e de segurança pública e, por fim, de direito empresarial, pois de acordo com o artigo 7º:
Art.7º – Os trabalhadores da sexualidade poderão se organizar em cooperativas de trabalho ou em empresas, em nome coletivo, para explorar economicamente prostíbulos, casas de massagens, agências de acompanhantes e cabarés, como forma de melhor atender os objetivos econômicos e de segurança da profissão.
Já no ano de 2011, houve a apresentação do PL 377/2011 de autoria do deputado João Campos – PSDB/GO, que foi arquivado em janeiro de 2015 e sendo desarquivado em maio do referido ano, através de requerimento do próprio autor do PL. Tal proposição vai de encontro com toda construção legislativa até então, ferindo o direito social ao trabalho, além do fundamento da república previsto no artigo 1º da Constituição Federal, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, tipificando o crime de contratação de serviço sexual, inserindo no mesmo tipo penal quem aceita a oferta de prostituir-se, tendo consciência que o serviço está sujeito à remuneração, ou seja, o exercício da prostituição passaria a constituir crime, acrescentando-se assim no Código Penal o artigo 231-A com a seguinte redação:
Contratação de serviço sexual
Art. 231-A. Pagar ou oferecer pagamento a alguém pela prestação de serviço de natureza sexual: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem aceita a oferta de prestação de serviço de natureza sexual, sabendo que o serviço está sujeito a remuneração.
Depois de tantas proposições legislativas e tantos anos de tramitação frente à Câmara dos deputados, eis que surge o Projeto de Lei nº 4211/2012, mais conhecido como Projeto de Lei Gabriela Leite, proposição mais recente acerca da regulamentação da prostituição e que está em tramitação na Câmara dos Deputados. Traz em seu texto o reconhecimento da atividade sexual como profissão e a garantia de alguns direitos sociais, a saber: aposentadoria, trabalho, além de descriminalizar as Casas de Prostituição.
Para fins de pesquisa junto às profissionais do sexo somente, foi levado em consideração a proposição mais recente, ou seja, a PL 4211/2012. É sabido da existência de PL’s mais antigos, como citado anteriormente, mas como essa é a que ainda está em tramitação legislativa e trata do tema objeto do presente labor, foi o usado então.
Um dos objetivos da pesquisa foi tentar responder a seguinte pergunta: A construção legislativa acerca da profissionalização da prostituição converge com os anseios dos profissionais do sexo? Ou seja, será que todas as proposições legislativas já apresentadas e em especial a PL Gabriela Leite satisfazem a demanda das profissionais do sexo, e em que escala?
Perguntas que somente poderíamos responder dando “voz” e vez àqueles que são o ponto crucial do exercício da prostituição, ou seja, as/os prostitutos/as.
Em entrevista na Força Feminina tive a oportunidade de entrevistar três mulheres que exercem a prostituição. Cada uma com diferentes histórias de vida, diferentes motivações para o início do exercício da prostituição, mas com um ponto em comum, o que as fizeram manter-se em exercício do labor meretrício: a necessidade de sustento próprio e da família.
A primeira entrevistada foi Daniela, mulher guerreira e que luta diariamente para sustentar sua família, mas não perdendo a compostura, consolidando-se como uma mulher altiva, que mantém seu brio intacto e que só pensa em achar outro meio de vida. Veio de Recife há dez anos. A mesma, além de prostituir-se, vende cerveja. O início do labor meretrício se deu por conta das necessidades, pois tinha filha pequena e foi iniciada na profissão por uma amiga que já frequentava casas de prostituição e a apresentou ao meretrício, ganhando mais com a prostituição do que com outras atividades, nas palavras da mesma: “me empolguei nessa situação”. Algumas pessoas sabem dessa profissão, outras não, mas Daniela prefere mesmo o trabalho alternativo como vendedora de cerveja, atividade através da qual pretende deixar o exercício da prostituição.
O primeiro contato com o Força se deu na Praça do Pelourinho, através de convite das colegas de trabalho e das Irmãs Oblatas. Ao conhecer o projeto as perspectivas se multiplicaram, tendo em vista a aprendizagem de diversas outras atividades como cursos profissionalizantes de sabonete, pintura, vela, artesanato com biscuit. Vale ressaltar que antes da Força nenhuma instituição ou poder público ajudou Daniela.
Para a mesma, uma lei para regulamentar a prostituição não é necessária, pelo menos para ela, tendo em vista que não quer ser reconhecida como prostituta, ter a carteira assinada com essa qualificação, nem gostaria, de nenhuma maneira, que fosse identificada como profissional do sexo.
Daniela já ouviu falar sobre projetos de lei que tentam regulamentar a prostituição no âmbito da Força Feminina, que fez esse papel de conscientização sobre as proposições em andamento no Congresso Nacional, mas como o objetivo dela é sair da prostituição não houve muito interesse acerca desse projeto e consequentemente não tem uma opinião formada sobre o que deveria conter no mesmo para melhorar o exercício da prostituição.
A segunda entrevistada foi Eva, que, dentre as entrevistadas, foi a que mais se mostrou fragilizada pelas intempéries da vida, traçando uma linha tênue entre a Eva mulher e a menina, demonstrando a confusão entre as personagens que ela se viu obrigada a interpretar inconscientemente para sobreviver.
Começou na prostituição aos dez anos. Possui atualmente quarenta e dois anos. O início da prostituição se deu pela violência doméstica, através de espancamentos e humilhações que se tornaram rotina na vida de Eva. Além da falta de acompanhamento familiar, pois foi criada por terceiros, tendo conhecido sua mãe depois de muitos anos.
O primeiro contato com a Força se deu na praça do Pelourinho, através de convites das irmãs. Com a inserção no projeto, houve a aprendizagem de diversas atividades, como pintura e desenho. Assim como com a entrevistada anterior, a Força foi o primeiro projeto a auxiliá-la.
Para Eva uma lei para regulamentar a prostituição é necessária, sobretudo para defender as mulheres da violência sofrida, abuso característico da vida da mesma. Na sua concepção, o que deveria conter no projeto de lei é uma forma de as mulheres saírem dessa situação de prostituição, ou seja, não para aperfeiçoamento da prostituição, mas para fuga do exercício do labor meretrício, pois para ela “isso não é vida”.
A terceira e última entrevistada foi Sara, mulher bem articulada, seja com as palavras, seja nas suas atitudes e que melhor usufruiu dos tempos áureos da prostituição, em que o meretrício era bem remunerado.
Sara chegou a Salvador aos vinte e dois anos, estando agora com quarenta e três. Foi criada como a mesma define “em berço de ouro”, tendo saído de casa aos 15 anos quando foi estuprada. Perdeu a mãe com apenas 17 anos, tendo sido testemunha ocular do assassinato da mãe pelo pai, traumatizando-se e fugindo de casa novamente, sendo levada para um convento. Ficou internada dois meses, tendo tudo isso acontecido em Recife.
Sobre o exercício da prostituição, os valores cobrados por ela giram em torno de R$ 40,00 (quarenta reais), mas quando está com fome cobra R$ 30,00 (trinta reais), sendo o valor padrão R$ 50,00 (cinquenta reais).
O início da prostituição se deu através de uma amiga que a chamou para uma festa que era em um navio. Lá, começou a laborar sexualmente. Segundo ela, quando entrou “na vida foi a maior onda, nem a roupa eu queria tirar, não deixava ninguém tocar em mim.” O motivo preponderante que fez Sara entrar na prostituição foi a família.
Até então nenhum projeto tinha ajudado Sara, sendo a Força o primeiro. O contato inicial se deu mais uma vez através do convite das irmãs. Além de ensiná-la outras atividades, como fazer desenho e pintura, houve o auxílio na emissão de documentos, sendo traço característico da instituição a paciência no lido com as assistidas, como bem destacou Sara.
Acha necessária uma lei para regulamentar a prostituição, mas não para assinatura da carteira de trabalho como prostituta, se a qualificação na mesma for como doméstica, comerciária, cabeleireira tudo bem, mas “como prostituta, não, é muito feio”.
Sara já ouviu falar de projetos de lei que buscam regulamentar a prostituição como profissão, mas, como as outras duas entrevistadas, tem opinião semelhante, que deveria haver outros meios de se manter, outro trabalho, “por que isso não é vida de ninguém, é muito humilhada.” Devendo o projeto de lei priorizar o êxodo da prostituição.
Dessa forma, através da entrevista posta à tela, fica evidenciado uma conclusão e uma resposta. A conclusão é no sentido de que as mulheres, pelo menos as atendidas pela Força, sentem vergonha de sua profissão, ficando demonstrado o desejo das mesmas de sair do labor meretrício o mais rápido possível, tentando encontrar outro meio de subsistência.
Já a resposta se refere a seguinte pergunta feita no começo do subtópico: “a construção legislativa acerca da profissionalização da prostituição converge com os anseios dos profissionais do sexo”?
Pela pesquisa feita, podemos concluir que não. Pelo menos no que se refere às prostitutas do baixo meretrício, que são aquelas que não estão inseridas em um contexto glamouroso da prostituição, pois “nem toda prostituta é Gabriela Leite, uma mulher de luta, livre e consciente” (GOMES, 2013). A construção legislativa está muito aquém da prostituição exercida por essas mulheres, não encontrando respostas nas proposições legislativas, conduto no PL 4211/2012. Das três assistidas entrevistadas, nenhuma delas se identificou com o teor do referido PL, não contemplando assim as suas demandas.
A situação se agrava ainda mais pelo fato das mulheres sentirem verdadeira ojeriza pela profissão que laboram, não encontrando nenhum ponto de convergência com os anseios das mulheres em situação de prostituição que foram entrevistadas. Outro fator para essa ausência de identificação é o fato de possuírem baixa escolaridade, chegando muitas a serem analfabetas.
O massacre e a violência sofridos pelos diversos seguimentos da sociedade e pelo Estado, aliado às precárias condições de trabalho, desestruturam e enfraquecem o movimento em prol da prostituição. Resultando assim no exíguo engajamento político-social de grande parcela das prostitutas, fazendo com que essas mulheres queiram migrar para outros ramos de trabalho. Até mesmo não considerando a prostituição como uma profissão, mas sim como uma situação de humilhação e depreciação da própria condição de cidadãs, considerando-se escórias da sociedade.
Dessa forma, torna-se evidente que a regulamentação da prostituição ainda encontra muitos desafios e o expoente na construção legislativa hodierna, Projeto de Lei Gabriela Leite, precisa ser aperfeiçoado para atender as demandas de todos os profissionais do sexo. Devendo ouvir as “vozes” das ruas, daqueles que sentem a dura mão do Estado e o preconceito instalado da sociedade. De todas aquelas “putas”, “quengas”, “rameiras” que são assim qualificadas e que não possuem a proteção e estrutura que as “altas” prostitutas possuem no exercício da prostituição.
Não adianta, pois, satisfazer uma parcela do meretrício, segregando ainda mais a parcela excluída dessas demandas. Deve-se assim, propôr, em conjunto, ações do poder público, personificadas pelos poderes legislativo, judiciário e executivo; dos movimentos sociais e sociedade civil organizada e; sobretudo dos profissionais do sexo. No intuito de confeccionar uma proposição legislativa, que realmente traga garantias e direitos que convirjam com as demandas e anseios de toda a categoria que labora sexualmente. Fazendo com que tenham orgulho de se assumirem como prostituto/a, e que considerem a prostituição como uma autonomia do corpo, em que tenham liberdade e dignidade no exercício da prostituição. Dessa forma, garante-se o arcabouço mínimo inerente aos trabalhadores, estatuídos na Constituição, além de proteção especial em decorrência da atividade de risco em que laboram.
Cabe destacar um olhar todo especial para as prostitutas localizadas no baixo meretrício, pois, antes mesmo de usufruir o direito social ao trabalho, devem haver políticas públicas com o intuito de oferecer a essas profissionais garantias de direitos que deem conta do exercício do direito fundamental a uma vida digna. Evidente que não se desconsidera neste trabalho a importância e a pertinência da profissionalização da prostituição, tal qual propõe o PL Gabriela Leite, de modo a garantir direitos e proteção no âmbito trabalhista. Mas para boa parte das prostitutas desse país – sobretudo aquelas com perfil próximo das que são assistidas por instituições como o Força Feminina – somente a garantia e proteção ao trabalho não é suficiente. Para proteção dos direitos humanos e da dignidade dessas mulheres, faz-se necessário a elaboração de toda uma política pública que garanta também os demais direitos sociais constitucionalmente estatuídos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Visando não apenas fazer uma análise fria de dados e pesquisas já realizadas, muitas vezes obsoleta sobre o tema da prostituição, que o trabalho em comento direcionou a pesquisa sobre a instituição Força Feminina e seu público alvo, as prostitutas do baixo meretrício. Insta salientar que não se debruçou sobre a prostituição masculina e transexual por ser uma prática que dificultaria a pesquisa, tendo em vista a dificuldade em encontrar esse público.
Com isso buscou-se ouvir quem vivencia essa realidade, instrumentalizando-se através da pesquisa de campo e de questionamentos jurídicos e sociais com os entrevistados, além de uma reflexão acerca de toda a sistemática que cerca a pretensão da regulamentação. Procurou-se encontrar não a resolução certa, única e imutável, mas a que melhor se adequa ao que fora apresentado.
A partir dessa pesquisa de campo verificou-se que não há respaldo nos projetos de lei e toda a construção legislativa produzida até o momento dos anseios dos profissionais do sexo, pelo menos no que diz respeito aos do baixo meretrício.
O foco da pesquisa foi no sentido de saber se a construção legislativa acerca da profissionalização da prostituição converge com os anseios dos profissionais do sexo, mas pelo caminho que a pesquisa percorreu ficaram evidenciadas outras vertentes. Demonstrou-se a interferência que a instituição tem no processo de politização dessas mulheres em situação de prostituição e o auxílio no desenvolvimento de atividades que as insiram na discussão sobre a existência de seus direitos, proporcionando também atividades lúdicas. Através da pesquisa de campo com as assistidas ficou claro fragmentos da história de vida de cada uma e como isso influencia na visão de mundo e nos anseios projetados por cada profissional.
Outro ponto que merece destaque na pesquisa é a desmitificação de que as mulheres se prostituem para satisfazerem desejos fúteis, sua lascívia. Não foi essa a realidade encontrada, pois cabe a muitas delas o sustento do lar, possuindo relações de trabalho consolidadas com alguns clientes, responsabilidades, pessoas que dependem do seu trabalho para sobreviver, caracterizando a prostituição como um meio de vida.
O que se verifica é o temor de setores fundamentalistas da sociedade, sobretudo os que ocupam cadeiras no Congresso Nacional, de ver escancarada uma realidade que existe há muito tempo. Imagine só um “pai de família”, “cabeça do lar” e que grita aos quatro ventos sua contumácia dignidade e cumprimento das suas obrigações com o lar, receber uma intimação de uma ação judicial proposta por uma “puta”, em que cobra pelos serviços prestados pela mesma. Seria a falência da base da “família tradicional brasileira”.
Através dos dados da pesquisa, concluiu-se que os anseios dos profissionais do sexo não convergem com a construção legislativa acerca da profissionalização da prostituição, pelo menos no que se refere às prostitutas do baixo meretrício, que são aquelas que não estão inseridas em um contexto glamouroso da prostituição, as que se prostituem para sobreviver, para prover o sustento de sua prole.
Vale ressaltar também que a hipótese do trabalho em comento de que a regulamentação dos profissionais do sexo faz-se necessária, pois trará segurança no exercício da profissão e diversos benefícios à categoria não foi confirmada. Pelo menos no que diz respeito às prostitutas de baixo meretrício, por não haver identificação dessas profissionais com o PL 4211/2012. Tendo em vista que, através da pesquisa de campo efetuada, as entrevistadas concordaram que deveria haver meios de reduzir a violência sofrida no exercício da função de prostituta, mas não o reconhecimento da atividade como profissional do sexo. Devendo haver inclusive outras formas de trabalho indiferente do da prostituição, ficando demonstrada a falta de ambição dessas prostitutas na regulamentação e fortalecimento do meretrício.
Insta salientar que o Direito dialoga com o processo histórico e que se atualmente, mesmo não sendo, na visão das prostitutas do baixo meretrício, necessária, a regulamentação da prostituição e a conquista de direitos extrapolam o texto positivado. Devendo haver um caminho a ser percorrido para a garantia desses direitos, sendo o primeiro passo, numa sociedade como a nossa, cujos textos de lei terminam por ser sobrepostos em detrimento do contexto social. Nesse sentido, o caminho é sim positivar a prostituição como profissão.
REFERÊNCIAS
BORDIN, Erica M. do Bomfim. Gestão Social em Organizações da Sociedade Civil que compõem a Rede Socioassistencial de Porto Alegre. Disponível em:
<http://www.pucrs.br/edipucrs/online/IIImostra/ServicoSocial/62906%20%20ERICA%20MONTEIRO%20DO%20BOMFIM%20BORDIN.pdf>. Acesso em: 15/09/2015
BORTOLETO, Leandro. Direito Administrativo para concursos de analista. Salvador: Editora Juspodivm, 2015, pág 100.
CAVOUR, Renata Casemiro. Mulheres de família: Papéis e identidades da Prostituta no contexto familiar. Disponível em:< http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0912457_2011_pretextual.pdf>. Acesso em: 17/09/2015
Dados da Pesquisa do Projeto Força Feminina – 2007. Disponível em: <http://projetoforcafeminina.blogspot.com.br/p/quem-somos.html>. Acesso em: 15/09/2015
GOMES, Camilla Magalhães de. Nem toda prostituta é Gabriela Leite: prostituição, feminismo e leis. Disponível em: <http://blogueirasfeministas.com/2013/12/nem-toda-prostituta-e-gabriela-leite-prostituicao-feminismo-e-leis/>. Acesso em: 01/08/2015
KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. Trad. Rodrigo Naves e Ricardo R. Terra. São Paulo – SP: Editoria Brasiliense S.A., 1986, p. 14.
SCHMIDT, Vera Viviane. Sociedade civil organizada, políticas públicas e políticas de saúde no brasil. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/viewFile/745/10827>. Acesso em: 15/09/2015
VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003, pág 37.
APÊNDICE A – Roteiro da entrevista com as assistidas
1 – Você poderia fazer uma breve apresentação da sua pessoa, falando como é o seu trabalho.
2- Como você começou na profissão? Ou melhor, o que te fez entrar nela?
3 – Como se deu o primeiro contato com a Força Feminina? De que maneira essa instituição lhe ajuda?
4 – Antes da Força Feminina alguma instituição, ONG ou até mesmo o poder público (prefeitura, governo) lhe auxiliou de alguma maneira? Caso sim, como?
5 – Você acha que uma lei para regulamentar a prostituição é necessária? Por quê?
6 – Você conhece ou já ouviu falar alguma vez sobre projetos de lei que buscam regulamentar a prostituição como profissão?
7 – O que você acha disso?
8 – O que você acha que um projeto de lei deveria conter para que melhorasse o exercício da prostituição?
APÊNDICE B – Roteiro da entrevista com a Força Feminina
1 – Gostaria de saber mais sobre a associação, como começou, porque (objetivo da Força Feminina) e onde surgiu a ideia de constituí-la.
2 – Atualmente qual a composição e organização interna? Como é esse funcionamento?
3 – Há interação com demais associações, ONGs ou movimentos sociais que apoiem a causa dos profissionais do sexo?
4 – Como vocês veem o exercício da prostituição hoje?
5 – Há, ou já houve algum tipo de diálogo com o poder público a nível municipal, estadual ou nacional para o desenvolvimento das ações da instituição?
6 – A instituição acha necessária a regulamentação dos direitos dos profissionais do sexo ?
7 – Qual o nível de articulação política e social com parlamentares, poder público, movimentos sociais e alguns membros da sociedade civil?
8 – Vocês conhecem os projetos de lei que tratam do tema da profissionalização da prostituição?
9 – Há diálogo com algum parlamentar no sentido de profissionalizar a prostituição?
10 – Na acepção de vocês as proposições legislativas a exemplo da PL 4211/12 de autoria do deputado Jean Wyllis convergem com os anseios das prostitutas que são auxiliadas pela FORÇA FEMININA?
[1] Nomes fictícios
[2] Cidade do interior da Bahia, e que fica distante aproximadamente 250 da capital Salvador e Residência do autor do presente artigo à época da pesquisa.
[3] VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003, pág 37.
[4] KANT, Immanuel (1784). Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. Trad. Rodrigo Naves e Ricardo R. Terra. São Paulo – SP: Editoria Brasiliense S.A., 1986, p. 14.
[5] BORDIN, Erica M. do Bomfim. Gestão Social em Organizações da Sociedade Civil que compõem a Rede Socioassistencial de Porto Alegre. Disponível em: http://www.pucrs.br/edipucrs/online/IIImostra/ServicoSocial/62906%20%20ERICA%20MONTEIRO%20DO%20BOMFIM%20BORDIN.pdf Acesso em: 15/09/2015
[6] Disponível em: http://projetoforcafeminina.blogspot.com.br/ Acesso em: 15/09/2015
[7] Dados da Pesquisa do Projeto Força Feminina – 2007. Disponível em: http://projetoforcafeminina.blogspot.com.br/p/quem-somos.html Acesso em: 15/09/2015
[8] Ib id
[9] Terceiro setor abrange as entidades do setor privado sem fins lucrativos, que desenvolvem atividade de interesse público. […] Atuam de maneira paralela ao Estado e com ele colaboram, cooperam e, por isso, são chamadas de entidades paraestatais ou entes de cooperação. BORTOLETO, Leandro. Direito Administrativo para concursos de analista. Salvador, 2015, Editora Juspodivm, pág 100.
[10] CAVOUR, Renata Casemiro. Mulheres de família: Papéis e identidades da Prostituta no contexto familiar. Rio de Janeiro, 2011, págs 28-29.
[11] CAVOUR, Renata Casemiro apud Bacelar. Mulheres de família: Papéis e identidades da Prostituta no contexto familiar. Rio de Janeiro, 2011, pág 28.
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