Autora: Bel.ª Lamanda Marques Muniz – Graduada em Direito pela FANESE – Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe. Atua como professora de cursos preparatórios para concurso públicos nas disciplinas de Direito Penal e Direito da Criança e do Adolescente. Email: lamanda.marques14@gmail.com.
Resumo: O advento de movimentos sociais trouxe nas últimas décadas conseqüências diretas a liberdade sexual, passando as relações sexuais a serem realizadas como uma forma de prazer humano e não mais com o intuito de procriação. Contudo, estas relações passam por diversas fases de consentimento, dentre elas, o consentimento ao uso de preservativos como forma de proteção a fim de que sejam evitadas gravidez indesejadas ou a transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis. Entretanto, essa evolução trouxe problemas antes não encontrados, como o chamado stealthing, prática sexual realizada quando um dos parceiros retira o preservativo no momento da relação sexual sem que haja o consentimento ou sequer o conhecimento da parceira, a qual toma conhecimento apenas após o fim do coito. O stealthing é visto por especialistas como uma violação sexual, buscando este trabalho de pesquisa a adequação da prática ao Direito Penal Brasileiro.
Palavra-chave: Stealthing. Fraude. Violência. Consentimento.
Abstract: In recent decades, the advent of social movements has had direct consequences for sexual freedom, with sexual intercourse becoming a form of human pleasure and no longer intended for procreation. However, these relationships go through several stages of consent, among them, consent to the use of condoms as a form of protection in order to avoid unwanted pregnancies or the transmission of Sexually Transmitted Infections. However, this evolution has brought about problems not previously found, such as the so-called stealthing, sexual practice performed when one of the partners withdraws the condom at the time of sexual intercourse without the consent or even the knowledge of the partner, who only becomes aware after the end coitus. Stealthing is seen by specialists as a sexual violation, seeking this research work to adapt the practice to Brazilian Criminal Law.
Keywords: Stealthing. Fraud. Violence. Consent.
Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais. 1.1. O Stealthing. 2. Adequação ao Direito Brasileiro. 2.1. A violação sexual mediante fraude. 2.2. O perigo de contágio venéreo. Conclusão. Referências.
Introdução
Os avanços de movimentos sociais e do empreendedorismo mudaram o cenário brasileiro nas últimas décadas em vários aspectos, o advento do feminismo e da luta por igualdade entre os sexos trouxeram transformações diretas na vida dos brasileiros, fazendo com que as novas gerações sejam de mulheres cada vez mais fortes e empodeiradas. Ainda, acompanhando o avanço da nova geração, a liberdade sexual feminina tem chamado atenção nos últimos anos, fazendo com que, com essa liberdade, o direito precise de uma nova adequação aos delitos que assim como os direitos, também tem surgido nos últimos anos.
As relações sexuais apesar de livres e de não punidas no direito brasileiros passam por diversas fases de consentimento, desde o momento em que parceiros – sejam eles do mesmo sexo ou de sexos distintos, resolvem manter tal ato sexual, até o final do coito. Dentre essas fases, o consentimento do uso de preservativos a fim de que sejam evitadas gravidez indesejadas ou a transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis é uma das mais importantes, contudo, nos últimos anos uma prática comum entre os jovens parceiros têm chamado atenção do mundo jurídico, o chamado Stealthing, o ato no qual um dos parceiros, sem o consentimento ou sequer o conhecimento do outro, retira o preservativo no momento da relação sexual – quebrando o acordo previamente estabelecido.
Apesar de comum entre os brasileiros, o Stealthing ainda não levou uma tradução fidedignas ao português, dificultando o seu conhecimento entre os brasileiros. Esse trabalho de pesquisa têm como objetivo principal a adequação do Stealthing ao direito penal brasileiro, a fim de que se possa buscar a devida punição para a ocorrência de tais delitos.
Em sua primeira seção, este trabalho de pesquisa científico buscará a conceituação e origem do termo Stealthing, a fim de que, apesar de não possuir tradução ao português brasileiro, possa haver o esclarecimento do modus operandi pelo qual a prática sexual é realizada. Em seção subseqüente, buscaremos a adequação da prática sexual aos delitos encontrados no rol do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1964), demonstrando as mais diversas possibilidades de tipificação da conduta. Utilizou-se, para a busca e compreensão dessa pesquisa, a metodologia descritiva bibliográfica.
A prática de relações sexuais sofreu uma grande mudança nas últimas décadas, com o avanço de movimentos sociais como o feminismo[1], os atos sexuais deixaram de ser realizados com o intuito apenas de procriação ou como uma obrigação conjugal entre os cônjuges e companheiros, e passou a ser encarado como uma forma de prazer humana, seja ele realizado entre parceiros heterossexuais ou homossexuais, contudo, com o advento dessa liberdade sexual, surgiram também alguns problemas antes inexistentes.
O início de uma relação sexual entre parceiros sejam eles do mesmo sexo ou de sexos distintos, passa por diversas fases de consentimento, desde o primeiro momento em que decidem manter a relação sexual ao fim da prática do coito. Nos últimos anos, com o surgimento das IST[2] – Infecções Sexualmente Transmissíveis, o uso de preservativos[3], sejam eles femininos ou masculinos, passou a ser considerado como indispensável, sendo, o momento de consentimento do uso, uma das fases de anuência de manter uma relação sexual de forma segura e saudável com o parceiro.
Contudo, a quebra desse consentimento, é de se dizer, desse vínculo de confiança entre os parceiros, além de constituir uma violação moral, constitui também uma violação sexual. Ao longo dessa pesquisa científica, buscaremos as adequações penais as quais o stealthing poderá ser enquadrado, em tempo, inicialmente, deveremos conceituá-lo.
1.1. O Stealthing
Nos últimos anos, uma prática sexual tem chamado atenção, principalmente pelo rompimento do consentimento do uso de preservativos e pela continuação do ato sexual sem que uma das partes saiba que houve essa quebra, mantendo o parceiro o ato sexual de forma que a outra parte da relação não tenha conhecimento da quebra dessa condição. Essa prática sexual leva o nome de Stealthing, originário do Stealth, que significa furtivo, oculto (2018), onde, em tradução ao português poderia ser considerado com uma dissimulação, visto que, durante o momento da realização da relação sexual entre parceiros, sem o consentimento do outro, um deles retira o preservativo ou perfura, causando ao outro que podem ser considerados danos irreparáveis, que vão desde danos a saúde mental até mesmo a saúde física. (CABETTE; CUNHA, 2017).
Acerca do tema, Isabela Guarino Tancredo e Pedro Pulzatto Peruzzo (2018) lecionam que no momento da prática sexual de onde decorre o stealthing, ocorre como consequência uma modificação feita de forma unilateral nos termos do contrato verbal que é estabelecido entre as partes no momento da livre decisão de manter relações sexuais, visto que essa manifestação volitiva havia sido expressada pela vítima, tornando-a maculada no momento em que o parceiro remove o preservativo e com isso altera as condições essenciais ao consentimento.
O Stealthing ganhou visibilidade no mundo jurídico inicialmente por conta de um estudo realizado pela advogada americana Alexandra Brosky para o periódico científico de Columbia Journal of Gender na Law denominado de “Rape-Adjancent: Imagining Legal Responses to Nonconsensual Condom Removal” que poderia ser traduzido para o português como sendo “Análogo ao estupro: imaginando respostas para a remoção não consensual de preservativo” (2018), a pesquisadora afirmou que existem, ainda, grupos e comunidades na rede mundial de computadores onde as pessoas que praticam o stealthing se reúnem e compartilham informações que acerca da retirada e o estouro dos preservativos durante a relação sexual, onde, apesar da sua realização poder ser feita por ambos os sexos, as mulheres são, em sua grande maioria, as potenciais vítimas da violência sexual. (2017)
Em publicação realizada na rede social Instagram de um usuário denominado @naoe.amor[4] acerca do tema, vários são os comentários de mulheres relatando terem sofrido a prática de stealthing, onde as vítimas relatam que, por diversas vezes como consequência da prática do ato, contraíram gravidez indesejada ou Infecções Sexualmente Transmissíveis – ITS, relatando ainda que sequer possuíam conhecimento de que o ato realizado seria uma prática sexual comum, da sua denominação como stealthing ou ainda, que o ato seria considerado crime no Direito Penal Brasileiro. Em tempo, por conta da privacidade dessas vítimas, seus nomes e comentários não serão inseridos nesta pesquisa científica.
Posto isto, apesar de prática reiterada de casos da violência sexual, não existem estatísticas brasileiras sobre o número de ocorrências de stealthing que tenham acontecido no país, visto que por não possuir uma denominação em português a prática ainda é pouco reconhecida como um delito sexual entre as possíveis vítimas, havendo por conta disto uma sub-notificação dos casos, o que dificulta, principalmente, a sua punição. (2018)
Conforme visto anteriormente, várias são as conseqüências que a prática sexual pode gerar à vida da vítima, que além de uma gravidez não desejada, poderá ser-lhe ainda transmitida uma Infecção Sexualmente Transmissível – IST, contudo, haja ou não uma transmissão, a prática de ato sexual com vício em seu consentimento enseja em um delito penalmente punível pelo Direito Brasileiro, havendo, em cada caso, uma adequação específica. Contudo, é de extrema importância que se ressalte que, diferentemente do periódico publicado pela advogada americana anteriormente citado, outros são os diplomas legais brasileiros que mais se adequarão ao caso, as quais, veremos a seguir.
O ato sexual não é punido no direito brasileiro, segundo Malveira (2013) apud Rangel (2017) “o direito à sexualidade não denota apenas a prática do sexo em si, mas também, da abstinência até a liberdade de dispor por do seu corpo, é o direito de exercer a sua sexualidade da forma (…) que mais lhe trouxer prazer”. Ou seja, a realização da prática sexual, desde que consentida entre as partes, não é penalmente punível. Contudo, no momento em que há uma quebra desse consentimento, por qualquer forma, deve-se então o Estado intervir nesta liberdade.
Durante a realização da prática de relações sexuais onde há o stealthing, existe uma quebra nesse consentimento, de modo que a relação sexual iniciada é marcada pela anuência de ambas as partes de que tal ato só seria realizado com o uso do preservativo, onde, no momento em que uma das partes quebra esse vínculo de confiança e mantém a relação sexual sem que o parceiro tenha conhecimento e possa consentir com a continuação desse ato eivado de vício, temos então a caracterização de delitos penais plenamente puníveis, os quais verão a seguir.
Em tempo, é importante que se ressalte que à luz da Lei 11.340/06, em seu artigo 7°, inciso III, o stealthing poderia ser considerado como uma forma de violência doméstica e familiar, vejamos “a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.”
Posto isto, visto que no stealthing o parceiro mantém relação sexual de utilizando-se de impedimento que a parceira utilize o método contraceptivo ao qual anteriormente se convencionou a usar, é plenamente possível a aplicação da Lei 11.340/06 ao caso concreto, contudo, conforme veremos a seguir, existem outras tipificações as quais também se adequarão ao caso.
Contudo, apesar de ter havido a tipificação de estupro no estudo realizado pela advogada americana, o delito do artigo 213[5] do Código Penal (BRASIL, 1964) não é o que mais se adéqua ao caso, visto que são ausentes os meios necessários par a execução do delito, quais sejam, a violência física ou moral – visto que o ato sexual do qual deriva o Stealthing é realizado de forma consentida, havendo, contudo, fraude no momento de sua execução. (CABETTE; CUNHA, 2017). Contudo, conforme pontuado pela pesquisadora Bruna Conceição Ximenes de Araújo (2019), a qual acrescenta de forma excepcional que caso a retirada do preservativo para a manutenção da relação sexual seja realizado com violência ou grave ameaça a pessoa, estaria configurado o delito de estupro.
Posto isto, é necessário que se esclareça que apesar de não ser podido o enquadramento da conduta no delito de estupro, existe a possibilidade de enquadramento da conduta em dois delitos existentes no diploma penal brasileiro (BRASIL, 1964), os quais se diferenciarão na existência ou não de consequência do stealthing após a realização do ato sexual, ou seja, caso o delito traga como consequência a transmissão de Infecção Sexualmente Transmissível – IST, estaremos diante do delito de perigo de contágio venéreo, contudo, caso não haja transmissão ou mesmo o perigo desta, estaremos diante do delito de violação sexual mediante fraude, o qual, veremos a seguir.
3.1 A violação sexual mediante fraude
Inicialmente, devemos relembrar que a realização da prática do ato sexual onde se decorre o stealthing, não ocorre com vício inicialmente – o ato sexual é realizado com o consentimento de ambas as partes, contudo, há uma condição de realização deste ato: que o mesmo seja realizado com a utilização de preservativo. Entretanto, quando uma dessas partes quebra o acordo previamente estabelecido sem que a outra parte possa ter conhecimento no momento, a fim de que escolha se deseja ou não continuar a realização da prática sexual, caracteriza-se o delito tipificado no artigo 215 do Código Penal Brasileiro (1964), vejamos, in verbis:
“Artigo 215 – Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena: Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único: Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.”
Posto isto, deve-se esclarecer que o delito de violação sexual mediante fraude é também denominado pela doutrina como estelionato sexual, visto ser o delito realizado por meio de fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima. No delito, o agente utiliza de fraude para enganar a vítima sobre a sua identidade, fazendo com que a mesma acredite ser ele outra pessoa ou a engana acerca da legitimidade do ato sexual – ambos são utilizados a fim de que a vítima consinta com a prática do ato sexual, contudo o seu consentimento é eivado de vício, visto que se tivesse o real conhecimento acerca da realidade, não teria consentido com tal prática sexual. (SALIM; AZEVEDO, 2017, p. 475-476)
No stealthing, o parceiro se utiliza da fraude para praticar a conjunção carnal ou o outro ato libidinoso com a vítima, aproveitando-se do erro da parceira para a continuação da prática do ato sexual, visto que, caso a mesma soubesse que o ato sexual estaria sendo realizado sem o preservativo, não consentiria com a sua continuação. Ainda, segundo Anna Carolina Brochini Nascimento Gomes (2018), é possível a aplicação do stealthing na violação sexual mediante fraude, pois o fato caracterizaria uma fraude com o ato de supressão feito de forma clandestina do preservativo, cabendo ainda existe o dolo inicial do agente que contemplaria uma supressão a posteriori do preservativo.
Ao lecionar acerca do tema, Isabela Guarino Tancredo e Pedro Pulzatto Peruzzo (2018) afirmam não haver a possibilidade de utilização do delito de violação sexual mediante fraude ao caso, visto que segundo os pesquisadores, o delito “pressupõe o uso, em momento anterior à relação, de artifícios fraudulentos que impeçam a vítima de manifestar consentimento livre de vícios, induzi-la e mantê-la em erro para a prática do ato sexual.” Contudo, posicionamento este ao qual não nos filiamos, visto que, nada impede que a fraude seja utilizada para a manutenção da relação sexual, onde, no momento que o agente retira o preservativo sem o conhecimento do parceiro que já havia dado um consentimento de que a relação não poderia ser realizada daquela forma, ocorre a violação sexual mediante fraude por não haver a possibilidade da vítima de manifestar a sua vontade na manutenção daquela relação sexual.
3.2 O perigo de contágio venéreo
Conforme anteriormente tratado, a prática de relações sexuais não é punida pelo Direito Penal brasileiro, entretanto, o ato sexual com vício poderá acarretar a criminalização desse agente por violação sexual mediante fraude. Em tempo, caso a retirada do preservativo seja realizado com o intuito de que seja transmitida Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST, (ARAÚJO, 2019) a conduta realizada pelo agente estaria diante do delito de perigo de contágio venéreo, a qual encontra-se no artigo 130 do Código Penal (BRASIL, 1964), vejamos:
“Artigo 130 – Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer outro ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Pena: reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Conforme visto acima, o delito de Perigo de Contágio Venéreo (BRASIL, 1964, art. 130) se caracteriza quando parceiros, autor e vítima, mantêm uma relação sexual, sendo ela por conjunção carnal, coito anal, sexo oral ou por quaisquer outros atos que possam colocá-la em perigo de contaminação venérea, mediante a prática de relação sexual ou outro ato libidinoso. Contudo, a fim de restringirmos à esse trabalho de pesquisa, o crime do artigo 130 do diploma penal brasileiro (BRASIL, 1964) estaria caracterizado se por meio da relação sexual, o parceiro retirasse ou furasse o preservativo sem o consentimento da vítima, e que, como consequência desta retirada, a vítima viesse a se contaminar com tal doença. (SALIM; AZEVEDO, 2017, p. 121)
Ainda segundo Alexandre Salim e Marcelo André de Azevedo (2017, p. 121-124) que discorrem acerca do tema de maneira majestosa, é necessário que se esclareça que é irrelevante para a caracterização do delito que a vítima tenha conhecimento ou que possa saber da contaminação do parceiro, sendo o delito consumado mesmo que haja um consentimento expresso ou tácito desta, sendo irrelevante ainda que a vítima venha ou não a ser contaminada, bastando, para a consumação do tipo penal, que tal vítima seja exposta ao perigo da contaminação. Entretanto, é necessário para que o fato seja adequado como crime que o parceiro contaminado tenha ter conhecimento de que está contaminado com tal doença e que, tenha a intenção de transmissão de tal moléstia.
Visto que, caso o agente ao cometer stealthing esteja contaminado com Infecção Sexualmente Transmissível – IST e faz a retirada do preservativo, só será aplicado unicamente o delito de perigo de contágio venéreo separadamente do delito de violação sexual mediante fraude, caso a vítima perceba que o preservativo está sendo retirado e sem ter conhecimento da condição de saúde em que detém seu parceiro, não se opõe a continuação da realização do ato sexual. (CABETTE; CUNHA, 2017)
Entretanto, existe a necessidade de que se especifique que não é possível a aplicação do delito caso a transmissão seja do Vírus da Imunodeficiência Humana – HIV, visto que, segundo o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC 160.982/DF, a prática de relação sexual com a finalidade de transmissão do vírus da AIDS por parte de um dos parceiros não poderá ser considerado como o delito de perigo de contágio venéreo, visto que a transmissão de forma dolosa de uma doença que seja considerada incurável deve ser apenada com o tratamento mais rigoroso do que simplesmente com o perigo de contaminação do parceiro, e sim constituirá o delito de lesão corporal de natureza grave.
Em tempo, apesar das duas possíveis adequações penais ao tema, não existem registros de julgamentos ou condenações de stealthing no país, problemática esta que poderá ter se dado pela desinformação acerca do tema, ou ainda por conta do machismo enraizado na cultura brasileira.
Conclusão
Fruto de diversas conquistas sociais e de gênero ocorridas nas últimas décadas, às mulheres garantiram o direito à liberdade sexual e ao próprio corpo, contudo, conforme demonstrado ao longo dessa pesquisa científica, o consentimento no momento de uma relação sexual é violado com a prática do stealthing. Apesar de a prática sexual ainda não possuir denominação traduzida ao português brasileiro, o stealthing é mais comum do que o esperado e conforme demonstrado, criminoso – contudo, apesar disto, nenhuma condenação foi encontrada até o momento, sendo esta fruto, ainda, da desinformação.
Surgindo nos Estados Unidos, o stealthing se caracteriza quando o parceiro retira, sem o conhecimento e consentimento da parceira, o preservativo no momento da relação sexual que era condicionada ao seu uso, continuando a prática do ato sexual sem que a parceira tome conhecimento de que tal ato é realizado com vício.
Por conta do vício do consentimento da parceira, e da realização da retirada tendo sido feita de forma clandestina, o stealthing possui como tipificação penal primeira a de violação sexual mediante fraude, visto que, quando condicionado ao seu uso e sem que a parceira possa opinar, a retirada vicia o seu consentimento, visto que, caso tivesse conhecimento de tal fraude, não anuiria com a sua continuação, sendo então a prática do ato eivada de fraude.
Contudo, caso a retirada do preservativo tenha sido realizada com o intuito de transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis, afastar-se-á a tipificação pelo delito de violação sexual mediante fraude e caracterizar-se-á então o delito de perigo de contágio venéreo que, conforme visto no bojo da pesquisa, será caracterizado independentemente de a vítima ter conhecimento da Infecção do parceiro. Em tempo, ressalta-se ainda que conforme julgado do Superior Tribunal de Justiça, não poderá caracterizar-se o delito caso a transmissão tenha sido do Vírus da Imunodeficiência Humana – HIV, visto que, neste, caracterizar-se-á então o delito de lesão corporal grave.
Por fim, demonstrou-se então duas possíveis adequações ao Direito Penal Brasileiro, quais sejam, os de Violação Sexual Mediante Fraude e o Perigo de Contágio Venéreo, afastando-se porém a possibilidade de aplicação de Estupro aos casos de Stealthing, visto haver a inexistência de violência ou grave ameaça para a sua caracterização, havendo, contudo, um consentimento dado de forma viciada.
REFERÊNCIAS
A perigosa (e criminosa) prática sexual do ‘stealting’. Veja. Abr. 2017. Disponível em: https://veja.abril.com.br/saude/nova-pratica-sexual-coloca-saude-em-risco/. Acesso em: 05 mar. 2020.
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[1] “É um movimento social que (…) luta pela igualdade de condições entre homens e mulheres, no sentido de que ambos tenham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades.” (S.I)
[2] Segundo o Ministério da Saúde, o termo ITS – Infecções Sexualmente Transmissíveis “passou a ser adotado em substituição à expressão DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis, porque destaca a possibilidade de uma pessoa ter e transmitir uma infecção, mesmo sem sinais e sintomas.” (2019)
[3] Preservativo, também conhecido como camisinha, “é um método contraceptivo do tipo barreira, feito de látex ou poliuretano, impede a ascensão de espermatozóides ao útero, prevenindo uma gravidez não planejada. Também é eficiente na proteção contra doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)”. (2019)
[4] Você sabe o que é o Stealthing? 04 de março de 2020. Disponível em: https://www.instagram.com/p/B9UO0siJPPm/. Acesso em: 05 de março de 2020.
[5] Artigo 213 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Pena: Reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. §1° – Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maio de 14 (catorze) anos. Pena: Reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. §2° – Se da conduta resulta mote. Pena: Reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
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