Resumo: Este artigo visa ao estudo dos procedimentos de investigação policial dos crimes de lavagem de dinheiro, que pode ser considerado uma atividade criminosa contemporânea, uma vez que os perpetradores deste tipo de atividade ilegal se utilizam de métodos sofisticados de comunicação eletrônica por meio de modernos instrumentos tecnológicos, o que dificulta bastante à atividade policial. Os crimes de lavagem de dinheiro são extremamente dinâmicos e perniciosos para a sociedade, consistindo em ocultar os bens e valores obtidos ilegalmente em ativos lícitos, sendo diretamente inseridos no mercado formal e legal. A ligação das organizações criminosas com a lavagem de dinheiro acabou fazendo com que este crime adquirisse uma maior expressão na sociedade. Dessa forma, o esclarecimento das práticas e das técnicas de lavagem de capitais constitui uma importante ferramenta no combate ao crime organizado. O Estado é o aparato administrativo que detém o monopólio da investigação e da punição legal aos indivíduos de uma sociedade. Entretanto, apenas a criação de uma legislação pertinente à lavagem de dinheiro não cria, sozinha, um ambiente de combate e mitigação desse tipo de crime. Faz-se necessário a criação de técnicas policiais no intuito de reduzir esta prática, trazendo os perpetradores a luz da justiça criminal.
Palavras-chave: Crimes Financeiros. Lavagem de dinheiro. Investigação criminal.
Abstract: This paper aims to study the techniques and practices of police investigation of crimes of money laundering that may be considered a contemporary criminal activity, since the perpetrators of such illegal activity make use of sophisticated methods of electronic communication with modern technological instruments, which make it very difficult the police activity. The crimes of money laundering are extremely dynamic and harmful to society, consisting in hiding the values and assets illegally obtained in assets lawful, being directly inserted in the formal and legal market. The connection of the criminal organizations with money laundering just made that this crime acquired a greater voice in society. In this way, clarification of practices and techniques of money laundering is an important tool in fighting criminal organizations. The State is the administrative apparatus that has the monopoly of the investigation and legal punishment to individuals of a society. However, only creating legislation against money laundering does not create, alone, an environment of combat and mitigation of this type of crime. It is necessary the creation of techniques and police methods in order to reduce this practice, bringing the perpetrators of this activity to the light of criminal justice.
Key words: Financial Crimes. Money Laundering. Criminal Investigation.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. Lavagem de dinheiro. 2.2. Métodos de investigação. 3. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Vive-se numa época em que se fala praticamente apenas dos “direitos humanos e das garantias individuais”, esquecendo-se do outro lado, aonde se encontram os cidadãos responsáveis e que cumprem com seu dever na vida em sociedade. Estes são diuturnamente ultrajados por criminosos que utilizam as mais variadas formas de ludibriar os órgãos policiais para causar danos irreparáveis à comunidade. Nesse diapasão, verifica-se a cada dia o aumento dos crimes financeiros e econômicos, praticados com a finalidade de legalizar o lucro obtido por atividades criminosas.
Ao processo de legalização dos lucros obtidos através de ações delitivas dá-se o nome de “Lavagem de Dinheiro”. A prática de dissimular ou ocultar a origem ilícita de bens e valores obtidos com o crime não é recente, mas a lavagem de dinheiro em larga escala nos mercados financeiros internacionais é um fenômeno relativamente novo, remontando as últimas três décadas, e tem despertado uma crescente preocupação da comunidade internacional. Tanto é assim que o assunto deixou de ser tratado apenas na esfera jurídica e passou a ser analisado também sob o ponto de vista econômico.
Embora esta atividade ilícita tenha sido tipificada há poucos anos, a lavagem de capitais é praticada há muitos séculos, desde quando foi praticado o primeiro crime com resultados financeiros e se buscou dar a esses recursos uma aparência de legalidade e legitimidade.
Segundo Silva (2001), lavagem de dinheiro é “a expressão que passou a ser utilizada para designar o dinheiro ilícito com aparência de lícito, ou seja, o ‘dinheiro sujo’ transformado em ‘dinheiro limpo’, ou, ainda, o ‘dinheiro frio’ convertido em ‘dinheiro quente’, com a ocultação de sua verdadeira origem”.
A lavagem de dinheiro tornou-se um grande desafio a ser enfrentado pelos Governos de todo o planeta, principalmente em relação ao volume do fluxo mundial de dinheiro sujo por ela movimentado. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC – United Nations Office on Drugs and Crime) conduziu um estudo para determinar a magnitude dos fundos ilícitos gerados pelo tráfico de drogas e outras organizações criminosas e qual a extensão desses fundos que são “lavados”. O estudo apontou que, em 2009, aproximadamente 3,6% do PIB mundial (aproximadamente US$ 2 trilhões) são provenientes dessas atividades ilícitas, sendo que US$ 1 trilhão é proveniente de corrupção; de US$ 300 a US$ 400 bilhões, de drogas; e entre US$ 300 a US$ 400 bilhões, do tráfico de armas. O restante equivale a tráfico de seres humanos, contrabando e roubo de carga. O percentual efetivamente tornado licito (“lavado”), fica em torno de 2,7% do PIB mundial, perfazendo o valor aproximado de US$ 1,5 trilhão.
Essa expressiva quantidade de dinheiro movimentado demonstra que, diferentemente do que se imaginava anteriormente, a lavagem de dinheiro vem sendo adotada não só por narcotraficantes, mas também por organizações criminosas que atuam em diversos tipos de crimes, como por exemplo aqueles contra a administração pública, tráfico de armas, tráfico de pessoas, extorsões mediante sequestro, roubos, crimes contra a propriedade intelectual, entre outros.
Em reportagem realizada pelo Jornal Estadão, fica claro o panorama da questão de lavagem de dinheiro no país:
“O volume de recursos públicos desviados no País fez surgir uma sofisticada indústria de lavagem de dinheiro a serviço de políticos, empresários e servidores públicos. A lavanderia brasileira tem hoje estrutura profissional, com métodos cada vez mais difíceis de serem descobertos. Na avaliação de investigadores, os crimes contra a administração pública direcionam mais recursos sujos para a lavagem que o tráfico de drogas – que tradicionalmente movimenta somas expressivas e sempre desafiou as autoridades de combate a ilícitos. Só nos inquéritos em curso a Polícia Federal apura, atualmente, desvios de R$ 43 bilhões dos cofres da União. Desse total, R$ 19 bilhões se referem às perdas da Petrobras investigadas na Operação Lava Jato.” (MATAIS, Andreza e FABRINI, Fábio. Corrupção turbina indústria bilionária de lavagem de dinheiro no País. Estadão, São Paulo, em 04 de julho de 2015.)
Os efeitos destrutivos e perniciosos da lavagem de dinheiro, antes restritos a determinados países e regiões, hoje atravessam fronteiras, desestruturando atividades econômicas e a ordem pública interna de determinados Estados. Esses efeitos podem ser atribuídos a organizações criminosas internacionais fortemente estruturadas que praticam infrações graves, visando o lucro fácil e o proveito político através de sofisticadas operações financeiras e comerciais.
A lavagem de dinheiro não é simplesmente um comércio ilegal, mas um mecanismo insubstituível para qualquer tipo de negócio ilícito. O dinheiro sujo que é “lavado” é um espelho do submundo na economia formal global.
Este crime merece séria consideração sob dois principais aspectos. Primeiro, permite a traficantes, contrabandistas de armas, terroristas ou funcionários corruptos – entre outros – continuarem com suas atividades criminosas, facilitando seu acesso aos lucros ilícitos. Além disso, mancha as instituições financeiras e, se não controlado, pode minar a confiança pública em sua integridade.
O objetivo do presente trabalho é elucidar sobre as principais técnicas investigativas nos crimes de lavagem de dinheiro, com enfoque nas atividades das instituições e organizações responsáveis pelo combate deste tipo de atividade ilegal.
2.DESENVOLVIMENTO
2.1 LAVAGEM DE DINHEIRO
2.1.1. Origens Históricas
Existem diversas teorias acerca do início dos crimes de lavagem de dinheiro no mundo. Uma das teorias mais aceitas é que deu incio data do século XVII, na Inglaterra, através da mercância ocorrida nas embarcações piratas. Devido ao alto dispêndio na manutenção de um navio de grandes proporções, com todos os seus gastos com alimentação da tripulação, estocagem e aquisição de armas e munições, entre outros, os piratas saqueavam as embarcações paradas nos portos ou em alto-mar. Dessa forma, eram roubadas munições, vinho, cerveja, roupas e outros assesórios necessários para suas viagens posteriores.
Os piratas daquela época mantinham um esquema de lavagem de dinheiro parecido com o que ocorre atualmente. Eles depositavam os ganhos dos roubos e saques (mercadorias como moedas, peças de ornamentação em ouro e prata etc.) com mercadores americanos que as trocavam por moedas mais caras. As cargas furtadas e roubadas dos navios eram muito procuradas pelos mercadores, uma vez que os piratas atuavam livremente nos portos e mares e os governos da época não se empenhavam em combater esse tipo de prática, fazendo com que as mercadorias fossem facilmente aceitas e trocadas.
A integração dos fundos se tornava importante quando o pirata resolvia terminar as suas atividades ilegais e se aposentar da vida do crime. Eles voltavam para os portos Ingleses com uma gama considerável de dinheiro amealhado com os mercadores americanos, que aparentava ser oriunda da realização de negócios legítimos (MENDRONI, 2006).
A expressão lavagem de dinheiro foi criada por volta da década de 20 do século passado, tendo sua origem nos Estados Unidos como Money Laundering. Essa expressão inglesa deve-se ao fato de que o dinheiro sujo, obtido ilegalmente, deve ser branqueado ou lavado. Nesta época, tem-se como referência diversos grupos mafiosos atuando nos EUA. Um ícone deste tempo é o lendário mafioso ítalo-americano Alphonsus Gabriel Capone, mais conhecido como Al Capone. Esse gangster americano atuava em diversas atividades ilícitas, como por exemplo a exploração do tráfico de bebidas alcoólicas durante a denominada Lei Seca, prostituição, assassinatos, extorsão, entre outros crimes.
Com o objetivo de facilitar a colocação dos valores obtidos criminosamente em circulação, Al Capone adquiriu uma cadeia de lavanderias (laundromats) da marca Sanitary Cleaning Shops. Esta fachada legal lhe permitiu fazer depósitos bancários de notas de baixo valor nominal, habituais nas vendas de lavanderia, mas resultantes das suas atividades ilegais. Dessa forma, conseguiu dar uma aparência legal ao dinheiro que fora obtido de forma irregular, ludibriando os órgãos de fiscalização e controle.
Nos anos 60, o tráfico de drogas começou a se espalhar fortemente pelo mundo, mostrando-se uma grande fonte de lucratividade para os traficantes, o que ocasionou um fortalecimento das técnicas e os modos de lavagem de dinheiro. Os bancos comerciais eram a melhor forma de inserção dos valores ilícitos no mercado financeiro legal. Para evitar tal ocorrência, em 1970, os Estados Unidos (EUA) publicaram a Lei do Sigilio Bancário, que estabelecia aos bancos e às demais instituições financeiras uma obrigação de informar ao governo federal daquele país todas as transações em dinheiro com valores superiores a US$ 10 mil (dez mil dólares). Em 1986, os EUA editaram a Money Laudering Act Control, tipificando pela primeira vez a conduta de lavagem de dinheiro como criminosa.
Em 20 de dezembro de 1988, foi promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma reunião para debater os crimes de tráfico de entorpecentes e substâncias psicotrópicas. A essa reunião deu-se o nome de Convenção de Viena, em homenagem a cidade onde ocorreu o evento. Cabe ressaltar que a lavagem de dinheiro estava principalmente ligada às atividades ilegais oriundas dos crimes de tráfico de drogas por todo o mundo. Dessa forma, a Convenção de Viena se tornou um instrumento internacional para o combate ao tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, necessário diante da intensificação desses crimes e o enorme volume de recursos a eles relacionados que passaram a circular no sistema bancário legal.
Nessa convenção foi criada a Financial Action Task Force on Money Laundering (FATF) com a finalidade de desenvolver e coordenar uma resposta internacional para os crimes de lavagem de capitais. Uma das primeiras tarefas da FATF foi desenvolver recomendações para estabelecer as medidas governamentais que os Estados deveriam tomar para implementar um programa efetivo no combate a este crime. Foram criadas 40 recomendações. As 40 Recomendações do FATF constituem-se como um guia para que os países adotem padrões e promovam a efetiva implementação de medidas legais, regulatórias e operacionais para combater a lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e o financiamento da proliferação, além de outras ameaças à integridade do sistema financeiro relacionadas a esses crimes.
Devido à rápida compreensão da expressão “Lavagem de Dinheiro”, mesmo para o público leigo, ela foi incorporada por diversos países, tais como Portugal (Branqueamento de Capital), França e Bélgica (Blanchiment d´Argent), Itália (Reciclagio del Denaro), Espanha (Blanqueo de Dinero) e Colômbia (Lavado de Activos).
No Brasil, o combate aos crimes de lavagem de dinheiro passou basicamente por três gerações. Na primeira geração, o crime era caracterizado pelas ações de tornar lícito ou com aparência de lícito os valores provenientes exclusivamente do tráfico de entorpecentes. Na segunda geração, além do tráfico de drogas, o crime de lavagem de dinheiro era realizado através de outros crimes tipificados em um rol taxativo (era o artigo 1º da lei 9.613/98 antes da alteração de 2012). Na atual terceira geração, com a alteração trazida pela lei 12.683/12, a lavagem de dinheiro poderá ser decorrente de qualquer infração penal.
A nova legislação retira o rol taxativo de crimes antecedentes existentes na lei antiga, permitindo que se configure como crime de lavagem a dissimulação ou ocultação da origem de recursos provenientes de qualquer tipo de infração penal, podendo ser de crime ou contravenção penal. Essa mudança possibilitou até mesmo o combate ao jogo do bicho e a exploração de máquinas caça níqueis.
A nova lei também ampliou o rol das pessoas obrigadas a enviar informações sobre operações financeiras suspeitas ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e alcança, por exemplo, doleiros empresários que negociam atletas, entre outras atividades.
A despeito das inúmeras definições existentes de lavagem de dinheiro, e das pequenas variações que a expressão possa ter de um país para outro, todas, sem exceção, referem-se à intenção de ocultar a origem ilegal de recursos para que, num momento posterior, eles possam ser reintroduzidos na economia revestidos de legitimidade.
2.1.2. O que é “Lavagem de Dinheiro”?
Pela definição mais comum, lavagem de dinheiro é o processo pelo qual o criminoso transforma recursos ganhos em atividades ilegais em ativos com uma origem aparentemente legal. Essa prática geralmente envolve múltiplas transações, usadas para ocultar a origem dos ativos financeiros e permitir que eles sejam utilizados sem comprometer os criminosos. A dissimulação é, portanto, a base para toda operação de lavagem que envolva dinheiro proveniente de um crime antecedente.
Nas palavras do estudioso Peter Lilley:
“A Lavagem é o método por meio do qual os recursos provenientes do crime são integrados aos sistemas bancários e ao ambiente de negócios do mundo todo: o dinheiro ´negro´ é lavado até ficar mais branco. É através deste processo que a identidade do dinheiro sujo –ou seja, a procedência criminosa e a verdadeira identidade dos proprietários desses ativos – é transformada de tal forma que os recursos parecem ter origem em uma fonte legítima. As fortunas criminosamente amealhadas, mantidas em locais e/ou moedas instáveis, são metamorfoseadas em ativos legítimos que passam a ser mantidos em respeitáveis centros financeiros. Dessa forma, as origens dos recursos desaparecem para sempre e os criminosos envolvidos podem colher os frutos de seu (des)honrado esforço. O dinheiro é o sangue vital de todas as atividades criminiosas; o processo de lavagem pode ser encarada como o coração e os pulmões de todo o sistema, já que permitem que o dinheiro seja depurado e colocado em circulação pelo organismo todo, garantindo assim sua saúde e sobrevivência.” (LILLEY, Peter, 2001)
Para Celso Sanchez Vilardi, a lavagem de dinheiro é conceituada como:
“A lavagem de dinheiro é o processo no qual o criminoso busca introduzir um bem, direito ou valor oriundo de um dos crimes antecedentes na atividade econômica legal, com a aparência de lícito (reciclagem).” (VILARDI, Celso Sanchez, 2004)
Para dissimular a origem dos recursos amealhados ilicitamente sem comprometer a identidade dos criminosos envolvidos na operação, é necessário que a lavagem de dinheiro seja efetuada através de um processo dinâmico tendo como requisitos os seguintes: o afastamento dos fundos de sua origem, impedindo uma ligação direta deles com o crime; o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o rastreamento desses recursos; o retorno do dinheiro aos criminosos após ele ter sido satisfatoriamente movimentado no ciclo de lavagem a ponto de poder ser considerado “limpo”.
Para efetuar esse processo dinâmico, os mecanismos mais usados no processo de lavagem de dinheiro envolvem três estágios independentes que, não raro, se dão simultaneamente. São eles: colocação, ocultação e integração.
2.1.2.1. Colocação (Placement)
A colocação consiste na entrada do conjunto de capitais ilícitos no sistema econômico formal mediante depósitos, compra de instrumentos negociáveis ou compra de bens. Para isso, utilizam-se as atividades comerciais e as instituições financeiras, tanto bancárias como não bancárias, para introduzir montantes em espécie, geralmente divididos em pequenas somas no circuito financeiro legal.
Ainda que a lavagem de dinheiro possa ser efetuada em qualquer lugar, há, evidentemente, uma preferência pelos países que possuem regras mais permissivas e/ou um sistema financeiro considerado liberal. Outro aspecto também considerado é o empenho das autoridades no controle das operações financeiras: quanto menor a possibilidade de identificação e incriminação dos envolvidos, melhor. De todo o processo, esta é a etapa que oferece mais risco para os criminosos, tendo em vista a proximidade do dinheiro com as suas origens.
2.1.2.2. Ocultação (Layering)
A ocultação consiste em dificultar o rastreamento dos recursos ilícitos. Nesta etapa, o agente desassocia o dinheiro de sua origem, passando-o por uma série de transações, conversões e movimentações diversas. O objetivo é quebrar a cadeia de evidências ante a possibilidade da realização de investigações sobre a origem do dinheiro, buscando os criminosos movimentá-lo de forma eletrônica, transferindo os ativos para contas anônimas ou de "laranjas". Por razões óbvias, estas operações são preferencialmente executadas em países que adotam leis de sigilo bancário. No processo de transferência, o dinheiro ilícito mistura-se com quantias movimentadas legalmente de forma a ser "embaralhado" e ter a sua origem confundida.
2.1.2.3. Integração (Integration)
A integração é a etapa final do esquema de lavagem de dinheiro. O agente cria justificações ou explicações aparentemente legítimas para os recursos lavados e os aplica abertamente na economia legítima, sob forma de investimentos ou compra de ativos. Nesta última etapa, o dinheiro é incorporado formalmente aos setores regulares da economia. Esta integração permite criar organizações de fachada que prestam serviços entre si. As organizações criminosas buscam investir em negócios que facilitem suas atividades e, uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais fácil legitimar o dinheiro ilegal.
2.1.3. Técnicas mais utilizadas na Lavagem de Dinheiro
Existem diversas técnicas para se lavar o dinheiro obtido de forma ilícita, no entanto, as mais utilizadas são:
i. Estruturação – nesta técnica, o agente reparte o montante que obteve ilicitamente em diversas quantias permitidas pela legislação e as insere no mercado financeiro por meio de depósitos em inúmeras contas e datas de depósitos variadas.
ii. Mescla ou Empresa de fachada – nesse procedimento, o criminoso mistura os recursos obtidos ilicitamente com recursos legítimos de uma empresa legalmente constituída que, aparentemente, atua em uma atividade lícita e legítima, de modo que o faturamento da empresa seja fraudado pelo valor dos recursos ilícitos.
iii. Compra de Bens – o agente compra bens móveis e imóveis (por exemplo carro, aeronaves, barcos, casas, entre outros) ou instrumentos monetários (ações, traveller checks) e declara ter pago um valor bem menor do que realmente vale. Com o recibo fraudulento em mãos, o agente vende os bens pelo valor real que possui e declara que o ganho obtido foi lícito.
iv. Contrabando de dinheiro – nesta técnica o criminoso efetua o transporte físico do dinheiro oriundo das atividades ilegais para um outro país e, uma vez no país de destino, troca-o por outra moeda e o deposita em contas bancárias deste país, rompendo assim o nexo entre o dinheiro e o negócio ilícito antecedente.
2.1.4. A relação entre Globalização e Tecnologia com os crimes de Lavagem de Dinheiro
Segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) – órgão criado por meio da Lei 9.613 de 1998, que tipificou o crime de lavagem de dinheiro no Brasil e tem como objetivo prevenir a utilização dos sistemas econômicos para a prática dos ilícitos previstos na lei – houve um relevante aumento no número de crimes de lavagem de dinheiro, de acordo com o informe de Inteligência Financeira, divulgado no Relatório de Atividades de 2014 do referido órgão.
Dois fatores externos foram preponderantes para esse aumento no número de casos, sendo eles a globalização e a evolução tecnológica.
O conceito de globalização é teórico, impreciso e de certa forma bastante flexível, mas pode ser entendido como uma rápida integração das economias, políticas e culturas mundiais.
A globalização está envolvida diretamente com as grandes mudanças políticas ocorridas no mundo por volta da década de 90. Com a queda do muro de Berlim e a decadência do comunismo russo, o sistema capitalista ocidental se disseminou pelo resto do planeta. Dessa forma, as barreiras comerciais entre os países foram fortemente reduzidas e os investimentos tornaram-se transnacionais. Com isso, surgiram grandes corporações que passaram a controlar os preços dos produtos no mundo, diminuindo gradativamente o poder econômico dos Estados.
Nas palavras do escritor Moisés Naim:
“A globalização trouxe para os países, novos costumes, novos hábitos, novas expectativas, novas possibilidades e novos problemas.” (NAIM, Moisés, 2006)
O mundo interconectado abriu novos horizontes ao comércio ilícito e consequentemente à lavagem de dinheiro, uma vez que, ao derrubarem as barreiras econômicas, os países eliminaram também as regulamentações com o intuito de incentivar o comércio com estrangeiros. Os criminosos aproveitaram-se dessas brechas para atualizar e diversificar seus procedimentos, a fim de manter a clandestinidade de suas ações.
Nas duas últimas décadas, a tecnologia se desenvolve em um ritmo extraordinário, abrindo novas opções aos criminosos para lavarem dinheiro. Com o surgimento da Internet, a rede mundial de computadores, foi possível a criação de espaços virtuais possibilitando aos lavadores de dinheiro efetuar diversas transações simultaneamente com uma velocidade jamais vista. Além disso, os bancos facilitaram a ocorrência de transações bancárias que hoje podem ser feitas de um país para outro sem sair de casa, apenas com o toque em um teclado. Dessa forma, o crime de lavagem de dinheiro começa a ter caráter transnacional.
De acordo com Flávio Cardoso Pereira, vê-se que:
“Insta registrar que o avassalador e expansivo desenvolvimento dos meios tecnológicos aliados a incontestável globalização, que definitivamente impregnaram os últimos séculos, propiciaram o fortalecimento de especiais formas de criminalidade. Surge, pois, como consequência lógica, o crescimento e a sofisticação das grandes organizações criminosas, verdadeiras empresas voltadas para a prática de delitos de elevada desvalorização social e claro conteúdo econômico.” (PEREIRA, Flávio Cardoso, 2009)
A melhora na comunicação, propiciada pelos diversos investimentos na área de tecnologia, deve-se muito a utlização de telefones celulares, que são cada vez mais baratos, e os chips, comprados em qualquer banca de jornal, garantem o anonimato e a conveniência para os criminosos. Isso tornou possível que a criminalidade se organize por meio de redes densificadas com uma comunicação eletrônica eficaz e métodos sofisticados de transações bancárias. Outra ferramenta tecnológica é a criação de endereços eletrônicos, que também garantem sigilo, rapidez e anonimato às comunicações. Diante dessa nova tendência mundial, pode-se dizer que muitos crimes são efetuados com o auxilio da rede mundial de computadores e de avançados instrumentos tecnológicos de comunicação.
Conforme Silva (2001), com o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação e com a globalização do mercado financeiro internacional os criminosos movimentam grandes quantias de forma rápida e de diversas maneiras, podendo comprometer a estabilidade financeira dos países e permitir que traficantes, contrabandistas de armas, terroristas ou funcionários corruptos continuem suas atividades ilegais.
2.2. MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO
Os órgãos responsáveis pela investigação dos crimes de lavagem de dinheiro devem ser bastante especializados, devido ao alto grau de dificuldade na investigação desse tipo de delito. Com o objetivo de maximizar a elucidação dos crimes de lavagem de dinheiro, o Brasil vem autorizando e desenvolvendo técnicas e mecanismos especiais de investigação criminal para esta modalidade.
Para a investigação desta modalidade criminosa, utilizam-se poderosos meios de investigação como a ação controlada, a delação premiada, a quebra de sigilo telefônico e bancário, entre outros. Além disso, diversos órgãos governamentais e privados auxiliam a polícia judiciária na identificação dos autores e na prova da materialidade desse tipo de crime.
A seguir, serão analisadas as mais importantes formas de investigação policial dos crimes de lavagem de dinheiro, a saber:
2.2.1. Infiltração Policial e Ação Controlada
A ação controlada é uma técnica de investigação policial também conhecida como Flagrante Retardado, Prorrogado ou Diferido, e foi inserida no ordenamento jurídico por meio do artigo 2º da Lei Federal 9.034/95, lei de combate ao Crime Organizado, conforme segue:
“Artigo 2º Em qualquer fase da persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: (…)
II – a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculados, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações.“
Essa técnica consiste no retardamento da atuação policial no momento da repressão a um flagrante delito, com o intuito de aguardar o momento mais propício para a intervenção e a prisão de criminosos. Diz-se flagrante retardado, pois o flagrante não ocorre no momento da execução de um crime, esperando o melhor momento para atuação com o objetivo de prender uma maior quantidade de pessoas, além de conseguir apreender e recuperar uma maior quantidade de ativos que foram “lavados”.
No artigo 4º-B da Lei 12.638/2012, que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro, no seu caput, tem-se a seguinte redação:
“Artigo 4º-B. – A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos e valores, poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a execução imediata possa comprometer as investigações.”
Dessa forma, a legislação dos crimes de lavagem de dinheiro informa que os agentes policiais podem permitir que bens de origem ilícita ou suspeita sejam introduzidos ou saiam do território nacional, com o conhecimento e sob a supervisão das autoridades competentes, com o objetivo de identificar as pessoas envolvidas com o cometimento de delitos sob investigação, no país de origem, de trânsito ou de destino.
Esse procedimento policial nos crimes de lavagem de dinheiro normalmente é executado quando há um agente infiltrado na organização criminosa, uma vez que a execução da lavagem de dinheiro ocorre principalmente por meios eletrônicos.
A Infiltração Policial é uma técnica especial de investigação policial que consiste na infiltração de um agente da polícia em uma organização delitiva por meio da assunção de uma identidade fictícia, com o fim de obter evidências e informações relacionadas ao crime de lavagem de dinheiro.
De acordo com Flávio Cardoso Pereira, vê-se que:
“Hodiernamente, as infiltrações policiais possuem como alvo potencial o combate ao crescimento absurdo e sem limites da criminalidade organizada, a qual possui como característica principal o fato de que sua estrutura logística e seu modus operandi são mantidos em absoluto segredo por seus membros, dificultando, sobremaneira, a atuação das instituições policiais.” (PEREIRA, Flávio Cardoso, 2009)
É importante ressaltar que o agente policial infiltrado tem como missão primordial detectar a ocorrência de delitos e coletar dados para, no futuro, desarticular a organização criminosa. Assim, verifica-se que o agente infiltrado não recebe amparo legal para o cometimento de delitos, que só poderá ocorrer diante de alguma das excludentes de ilicitude, definidas no Código Penal Brasileiro.
2.2.2. Colaboração Premiada
O instituto da colaboração premiada refere-se ao oferecimento de benesses ou prêmios legais aos criminosos que auxiliarem os órgãos policiais através de informações relevantes prestadas sobre o fato delituoso. Essa colaboração difere do insituto da delação premiada, pois esta é uma espécie de colaboração na qual um terceiro é incriminado, ous seja o acusado delata a existência da organização criminosa na qual atuava, possibilitando o seu desmantelamento.
No artigo 1º da Lei 12.638/2012, que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro, em seu parágrafo 5º, tem-se a seguinte redação:
“Artigo 1º […]
§ 5.º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.“
O autor Alberto Silva Franco conceitua a colaboração premiada como:
“(…) Dá-se o prêmio punitivo por uma cooperação eficaz com a autoridade, pouco importando o móvel real do colaborador, de quem não se exige nenhuma postura moral, mas antes, uma atitude eticamente condenável. Na equação "custo-benefício", só se valora as vantagens que possam advir para o Estado com a cessação da atividade criminosa ou com a captura de outros delinquentes, e não se atribui relevância alguma aos reflexos que o custo possa representar a todo o sistema legal enquanto construído com base na dignidade da pessoa humana”. (FRANCO, Alberto Silva, 1992)
A colaboração premiada é um dispositivo importante, mas o criminoso deve cooperar de maneira voluntária e oportuna, e as informações prestadas devem ser necessárias ao desmantelamento da organização delitiva. O colaborador deve apresentar dados, nomes, datas, locais, relatórios ou quaisquer outros documentos comprobatórios que possam levar à apuração do delito de lavagem de dinheiro.
2.2.3. Quebra de Sigilo Telefônico, Bancário, Financeiro e Eleitoral
A quebra do sigilo telefônico, bancário, financeiro e eleitoral refere-se à obtenção desses dados pela polícia, com a finalidade de colher informações e provas a respeito da prática dos delitos sob investigação.
A lei que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro não trouxe previsão legal para a quebra dos sigilos, mas tal previsão foi inserida no ordenamento jurídico por meio do artigo 2º da Lei Federal 9.034/95, lei de combate ao Crime Organizado, conforme segue:
“Artigo 2º Em qualquer fase da persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: (…)
III – o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais;”
A Constituição Federal, no seu artigo 5º inciso X, assegura aos cidadãos o direito à intimidade e à vida privada, significando que o Estado não está autorizado a fiscalizar a vida da população. Entretanto, as infrações praticadas por organizações criminosas, que é o caso de quase a totalidade dos crimes de lavagem de dinheiro (pela sua complexidade), requerem técnicas especiais de investigação para apuração de sua materialidade e para identificar o maior número possível de autores.
Portanto, é viável que o juiz determine, com base na referida lei, a quebra do sigilo das informações dos criminosos para buscar dados telefônicos (conta telefônica do autor identificando as chamadas e mensagens efetuadas e recebidas), documentos (qualquer documento oficial que comprove os crimes, tipo notas fiscais, contratos sociais, estatutos, entre outros), informações fiscais (imposto de renda, informações junto ao Fisco), bancárias (dados referentes as contas bancárias, como aplicações financeiras, saldos, extratos, entre outros) e eleitorais (informações mantidas no cadastro dos tribunais eleitorais, tais como endereço, telefone).
Dessa forma, a quebra dos sigilos é um instrumento útil à atividade de investigação policial nos crimes de lavagem de dinheiro, mediante autorização judicial, preservando os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal que, segundo o Supremo Tribunal Federal, não são absolutos e podem ser restringidos em favor da coletividade.
3. CONCLUSÃO
Diante do exposto, fica evidente que a quantidade de crimes de lavagem de dinheiro aumenta exponencialmente, devido principalmente à globalização e às inovações tecnológicas, em especial na área de comunicação. Adicionalmente, constata-se que esee tipo de crime se encontra estreitamente vinculado à criminalidade organizada, pois, em grande número de casos, seu cometimento requer uma estrutura complexa e bem orquestrada. A consequência dessa organização e profissionalização da organização delituosa é que os métodos de lavagem de dinheiro mudam rapidamente e são cada vez mais difíceis de serem desvendados.
As atividades delitivas de lavagem de dinheiro acabam participando da vida econômica do país por meio de operações financeiras e da constituição de empresas destinadas a receber fluxo de dinheiro “sujo”. É imperioso o combate incessante a este tipo de crime, devido aos efeitos devastadores provocados pela sua prática na economia e no desenvolvimento nacional. O fluxo de dinheiro movimentado por meio do processo de lavagem de dinheiro é tão grande que pode afetar taxas de câmbio de países, forçar mudanças em taxas de juros, criar bolhas de valorização de ativos e até mesmo derrubar sistemas bancários.
Como surgem novas formas de “lavar” dinheiro constantemente, é necessária a especialização das organizações policiais e das técnicas de investigação, uma vez que somente a edição de novas leis penais não é suficiente para deter essa prática delitiva.
Agente de Polícia da Polícia Civil do Distrito Federal lotado na seção de Perícias Criminais Contábeis. Pós-Graduado em Investigação Policial pela Academia de Polícia Civil do Distrito Federal com a chancela da Universidade Católica de Brasília. Pós-Graduado em Controladoria e Finanças Públicas pela AVM Faculdades Integradas da Universidade Cândido Mendes
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