Direito Constitucional

TEMA 899 – STF – Dúvidas, incertezas e certezas na aplicação da “prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de tribunal de contas” (RE 636.886 )

Autor: Alessandro Macedo[1]

Resumo: Este estudo aborda os contornos jurídicos do recente julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, nos autos da RE 636.886 – TEMA 899, que fixou a seguinte tese: “É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas”. Restou demonstrado que o reconhecimento, pelo STF, da prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas caminha na direção da fixação de um prazo prescricional de cinco anos, com base o artigo 174 do Código Tributário Nacional c/c art. 40 da Lei 6.830/1980, esta que rege a Execução Fiscal, o que obrigará os tribunais de contas a serem céleres, na fiscalização de significativos valores, ensejadores de uma pretensão reparatória através das ações de ressarcimento. Todavia, a análise do Acórdão exarado pelo STF, indica que a Corte não enfrentou questões vitais, quanto as ações de ressarcimento, como por exemplo: o prazo prescricional ou termo inicial de contagem, as hipóteses de aplicação da prescrição da pretensão punitiva – “prescrição originária” e da “prescrição intercorrente”, assim como das hipóteses de suspensão e interrupção prescricionais; aspectos estes que devem ser tratados, à luz dos regimentos internos e leis orgânicas no âmbito tribunais de contas, até que o STF decida sobre tais questões.

Palavras-chaves: Tema 899, Supremo Tribunal Federal. Prescrição. Ações de Ressarcimento.

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Abstract: This study addresses the legal contours of the recent judgment carried out by the Supreme Federal Court – STF, in the records of RE 636,886 – THEME 899, which established the following thesis: “The claim for reimbursement to the treasury based on a decision by the Court of Auditors is prescriptive”. It has been demonstrated that the recognition by the STF of the prescriptibility of the claim for reimbursement to the treasury based on a decision by the Court of Auditors goes in the direction of setting a statute of limitations of five years, based on article 174 of the National Tax Code c / c art . 40 of Law 6,830 / 1980, which governs Tax Enforcement, which will oblige the courts of accounts to be swift, in the inspection of significant amounts, giving rise to a reparatory claim through reimbursement actions. However, the analysis of the Judgment issued by the STF, indicates that the Court did not face vital issues, as regards the actions for redress, such as: the statute of limitations or initial counting term, the hypotheses for applying the prescription of the punitive claim – “prescription originating ”and“ intercurrent prescription ”, as well as the hypotheses of prescription suspension and interruption; these aspects that must be dealt with, in the light of the internal regulations and organic laws in the scope of the courts of accounts, until the STF decides on such issues.

Keywords: Theme 899, Federal Supreme Court. Prescription. Reimbursement Actions.

 

Sumário: Introdução. 1. Questões relativas a prescrição à luz da doutrina e jurisprudência pátrias. 2. A decisão do STF, no TEMA 899. Conclusão – a síntese possível e necessária. Referências.

 

Introdução

Prefacialmente cumpre registrar que os Tribunais de Contas sempre defenderam, diante da previsão constitucional, estatuída no art. 37, § 5º, da CF/88, a imprescritibilidade nas ações de ressarcimento, o que gerava certa dose de tranquilidade a estes órgãos de controle, para que em qualquer momento instaurassem processos de fiscalização buscando identificar dano ao erário, em especial através da Tomada de Contas Especial; inclusive tendo o Tribunal de Conta da União – TCU fixado o prazo prescricional/decadencial de 05 (cinco) anos para aplicação e cobrança das multas (e não de débitos/ressarcimentos, imprescritíveis à época) aplicadas aos agentes públicos.

Ocorre que a tranquilidade ocasionada pela leitura do texto constitucional, estabelecendo, em geral, os tribunais de contas, a imprescritibilidade nas ações de ressarcimento, tem seus dias contados diante do recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal – STF, nos autos da RE 636.886 – TEMA 899, sob relatoria do Ministro Alexandre de Morais, cujo acórdão é datado de 20 de abril de 2020, e fixou a seguinte tese: 899 – Prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas”. Assim se encontra estruturada a ementa do referido Acórdão:

 

“EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL. EXECUÇÃO FUNDADA EM ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRESCRITIBILIDADE.

  1. A regra de prescritibilidade no Direito brasileiro é exigência dos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, o qual, em seu sentido material, deve garantir efetiva e real proteção contra o exercício do arbítrio, com a imposição de restrições substanciais ao poder do Estado em relação à liberdade e à propriedade individuais, entre as quais a impossibilidade de permanência infinita do poder persecutório do Estado.
  2. Analisando detalhadamente o tema da “prescritibilidade de ações de ressarcimento”, este SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL concluiu que, somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/1992 (TEMA 897). Em relação a todos os demais atos ilícitos, inclusive àqueles atentatórios à probidade da administração não dolosos e aos anteriores à edição da Lei 8.429/1992, aplica-se o TEMA 666, sendo prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública.
  3. A excepcionalidade reconhecida pela maioria do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no TEMA 897, portanto, não se encontra presente no caso em análise, uma vez que, no processo de tomada de contas, o TCU não julga pessoas, não perquirindo a existência de dolo decorrente de ato de improbidade administrativa, mas, especificamente, realiza o julgamento técnico das contas à partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização e apurada a ocorrência de irregularidade de que resulte dano ao erário, proferindo o acórdão em que se imputa o débito ao responsável, para fins de se obter o respectivo ressarcimento.
  4. A pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos reconhecida em acórdão de Tribunal de Contas prescreve na forma da Lei 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal).
  5. Recurso Extraordinário DESPROVIDO, mantendo-se a extinção do processo pelo reconhecimento da prescrição. Fixação da seguinte tese para o TEMA 899: ´É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas´”. [1]

 

Todavia, a partir da leitura atenta do acórdão exarado pelo STF, verifica-se que a Corte não tratou de questões que giram em torno da prescrição, sobretudo no tocante ao prazo prescricional ou termo inicial de contagem, das hipóteses de aplicação da prescrição da pretensão punitiva – “prescrição originária” e da “prescrição intercorrente”, assim como das hipóteses de suspensão e interrupção prescricionais; o que criará mais um cenário de insegurança jurídica não apenas para os tribunais de contas, mas sobretudo, para os agentes públicos, que de certa forma, continuarão, com a “espada de Dâmocles nas costas”.

 

Portanto, o presente artigo vai avalisar os contornos jurídicos da decisão do STF no Tema 899, a partir de uma análise detida do julgado, e da doutrina e jurisprudência que giram em torno da matéria.

 

  1. Questões relativas a prescrição à luz da doutrina e jurisprudência pátrias

O Tribunal de Contas da União já estabelecera em sua história de fiscalização, como, por exemplo, no Acórdão n° 1.263/2006 da 1ª Câmara, o prazo prescricional de 10 (dez) anos, na linha, portanto, do art. 205 do Código Civil que estabelece: “a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

 

Alguns doutrinadores, inclusive, caminham neste sentido, como por exemplo, Silva (2016): “[…] Desta forma, entendemos que o órgão de controle externo tem o prazo de dez anos para proceder à apreciação do ato sujeito à fiscalização, sob pena de perda da pretensão punitiva da irregularidade”.

 

Todavia, nos filiamos ao entendimento esposado e transcrito abaixo, pelo jurista Celso Antônio Bandeira de Melo que repudia a utilização de analogia com regras do Direito Civil, em especial áquela prevista no o art. 205 do Código Civil, quando se tratar de direito público, em função do bem juridicamente tutelado, qual seja: a proteção ao erário. Assevera o nobre administrativista:

 

“Não há regra alguma fixando genericamente um prazo prescricional para as ações judiciais do Poder Público em face do administrado. Em matéria de créditos tributários o prazo é de cinco anos, a teor do art. 174 do Código Tributário Nacional, o qual também fixa, no art. 173, igual prazo para a decadência do direito de constituir o crédito tributário. No passado (até a 11ª edição deste curso) sustentávamos que, não havendo especificação legal dos prazos de prescrição para as situações tais ou quais, deveriam ser decididos por analogia aos estabelecidos na lei civil, na conformidade do princípio geral que dela decorre: prazos longos para atos nulos e mais curtos para os anuláveis. Reconsideramos tal posição. Remeditando sobre a matéria, parece-nos que o correto não é a analogia com o Direito Civil, posto que, sendo as razões de Direito Público, nem mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte. Antes dever-se-á, pois, indagar do tratamento atribuído ao tema prescricional ou decadencial em regras genéricas de Direito Público.

 

“Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. Ademais, salvo disposição legal expressa, não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrado no que concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente se proporem ações. Isto posto, estamos em que, faltando regra específica que disponha de modo diverso, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé em uma, outra ou em ambas as partes da relação jurídica que envolva atos ampliativos de direito dos administrados, o prazo para a Administração proceder judicialmente contra eles é, como regra, de cinco anos, quer se trate de atos nulos, que se trate de atos anuláveis”. (grifos nossos) (MELLO, 2004)

 

 

Nesta direção o Tribunal de Contas da União, se aproximando da adoção do PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL para aplicação de multas, previsto em diversas normas de Direito Público, como veremos a seguir, estabelecera o marco e prazo prescricionais na Tomada de Contas n° 005.378/2000-2 nos seguintes termos:

 

“ADMINISTRATIVO. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. DANO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO. IMPRESCRITIBILIDADE. MULTA. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVO. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. DANO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO. IMPRESCRITIBILIDADE. MULTA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 1º DA LEI N. 9.873/1999. INAPLICABILIDADE. A pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário é imprescritível. Por decorrência lógica, tampouco prescreve a Tomada de Contas Especial no que tange à identificação dos responsáveis por danos causados ao erário e à determinação do ressarcimento do prejuízo apurado. Precedente do STF. Diferente solução se aplica ao prazo prescricional para a instauração da Tomada de Contas no que diz respeito à aplicação da multa prevista nos arts. 57 e 58 da Lei n. 8.443/1992. Em relação à imposição da penalidade, incide, em regra, o prazo quinquenal. Inaplicável à hipótese dos autos o disposto no art. 1º da Lei n. 9.873/1999, que estabelece que, nos casos em que o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal. Isso porque a instância de origem apenas consignou que as condutas imputadas ao gestor público não caracterizavam crime, sendo impossível depreender do acórdão recorrido a causa da aplicação da multa. Dessa forma, é inviável, em Recurso Especial, analisar as provas dos autos para verificar se a causa da imputação da multa também constitui crime (Súmula n. 7/STJ). Recursos Especiais parcialmente providos para afastar a prescrição relativamente ao ressarcimento por danos causados ao erário.”

 

Desta forma, cabe reafirmar a PRESCRITIBILIDADE das PRETENSÕES PUNITIVA E CORRETIVA das Cortes de Contas, nos casos de aplicação de multas, sanções e determinação de possíveis correções, e agora da PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO REPARATÓRIA/RESSARCITÓRIA, com a recente tese firmada pelo STF, que a seguir analisamos.

A doutrina brasileira, até então, reafirmava a imprescritibilidade das ações de ressarcimento. Nesse sentido, registra-se a lição do Professor José Afonso da Silva:

 

“A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providência à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º […]. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius)” (grifos nossos). (SILVA, 2010, p.353-354)

 

Enfrentando o papel constitucional das Cortes de Contas, de apuração e adoção de medidas visando à reparação do dano ao erário, consubstanciada na PRETENSÃO REPARATÓRIA, assim se manifestava o STF, como por exemplo, no Mandado de Segurança n° 26.210-9/DF, julgado em 04.09.2008, de relatoria do Ministro da Corte Constitucional, o Exmo. Ricardo Lewandowski, que assim consignou em seu voto:

 

“No que tange à alegada ocorrência de prescrição, incide, na espécie, o disposto no art. 37, § 5º, da Constituição de 1988, segundo o qual: ‘§ 5º — A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento (grifos nossos)’. Considerando-se ser a Tomada de Contas Especial um processo administrativo que visa a identificar responsáveis por danos causados ao erário, e determinar o ressarcimento do prejuízo apurado, entendo aplicável ao caso sob exame a parte final do referido dispositivo constitucional. Nesse sentido é a lição do Professor José Afonso da Silva: ‘A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições 6 administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providência à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º […]. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius)” [2]

Nesta mesma linha de intelecção, cumpre rememorar as sempre concisas lições ministradas Cretella, JÚNIOR (1981):

 

“ […] prescrição é a extinção da iniciativa de punir, resultado da inércia, durante certo lapso de tempo, do poder público, na perseguição da infração ou na execução da sanção. […] Sob o aspecto do direito de punir, a relação jurídica entre o titular da ação punitiva, o Estado, e o paciente, a pessoa física afetada pelo decurso do tempo, extingue-se em determinado momento. Nem teria sentido que a sanção pairasse, indefinidamente, como a espada de Dâmocles, sobre o infrator da norma, para ser aplicada muito mais tarde, quando os fatos, as circunstâncias de local e de tempo, os documentos, as testemunhas e as provas tivessem de vir à tona para extemporânea valoração pelo aplicador da pena, dentro de quadro bem diverso daquele que cercava o fato e o autor, na época da consumação do fato.” (grifos nossos)

 

Nesta direção, a prescritibilidade aqui tratada, impedirá que as Cortes de Contas, possam instaurar processos de responsabilização por dano ao erário, em qualquer momento; o que de fato, assegura, em tese, a segurança jurídica e a paz social citadas.

 

  1. A decisão do STF, no TEMA 899

Analisando a decisão do STF, no TEMA 899, a Corte Constitucional, ao fixar a tese da “Prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas”, privilegiou a segurança jurídica, a estabilidade das relações, a paz social, assim como a regra geral da prescritibilidade, na linha a qual defende o jurista alagoano Pontes de Miranda:

 

“Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o Direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade.”(PONTES DE MIRANDA, 1974)

 

Todavia, mais uma vez asseverando, a decisão do STF apenas trata da prescritibilidade das ações de ressarcimento sem se preocupar com os contornos jurídicos de aplicação desta prescrição (prazo prescricional ou termo inicial de contagem, assim como das hipóteses de aplicação da prescrição da pretensão punitiva – prescrição originária e da prescrição intercorrente, assim como das hipóteses de suspensão e interrupção prescricionais), o que redundará em insegurança jurídica, na medida em que o Acórdão não define as premissas de orientação a aplicação do instituto; compelindo os tribunais de contas a interpretação do julgado e a definição de tais premissas, que inclusive, podem, com o fito de preservar suas competências constitucionais, criar barreiras que dificultem a aplicação da tese firmada pelo STF.

Fato este que pode gerar, de outro giro, alterações regimentais pelas Cortes de Contas, que estendam a prescrição para o prazo de 10 (dez) anos, em que pese, importante registrar que o Ministro Relator, utilizou, em seu decisório, como base normativa, o artigo 174 do Código Tributário Nacional c/c art. 40 da Lei 6.830/1980, esta que rege a Execução Fiscal e fixa em cinco anos, respectivamente, o prazo para a cobrança do crédito fiscal e para a declaração da prescrição intercorrente, como se depreende no excerto do julgado sob análise:

 

“A ressalva prevista no § 5º do art. 37 da CF não pretendeu estabelecer uma exceção implícita de imprescritibilidade, mas obrigar constitucionalmente a recepção das normas legais definidoras dos instrumentos processuais e dos prazos prescricionais para as ações de ressarcimento do erário, inclusive referentes a condutas ímprobas, mesmo antes da tipificação legal de elementares do denominado ato de improbidade (Decreto 20.910/1932, Lei 3.164/1957, Lei 3.502/1958, Lei 4.717/1965, Lei 7.347/1985, Decreto-Lei 2.300/1986); mantendo, dessa maneira, até a edição da futura lei e para todos os atos pretéritos, a ampla possibilidade de ajuizamentos de ações de ressarcimento.

 

Desse modo, entendo que, no caso, não há que se falar em imprescritibilidade, aplicando-se, integralmente, o disposto no artigo 174 do Código Tributário Nacional c/c art. 40 da Lei 6.830/1980, que rege a Execução Fiscal e fixa em cinco anos, respectivamente, o prazo para a cobrança do crédito fiscal e para a declaração da prescrição intercorrente.”[3]

 

O STF, em outro trecho do julgado, descreve o procedimento de cobrança no âmbito dos tribunais de contas, a partir da utilização da Lei de Execução Fiscal:

 

“Após a conclusão da tomada de contas, com a apuração do débito imputado ao jurisdicionado, a decisão do TCU formalizada em acórdão terá eficácia de título executivo e será executada conforme o rito previsto na Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980), por enquadrar-se no conceito de dívida ativa não tributária da União, conforme estatui o art. 39, § 2º, da Lei 4.320/1964: (…)” [4]

 

Não se pode olvidar, quanto a uma possível aplicação do prazo quinquenal prescricional para as ações de ressarcimento, conforme defende o relator do TEMA 899, uma vez que, no âmbito administrativo-público brasileiro, o legislador, em diversas ocasiões, estabeleceu regras de prescrição para o exercício de atividades administrativas específicas, adotando portanto, o prazo de cinco anos como lapso temporal a partir do qual prescrevem e até mesmo decaem certas pretensões/direitos da Administração exercitáveis contra seus agentes e/ou administrados, conforme pode ser verificado nas seguintes normas: – “ação disciplinar” para a punição de servidor com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão – Lei 8.112/1990, artigo 142, I: a; – “ação punitiva” da Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia – Lei 9.873/1999, artigo 1º; sanções administrativas por infrações cometidas no exercício de atividades de abastecimento de combustíveis; Lei 9.847/1999, artigo 13, § 1º; direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário – Lei 5.172/1966, artigo 173;  direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários – Lei 9.784/99 – Lei de Processo Administrativo Federal, e Nova Lei de ANTICORRUPÇÃO – Lei n° 12.846, de 01 de agosto de 2013, art. 25.

 

Importa lembra que há previsões também em leis de processos administrativos no âmbito dos Estados, assim como a citada Lei 9.784/99 – Lei de Processo Administrativo Federal, como por exemplo dispõe a Lei de Processo do Estado da Bahia, tombada sob o n° 12.209/11:

 

Art. 109 – Ressalvados os casos previstos em legislação específica, o prazo prescricional para instauração do processo sancionatório é de 05 (cinco) anos e começa a correr a partir do conhecimento do fato ilícito pela autoridade a que se refere o art. 2º, inciso III, desta Lei. § 1º A publicação do ato administrativo instaurador do processo sancionatório interrompe a contagem do prazo prescricional, que volta a correr em sua integralidade, após o transcurso do prazo previsto no art. 108, § 3º, desta Lei. [5]

 

Inclusive, o teor da decisão do STF no TEMA 899, já era uma tendência, conforme se verifica no próprio julgado, que cita os TEMAS 666 e 897:

 

“(a) TEMA 666, decidido em Repercussão Geral no RE 669.069 (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI), com a seguinte TESE: É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil ou

 

(b) TEMA 897, decidido na Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN, com a seguinte TESE: São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.”[6]

 

 

O ministro Marco Aurélio, por exemplo, já havia concedido liminar em março de 2018 nos autos do MS 35.294/DF para suspender débitos imputados pelo TCU em processo de tomada de contas especial (TCE) instaurada para apurar suposto sobrepreço em convênio firmado no ano de 1992 para a construção de uma barragem no Ceará, tendo o TCU instaurado o referido procedimento no ano de 2000, aberto o processo no ano de 2003, notificando a empresa para apresentar suas defesas apenas no ano de 2006, mais de 13 anos após a ocorrência do alegado sobrepreço no projeto e orçamento das obras da referida barragem.

 

Assinalou o Ministro à época:

 

“[…] não se deve admitir — considerada a Carta que se disse cidadã, a trazer ares democráticos ao Direito Administrativo — a imprescritibilidade da atuação do Tribunal de Contas da União, no que voltada a recompor o dano ao erário. Fazê-lo, implicaria assentar poder insuplantável do Estado, a obrigar o cidadão a guardar documentos indefinidamente para a própria defesa”. [7]

 

A decisão supracitada pelo ministro Marco Aurélio, tem como premissa que a prescrição quinquenal está amparada desde o ano de 1932, através do Decreto 20.910/32.

 

Em outra decisão, a 1ª Turma através da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski também concedeu uma liminar para suspender as condenações do TCU nos autos do MS 36.054/DF [8], em decorrência da aplicação da prescrição quinquenal prevista na Lei 9.873/99.

 

Quanto a leitura do art. 37, § 5º, da CF/88, acerca da imprescritibilidade nas ações de ressarcimento, a Corte Máxima, no TEMA 899, vinculou a aplicação do texto constitucional apenas ao campo punitivo previsto nos incisos XLII e XLIV do artigo 5º da Constituição Federal, nos seguintes termos do voto:

 

[…] O reconhecimento da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas significa grave ferimento ao Estado de Direito, que exige, tanto no campo penal, como também na responsabilidade//// civil, a existência de um prazo legal para o Poder Público exercer sua pretensão punitiva, não podendo, em regra, manter indefinidamente essa possibilidade, sob pena de desrespeito ao devido processo legal.

 

As exceções à prescritibilidade estão única e exclusivamente previstas na Constituição Federal, no campo punitivo penal, nos incisos XLII e XLIV do artigo 5º:

 

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível , sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

 

XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; [9]

 

E mais: definiu os critérios de hipóteses excepcionais de imprescritibilidade conforme se verifica no Acórdão aqui tratado:

 

A excepcional hipótese de imprescritibilidade proclamada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL exige dois requisitos:

(1) prática de ato de improbidade administrativa devidamente tipificado na Lei 8.429/92; (2) presença do elemento subjetivo do tipo DOLO; conforme TESE, com a qual guardo reservas, que estabeleceu: São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa (TEMA 897 RE-RG 852475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN).(grifos nossos) [10]

 

Nesta linha, concluiu o STF:

 

[…] Em relação a todos os demais atos ilícitos não caracterizados como atos de improbidade ou atentatórios à probidade na administração praticados sem dolo, ou ainda, pretéritos à edição da Lei 8.429/1992, manteve-se a ampla possibilidade de ajuizamento de ações de ressarcimento, dentro do respectivo prazo prescricional, aplicando-se o TEMA 666, como decidido em Repercussão Geral no RE 669.069 (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI), com a seguinte TESE: É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. (grifos nossos) [11]

 

Logo, nos termos do Acórdão exarado pelo STF, em paralelo à execução fiscal, será “possível o ajuizamento de ação civil de improbidade administrativa para, garantido o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, eventualmente, condenar-se o imputado, inclusive a ressarcimento ao erário, que, nos termos da tese fixada no TEMA 897, será neste caso, imprescritível”. (grifo nosso)

 

A opção do ministro em seu voto, foi a interpretação restritiva do art. 37, § 5º, da CF/88, acerca da imprescritibilidade nas ações de ressarcimento, nos seguintes termos:

 

[…] O ordenamento jurídico adota o princípio da prescritibilidade como essencial à segurança jurídica das relações em sociedade, como salientado pelo Ministro DIAS TOFFOLI, em voto no julgamento do RE 669069/MG: “Também devo destacar que a prescritibilidade das pretensões consiste em regra universal e foi adotada, no sistema jurídico brasileiro, como corolário dos princípios da segurança jurídica e da paz social, os quais estão entalhados na Carta da República. Daí poder-se concluir que a imprescritibilidade das ações só pode ser uma opção da própria Constituição, como ocorreu na eleição das ações penais relativas à prática de racismo (art. 5º, inciso XLII, CF) ou à ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional ou o Estado democrático (art. 5º, inciso XLIV, CF). Também foi garantida constitucionalmente a imprescritibilidade do direito estatal sobre seus bens imóveis, dispondo-se que são insuscetíveis de usucapião os imóveis públicos urbanos ou rurais (arts. 183, § 3º e 191, parágrafo único, da CF)”. [12]

 

Por isso, o afastamento excepcional de sua aplicação conduz à necessidade de interpretação restritiva do texto constitucional, por se constituir em uma ressalva destoante dos tradicionais princípios jurídicos que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non succurrit jus); ainda mais se tratando, como na presente hipótese, de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas, que nem ao menos analisou o dolo ou culpa do agente.

 

[…] A ressalva prevista no § 5º do art. 37 da CF não pretendeu estabelecer uma exceção implícita de imprescritibilidade, mas obrigar constitucionalmente a recepção das normas legais definidoras dos instrumentos processuais e dos prazos prescricionais para as ações de ressarcimento do erário, inclusive referentes a condutas ímprobas, mesmo antes da tipificação legal de elementares do denominado ato de improbidade (Decreto 20.910/1932, Lei 3.164/1957, Lei 3.502/1958, Lei 4.717/1965, Lei 7.347/1985, Decreto-Lei 2.300/1986); mantendo, dessa maneira, até a edição da futura lei e para todos os atos pretéritos, a ampla possibilidade de ajuizamentos de ações de ressarcimento. [13]

 

Importa registrar que, conforme informações do TCU, extraídas do Parecer TC nº 025.244.2015/9, datado de 01 de novembro de 2016, de relatoria do Ministro Raimundo Carreiro, o tempo médio entre o ilícito e a autuação do processo no TCU é acima de 05 (cinco) anos, na linha do levantamento realizado pela AGU, que, por sua vez, assinala, que se o prazo prescricional fosse de 5 anos, 60% dos valores discutidos em processos de apuração de danos chegariam prescritos no TCU, algo equivalente a R$ 7,28 bilhões.

 

Assim, sinalizou o TCU em seu estudo:

 

[…] 2. A apresentação das referidas propostas foi motivada, entre outros fatores, pelo resultado de diagnóstico realizado no âmbito do projeto “Aprimoramento do processo de instauração e tratamento de TCEs na administração pública federal”, constituído em maio de 2014.

 

  1. Segundo dados disponibilizados no relatório do citado projeto, a representatividade dos processos de tomada de contas especial passou de 18,27% do total de processos autuados em 2011 para 42,35% em outubro de 2014. A qualidade deficiente de tais processos, o prazo representativo para instauração da TCE, entre outras constatações, indicaram a necessidade de adoção de providências para aprimoramento da sistemática que permeia o processamento da tomada de contas especial Entre outros, foram levantados os seguintes dados:

 

o prazo entre o fato gerador da TCE e a primeira apreciação conclusiva pelo TCU foi superior a sete anos em 24,68% dos casos;

–  o prazo médio entre a ocorrência do fato gerador e a primeira apreciação conclusiva pelo TCU foi de 5,54 anos;

-22,5% dos processos de TCE são arquivados sem julgamento de mérito.

 

Os principais motivos para esse significativo número de ocorrências são:

 

– a intempestividade da remessa ao TCU em relação à data de origem do fato ensejador da TCE;

– a existência de falhas na instauração do processo;

– ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

– valor atualizado inferior ao limite previsto em norma.

 

De outro giro, esta mudança de posicionamento do STF, quanto ao regime de imprescritibilidade para ações de ressarcimento (agora passando para um regime com curto prazo prescricional), tem sido vista como um risco de que iniciativas importantes de preservação do patrimônio público e erário pelos tribunais de contas, estejam limitas a definição de um marco prescricional, via de regra, de 05 (cinco) anos.

No longo prazo, a tendência é que o STF volte ao tema, estipulando, com eficácia vinculante, regras mais rígidas, como um prazo prescricional de 5 anos e início da contagem no momento da ocorrência do ilícito, (já que existe uma tendência do STF em definir a contagem de prazo, considerando o momento da ocorrência do ilícito) marco este extremamente duvidoso já que os tribunais de contas, mesmo em um cenário bem otimista de celeridade ímpar, jamais conseguirão da data do fato ilícito, e não da data de conhecimento do fato, apurarem o ilícito ensejador do ressarcimento.

Outro aspecto questionável da decisão emanada pelo STF, é aquele descrito no Acórdão, no sentido de que “nos processos de controle não há o contraditório e ampla defesa efetivos, diante da ausência de verificação do elemento subjetivo (culpa ou dolo)”, fato este que encontra dificuldades na sua sustentação, tendo em vista que os tribunais de contas enfrentam tal elemento para efeito de responsabilização dos agentes públicos, até mesmo na identificação de possíveis excludentes de culpabilidade. Assim, portanto, assevera o relator, utilizando a seguinte base doutrinária:

 

[…] Em face de sua própria natureza, esses exames e análises das contas não observam as mesmas garantias do devido processo judicial, além de não preverem e não permitirem o contraditório e ampla defesa efetivos, anteriormente à formação do título executivo (ARIDES LEITE SANTOS. Tomada de Contas Especial, O exercício do contraditório perante o Tribunal de Contas da União, São Paulo: Scorteccci, 2ª rev. atual., 2018, p. 110-111), apesar de existir procedimento administrativo no âmbito da Corte de Contas levado a efeito, em regra, por meio do processo de tomada de contas especial, instrumento legal, posto à disposição dos Tribunais de Contas, com a finalidade de apurar a totalidade dos fatos lesivos ao Erário, identificar os responsáveis pelo dano e quantificando-o, promover-lhe o ressarcimento (WALTON ALENCAR RODRIGUES. O dano causado ao erário por particular e instrumento da tomada de contas especia l. Revista do Tribunal de Contas da União. Brasília, v. 29, n. 77, jul/set 1998, p. 2 ss). [14]

 

 

Outro questionável posicionamento da Corte é que, por não se tratarem os “processos de controle”, de atividade jurisdicional, estes processos não garantiriam “efetivamente, a ampla defesa e o contraditório”, tese esta que esbarra, frontalmente, nas inúmeras possibilidades de defesa, inclusive, mediante a extensa possibilidade de recursos no âmbito das Cortes de Contas. Assim, portanto, consignou o Acórdão em diversas passagens do voto:

 

[…] Em que pese a importância das competências constitucionais das Cortes de Contas e a terminologia utilizada pela Constituição Federal julgar, não se trata de atividade jurisdicional, onde tenham sidos garantidos, efetivamente, a ampla defesa e o contraditório, pois o termo julgar é utilizado no sentido de examinar e analisar as contas, como adverte JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (…)

 

[…] A excepcionalidade reconhecida pela maioria do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no TEMA 897, portanto, não se encontra presente no caso em análise, uma vez que no processo de tomada de contas, o TCU não perquire nem culpa, nem dolo decorrentes de ato de improbidade administrativa, mas, simplesmente realiza o julgamento das contas à partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização e apurada a ocorrência de irregularidade de que resulte dano ao erário, proferindo o acórdão em que se imputa o débito ao responsável, para fins de se obter o respectivo ressarcimento. Ainda que franqueada a oportunidade de manifestação da outra parte, trata-se de atividade eminentemente administrativa, sem as garantias do devido processo legal.

 

[…] De outro lado, a irregularidade identificada pelo TCU, assim como o indébito fiscal, pode configurar ato ilícito, porque contrários ao direito; mas a natureza jurídica de ilícito não é razão bastante para que se torne imprescritível a ação para a cobrança de crédito; uma vez que, não se apurou, mediante o devido processo legal com a presença de contraditório e ampla defesa a existência de ato doloso de improbidade administrativa. (grifos nossos) [15]

 

O que nos parece pertinente, é a impossibilidade de, em muitos casos, os agentes públicos reunirem documentos comprobatórios de defesa, anos depois de realizado o ato administrativo, objeto de persecução pelos Tribunais de Contas, e neste caso a tese da imprescritibilidade “prejudicaria o integral exercício do direito de defesa”. É neste sentido que a exma. Ministra do STF, Carmen Lúcia, em voto no julgamento do RE 669.069/MG, assinala: “(…) porque não é do homem médio guardar, além de um prazo razoável, e hoje, até por lei, não se exige isso, a documentação necessária para uma eventual defesa”. [16]

 

No bojo de sustentação do Acórdão do TEMA 899, o relator coteja alguns elementos processuais, comparando os “processos de contas” com ações de outra natureza, trazendo dois entendimentos: o primeiro, comparando com a esfera penal, que assinala a não razoabilidade do fato de que “considerando-se as mesmas condutas geradoras tanto de responsabilidade civil como, eventualmente, de responsabilidade penal, houvesse imprescritibilidade implícita de uma única sanção pela prática de um ilícito civil e não houvesse na esfera penal, que é de maior gravidade”. O segundo se situa na comparação com ações civis patrimoniais, quando, segundo o Ministro relator: “Em face da segurança jurídica, portanto, nosso ordenamento jurídico afasta a imprescritibilidade das ações civis patrimoniais, quanto mais, na presente hipótese onde o título executivo foi formado perante a Corte de Contas, sem a realização do devido processo legal perante órgão do Poder Judiciário”.

 

Mais uma vez, ao realizar tais comparações, o STF sugere, salvo melhor juízo, uma hierarquia de esferas,  colocando as esferas penal e civil acima da “esfera de contas”, não considerando a natureza autônoma dos processos no âmbito dos Tribunais de Contas, denominados de “processos de controle”, que apresentam rito e normas próprias, no que o eterno Ministro Carlos Ayres Brito, alcunhou de “natureza judicialiforme”, com base numa pretensa “jurisdição de contas”. Nesta linha não se pode olvidar das lições trazidas, em sua obra, pelo auditor Romano Scarpin, que assim se posicionou:

[…] Conclui-se, portanto, importante definição para o presente trabalho: a função de controle externo é função estatal específica e autônoma das demais funções estatais clássicas (administrativa, legislativa, fiscalizadora e jurisdicional), constituindo-se suas competências como poderes funcionais próprios, que devem ser estudados pela doutrina. (grifos nossos) (SCARPIN, 2019)

 

CONCLUSÃO – a síntese possível e necessária

Em que pese se possa afirmar que a pretensão punitiva não pode se manter ad eternum, o que seria de fato uma violação ao devido processo legal, diante da ausência de prazo legal, o reconhecimento, pelo STF, da prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas caminha na direção, das esferas civil e penal; fixando um prazo prescricional de cinco anos, com base o artigo 174 do Código Tributário Nacional c/c art. 40 da Lei 6.830/1980, esta que rege a Execução Fiscal, o que compelirá os tribunais de contas a serem céleres, diante de muitas vezes, cifras significativas de valores, eventualmente desviados pelos agentes públicos, ensejadores de uma pretensão reparatória através das ações de ressarcimento.

Não há dúvida que outras ações chegarão ao Supremo Tribunal Federal, que deverá enfrentar questões vitais, quanto as ações de ressarcimento, não abarcadas no referido julgamento do TEMA 899, como por exemplo: o prazo prescricional ou termo inicial de contagem, as hipóteses de aplicação da prescrição da pretensão punitiva – “prescrição originária” e da “prescrição intercorrente”, assim como das hipóteses de suspensão e interrupção prescricionais; aspectos estes que devem ser tratados, à luz dos regimentos internos e leis orgânicas no âmbito tribunais de contas, até que o STF decida sobre tais questões.

Decerto é que os tribunais de contas perderam esta margem de tempo, para fiscalização dos recursos públicos, que indiquem possível prejuízo ao erário, requisito indispensável para a promoção das ações de ressarcimento; estas, por sua vez, submetidas, em tese, diante das normas utilizadas pelo STF, ao prazo prescricional de 05 (cinco) anos.

 

Referências:

CRETELLA JÚNIOR, José. Prescrição da falta administrativa. Revista Forense, São Paulo, n. 275, jul./ago. 1981

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 930.

 

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral, Tomo VI. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974.

 

SCAPIN, Romano. A expedição de provimentos provisórios pelos Tribunais de Contas: das “medidas cautelares” à técnica antecipatória no controle externo brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

 

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.353-354.

 

SILVA, Moacir Marques da. Controle externo das contas públicas: o processo nos Tribunais de Contas do Brasil. São Paulo: Atlas, 2014.

 

 

 

 

 

[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 636.886 Alagoas. Relator: Min. Alexandre de Morais, Dje 20.04.2020.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 26.210-9/DF. Impetrante: Tânia Costa Tribe. Impetrado: Tribunal de Contas da União. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília, 04 de setembro de 2008. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2008.

[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 636.886 Alagoas. Relator: Min. Alexandre de Morais, Dje 20.04.2020.

[4] Idem.

[5] BAHIA. GOVERNO DO ESTADO. Lei nº 12.209, de 20 de abril de 2011, que dispõe sobre o Processo Administrativo, no âmbito da Administração direta e das entidades da Administração indireta, regidas pelo regime de direito público, do Estado da Bahia, e dá outras.

[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 636.886 Alagoas. Relator: Min. Alexandre de Morais, Dje 20.04.2020.

[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 35.294/DF. Relator Marco Aurélio  Dje 30.11.2020.

[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 36.054/DF. Relator Ricardo Lewandowski. Dje 14.02.2012.

[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 636.886 Alagoas. Relator: Min. Alexandre de Morais, Dje 20.04.2020.

[10] Idem.

[11] Ibidem.

[12] Idem.

[13] Ibidem.

[14] Idem.

[15] Ibidem

[16] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 669.069 MG Alagoas. Relator: Min. Carmen Lúcia, em voto no julgamento do RE 669.069/MG.

 

MINI CURRÍCULO

[1]       Alessandro Macedo é servidor efetivo do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia – TCM/BA – Auditor de Controle Externo. Atualmente Chefe da Assessoria Jurídica do TCM/BA. Mestre em Administração Pública. Pós graduado em Direito Público e Auditoria Pública. Advogado. Contador. Licenciado em Letras Vernáculas. Palestrante em diversos eventos promovidos pelo TCM/BA. Membro do Comitê Nacional de Jurisprudência do Instituto Ruy Barbosa. Professor de Direito Financeiro, Direito Constitucional, Direito Administrativo. Professor da Pós-graduação nos cursos de Direito Público e Empresarial da UNIFACS, da Pós Graduação em Direito Público Municipal pela UCSAL, da Pós Graduação em Licitações e Contratos da FACULDADE BAIANA DE DIREITO.

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