Resumo: Breves considerações sobre a Teoria dos Motivos Determinantes da Sentença no Controle Difuso.
Palavras-chaves: Sentença. Motivos Determinantes. Transcendência.
Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 3. Conclusão; Referências bibliográficas.
1. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo tecer alguns comentários sobre a teoria dos motivos determinantes da sentença no controle difuso, situando o tema e suas atuais diretrizes no cenário jurídico brasileiro.
2. Desenvolvimento
O Brasil é dotado, dentre outros, de um sistema processual que visa à solução de conflitos individuais, onde a inconstitucionalidade até pode ser pronunciada, mas incidentalmente e para a solução do caso concreto (controle difuso). A sentença prolatada faz coisa julgada apenas entre as partes litigantes (art. 472 do CPC) e os motivos determinantes não são acobertados pelo seu manto (art. 469, I, do CPC). Em outra banda, temos o controle abstrato de constitucionalidade, que visa, em última análise, varrer um dado diploma legal do ordenamento jurídico ou, então, afirmar-lhe a constitucionalidade. A decisão, nestes casos, tem efeitos contra todos e suas disposições são vinculantes.
Muito embora a presença desta distinção, no controle concreto (difuso) há a possibilidade de o Senado suspender a eficácia da norma (art. 52, X, da CF/88), com efeitos erga omnes e ex nunc.
Entretanto, o Professor e Ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes defende que este papel do Senado seria de mera publicidade das decisões da Corte Suprema[1].
E não sem razão o aludido Mestre assim pontua. Vários dispositivos do nosso Código Processual Civil, após reiteradas reformas, apontam solução semelhante. Vejam-se, a propósito, os arts. 481, parágrafo único, e 557, § 1º-A, ambos do CPC, segundo os quais se simplificam procedimentos, com base em jurisprudência já consolidada ou enunciado de súmula. Ainda, há a sistemática dos recursos repetitivos (arts. 543-A, B e C). Nestes casos, decisões anteriores tomadas em controle difuso, que culminaram na consolidação de jurisprudência ou cristalização em súmula, irradiam seus efeitos e proporcionam conseqüências processuais peculiares, que visam à celeridade no julgamento dos processos.
Não se fala, nestes casos, em decisão tomada em ação direta (controle abstrato de normas, que tem efeito erga omnes e vinculante, conforme a Carta Magna – art. 102, §2º), mas sim em jurisprudência ou súmula. Em outras palavras, havendo pronunciamento da Suprema Corte sobre a questão, mesmo que em controle concreto (difuso), cabe a simplificação dos procedimentos, com a solução mais célere da questão posta em debate.
Nessa esteira, o STF evoluiu a sistemática que gira em torno da eficácia das suas decisões, fazendo com que elas sejam dotadas de eficácia contra todos e efeito vinculante, mesmo que em sede de controle difuso. Esta postura tem sido chamada de mutação constitucional, pois o papel do Senado, por este entendimento, é de mero publicador das decisões do Supremo, fazendo com que a sociedade delas tome conhecimento.
Trazendo à baila um caso concreto, faz-se referência ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 197.917. Neste julgado, determinou-se a redução dos vereadores do Município de Mira Estrala, no Estado de São Paulo. Este caso concreto foi examinado no bojo de uma ação civil pública, em controle difuso, portanto. Considerando as normas processuais do CPC de 1973, dita decisão somente teria efeito vinculante no que toca ao dispositivo da sentença, e limitado às partes litigantes.
Posteriormente, o TSE editou resolução determinando a todos os Municípios a observância dos critérios declarados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento daquele recurso.
Entretanto, o ato foi impugnado por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, tombada sob o nº 3345. Nesta ação, foi defendido que a definição do número de vereadores de cada município seria competência exclusiva do Poder Legislativo local, sendo que tal regra deveria ser estabelecida por emenda constitucional.
A nossa Suprema Corte, não obstante, declarou constitucional a resolução do TSE, dando transcendência aos motivos que fundamentaram a decisão nos autos do RE 197.917.
Assim, a controvérsia constitucional foi examinada em face do denominado efeito transcendente dos motivos determinantes subjacentes à decisão declaratória de inconstitucionalidade proferida.
Também com base nesta nova orientação (mutação constitucional), o Supremo permitiu a irradiação dos efeitos da decisão tomada nos autos do Habeas Corpus nº 82959 (controle difuso), admitindo e julgando procedente Reclamação, para assegurar a autoridade da sua decisão, prolatada nos autos daquele writ (Informativo nº 463 – Reclamação nº 4335[2]).
Na espécie, o Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC indeferiu pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Considerando a decisão tomada no Habeas Corpus supra aludido, onde foi declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 (que veda a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos), foi julgada procedente a reclamação, assentando-se que o inciso X do art. 52 da CF confere ao Senado Federal atividade meramente publicitária da suspensão da execução da norma declarada inconstitucional, sendo isto uma verdadeira mutação constitucional, pois a decisão do Supremo, por si só, tem força normativa o suficiente para alcançar este efeito, ainda que em controle difuso.
3. Conclusão
Não existe norma expressa que permita ao Poder Judiciário fazer com que os motivos determinantes de uma decisão transcendam, em sede de controle difuso, existindo tal previsão apenas no que toca ao controle concentrado. Não obstante, o guardião da Constituição entendeu por bem emprestar às suas decisões, mesmo que tomadas em controle concreto, eficácia que transcende as partes do processo e os limites da lide, afirmando sua prerrogativa de exercer, em última análise, a própria substância do seu poder de interpretar a Lei Fundamental, residindo aí a prerrogativa extraordinária de reformular suas disposições, em atividade interpretativa, em verdadeiro processo de mutação constitucional.
Procurador da Fazenda Nacional; Pós-graduado em Direito Público pela UNIDERP.
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