Testamento Eletrônico: Formas de (In)Validação e Aplicabilidade

Electronic Testament: Ways of (In) Validation and Applicability

Nome: Nathália Norvinda de Carvalho Rocha – Acadêmica em Direito do Centro Universitário Una – natnorvinda@gmail.com

Nome: Raiane Rodrigues Alcântara – Acadêmica em Direito do Centro Universitário Una – raiane.rodrigues10@hotmail.com

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Orientadora: Jéssica Maria Gonçalves da Silva – Mestre em Direito Processual PUC/MINAS, Pós graduada em Direito Processual PUC/MINAS, Graduada em Direito UFMG; Professora universitária no Centro Universitário UNA e na Faculdade Arnaldo; Professora de pós graduação no IEC PUC MINAS, Autora do Livro Teoria da Cautelaridade Penal e de diversos artigos – jessicamgsilva@yahoo.com.br

Resumo: O presente artigo tem como objeto de estudo a (im)possibilidade do testamento público por meio eletrônico, à luz do ordenamento jurídico em vigor. A pesquisa foi baseada na jurisprudência, na doutrina, no Código Civil de 2002 e na Constituição da República de 1988. A importância do tema insere-se na evolução da sociedade e das ferramentas tecnológicas à disposição do sistema de justiça em sentido amplo. A questão jurídica objeto do estudo consiste em aprofundar se a assinatura eletrônica, como forma de identificação inequívoca do signatário, sobretudo baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, tem ou não o condão de gerar a autenticidade, a segurança, a integridade e a confiabilidade acerca da vontade do testador, bem se é (ou não) necessário uma reforma legislativa para a sua operacionalidade pelas serventias extrajudiciais.

Palavras-chave: Doutrina. Testamento eletrônico. Inovação. Testamento. Assinatura eletrônica.

 

Abstract: This paper aims to study the (in)possibility of public will through electronic means, in the light of the legal system in force. The research was based on jurisprudence, doctrine, the Civil Code of 2002 and the Constitution of the Republic of 1988. The importance of the theme is part of the evolution of society and of the technological tools available to the justice system in a broad sense. The legal issue that is the object of the study is to deepen whether the electronic signature, as a form of unequivocal identification of the signatory, mainly based on a digital certificate issued by an accredited Certification Authority, has the ability to generate authenticity, security, integrity and integrity. reliability about the testator’s will, as well as whether a legislative reform is necessary for its operation by extrajudicial services.

Keywords: Doctrine. Electronic testament. Innovation. Testament. Electronic signature.

 

Sumário: Introdução. 1. Testamento. 1.1. Do conceito e evolução histórica. 1.2. Das formas de testamento no ordenamento jurídico brasileiro. 1.3. Da efetividade dessas formas de testamento. 1.3.1. Testamento público. 1.3.2. Testamento cerrado. 1.3.3. Testamento particular. 1.3.4. Testamentos especiais. 2. Testamento eletrônico; .1. Conceituação; 2.2. Da aplicação legislativa; 3. Da validade, aplicabilidade e eficácia do testamento eletrônico na era informatizada; Conclusão; Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente artigo é um estudo acerca do testamento eletrônico. É muito importante observar os preceitos do Direito Sucessório, previsto em lei, nos artigos 1.784 a 2.027 do Código Civil.

Muitas vezes o assunto envolvido pelo direito sucessório pode assustar as pessoas, justamente por se tratar de um evento temido: a morte. Por se temer o tema, o planejamento deste evento é, por muitas vezes, protelado, deixando o cidadão de registrar sua última manifestação de vontade.

O testamento é o ato pelo qual alguém declara suas últimas vontades e estabelece a disposição de seus bens disponíveis após a sua morte. Desta forma, a maneira no qual o testamento é escrito e interpretado é preceito fundamental para garantir que tudo aquilo que foi manifestado pelo testador, seja devidamente cumprido após sua morte, bem como seja respeitado a dignidade da pessoa humana do mesmo.

O testamento permite ao testador manifestar a sua vontade no que tange à disposição dos seus bens. Visto que o testador possui a liberdade em dispor de 50% (cinquenta por cento) dos seus bens disponíveis, o testamento o viabiliza programar como gostaria que sua herança fosse distribuída.

Porém, à medida que a sociedade avança com a evolução tecnológica, surge a necessidade de ajustes no meio jurídico e, com isso, a modernização da forma de testar.

Sendo assim, vê-se necessário do amadurecimento da ideia de inclusão, no ordenamento jurídico brasileiro, da forma de testar também por meio eletrônico, no qual proporcione uma garantia mais célere, eficiente e segura para o indivíduo manifestar sua última vontade, se adequando aos avanços tecnológicos da atualidade.

A proposta de metodologia para implantar tal modalidade, seria por meio de certificação digital realizado por site oficial e especializado. Neste caso o testador deverá cadastrar uma assinatura eletrônica em site oficial que deverá ser validada pelo cartório por meio de um sistema e, com isso, será possível realizar a escritura do testamento eletrônico de forma simplificada e sem muitas formalidades, sem precisar ir até o cartório.

O presente estudo será divido em três partes. A primeira discorre sobre o testamento, apontando seu conceito, evolução histórica e formalidades a luz do Código Civil; a segunda parte discorre sobre o testamento eletrônico, com pesquisas acerca das vantagens, aplicação legislativa e possível validação da modernização da forma de testar e; a terceira destaca a eficiência da aplicação do testamento eletrônico no atual cenário brasileiro, marcado pela sociedade virtual.

 

  1. DO TESTAMENTO

    1.1 Do Conceito E Evolução Histórica

A palavra Testamento tem sua origem do latim Tetamentum (de Testor = atestação da mente ou da vontade ou de testis = testemunho)[1]. No âmbito jurídico, o testamento é o ato pelo qual alguém declara suas últimas vontades e estabelece a disposição de seus bens após sua morte.

Das definições clássicas do jurista e autor Pontes de Miranda, “o testamento é o ato pelo qual a vontade de alguém, declarada para o caso de morte, cria, transmite ou extingue direitos”.[2]

O testamento brasileiro, é considerado um negócio jurídico “unilateral, unipessoal, solene, revogável ou irrevogável”[3], que não pode ser feito em conjunto, a depender da vontade do testador como a cláusula que reconhece um filho, gratuito, porém com possibilidade de encargo e não é necessário que se compreenda todos os bens testados.

Estudos apontam que a efetiva criação do testamento surgiu no ano 450 A.C com a Lei das XII Tábuas[4], lei que foi resultado da luta por igualdade que foi concluída pelos plebeus em Roma. Na referida lei, o sentido de sucessão de bens era expresso nas tábuas quinta e sexta, que tratavam acerca “das heranças e tutelas” e “do direito de propriedade e da posse”, respectivamente, no qual discorriam sobre as disposições testamentárias que tinham força de lei.

Historicamente nas civilizações antigas não existiam o termo testamento, o bem era visto como uma forma de união entre as famílias e religiões.[5]

Uma das mais antigas manifestações de testamento registrada na história encontra-se no livro de Gênesis, no ato de Jacó, quando altera a ordem da sucessão dando a José, seu filho mais novo, a parte dobrada em relação aos outros irmãos.[6]

Na Grécia o direito de dispor por testamento surgiu em Atenas com a reforma legislativa de Sólon, em um primeiro momento tal sucessão só era reconhecida na falta de filhos, então o patrimônio hereditário era obrigatoriamente transmitido aos homens que pertenciam ao mesmo grupo familiar religioso. Porém, num período mais remoto dessa reforma legislativa, o direito sucessório esteve atrelado com base na vontade do testador e não voltada aos laços de sangue ou familiar.[7]

No direito clássico o testamento era conhecido de duas formas: o primeiro realizado em tempos de paz, duas vezes ao ano, diante da assembleia das cúrias, chamado de Calatis Comittis (ou Testamento Comicial) sendo exclusiva aos nobres e não atingindo aos plebeus, onde cada pai de família poderia manifestar sua última vontade e, o segundo chamado de Procintu, que era realizado em tempos de guerra, sendo outorgado quando o homem se preparava para batalha, antes do combate.[8]

Ambas as formas devem ser expressadas de forma pública, ou seja, diante do povo.[9]

Posteriormente surgiu o Testamentum per aes et libram ou seja, testamento para o povo, no qual o plebeu que não tinha feito testamento e estava em perigo iminente de morte, por meio de uma “venda ficta” a um amigo, mais conhecida como mancipação, e este “comprador da herança” (familiae emptor) se comprometia a passar a mesma ao herdeiro instituído.[10]

Mediante tamanha evolução, no Direito Romano encontrou-se também a admissão do Testamento Oral (ou nuncupativo) sendo apenas uma declaração oral na presença de sete testemunhas podendo ser realizado sempre e não somente no momento de sua morte.[11]

Faz-se necessário notar o entendimento do renomado autor no âmbito do Direito Civil Brasileiro Manoel Ubaldino de Azevedo quando diz “se alguém quiser fazer testamento não escrito, segundo o direito civil, poderá fazê-lo, perfeita e validamente, na presença de sete testemunhas, declarando, perante elas, a sua vontade”.[12]

 

O testamento moderno, principalmente o instituído no Direito Brasileiro teve grande inspiração no Direito Romano, que mediante grande evolução histórica chegou-se à admissão do Testamento Privado (chamado de Coram Principi), no qual o testamento poderia ser solene, menos solene ou privilegiado sendo aprovado por uma autoridade judiciária.

 

1.2 Das Formas De Testamento No Ordenamento Jurídico Brasileiro

No ordenamento jurídico brasileiro são admitidas três formas de testamentos ordinários sendo eles: Público, Cerrado e Particular[13].

O Testamento Público, previsto no artigo 1.864 do Código Civil[14], consiste no testamento feito pelo tabelião de acordo com a vontade manifestada pelo seu testador, registrado em seu livro de notas e lido pelo próprio tabelião na presença de duas testemunhas, sendo assinado por todos os presentes.

“Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público:

I – ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos;

II – lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;

III – ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.”

O Testamento Cerrado, tem seus requisitos essenciais previstos nos artigos 1.868 a 1.875 do Código Civil[15], representando suas normas obrigatórias e de ordem pública.

Consiste no testamento realizado diretamente pelo testador, de forma manuscrita ou mecânica, lido, redigido e registrado pelo oficial do cartório na presença das testemunhas, para confirmar o cumprimento de todas as formalidades e, em seguida, precede a lacração do testamento e seu registro. Neste caso o testamento não permanece em posse do cartório e o tabelião não manterá uma cópia de seu conteúdo, tendo função apenas de aprová-lo e registrá-lo[16].

Já o Testamento Particular está previsto nos artigos 1.876 a 1.880[17] também do Código Civil tem uma forma simples, econômica e prática para o testador, podendo ser escrito quando e onde quiser, de forma mecânica ou manuscrita, sem que o testador precise se atentar a erros, linguagens e certas formalidades, cabendo a inteira interpretação do juiz.

Por fim, além dos testamentos ordinários, admite-se os testamentos especiais previstos no artigo 1.886 do Código Civil, nos quais são: Marítimo, Aeronáutico e Militar, não sendo admitido nenhum outro tipo de testamento especial a não ser os citados, de acordo com o artigo 1.887 do referido código.

Destarte, realizada a apresentação dos tipos de testamentos presentes no ordenamento jurídico brasileiro, segue-se ao estudo da efetiva aplicação dessas formas.

 

1.3 DA EFETIVIDADE DAS FORMAS DE TESTAMENTO

1.3.1 Testamento Público

Nesta modalidade, o profissional do direito dotado de fé pública delegado a exercer a atividade notarial é o tabelião ou notário, a quem é delegado tal atividade por meio de aprovação em concurso público de provas e títulos, no qual sua atuação é fiscalizada pelo Poder Judiciário[18]. Essa profissão está regulada na Lei nº 8.935/94.

Sendo assim, testamento público propicia a maior segurança ao testador por ser realizado frente ao profissional dotado de fé pública (tabelião ou notário), possuindo menos chances de ser anulado por incumprimento dos requisitos legais e ainda, não necessita de confirmação judicial.

Além disso, as autoridades consulares brasileiras também podem lavrar testamento público nos casos em que brasileiros necessitarem realizar um testamento no exterior[19].

O testamento público somente pode ser feito em língua nacional, seu conteúdo é de conhecimento público e ao portador de deficiência visual só lhe é permitido realizar o testamento público que está previsto no artigo 1.867 do Código Civil.

“Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento.”[20]

Por fim, para realizar o testamento público, o mesmo deve ser presenciado e assinado por no mínimo duas testemunhas testamentárias maiores de dezesseis anos, alfabetizadas, com capacidades para os atos da vida civil, capazes de conhecer a língua portuguesa e que conheçam o testador, nem que seja por um curto período de tempo.

 

1.3.2 Testamento Cerrado

Essa modalidade de testamento é originada do direito Romano[21] e encontra-se previstas em quase todas as legislações do mundo, com exceção da Suíça e Alemanha[22].

O testamento cerrado é um tipo de testamento escrito pelo próprio testador, ou por outra pessoa por ele delegada, de forma manuscrita ou mecânica, devendo ser registrado e aprovado pelo tabelião, ou seu substituto legal, na presença de duas testemunhas.

O oficial do cartório deverá realizar a leitura silenciosa de todo o conteúdo do testamento para averiguar se o mesmo cumpre todas as formalidades exigidas por lei e se estiver correto, o tabelião redige o auto e lê em voz alta na presença das testemunhas e do testador para que este possa confirmar que aquele é o seu testamento. Após todo o procedimento, estando correto, o testamento é lacrado no cartório e devolvido para o testador.[23]

O oficial do cartório após devolver o testamento cerrado ao testador, não manterá uma cópia do seu conteúdo pois o testamento não permanecerá em posse do cartório e sim do próprio testador, como a função deste oficial é apenas aprovar e manter o registro da nota do lugar, dia, mês e ano em que foi aprovado e entregue o testamento cerrado ao testador, este só poderá ser aberto após o falecimento do testador quando apresentado ao juiz, pela pessoa que estiver em posse do documento, caso contrário, a não abertura pelo juiz anula o testamento.[24]

É importante registrar o notável comentário do doutrinador Silvio de Salvo Venosa, no que tange às formalidades dessa modalidade de testamento:

“No testamento cerrado é importante, mas a lei não o diz que as formalidades sejam feitas em sequência, sem intervalo na continuidade, uma vez que se trata de mera apresentação e aprovação. Se o ato for interrompido, será necessário recomeçá-lo, diferentemente do testamento público cuja redação pode levar honras e exigir interrupção para repouso. Pequeno intervalo, porém, no testamento cerrado, não induz nulidade.”[25]

Por fim, este testamento não é de conhecimento público e poderá ser escrito em língua estrangeira, caso o testador não seja brasileiro, porém um analfabeto não poderá testar nessa modalidade. Ainda, poderá ser feito por surdo-mudo, porém não poderá ser realizado por deficiente visual. [26]

 

1.3.3 Testamento Particular

Essa é considerada a modalidade de testar menos segura pois sua efetiva confirmação ocorrerá em juízo pelas testemunhas e sua fragilidade consiste na impossibilidade de provar sua existência caso seja extraviado, alterado, destruído ou substituído, pois não há qualquer registro público sobre seu conteúdo.

Neste caso, o testamento deverá ser mecânico ou manuscrito, escrito pelo próprio testador e o mesmo não precisa se atentar a certas formalidades didáticas e, após sua escrita, deverá ser realizada a leitura para no mínimo três testemunhas e todos deverão assinar o testamento. Não há a necessidade do reconhecimento de firma das assinaturas das testemunhas, porém os herdeiros podem impugná-las em juízo posteriormente.[27]

O notável doutrinador Carlos Roberto Gonçalves já dizia:

“denomina-se testamento particular ou hológrafo o ato de disposição de última vontade escrito de próprio punho, ou mediante processo mecânico, assinado pelo testador, e lido por este a três testemunhas, que o subscreverão, com a obrigação de, depois da morte do disponente, confirmar sua autenticidade.” [28]

Após o falecimento do testador, o testamento particular deverá ser publicado em juízo perante o requerimento do herdeiro, testamentário ou legatário, citando os demais herdeiros legítimos. Ainda, para que o testamento se valide, o juiz chamará as testemunhas para que confirmem que seu conteúdo condizia com a livre e espontânea vontade do testador.[29]

É permitido que o testamento particular seja redigido em língua estrangeira e nacional, desde que todas as testemunhas conheçam a língua. O juiz, com provas suficientes, poderá confirmar a validade do testamento caso uma das testemunhas tenha morrido.[30]

Por fim, não é necessário que o testamento desta modalidade tenha registro público e o mesmo não poderá ser feito por analfabetos e deficientes visuais.

 

1.3.4 Testamentos Especiais

Na modalidade de testamentos especiais temos: Marítimo, Aeronáutico e Militar.

O testamento marítimo permite que o testador que deseja exercer sua última vontade dispondo dos seus bens, seja ele tripulação ou passageiro, no qual este redige um testamento a bordo de navio, de bandeira nacional ou de guerra mercante em viagem.[31]

Deve ser realizado perante o comandante da embarcação e duas testemunhas idôneas, admitindo-se e respeitando as formalidades do testamento público e cerrado. Por fim, se o testador não vier a falecer durante a viagem ou nos próximos 90 dias, este testamento perde sua validade.

O testamento aeronáutico é bem parecido com o testamento marítimo, no que tange as suas formalidades, porém neste, o testador ao invés de estar em uma embarcação, se encontra em uma aeronave, seja ela comercial ou militar. Conforme previsão no artigo 1.889, do Código Civil Quem estiver em viagem, a bordo de aeronave militar ou comercial, pode testar perante pessoa designada pelo comandante, observado o disposto no artigo antecedente”.

Por fim, o testamento militar pode ser utilizado por militares ou por pessoas que estão a serviços das Forças Armadas, dentro ou fora do país, e, consiste na declaração de última vontade deste. Ainda, o prisioneiro inimigo tem direito de realizar tal testamento.[32]

Nesta modalidade, as formas admitidas e respeitadas de testamento são o testamento público, particular ou cerrado e nuncupativo, neste último, admite-se o testamento verbal caso o militar esteja em combate ou ferido e deseja confiar suas últimas vontades a duas testemunhas.[33]

 

  1. TESTAMENTO ELETRÔNICO

    2.1 Conceituação

Com o avanço da tecnologia e desenvolvimento da sociedade, faz-se necessário que as regras e normas acompanhem essa modernização.

O que acontece é que a sociedade vive em constante evolução e não há como afirmar que uma regra criada há um mês, um ano ou uma década tem a mesma eficácia na atualidade, ainda que esta tenha surtido efeitos bastante eficazes a seu tempo. Assim, como em todos os âmbitos, essa evolução atinge também a forma de manifestação de última vontade de um indivíduo, expressada por um testamento.

O Código Civil brasileiro tem, taxativamente, as formas legais nas quais são permitidas a um indivíduo expressar sua última vontade e tais formalidades são importantes para garantir a validade e autenticidade dos testamentos, bem como proteger que seja respeitado as vontades do testador. Porém, com o surgimento e avanço da tecnologia, surge a necessidade de inovar as formalizações e incluir o testamento eletrônico.

Com o referido avanço tecnológico, principalmente no âmbito da internet, é certo que cada vez mais os documentos eletrônicos têm superado os documentos físicos. Alguns exemplos, no Brasil, são o título de eleitor, no qual foi criado a opção do e-Título[34]; a Carteira Nacional de Habilitação, no qual foi criado um aplicativo para celular com a CNH Digital[35]; o CRLV[36] que também foi criado em formato digital, entre outros.

Ainda nessa vertente, o professor Cesar Santolin[37], em seu estudo sobre uma necessária “Reforma do Estado”, ressaltou a importância de implementar o meio digital no Poder Público mediante o uso de tecnologias da informação:

“A intensificação no uso das Tecnologias da Informação (TI) pelo setor público encontra adequada contextualização neste ambiente de “reformar” o Estado […] evidenciando o liame existente entre as concepções de reestruturação do setor público e o incremento no uso das tecnologias da informação.”

Portanto, o testamento eletrônico consiste em ampliar as formalidades e os requisitos, no que tange a manifestação de última vontade, para o meio eletrônico de forma prática, segura e eficaz.

 

2.2 Da Aplicação Legislativa

Em 2020, o mundo enfrentou uma grande pandemia do vírus COVID-19, no qual houve a necessidade do isolamento social, que se iniciou em março do referido ano, para evitar o contágio e propagação da doença [38]. Com esse cenário, não vivido antes pelas gerações do último século, os indivíduos começaram a se preocupar ainda mais com o que poderia acontecer no futuro, bem como garantir a efetiva disposição dos seus bens, em caso de falecimento. Ainda, com o isolamento social, muitos estabelecimentos deixaram de realizar atendimentos presenciais. Com isso, o meio digital tornou-se ainda mais necessário, visto que basicamente todos os serviços, antes presenciais, passaram a ser realizados pela internet, acelerando ainda mais o uso dos meios digitais.

Como bem exposto no capítulo anterior, o ordenamento juridico brasileiro em seu Codigo Civil trás as formalidades que devem ser respeitadas ao lavrar um testamento. Porém, com o avanço tecnológico e o período pandêmico, foi necessária a criação do Provimento nº 100 do CNG, de 26 de maio de 2020[39], no qual dispõe sobre a prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-Notariado, em que se cria a Matrícula Notarial Eletrônica-MNE e dá outras providencias.

No referido provimento, o artigo 2º traz os conceitos aceitáveis para os atos notariais eletrônicos, nos quais vale a pena destacar os incisos I ao VI e X ao XIV quais são, respectivamente: assinatura eletrônica notarizada, certificado digital notarizado, assinatura digital, biometria, videoconferência, ato notarial eletrônico, documento eletrônico, documento digitalizado, documento digital, meio eletrônico e transmissão eletrônica.

Para assegurar o máximo de confiabilidade e segurança jurídica ao ato, o artigo 3º do citado Provimento dispõe sobre os requisitos da prática do ato notarial eletrônico, no qual vale destacar:

“I – videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico;

II- concordância expressada pela partes com os termos do ato notarial eletrônico;

III- assinatura digital pelas partes, exclusivamente através do e-Notariado;

IV- assinatura do Tabelião de Notas com a utilização de certificado digital ICP-Brasil;

IV- uso de formatos de documentos de longa duração com assinatura digital;

Parágrafo único: A gravação da videoconferência notarial deverá conter, no mínimo:

  1. a) a identificação, a demonstração da capacidade e a livre manifestação das partes atestadas pelo tabelião de notas;
  2. b) o consentimento das partes e a concordância com a escritura pública;
  3. c) o objeto e o preço do negócio pactuado;”

Ainda que tal provimento tenha sido criado em caráter excepcional, em razão da pandemia e, não tenha força para mudar o disposto no Código Civil, não há proibição para que o mesmo seja mantido após tal período, se sua implementação for satisfatória e eficaz.

Ou seja, é notadamente possível que, após um estudo constitucional, ocorra um futuro “reajuste” vindo a incidir na implementação do Provimento nº 100 do CNJ ao Código Civil, para a devida criação do testamento eletrônico como uma forma legítima de dispor a última vontade.

Antes mesmo da promulgação do Provimento nº 100 do CNJ de 2020, o Rio de Janeiro editou o Provimento CGJ 22/2020[40] que autorizou, temporariamente, a suspensão das atividades dos serviços extrajudiciais, bem como regulamentou o atendimento público virtual, praticando os atos notariais. Desta forma, a aceitação do sistema e-Notariado[41] é uma forma de facilitar a forma de testar, tornando esse ato mais seguro.

 

  1. DA VALIDADE, APLICABILIDADE E EFICÁCIA DO TESTAMENTO ELETRÔNICO NA ERA INFORMATIZADA

As vantagens e eficácias da implementação do testamento eletrônico consistem em, basicamente, tornar a forma de testar mais segura, prática e eficaz.

Neste caso, seria imprescindível possibilitar o testamento eletrônico por meio de uma plataforma digital segura, fiscalizada pelas autoridades competentes, para garantir a validade das informações do usuário, com total organização e transparência para a proteção do mesmo. Para isso, seria necessário a realização de um cadastro com autenticação biométrica e/ou certificação digital.

Tal implementação seria possível com a aplicação da tecnologia Blockchain[42] tornando o sistema seguro para todas as partes envolvidas, no qual seria, praticamente, impossível fraudar o sistema.

O IBM Institute for Business Value define o Blockchain[43] como:

“um livro contábil compartilhado e imutável que facilita o processo de registro de transações e o rastreamento de ativos em uma rede de negócios. Um ativo pode ser tangível ou intangível (propriedade intelectual, patentes, direitos autorais e criação de marcas). Praticamente qualquer coisa de valor pode ser rastreada e negociada em uma rede de blockchain, o que reduz os riscos e os custos para todos os envolvidos. […] O Blockchain é ideal para isso porque fornece essas informações de forma imediata, compartilhada e completamente transparente, armazenando-as em um livro contábil imutável que pode ser acessado somente por membros autorizados da rede.”

Ainda, outra vantagem do testamento eletrônico seria a praticidade de lavrar um testamento de onde quer que o indivíduo esteja, bastando o uso de um meio de comunicação digital como um celular móvel, um computador, tablet e afins, que tenham acesso e estejam conectados à internet, desde que o testador esteja devidamente cadastrado e autenticado biometricamente e/ou com certificado digital na plataforma eletrônica própria para este fim.

Por conseguinte, em algumas plataformas das redes sociais, como o Facebook, há algumas possibilidades de o próprio usuário dispor, publicamente, de algumas vontades importantes, como a intenção de ser doador de órgãos, por exemplo. E ainda, na mesma plataforma, há a possibilidade de nomear um tipo de “cuidador” da conta, caso o usuário venha a falecer[44]. Isso é uma nítida e clara manifestação pública da vontade pós-morte, porém, sem as devidas formalidades previstas no ordenamento jurídico brasileiro.

Em 2018 a revista Harvard Law Review (conceituada revista de direito da faculdade americana Harvard University) realizou um estudo sobre o que é um testamento eletrônico, chamado de “What is an “electronic will”?”[45]. Embora seja evidente que os Estados Unidos tenham um sistema jurídico (Commom Law) diferente do Brasil (Civil Law), o referido artigo discorre sobre a eficácia e possível validade da última manifestação de vontade do indivíduo ser expressada pelo meio eletrônico, seja on-line seja off-line, ainda que estejam fora das formalidades previstas em lei.

Na mesma vertente, em 2013, um indivíduo antes de cometer suicídio em Queensland na Austrália, deixou uma série de documentos em seu celular, no qual um dos arquivos começavam com as palavras “Este é o último testamento”, bem como, haviam instruções claras sobre a distribuição de seus bens. A Suprema Corte de Queensland admitiu, após análises, que o documento tinha características e fortes evidências testamentárias, determinando, portanto, que o referido documento deveria ser válido para integrar o inventário do falecido.[46]

Desta forma, mesmo que o estudo e o julgamento tenham sido realizados a partir de países com sistema jurídico Commom Law, a pauta é intensamente pertinente para que seja realizado o estudo de uma possível transferência e implementação do testamento eletrônico no sistema jurídico brasileiro (Civil Law), respeitando suas formalidades.

 

CONCLUSÃO

Quando se iniciou o trabalho de pesquisa constatou que no ordenamento jurídico brasileiro possuía algumas formas de testar, dentre elas, o testamento público, particular e o cerrado, previsto nos artigos nos artigos 1.784 a 2.027 do Código Civil. Com o avanço da sociedade, a tecnologia se fez presente, por isso estudar sobre um novo testamento, sendo ele, o testamento eletrônico.

Diante disso, a pesquisa teve como objetivo geral a ampliação de normas e dos requisitos para o meio eletrônico de forma pratica, segura e eficaz. Com advento da pandemia de 2019, foi se necessário o Provimento nº 100 do CNG, de 26 de maio de 2020, no qual, nele estipula praticas notariais por meio do sistema e-Notariado. À luz dos argumentos anteriormente delineados, em conclusão, é certo que o sistema notarial de atribuição de fé pública começa, com contornos concretos, a possibilitar o exercício dessa prerrogativa em meio eletrônico.

Em âmbito legislativo, o art. 41 da Lei nº 8.935/1994 fundamenta a prática de atos notariais e registrais na forma eletrônica, bem como o §8º do art. 2-A da Lei nº 12.682/2012, assegura que o processo de digitalização deverá ser realizado de forma a manter a integridade, a autenticidade e, se necessário, a confidencialidade do documento digital, com o emprego de certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP – Brasil.

Em termos da situação atual do COVID-19, mostram-se inegáveis as vantagens advindas da adoção de instrumentos tecnológicos que permitam a preservação das informações prestadas perante os notários, sem descuidar das medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo novo coronavírus.

Assim, o testamento eletrônico, na modalidade pública, pode validamente ser realizado pelas serventias extrajudiciais, porquanto já amparados no art. 41 da Lei nº 8.935/1994, sendo profícuo uma regulamentação por parte do Conselho Nacional de Justiça (provimento ou outro normativo congênere) de forma a esmiuçar os detalhes de um procedimento para a garantia da segurança jurídica do ato de disposição de última vontade.

 

REFERÊNCIAS

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Família e Sucessões. Vol. 5. 20ª ed. Atlas, 2019.

 

 

[1] DANIEL MENAH. A história do Testamento. JusBrasil

[2] MIRANDA, Pontes de. Tratado dos Testamentos: do testamento em geral. Da capacidade para fazer testamento. Das formas ordinárias do testamento. pág. 356. São Paulo: BH Editora, 2005

[3] MELO, Nehemias Domingos de. Lições de Direito Civil. Vol. 5 – Família e Sucessões. São Paulo: Atlas, 2014.

[4] GUIMARÃES, Affonso Paulo – Noções de Direito Romano – Porto Alegre: Síntese, 1999 (Lei das XII Tábuas)

[5] GRIVOT, Débora Cristina Holenbach. Linhas Gerais sobre Direito Sucessório na Antiguidade: do Egito ao Direito Romano. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 32, 2014.

[6] AZEVEDO, Manoel Ubaldino de. Teoria e Prática dos Testamentos. São Paulo: Saraiva, 1965.

[7] GRIVOT, 2014. op. cit., p. 127.

[8] ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

[9] ALVES, 2007, passim.

[10] ALVES, 2007. passim.

[11] ALVES, 2007. passim.

[12] AZEVEDO, Manoel Ubaldino de. Teoria e Prática dos Testamentos. p. 17. São Paulo: Saraiva, 1965.

[13] BRASIL. Código Civil. 2002. Artigo 1.862.

[14] BRASIL. Código Civil. 2002. Artigo 1.864.

[15] BRASIL. Código Civil. 2002. Artigos 1.868 a 1.875.

[16] VENOSA, Sílvio de Salvo. DIREITO CIVIL: Família e Sucessões. Vol. 5. 20ª ed. Atlas, 2019.

[17] BRASIL. Código Civil. 2002. Artigos 1.876 a 1.880.

[18] Resolução nº 81 de 09 de junho de 2009.

[19] ITAMARATY. Portal Consular. Ministério das Relações Exteriores.

[20] BRASIL. Código Civil. 2002. Artigos 1.867.

[21] ALVES, 2007, passim.

[22] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direitos Reais. 7ª Ed., v. 5, São Paulo: Saraiva, 2012.

[23] BRASIL. Código Civil. Artigo 1.868.

[24] BRASIL. Código Civil. Artigo 1.874 e 1.875.

[25] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Família e Sucessões. p. 239. Vol. 5. 20ª ed. Atlas, 2019

[26] BRASIL. Código Civil. Artigo 1.873.

[27] BRASIL. Código Civil. Artigo 1.876.

[28] GONÇALVES. 2016. p. 284

[29] BRASIL. Código Civil. Artigo 1.877 e 1.878.

[30] BRASIL. Código Civil. Artigo 1.880 e 1.878, p. único.

[31] BRASIL. Código Civil. Artigo 1.888 e 1.889.

[32] BRASIL. Código Civil. Artigo 1.893.

[33] BRASIL. Código Civil. Artigos 1.894 a 1.896

[34] TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Aplicativo e-título.

[35] DETRAN MG. CNH Digital. Governo Federal.

[36] DETRAN MG. CRLV Digital. Governo Federal.

[37] SANTOLIM Cesar. 2007. p. 85-97.

[38] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Corona Vírus COVID-19.

[39] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 100 de 26/05/2020.

[40] CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 22 de 2020.

[41] CNB Online. e-Notariado.

[42] BLOCKCHAIN.

[43] IBM. O que é a tecnologia blockchain?.

[44] FACEBOOK. Como faço para registrar e compartilhar no Facebook a informação de que sou doador de órgãos?

[45] HARVARD LAW REVIEW. What is na “Eletronic Will”?. 10 de abril de 2018. 131 Harv. L. Rev. 1790.

[46] SUPREME COURT OF QUEENSLAND. QSC 322. 06 de novembro de 2013. Austrália.

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