Gabriel Trentini Pagnussat[1]
Valdecir Pagani[2]
Luiz Roberto Prandi[3]
Resumo: O duty to mitigate the loss ou dever de mitigar a perda é um antigo instituto do Direito de tradição Common Law, esse encontra sua aplicação na seara do direito dos contratos e também sobre o instituto da responsabilidade civil. Recentemente o instituto foi importado pelo direito brasileiro e, levando em conta tal novidade, restam duvidas no que concernem seus fundamentos e aplicação. Por tais motivos, o artigo tem por objetivo traçar os elementos essenciais do duty to mitigate, tanto na realidade brasileira quanto no sistema Common Law, ademais, tratar-se-á também, de sua aplicação no direito interno, trazendo à baila diferentes situações em que esse instituto tem sido utilizado.
Palavras-chave: Duty to Mitigate the Loss. Dever de mitigar a perda. Direito Civil.
Abstract: Duty to mitigate the loss is a former institute of the Common Law tradition, which finds its application in the area of contract law and also the institute of civil liability. Recently the institute was imported by Brazilian law and, taking into account such novelty, doubts remain regarding its foundations and application. For these reasons, the article aims to outline the essential elements of duty to mitigate, both in the Brazilian reality and in the Common Law system, in addition, it will also deal with its application in domestic law, bringing up different situations in which this institute has been used.
Keywords: Duty to Mitigate the Loss. Civil right.
Sumário: Introdução. 1. Origem Histórica. 2. Fundamentos no sistema Common Law. 3. Os fundamentos doutrinários de sua aplicação no direito interno. 4. Casos de aplicação no direito interno. Conclusão. Referências.
Introdução
O duty to mitigate the loss ou dever de mitigar a perda é um instituto importado do direito alienígena, mais precisamente da tradição Common Law, em que suas origens remontam a meados do século XVII.
Tal instituto pode ser sintetizado em um princípio que exige que cada parte, de uma relação jurídica obrigacional, tanto nas relações contratuais quanto nas relações extracontratuais, empreenda esforços razoáveis para minimizar perdas.
Acontece que o duty to mitigate é recente na realidade jurídica interna, e esse, foi constituído na doutrina e jurisprudência brasileira sobre a égide de ditames diferentes do de sua origem. Enquanto no direito externo o instituto tem como fundamento a função social, a causalidade, e critérios positivos e negativos da mitigação do dano, na realidade interna o duty to mitigate tem sua aplicação respaldada sob a égide da boa-fé objetiva, no abuso de direto e no dever de colaboração.
Além de recente, tais fundamentos permitem uma ampla gama de aplicação e interpretação do instituto. E, portanto, o duty to mitigate ainda é permeado por dúvidas no que concernem seus fundamentos, e pressupostos doutrinários, que baseiam-no e constituem sua aplicação.
Desse modo, o artigo busca esclarecer a origem do instituto, bem como os casos e pressupostos doutrinários que fundamentam-no e direcionam sua aplicação no direito alienígena, para em seguida apontar os fundamentos do instituto no direito brasileiro visando aclarar tais questões e assim ofertar ao operador do direito meios de utilização do instituto em sua prática jurídica.
A origem histórica de tal instituto no sistema Commun Law é atribuída ao caso inglês conhecido como Vertue v. Bird julgado em 1677:
“O primeiro precedente envolvendo a aplicação do instituto ocorreu num pitoresco caso Britânico, de 1677 (FARNSWORTH E. A., 2004, p. 778). O caso envolvia a compra e venda de mercadorias a serem entregues na cidade de Ipswich, em local a ser indicado pelo comprador, por ocasião da chegada do vendedor à cidadezinha. O vendedor, já em Ipswich, aguardou por seis horas a chegada do comprador, a fim de que lhe fosse informado o local para a entrega das mercadorias.
Nesse período, os cavalos do vendedor, cansados e ‘standing in aperto aire’, morreram. No intuito de ver-se ressarcido dos danos decorrentes da perda de seus cavalos, o vendedor ajuizou ação indenizatória em face do comprador. O pedido foi negado, ao fundamento de que ‘it was the plaintiff’s folly to let the horses stand’, na medida em que ele ‘might have taken his horses out of the cart or laid down the [goods] any where in Ipswich[4]’”. (FARNSWORTH E. A., 2004, p. 778 apud COMINO, 2015, p. 18).
Já no sistema Civil Law Tepedino e Fachin (2011) atribuem a origem de tal instituto ao Código Civil Alemão de 1900, uma vez que esse, em seu § 254, prevê uma forma de mitigação do dano[5]:
“Contributory negligence
(1) Where fault on the part of the injured person contributes to the occurrence of the damage, liability in damages as well as the extent of compensation to be paid depend on the circumstances, in particular to what extent the damage is caused mainly by one or the other party.
(2) This also applies if the fault of the injured person is limited to failing to draw the attention of the obligor to the danger of unusually extensive damage, where the obligor neither was nor ought to have been aware of the danger, or to failing to avert or reduce the damage.[6]” (ALEMANHÃ, 2009, p.55).
Já Mayal (2013), identifica diferente origem para tal instituto, toda via, por em se tratando do sistema common law, a identificação de sua origem é difícil, uma vez que “[u]m sistema de Direito que não adota códigos não tem um ponto de início óbvio” (COMINO, 2015, p.19).
2. Fundamentos no sistema Common Law
Cabe primeiro elidir uma questão concernente à nomenclatura do duty to mitigate ou dever de mitigar. Uma vez que essa nomenclatura pode remeter a uma interpretação errada de sua aplicação. Comino (2015, p.35) traz à baila o pensamento de diversos doutrinadores do sistema Common Law no que diz respeito a tal questão:
“O duty to mitigate the loss não envolve um dever (FARNSWORTH E. A., 2004, p. 779) e tampouco uma obrigação, na medida em que não existe direito correlato titularizado pela outra parte (BRIDGE, Mitigation of Damages in contract and the meaning of avoidable loss, 1989, p. 400).
Dever, na clássica lição de ORLANDO GOMES, é ‘a necessidade que corre a todo indivíduo de observar as ordens ou comandos do ordenamento jurídico, sob pena de incorrer em uma sanção’ (2009, pp. 11-12). Distintamente de um dever, o mitigation principle funciona como um mecanismo que limita a indenização (SCOTT & KRAUS, 2007, p. 113); é, em realidade, um ônus, na medida em que “o comportamento é livre no sentido de que o onerado só o adota se quer realizar o seu interesse” (GOMES, 2009, p. 12). Dito de outro modo: a vítima não incorre em qualquer responsabilidade por ter deixado de adotar medidas mitigadoras (FARNSWORTH E.A., 2004, p. 779), simplesmente perde o direito ao ressarcimento sobre a parte não mitigada.”
Pois bem, superado tal ponto, passa-se a esclarecer os pontos centrais que fundamentam a doutrina da mitigação nesse sistema. Para Comino, no Common Law, o duty to mitigate está ligado precipuamente a causalidade, como pode-se inferir no asserto que segue:
“o duty to mitigate the loss é mais apropriadamente associado à noção de causalidade do que à de boa-fé, seja em países da common law (HART & HONORÉ, 1985; BRIDGE; FARNSWORTH E. A., 2004; ADAR, 2013; FURMSTON, 1981), seja quando examinado na Itália (ROSSELLO, 1983), seja quando discutido na Alemanha (SCHLECHTRIEM, 1986), embora, visto sob outra perspectiva, exista quem, sem desprezar a causalidade, lhe atribua, nos EUA, fundamentos econômicos (GOETZ & SCOTT, 1983).” (COMINO, 2015. P. 61).
Lopes (2011) e Comino (2015) afirmam que tal matéria é precipuamente consequência da doutrina do nexo causal. E constatam que os autores alienígenas reconhecem também o papel da evitabilidade na determinação dos danos, da culpa concorrente, do fato ou culpa do credor, da violação do dever de boa-fé, do abuso do direito e do venire contra factum proprium.
Ademais, nesse sistema, outro principio que fundamenta o Duty to Mitigate é o do valor social, função social, e nesse sentido anota Farnsworth (1999. On-line):
“O escopo da regra no sistema da common law é bastante claro: busca-se evitar desperdício de recursos econômicos pela inércia do credor, quando possível o afastamento do dano mediante esforço razoável. Diante da escassez, os recursos representam um valor social relevante que deve ser preservado”. (tradução nossa).
Lopes (2011) colaciona um exemplo de tal questão. Trata-se de um funcionário que é indevidamente demitido. Suas perdas e danos são o valor que poderia ter ganhado durante o período que trabalhasse sob o aviso prévio. Mas antes que esse receba qualquer montante em forma de perdas e danos, deve ficar claro que fez seu melhor para encontrar uma alternativa razoável de emprego. E se encontrou alternativa de emprego que lhe pague o mesmo valor ou mais, então ele não sofreu nenhum dano efetivo e não deverá ser indenizado no mesmo montante.
Contemplar-se-ia assim, uma situação em que o credor efetivamente mitigou os danos. No caso em tela, se o empregado sequer tivesse procurado por um emprego, sua indenização seria reduzida dos danos que poderia ter evitado se tivesse encontrado uma nova colocação. Então a indenização é calculada como se o credor tivesse mitigado os danos. A parte prejudicada não pode simplesmente manter-se inerte e esperar que os danos se acumulem.
O valor social em tal exemplo encontra-se no fato de que o duty to mitigate levaria o ex-empregado a não permanência em estado de inércia, assim, a mão de obra continuaria disponível no mercado. No que concerne à questão social, afirma McCormick (1935, p.127, apud, LOPES, 2011, p. 21):
“Regras jurídicas e doutrinárias são estabelecidas não apenas para prevenir e reparar danos e injustiças individuais, mas para proteger e conservar o bem estar econômico e a prosperidade de toda a comunidade. Conseqüentemente, é importante que tais regras sobre reparação de danos sejam tais que desencorajem até mesmo pessoas contra as quais um ilícito foi praticado de passivamente sofrerem perdas econômicas que poderiam ter sido evitadas por meio de esforços razoáveis, ou de ativamente aumentar tais danos quando a prudência recomendaria que tal atividade fosse interrompida.
O instrumento de que se vale a lei para incentivar que danos sejam evitados é a vedação a que a parte prejudicada possa ser indenizada das perdas que poderia ter razoavelmente evitado e a permissão de que seja indenizado por qualquer perda, prejuízo ou despesa incorrida em esforços razoáveis de minimizar seus prejuízos”.
Outro ponto base em sua fundamentação é o aspecto positivo e negativo da mitigação do dano, uma vez que os tribunais firmaram as bases atuais da teoria a partir de tais critérios. O positivo significa afastar do valor da indenização o dano efetivamente evitado por parte do credor.
Já o negativo surgiu como consequência e ampliação do positivo, pois, com o tempo, além do prejuízo efetivamente evitado, passou-se a reduzir da indenização o que poderia ter sido afastado mediante atuação razoável por parte do credor. O agir diligente do credor evitaria a ampliação do dano indenizável (LOPES, 2011).
Por fim, para aclarar o que tal instituto representa nessa tradição do direito, colaciona-se o Rapport d’Information n. 558, registrado na Presidência do Senado francês em 15/07/2009, elaborado por uma comissão encarregada de um estudo acerca da reforma da responsabilidade civil no direito francês, que apresenta o seguinte conceito:
“Instituição da common law, a obrigação de diminuir o dano está presente tanto no direito inglês quanto no direito americano, em nível dos Estados federados e do Estado Federal. Ele deve ser considerado como a obrigação de o juiz levar em consideração no cálculo das perdas e danos, especialmente no âmbito contratual, os esforços “razoáveis” empregados pelo credor para limitar o seu prejuízo.
Esta obrigação se traduz, segundo as hipóteses, seja por uma obrigação de agir ou de se abster. Em todo caso, quando a vítima emprega recursos próprios com o objetivo de diminuir seu prejuízo, ela tem o direito de recuperar as despesas efetuadas, mesmo que a medida empregada não tenha permitido uma diminuição efetiva do dano, desde que, razoavelmente, fosse apta para tanto”. (FRANÇA, 2009, p. 69, apud PINHEIRO, 2012, p.4).
Ou seja, entende-se o duty to mitigate the loss como a possibilidade de se exigir da vítima um comportamento voltado para a minimização da ofensa que lhe foi provocada de forma antijurídica, mediante o emprego de medidas razoáveis.
Já nos EUA, o duty to mitigate the loss foi definido como “a universally accepted principle of contract law requiring that each party exert reasonable efforts to minimize losses whenever intervening events impede contractual objectives”[7] (GOETZ & SCOTT, 1983, apud COMINO, 2015, p.12).
Todavia, há limitação para tal esforço, Lopes (2011, p.26), afirma que, “[s]eguindo uma linha de decisões judiciais, o Restatement (second) of Contracts estabeleceu não ser considerado razoável o esforço que implique risco, ônus ou humilhação indevidos.”[8]
Conclui Lopes (2011) que a norma da mitigação desenvolveu-se a partir de casos concretos levados ao Poder Judiciário, que buscou a fixação de regras relativas à mensuração da indenização a que faria jus o credor, tendo como alicerce a consideração de qual seria a conduta que poderia se esperar do credor e qual formaria o direito contratual de forma mais justa e que evitasse o desperdício de recursos no tráfego negocial, sendo que seara da responsabilidade civil esse instituto tem o mesmo condão de mitigação.
3. Os fundamentos doutrinários de sua aplicação no direito interno
O surgimento de tal instituto no Direito brasileiro se deu em 2003, com o trabalho intitulado Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor, de autoria do então Ministro do Superior Tribunal de Justiça Aguiar Júnior.
“O reconhecimento de que do inadimplemento surgiu um dano bastante grave para que se decrete a extinção do contrato dependerá da avaliação do valor desse dano. Para isso, não será levada em linha de conta a quantidade do dano causado à parte, mas sim o grau de ofensa à economia do contrato (…).
Assim, durante a mora do devedor, as condições econômicas poderão vir a ser alteradas de modo tal que a contraprestação prometida pelo credor se torne significativamente maior e mais valiosa do que a prestação ainda possível do devedor. Sendo este o descumpridor, ainda que sem maior gravidade, o fato novo que surgiu, onerando sobremaneira o credor, justifica a resolução do negócio, porque a sua economia ficou afetada em razão da demora do devedor, e não seria justo que o descumprimento funcionasse aí a favor do faltoso, com grave ônus ao credor, que por isso pode se liberar da obrigação. Ainda nesse tema, deve ser lembrada a doutrina da mitigação (‘doctrine of mitigation’), pela qual o credor deve colaborar, apesar da inexecução do contrato, para que não se agrave, pela sua ação ou omissão, o resultado danoso decorrente do incumprimento”. (AGUIAR JÚNIOR, 2004, p. 1365-136).
Logo em seguida houve a aplicação da doutrina de Aguiar Júnior em um julgado, datado de 23 de agosto de 2004, proferido pela Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça Paranaense, no que foi provavelmente a primeira decisão do Brasil aplicando o duty to mitigate the loss, que decidiu:
“A consideração dos danos deve atender a alguns parâmetros. Entre eles, a doctrine of mitigation recomenda que o lesado (credor, autor da ação de resolução) deve comportar-se de modo a mitigar os danos, mantendo-se nos limites imediatamente decorrentes da existência do ato ilícito. O princípio da boa-fé objetiva impõe ao lesado o dever de diligência para circunscrever o prejuízo e impedir a sua eventual expansão. Afirma enfaticamente Tunc: ‘A vítima não pode assistir passiva ao desencadear das diversas conseqüências da culpa, mas deve reagir com todo o seu vigor contra suas conseqüências na medida em que elas agravariam o dano’. (…) Se a vítima concorrer para o aumento dos prejuízos, o que muitas vezes implica em verdadeira concausa, responderá por seu ato. Ao lado do fundamento da boa-fé objetiva, um dos requisitos da própria responsabilidade civil, o nexo de causa e efeito, bastaria para justificar a imputação do agravamento à própria vítima, ao menos nas relações de consumo: a mesma razão que preside a culpa concorrente ou exclusiva da vítima na definição do dever de indenizar está presente no agravamento do dano. Também aqui há um dever de abstenção ou de agir, conforme o caso, para que os danos não desbordem de uma ordem natural atrelada à respectiva causa originária, imputável ao ofensor (…)”. (TJPR, 2004 apud COMINO, 2015, p. 50).
Outro importante trabalho que se revelou sob a égide de liames brevemente distintos da de Aguiar Júnior, foi o de Vera Maria Jacob de Fradera, que publicou artigo defendendo a recepção do duty to mitigate por meio do princípio da boa-fé e da proibição de venire contra factum proprium, ela assevera que:
“No sistema do Código Civil de 2002, o duty to mitigate the loss poderia ser considerado um dever acessório, derivado do princípio da boa fé objetiva, pois nosso legislador, com apoio na doutrina anterior ao atual Código, adota uma concepção cooperativa do contrato. Aliás, no dizer de Clóvis de Couto e Silva, todos os deveres anexos podem ser considerados como deveres de cooperação. (…) Outro aspecto a ser destacado é o da positivação do princípio da boa fé objetiva, no novo diploma civil, abrindo, então, inúmeras possibilidades ao alargamento das obrigações e/ou incumbências das partes, no caso, as do credor.” (FRADERA, 2004, p. 119).
Tal trabalho foi apresentado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, e culminou na aprovação do Enunciado 169 que se refere ao artigo 422 do Código Civil: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor e evitar o agravamento do próprio prejuízo” (CFJ, 2004, on-line).
Acontece que embora desprovido de valor legal os enunciados formam um norte interpretativo prestigiado pelos Tribunais, pois os eventos e a formação desses, contam com o apoio institucional do próprio Superior Tribunal de Justiça (COMINO, 2015).
Ainda, denota-se que o Código de Processo Civil por meio de seu artigo 804 trás o princípio da execução menos onerosa, dispondo, “[q]uando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado” (BRASIL, 2015, s.p).
A execução não pode ser utilizada como meio de vingança, deve assim o executado sofrer apenas o necessário para que se consiga a satisfação do direito do exequente, portanto, é uma expressa imposição por parte do legislador à mitigação dos danos que a execução possam causar.
Por fim, nas palavras de Comino (2015, p. 82), no Brasil “[o] duty do mitigate the loss é, segundo posição francamente majoritária, um ‘desdobramento da boa-fé objetiva’, um ‘dever anexo’ da boa-fé, um dever lateral ‘de mitigação dos próprios prejuízos,’ um ‘dever de colaboração’ (ou de cooperação)”.
Sendo que as decisões dos tribunais tem se dado com base no precipuamente sob a égide da boa-fé objetiva e no abuso do direito, impondo ao credor o ônus de impedir que ocorram danos razoavelmente evitáveis, sob a pena de não ser por eles indenizado. (LOPES, 2011) (COMINO, 2015) (JADVISKY, 2015?) (ROSSETTI, 2016).
4. Casos de aplicação no direito interno
O duty to mitigate the loss ultrapassou a barreira da responsabilidade civil contratual e até mesmo a do Direito Privado. Sendo invocado em literalmente centenas de decisões. Ao contrassenso dos países de tradição common law, vem sendo aplicado como um “dever”, sob a égide da boa-fé objetiva, como um dever de colaboração ou cooperação, um dever lateral de mitigação dos próprios prejuízos (LOPES, 2011).
Pode-se conferir a extensão de tal asserto em Comino (2015, p. 83): “A importação do duty to mitigate the loss acabou por conferir maior ênfase ao dever de colaboração mencionado por COUTO e SILVA, alterando-lhe o alcance, como se se tratasse de autêntico ‘dever’ de mitigação de danos.”
Ademais, o duty to mitigate é aplicado na maioria das vezes sobre a conduta do credor (COMINO, 2015), como nota-se por meio de um dos julgados do STJ que reflete a aplicação do instituto:
Outrossim, vale trazer à baila o dever geral imposto aos credores, em virtude da aplicação direta da boa-fé objetiva, de minorar as próprias perdas (duty to mitigate the loss). Assim, se impõe ao credor o ônus de adotar medidas menos prejudiciais a ambas as partes contratantes, em obediência ao dever anexo de cooperação e lealdade. Nessa ordem de ideias, antes que se proceda à efetiva contratação de advogado para a cobrança de débitos inadimplidos entre partes contratantes, é de se exigir a demonstração de tentativas de solução amigável frustradas. Do contrário, se a partir da mora o credor já contrata advogado, impingindo ao devedor um acréscimo considerável, muitas vezes, bastante superior aos encargos de mora, a contratação será desproporcional, portanto, abusiva e não sujeita ao ressarcimento. (STJ – Resp nº 1.274.629 – AP 2011/0204599-4, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 16/05/13, DJe: 20/06/2013). (STJ, 2013, on-line) (grifo nosso).
Lopes (2011) e Comino (2015), através de extensa pesquisa nos sítios dos tribunais, jungem uma série de situações nas quais o duty to mitigate vem sendo aplicado no direito interno.
Denota-se que existe uma tendência a se reconhecer que não se desincumbe do duty to mitigate the loss aquele que tarda a executar as astreintes, aquele que, mesmo dentro do prazo prescricional, demora a propor demanda judicial, inclusive nos casos de despejo, e até na propositura de ação cautelar de produção antecipada de provas. Também não se desincumbe do duty to mitigate the loss a instituição financeira que recusa ao consumidor os boletos que permitem a quitação antecipada do empréstimo.
Situação contrária se dá para os hipossuficientes: “Por outro lado, entendeu-se maciçamente que o ajuizamento tardio da demanda não representaria violação ao duty to mitigate the loss, tendo em vista a “natureza social do empreendimento”, que tinha por objetivo “prover habitação à população de baixa renda” – ou seja: se de natureza “social” o empreendimento, não há que se limitar a indenização. Assim, segundo jurisprudência predominante do Tribunal de Justiça de São Paulo, os credores de “vulneráveis” não possuiriam o dever de mitigar seus danos (os credores assim qualificados devem ser ressarcidos integralmente, apesar da inércia); já a inércia dos credores de não vulneráveis não recebe tal benesse.” (COMINO, 2015, p. 85-86).
A culpa concorrente é outra marca do duty to mitigate the loss brasileiro, presente desde o início do instituto em território nacional (com a doutrina de Aguiar Júnior). Sobre isso, afirma Comino (2015, p. 86) citando diversos julgados dos tribunais: “A correlação entre os institutos, sem dúvida, é muito próxima, havendo acórdão declarando que a “tese da mitigação do prejuízo (…) somente teria cabimento se demonstrada que a Autora tivesse concorrido culposamente pelo dano.” Em outro caso, afirmou-se que havendo “culpa concorrente das partes, não há falar-se em exclusão da indenização, mas em sua mitigação”. As hipóteses, de fato, são inúmeras, tendo o duty to mitigate the loss sido aplicado inclusive às hipóteses de culpa exclusiva vítima.”
Ademais, há numerosos casos em que a instituição financeira age com negligência ao cobrar tarifas bancárias pela manutenção de contas correntes em desuso, cujo qual o duty to mitigate é aplicado. Na quase totalidade destes casos – e notadamente naqueles em que há a inscrição indevida do nome do consumidor em cadastros de proteção ao crédito – a demanda é julgada com base nos artigos 186 e 187 do Código Civil, recorrendo-se ao duty to mitigate the loss para enfatizar a transgressão à boa-fé objetiva. (COMINO, 2015)
Como discorrido, o duty to mitigate tem por base a questão da razoabilidade das medidas mitigadoras. Somente a possibilidade, no caso concreto, de adoção de medidas mitigadoras razoáveis tem o condão de limitar o valor da indenização. Nesse sentido, afirma Comino (2015, p. 89): “A questão é muito subjetiva e depende das peculiaridades do caso. No Brasil, na maior parte das vezes, os acórdãos não tocam, de modo explícito, no difícil problema da razoabilidade das medidas, até porque nem o Enunciado 169 da III Jornada de Direito Civil, nem a Justificativa que lhe deu amparo, se ocuparam desta que é a questão fundamental relacionada ao duty to mitigate the loss.”
Ademais, o duty to mitigate tem sido aplicado a situações nas quais o exercício de um direito pelo credor poderia ter evitado ou reduzido os prejuízos de que pretende ser indenizado, situações em que o credor demora em exigir o cumprimento do devedor, casos em que o credor poderia ter informado ao devedor e solicitado procidências, entre outras.
Conclusão
Diante do inadimplemento de uma obrigação ou de responsabilidade civil, o direito brasileiro tem imposto ao credor a adoção de medidas razoáveis para mitigar, ou seja, reduzir os danos.
Diferentemente do direito de tradição common law, o sistema jurídico interno adotou o instituto do duty to mitigate sob a égide da boa-fé objetiva e no abuso de direto e no dever de colaboração. Acontece que tais fundamentos permitem uma ampla gama de aplicação e interpretação do instituto, o que a priori poderia oferecer determinada falta de objetividade a esse.
Sendo que a boa-fé, na forma prevista pelos artigos 422 e 187 do Código Civil, é uma cláusula geral, pois tem em vista a regulação de comportamentos e outorga maior grau de discricionariedade ao aplicador. Portanto, deverá o julgador verificar se a conduta em análise está ou não de acordo com a boa-fé e, em caso negativo, quais serão os efeitos daí decorrentes, dentre os vários disponíveis no ordenamento jurídico.
Entretanto, os estudos da boa-fé devem verificar a sua aplicação na resolução de problemas específicos de direito privado. Não pode a boa-fé ter aplicação tão ampla e genérica que sirva de solução a todas as questões.
Assim, a aplicação do duty to mitigate deve ser feita em caráter estritamente técnico jurídico, para que seja conciliada a flexibilidade e a segurança, abertura e coerência, justiça e previsibilidade.
Desse modo, se corretamente aplicada, a norma da mitigação no ordenamento jurídico interno, faz com que as trocas em sociedade ocorram de forma mais eficiente, provendo melhor cooperação entre as partes e consequentemente melhor forma nas relações negociais, outrossim, a maior justeza no calculo indenizatório na seara da responsabilidade civil.
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STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 1274629 AP 2011/0204599-4. Relator: Min. Nancy Andrighi. DJ: 20/06/2013. JusBrasil, 2019. Disponivel em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23443143/recurso-especial-resp-1274629-ap-2011-0204599-4-stj/inteiro-teor-23443144. Acesso em: 08 jan. 2019.
TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Edson. Revista dos Tribunais. Doutrinas Essenciais: Obrigações e Contratos, vol. III: São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
[1] Discente de Direito e Filosofia pela Universidade Paranaense. Bolsista do programa externo de bolsas de iniciação científica pela CNPq. Contato: gabrielpagnussat123@gmail.com.
[2] Possui graduação em Direito pela Universidade Paranaense e mestrado em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense. Exerce a docência e a Coordenação do Curso de Direito da Universidade Paranaense – UNIPAR, Campus de Umuarama. Contato: vpagani@uol.com.br.
[3] Doutor em Ciências da Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor Titular da Universidade Paranaense nas disciplinas de Sociologia Jurídica e Pesquisa Jurídica, Coordenador do Programa Institucional de Valorização do Magistério Superior – PRÓ-MAGÍSTER/UNIPAR. Contato: prandi@prof.unipar.br.
[4] “foi insensatez do autor deixar os cavalos presos” (…) “poderia ter desvencilhado os cavalos da carruagem ou ter colocado as mercadorias em qualquer local de Ipswich” (tradução de COMINO).
[5] A continutory negligence está também ligada às hipóteses de culpa exclusiva da vítima. (COMINO, 2015)
[6] § 254 Negligência contributiva
[7] “um princípio universalmente aceito no campo contratual que exige que cada parte empreenda esforços razoáveis para minimizar perdas, sempre que circunstâncias impeçam a concretização dos objetivos contratuais” (tradução de Comino).
[8] Os Restatements são compilações do direito desenvolvidas por precedentes jurisprudenciais, elaboradas pelo American Law Institute. Tem como objetivo reduzir a grande massa de direito jurisprudencial em um corpo de regras facilmente acessíveis sob a forma de uma consolidação. (LOPES, 2011)
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