SOUZA, Bianca Ferreira[1]
ALMEIDA, Marco Antonio Delfino[2]
Resumo: O presente artigo abordará um conjunto de diretrizes, princípios e ações norteadoras da atuação do Poder Público na área do enfrentamento ao tráfico de mulheres para fins de prostituição. A evolução da legislação brasileira para o enfrentamento dessa prática. Como o Estado atua através da prevenção, à violação dos direitos e garantias fundamentais, quais são os meios para informações e proteção dessas vítimas, campanhas de medidas e como as políticas públicas têm investido em campanhas de conscientização e reforço à garantia de direitos, que dialogam com o seu público-alvo, no caso mulheres em situação de vulnerabilidade, para assim haver a identificação delas.
Palavras-chave: Brasil, tráfico de mulheres, prostituição.
Abstract: This article will address a set of guidelines, principles and actions that guide the public authorities’ actions in the area of combating trafficking in women for prostitution purposes. The evolution of Brazilian lesgislation to cope with this practice. How the State acts through prevention, violation of fundamental rights and guarantees, what are the means for the protection of these victims, campaigns of measures and how public policies have invested in awareness campaigns and strengthening the guarantee of rights, which dialogue with their target audience, in this case women in vulnerable situations, so that there is identification of them.
Keywords: Brazil, trafficking in women, prostitution.
Sumário: Introdução. 1. A luz dos Direitos Humanos. 2. Convenção de Palermo. 3. A diferença entre Contrabando e o Tráfico de Pessoas. 4. Os meios para a caracterização do Tráfico de Mulheres no Brasil para fins de Prostituição. 5. O consentimento da vítima no tráfico de pessoas no Brasil. Conclusão. Referências.
Introdução
O tráfico humano como ressalta o livro, Uma Abordagem para os Direitos Humanos (BRASIL, 2013), consiste em um grande problema socioeconômico, em que a vulnerabilidade, pobreza, falta de conhecimento, a desigualdade social e falta de oportunidade, acarretam as pessoas a ficarem frágeis. Como falsas promessas de empregos que os traficantes a induz, e acabam se sujeitando a qualquer tipo de exploração, pois entendem que assim irão ter melhores condições de vida. O tráfico de pessoas, conforme a legislação brasileira, através do decreto 5.017 de 12 de março de 2004 define como efeito, o recrutamento, o transporte, a transferência de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos (BRASIL, 2016).
Sendo assim, toda vez que houver movimento de pessoas por meio de engano ou coerção com o fim último de explorá-la estar-se-á diante de uma situação de tráfico de pessoas (BRASIL, 2011, p.10).
Importante ressaltar que para fins de identificação do tráfico de pessoas, o uso de engano ou coerção inclui o abuso da ‘situação de vulnerabilidade’ (BRASIL, 2011, p.10). O Brasil é um dos países mais vulneráveis, pois há uma grande facilidade de entrada, sem a necessidade de visto, o que facilita o tráfico de mulheres, que muitas vezes vem com o objetivo de trabalhar como dançarina, ou até mesmo atriz, por exemplo, e acabam sendo exploradas na prostituição.
O tráfico de mulheres causa violação aos direitos humanos, porque o seu prisma é retirar a dignidade e limitar o direito de ir e vir dessas mulheres. Por isso, o tráfico de pessoas é comumente entendido pelos estudiosos do assunto como uma das formas mais explícitas de escravidão moderna ligada ao fenômeno da globalização (BRASIL, 2011, p. 11).
Por fim, o tráfico de mulheres deve ser entendido como uma das várias formas da violência contra as mulheres (BRASIL, 2011, p. 11). Segundo estudos feitos pela OMT (Organização Mundial do Trabalho) o tráfico humano movimenta cerca de 32 bilhões de dólares por ano, em que 79% das vítimas são destinadas à prostituição. Os dados mais recentes apontam que a maior parte das pessoas é vítima do tráfico para fins de exploração sexual ou trabalho escravo, a maioria mulheres (UNODC, 2018).
Os direitos humanos regem as garantias dos direitos fundamentais a todo e qualquer cidadão, seja ele nato, estrangeiro ou naturalizado, homens e mulheres tem direitos, obrigações iguais e são livres.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi realizada após a Segunda Guerra Mundial, na qual milhares de pessoas inocentes morreram. Foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, por meio da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos, este é um pacto universal que foi feito por diversos representante de Países do mundo, com culturas e politicas diferentes, para assim, atender todos os povos. A declaração universal dos direitos humanos, para ser justa e clara, desde a sua consolidação já foi traduzidas por mais de 500 idiomas em todo o mundo.
Mas, após a sua adoção, a declaração dos direitos humanos já foi introduzida entre diversas convenções, para dar cada vez mais proteção aos indivíduos, entre elas a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948), e também a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), por exemplo.
Com a evolução no âmbito Jurídico e social no Brasil e após o regime militar (1964-1985), através da Constituição Federal de 1988, são garantidos os direitos humanos, logo no seu artigo 1º, título I, que trata dos princípios fundamentais, como a soberania, cidadania e a dignidade da pessoa humana. São garantidos os valores sociais do trabalho, ou seja, todos são livres para escolher um trabalho digno e justo, sem prejuízo a outrem, e quando isso não acontece, está ocorrendo a violação dos direitos humanos, pois não está sendo respeitada a dignidade da pessoa humana, está em conflito com a Constituição e com o próprio ser humano.
A constituição Federal no seu art. 5º, inciso III, traz que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante, portanto quando isso ocorre há uma desobediência aos direitos e garantias fundamentais, uma grande violação aos direitos humanos, e a todos que lutaram para que houvesse o mínimo de respeito, igualdade e condições de trabalho digno a todo o cidadão.
Quanto ao tráfico de mulheres, ocorrendo uma violação ao seu direito, os Estados-membros, tem um caráter na abordagem para o poder legislativo programar medidas para coibir a prática de exploração da prostituição, como traz a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, em seu art. 6º (BRASIL, 2013).
Com isso, há grandes desafios ao combate à violação dos direitos, para coibir a violência, a escravidão, tortura que acontece quando alguém é submetido ao trabalho forçado, quando é traficado e seus direitos restringidos, perdendo assim a sua liberdade, o seu direito de escolhe e à segurança[3].
Entretanto, cada país é responsável para garantir a todo o cidadão a segurança, a ordem, a proteção de todos os seus direitos, e quando isso não ocorre haverá violação contra o próprio tratado que visa garantir os cuidados para que todas as pessoas sejam sempre protegidas.
Com isso, os demais tratados internacionais de direitos humanos traçam parâmetros protetivos que também devem ser levados em consideração no tocante ao enfrentamento do tráfico de pessoas (BRASIL, 2013, p.116), que veda qualquer tipo de exploração do trabalho alheio, todos têm direito ao um trabalho integro honesto e justo, tem que ocorrer de forma livre sem qualquer tipo de restrição, para assim respeitar os limites humanos, e, portanto assim que se baseada o artigo 8º do decreto nº 592, de 6 de julho de 1992 (Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação).
Ninguém poderá ser submetido ao tráfico de pessoas, todas as formas são proibidas. Então, quando alguém é traficado e utilizado para fazer o trabalho forçado, estão sendo infringidos todos os seus direitos, pois volta à época do trabalho escravo, a exploração por meio de trabalho de outrem, logo vem à humilhação, o desrespeito. Nesse sentido diz Brasil, (2013, p. 119). “A abordagem baseada nos direitos humanos implica a incorporação e prática dos parâmetros internacionais de tais direitos quanto à proteção, o respeito, o cumprimento e a promoção dos mesmos, tomando-se a pessoa como o centro da atividade e política relativa ao enfrentamento do tráfico de seres humanos. Nesse sentido, é fundamental o reconhecimento da pessoa traficada como sujeito de direitos, garantindo-se sua participação e consulta no desenvolvimento de estratégias e políticas antitráfico. Além disso, a perspectiva de direitos humanos pressupõe também o respeito ao princípio da não discriminação e atenção às peculiaridades que aumentam a vulnerabilidade de certos grupos, especialmente quanto ao gênero, idade e cultura.”
Mas ainda há uma serie de fatores que impede as pessoas vítimas de tráfico (em especial as mulheres) para buscar os seus direitos quando é violado, um desses fatores é a orientação jurídica e muitas vezes a demora no atendimento (ONU NEWS, 2015).
Contudo, os direitos humanos irão resguardar à liberdade e deveres de todos os indivíduos. E, com medidas de igualdade constitucionais segurança e aplicabilidade da Constituição Federal, o acesso à justiça ocorrerá de forma eficaz para as vítimas de tráfico.
O protocolo de Palermo trata do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, e para combater o enfrentamento do crime organizado transnacional, o Brasil e mais outros 123 países assinaram a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Transnacional em 2000 na Itália, mais conhecida como Convenção de Palermo, tendo entrado em vigor em 2003, e ratificado no Brasil em 2003 pelo decreto 5.015, de 12 de março de 2004.
A Convenção das Nações Unidades por meio do protocolo visa combater o crime transnacional e as ameaças que fere a democracia, pois quando está acontecendo o tráfico humano está sendo violados todos os direitos a liberdade. E, assim traz a disposição geral[4] da convenção a seguir: “I. Disposições Gerais Artigo 1.º Relação com a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional 1. O presente Protocolo completa a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional e deverá ser interpretado em conjunto com a Convenção. 2. As disposições da Convenção deverão aplicar-se mutatis mutandis ao presente Protocolo, salvo se no mesmo se dispuser o contrário. 3. As infrações estabelecidas em conformidade com o artigo 5.º do presente Protocolo deverão ser consideradas infrações estabelecidas em conformidade com a Convenção. Artigo 3.º Definições Para efeitos do presente Protocolo: a) Por “tráfico de pessoas” entende-se o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos; b) ((O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente artigo deverá ser considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a); c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração deverão ser considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos na alínea a) do presente artigo; d) Por “criança” entende-se qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos (PALERMO, protocolo p.2, p.3, disponível em. http://sinus.org.br/2014/wp-content/uploads/2013/11/OIT-Protocolo-de-Palermo.pdf).”
Portanto, quando são aplicados à convenção todos os países membros ampliarão também medidas, por meio de decretos. O Brasil adotou a convenção por meio do decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Que promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.
O contrabando de imigrantes ocorre em todas as regiões do mundo, pode ocorrer de várias maneiras diferentes, como organizar casamentos falsos, empregos que não existe falsificar passaporte ou ainda haver a corrupção de funcionários públicos. É um crime que envolve a obtenção de recursos ilícitos, seja em dinheiro ou bens materiais pela entrada ilegal de uma pessoa no Estado, na qual essa pessoa não seja natural ou residente.
Quando ocorre o contrabando as pessoas ficam sujeitas a condições degradantes e perigosas, como é um ato ilegal as pessoas são transportadas a escondidas, passando fome, sede, calor e frio. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM)
Há milhares de mortes provocadas por atividades de contrabando de migrantes a cada ano. Muitos morrem afogados, enquanto outros morrem devido a acidentes ou condições extremas. Segundo os registros, o Mediterrâneo parece ser a rota mais mortal, com cerca de 50% do total de mortes.
O contrabando está ligado ao conhecimento e o consentimento da pessoa contrabandeada sobre o ato criminoso, mesmo que o ato esteja colocando sua vida em risco. No entanto, o custo para chegar ao destino final, é um custo muito alto, e o valor é cobrado individualmente, mesmo que uma família esteja sendo contrabandeado, esse valor será cobrado por pessoa. Conforme dados da UNODC (2018), a taxa a ser paga por cada imigrante varia entre 2 (dois mil) a 10 (dez mil) dólares, dependendo da rota. O contrabando termina com a chegada do migrante em seu destino final, ou seja, quando ele chaga com “sucesso” no país.
De acordo com o primeiro estudo global sobre o tema, lançado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, 2018) Ao menos 2,5 milhões de migrantes foram alvo de contrabando e também foi gerado cerca de 7 bilhões de dólares para os criminosos. Esse número é assustador, pois um crime como este, atinge os mais vulneráveis, que em situações extremas saem do seu país de origem para buscar refúgio em outro, e segundo os estudos feitos pela UNODC (2018), muitos fluxos incluem crianças desacompanhadas ou separadas, que podem ser particularmente vulneráveis a fraudes e abusos por parte de criminosos, em 2016, quase 34 mil crianças desacompanhadas e separadas chegaram à Europa.
Portanto, o contrabando está ligado em um ato livre, no qual, a pessoa paga para ser contrabandear de forma errônea. O contrabando só ocorre de forma transnacional, ou seja, acontece de um país para outro, afetando a dignidade desse país, e colocando o ser humano em uma posição extrema, causando-lhe até a morte.
Já, no tráfico de pessoas, a grande diferença entre o contrabando, é que o conhecimento da vitima traficada é irrelevante, uma vez que fica caracterizado após a chegada do individuo ao destino final, e pode ocorrer dentro do próprio país, o que no contrabando somente ocorre na forma transnacional.
Mas, a principal característica do tráfico, é a forma que ocorre após a chegada dessa vítima ao destino final, pois, logo é feito o seu recrutamento, mediante coação e fraude, a pessoa ao chegar, fica a mercê dos traficantes, sem direito de escolha. No contrabando não, quando chega ao destino final acaba o vínculo que tinha com o contrabandista, e no tráfico esse vínculo não se desfaz.
O decreto 5.016/04[5] traz a expressão do que é o tráfico de pessoas migrantes no seu artigo 3º, que diz que pode ocorrer o tráfico de forma ilegal com essas pessoas. “Artigo 3 Definições Para efeitos do presente Protocolo: a) A expressão “tráfico de migrantes” significa a promoção, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, um beneficia financeiro ou outro benefício material, da entrada ilegal de uma pessoa num Estado Parte do qual essa pessoa não seja nacional ou residente permanente; b) A expressão “entrada ilegal” significa a passagem de fronteiras sem Preencher os requisitos necessários para a entrada legal no Estado de acolhimento. c) A expressão “documento de viagem ou de identidade fraudulento” significa qualquer documento de viagem ou de identificação: (i) Que tenha sido falsificado ou alterado de forma substancial por uma pessoa ou uma entidade que não esteja legalmente autorizada a fazer ou (ii) Que tenha sido emitido ou obtido de forma irregular, através de falsas declarações, corrupção ou coação ou qualquer outro meio ilícito; ou. (iii) Que seja utilizado por uma pessoa que não seja seu titular legítimo; d) O termo “navio” significa todo o tipo de embarcação, incluindo embarcações sem calado e hidroaviões, utilizados ou que possam ser utilizados como meio de transporte sobre a água, com exceção dos vasos de guerra, navios auxiliares da armada ou outras embarcações pertencentes a um Governo ou por ele exploradas, desde que sejam utilizadas exclusivamente por um serviço público não comercial.”
Com isso, o principal elemento do tráfico é o recrutamento, a situação de exploração, de tirar proveito do ser humano em situação desumana, e essa a exploração é feita após a vítima chegar ao destino, por isso no tráfico o consentimento dá vítima é irrelevante, uma vez que aceitando a situação é a única forma de sobrevivência que ela tem.
Portanto quando se está traficando uma pessoa, isso acontece de várias maneiras possíveis, pode ocorrer o tráfico para fins de exploração, que inclui a exploração sexual, a prostituição, trabalhos forçados, escravidão ou análogo a escravidão, remoção de órgãos e práticas semelhantes. O perfil das pessoas também pode variar, podendo assim, ser mulher, homem, criança, ou jovens, os mais comuns são a exploração de mulheres e crianças, pois a uma vulnerabilidade maior.
Os fatores que favorece o tráfico para fins de prostituição, é a discriminação de Gênero, a percepção da mulher como objeto sexual, e não como sujeito com direito à liberdade, facilita toda forma de violência sexual (DIAS, 2005).
Segundo Inquéritos policiais, denúncias de organizações não-governamentais (ONGs), registros em órgãos governamentais, entrevistas com vítimas e notícias veiculadas na mídia indicam, no entanto, que o tráfico interno é praticado no Brasil com a mesma intensidade do tráfico internacional. (DIAS, 2005, p 20).
O tráfico humano acontece justamente pela desigualdade social, na qual as pessoas ficam suscetíveis às falsas promessas de melhorarem de vida, e acabam sendo exploradas através do seu trabalho.
Os meios utilizados para o tráfico de mulheres são caracterizados quando essas mulheres chegam ao Brasil, achando que irão ganhar muito dinheiro para assim ajudar a família, pois a ideia passada é que o serviço que irá prestar é bem remunerado, ou até mesmo quando é uma oferta dentro do próprio país de que trabalhando em outro estado irá ter um retorno muito maior, e por ter pouco conhecimento acabam sendo enganadas pelos traficantes.
As características para ocorrer o tráfico de pessoas precisa haver a diferenciação de três elementos fundamentais, que é a ação, os meios e os fins. Dessa forma, quanto há ação precisa ocorrer o agenciamento, aliciamento, o recrutamento, a transferência ou o transporte, a compra, o alojamento ou o acolhimento da pessoa. Já os meios utilizados são a grave ameaça, coação, fraude ou o abuso. E os fins são a remoção de órgãos, tecido ou alguma parte do corpo, o trabalho forçado análogo à escravidão, servidão, adoção ilegal, a exploração sexual e a prostituição de outem.
Em contrapartida, um dos problemas para caracterizar o tráfico de pessoas é que pode ocorrer corrupção por agentes públicos e por políticos, pois como acontece uma grande movimentação de dinheiro, e de acordo com a OMT cerca de 32 bilhões de dólares por ano. As altas somas de dinheiro envolvidas nas organizações criminosas criam inúmeras oportunidades para a corrupção de agentes públicos, que combatem o tráfico (DIAS, 2005, p.21).
Igualmente acontece com políticos em busca de proteção para seus negócios, os traficantes podem também se associar a políticos, obtendo favores e influência política por meio de suborno (DIAS, 2005, p.22).
Assim, um dos elementos é o transporte para caracterizar o tráfico de mulheres, quando elas saem de seus países e migram no Brasil, e após chegar e ocorrer o seu recrutamento, o isolamento, e segundo a politica de enfrentamento à violência contra as mulheres: “O tráfico de mulheres está ligado à migração, muitas vezes irregular ou forçada. A migração voluntária se verifica quando a pessoa deseja mudar de país e a forçada quando ela o faz sem o seu livre consentimento manifestado ou de forma enganada, com falsas promessas de sucesso, trabalho fácil e até casamento. A migração será considerada regular quando a migrante possuir todos os documentos legítimos para saída do seu país de origem e entrada em outro país, bem como aqueles necessários para a permanência neste, para residência ou trabalho. Já a migração irregular ocorre quando a migrante não possui os documentos supracitados, mas permanece ali com um visto de turista, já expirado, ou até mesmo sem visto algum (BRASIL, 2011, p. 26 e 27).”
Diante disso, quando à vítima de tráfico chega ao estado ou país é para ser explorada de alguma maneira, que pode ser por meio da prostituição, ou seja, elas trabalham como prostitutas para pagar as suas despesas ou dividas que os traficantes impõem, elas ficam condicionada a submissão, pois quando estão ali seus direitos são subtraídos, e passam a ser comandado pelos aliciadores. “É bom salientar que no Brasil não é proibida a prática de prostituição, desde que seja de forma livre e consensual, mas se essa prática for feita de maneira de exploração, gera ato ilícito, já a prostituição forçada é aquela exercida sem o consentimento ou com o consentimento inválido, ou seja, com o consentimento viciado ou induzido, e se dá através da exploração da prostituição de outrem. No Brasil a prostituição forçada é condenada sob a figura do rufianismo, sendo considerada violação de direitos humanos e deve ser enfrentada (BRASIL, 2011, p. 28).”
E, conforme tipifica o Código Penal brasileiro, o Rufianismo[6]: “Art. 230 – Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 2º Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009). Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência (BRASIL, 2019).”
E, quando acontece esse proveito da prostituição de outrem, seja de forma direita ou indireta mediante grave ameaça, fraude ou ainda que dificulte a manifestação da vítima, está cometendo o tráfico de pessoas, assim também tipifica o Código Penal brasileiro[7]. “Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III – submetê-la a qualquer tipo de servidão; IV – adoção ilegal; ou V – exploração sexual. Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa (BRASIL, 2019).”
Ainda, aquele que induzir ou atrair alguém para a prostituição de uma forma que impede ou dificulte que alguém a abandone, estará cometendo o tráfico de pessoas para fim de prostituição, conforme estabelece o artigo 228, do código penal. Por isso, o tráfico de mulheres para a prostituição, é uma grande ofensa aos direitos humanos, pois restringe o direito de liberdade, de expressão, a mulher fica condicionada a submissão, de ser tratada como um objeto, de ser usada e depois descartada, utiliza essas mulheres para a comercialização humana. Dessa forma, no momento em que as mulheres, vítima do tráfico entra no Brasil a fim de melhorar de vida, se vê sem saída, sendo coagida, humilhada, e não enxerga outra forma a não ser aceitar a exploração, e se submetem à prostituição.
No ano de 2016 foi introduzida no Brasil a lei 13.344 de 6 de outubro de 2016, a lei que trata sobre o tráfico de pessoas, e que dispões sobre a prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas. O enfrentamento por meio do pacto federativo, na atuação para reprimir esse tipo de crime.
Levantamento do Ministério da Justiça, realizado no âmbito de projeto implementado com o UNODC, apurou que no Brasil, os estados que viviam em situações mais grave eram Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro, por serem os principais pontos de saída do país, e Goiás (DIAS, 2005, p.19).
Em 2017 o jornal O GLOBO, publicou uma matéria referente aos números de casos de pessoas traficadas no Brasil, na qual o Ministério da Justiça junto com o Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) apontou um aumento de 8% de vítimas deste crime entre 2015 e 2016: pulou de 740 para 797 pessoas. E, também destacou os grandes estados que ocorreu o tráfico de pessoas, sendo eles, o líder na origem das vítimas é Minas Gerais (de 112 para 432). Também houve altas em Paraná (de 4 para 57), Amazonas (de 1 para 9) e Ceará (de 4 para 5 vítimas), entre outros. Registraram queda em São Paulo (de 249 para 96) e Goiás (de 310 para 116).
Já o portal R7, publicou uma matéria em que, segundo o Ministério da Justiça, umas das rotas no Brasil é a região norte, pois além do tráfico de pessoas, também atua no tráfico de drogas e falsificação de documentos, os estados que mais são suscetíveis a essa rota são os estados de Amazonas, Roraima, Acre e Rondônia.
Ainda na matéria feita pelo portal R7, destacaram que foram realizadas 595 denúncias com indícios de tráficos de pessoas nos últimos 12 anos, ONG recebeu 13.700 denúncias de tráfico humano. Assim, sites de direito privado, faz uma ponte entre entidades do governo para facilitar as denúncias de tráfico de pessoas (ou outros tipos de crime), que ocorrem na internet, um deles é o SaferNet Brasil, que no ano de 2017 contabilizou aumento de 15% no volume de queixas contra o tráfico de pessoas: saiu de 1,3 mil para 1,5 mil. O presidente da ONG, Thiago Tavares, observa que 95% dessas denúncias referem-se a páginas que recrutam jovens para fins de exploração sexual (SOUTO, 2017). Perez (2018), ainda afirma que o tráfico de pessoas tem um maior índice de subnotificação, e ainda ressalta: As pessoas aliciadas se deslocam voluntariamente pelo território nacional ou internacional e o crime só se torna visível quando as vítimas se tornam reféns em cárcere privado (PEREZ, 2018).
Dessa forma, o blog Huffpost Brasil, publicou uma matéria que, em 2019 na cidade de São Paulo foi registrado pela Polícia Civil uma operação batizada de “Freedom” (liberdade, em inglês), na qual havia um local que funcionava como uma casa de prostituição, todas as jovens eram imigrantes chinesas entre 18 a 21 anos. “O delegado da 2º DP responsável pelo caso, Antonio Sucupira, disse que as chinesas viviam em quartos insalubres, com potencial risco de incêndio e com acesso restrito à alimentação. O que vimos foram essas jovens mulheres em situação degradante. Os quartos em que elas estavam eram sujos, com restos de alimentos e a fiação elétrica insegura. Poderia ter ocorrido um incêndio ali.”
De acordo com o delegado, a Polícia Civil de São Paulo recebeu uma denúncia anônima de que mulheres estariam sendo vítimas de abusos na região do Bom Retiro. Já na delegacia, as chinesas afirmaram que eram obrigadas a praticar sexo com homens e que deviam pagar aos proprietários uma mensalidade pelo uso dos quartos. Neste caso o que levou fim a essa exploração, foi o fato de uma das vítimas ter conseguido o telefone de seu cliente e telefonar para o seu pai (que mora na China), para assim conseguir ajuda. Então, após a denúncia, foi identificado um casal de chinês que praticava a exploração, o casal e o “funcionário” do local foram autuados pelos crimes de cárcere privado, favorecimento a prostituição e o tráfico de mulheres. Nesse caso, fica evidente como ocorre o tráfico para fins de prostituição, como os aliciadores tiram proveito de outrem para se beneficiar.
Alguns dados mostram que alvo de aliciadores são mulheres muito novas, pois assim elas não saibam identificar quando está ocorrendo o tráfico de pessoas, ou utilizam mulheres que tenham sonhos de crescer profissionalmente, sonhos de ficarem famosas, então aí que entra as falsas promessas de emprego e o engano para assim, utilizar esses meios para ocorrer à exploração posteriormente.
Mas, para que esse tipo de situação seja aceito por essas mulheres, é a forma de como elas são iludidas, pois acreditam que tendo casa, comida sejam o suficiente para aceitar qualquer tipo de exploração. E, muita delas não tem o mínimo de informação, para saber que estão sendo enganadas, e acreditam que esses criminosos estão certos, e acabam não se vendo como vítima dessas situações. Mas para haver a proteção dessas vítimas a Lei 13.344/16 traz a seguridade em seu capítulo IV: “CAPÍTULO IV DA PROTEÇÃO E DA ASSISTÊNCIA ÀS VÍTIMAS Art. 6º A proteção e o atendimento à vítima direta ou indireta do tráfico de pessoas compreendem: I – assistência jurídica, social, de trabalho e emprego e de saúde; II – acolhimento e abrigo provisório; III-atenção às suas necessidades específicas, especialmente em relação a questões de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, nacionalidade, raça, religião, faixa etária, situação migratória, atuação profissional, diversidade cultural, linguagem, laços sociais e familiares ou outro status; IV – preservação da intimidade e da identidade; V-prevenção à revitimização no atendimento e nos procedimentos investigatórios e judiciais; VI – atendimento humanizado; VII – informação sobre procedimentos administrativos e judiciais (BRASIL, 2016).”
Dessa forma, para haver uma proteção mais ampla, ou seja, um amparo legal para as vítimas de tráfico na qual sejam imigrantes, em 2017 foi introduzido à nova Lei de migração, (lei 13.445/2017), no seu artigo 30, disciplina que as vítimas de tráfico de pessoas podem ter sua residência autorizada mediante registro, cuja pessoa tenha sido vítima de tráfico de pessoas, de trabalho escravo ou de violação de direito agravada por sua condição migratória (BRASIL, 2016).
Assim, pelo decreto nº 9.199/2017, no artigo 158, inciso I diz que, autorização de residência poderá ser concedida à vítima de tráfico de pessoas, a autorização de residência. “§2º O requerimento previsto neste artigo poderá se mediante requerimento, e encaminhado diretamente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pela Auditoria Fiscal do Trabalho, na forma estabelecida em ato conjunto dos Ministros de Estado da Justiça e Segurança Pública e do Trabalho, consultados os demais Ministérios interessados, o qual disporá sobre outras autoridades públicas que poderão reconhecer a situação do imigrante como vítima, nos termos estabelecidos no caput. §3º A autoridade pública que representar pela regularização migratória das vítimas a que se refere o caput deverá instruir a representação com documentação que permita identificar e localizar o imigrante.§ 4º O beneficiário da autorização de residência concedida a vítima a que se refere o caput deverá apresentar anuência ao requerimento ofertado pela autoridade pública (BRASIL, 2017).”
Com isso, a Lei de imigração reúne em um mesmo documento legal, pela primeira vez no país, dispositivos sobre o tráfico de pessoas cometido no território nacional contra vítimas brasileiras ou estrangeiras e no exterior contra vítimas brasileiras (BRASIL, 2013, p 17).
Recentemente, no Brasil foi publicada a portaria que regulariza a situação de vítimas de tráfico de pessoas, preenchendo uma lacuna no enfrentamento desses crimes que possibilita às vítimas uma nova perspectiva de vida.
A portaria nº 87/2020, regulamenta permissão de residência a imigrantes que tenham sido vítimas de tráfico de pessoas, ou que sofreram alguma violência, ou seja, o imigrante que tenha sofrido violência doméstica, cárcere privado, extorsão ou tortura, cujo autor do delito se prevaleceu da condição migratória da vítima (art. 3º, III da portaria nº 87/2020).
De acordo com a portaria nº 87/2020, há uma ampliação maior na sua concessão, quando é reconhecida a vulnerabilidade da vítima, ocorre uma flexibilização para a residência desse imigrante. Um ponto que ocorreu uma mudança na forma da obtenção de residência, que é mediante o requerimento conforme disciplina o art. 1º da portaria, “O requerimento de autorização de residência disciplinada nesta portaria poderá ser apresentado em qualquer unidade da Polícia Federal.” Em conformidade com art. 4º da Portaria veja: “Art. 4º A autorização de residência fundada nesta Portaria poderá ser requerida, com a anuência do imigrante, pelas seguintes autoridades públicas: I – membro de Ministério Público; II – Defensor Público; III – Auditor Fiscal do Trabalho; IV – membro do Poder Judiciário; e V – Delegado de Polícia.”
Assim, o requerimento deverá ser acompanhado com o formulário ou relatórios decorrentes de operações policiais, para comprovar a violência ou o crime que a vítima foi submetida, como é o caso das Chinesas na operação “freedon”, essa é uma forma delas se sentirem amparadas pelo Estado na concessão da residência temporariamente ou definitiva.
Portanto, a portaria nº87/2020, trouxe essa ampliação para amparar às vítimas, na qual os procedimentos são a autorização de residência á esses estrangeiros que sofreram a violação dos seus direitos, como no caso de mulheres estrangeiras que sofrem o tráfico para fins de prostituição.
Segundo a titular da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), os dados do balanço ressaltam a importância da sensibilização dos governos federal, estaduais e municipais, além da população em geral, “para que busquemos, com mais força, soluções eficazes no combate a esse crime”.
Os dados feitos pela MMFDH apontam as denúncias mais registradas durante o ano 2018, são de tráfico interno para fins de exploração sexual (16,9%), internacional para fins de exploração sexual (8,1%). Entre as vítimas, 53,1% são do sexo feminino.
Com isso, uns dos caminhos para ocorrer à caracterização e a aplicabilidade da lei no tráfico de mulheres, é a denúncia, pois através dela é possível a identificação das vítimas e dos traficantes, um balanço feito pelo Disque 100, mostra muito bem isso. “De acordo com o balanço de dados colhidos pelo Disque 100, canal de denúncias relativas a casos de violação de direitos humanos, o Brasil teve 175 mil casos de exploração sexual de crianças e adolescentes entre 2012 e 2016, o que significa quatro casos por hora. Em relação ao tráfico de pessoas, o Disque 100 já mapeou este ano (2018) 14 casos até julho. Já o Disque 180, canal destinado a receber denúncias de casos de violência contra a mulher, registrou 102 ocorrências apenas em 2018, de acordo com o Ministério de Direitos Humanos[8].”
A MMFDH, também divulgou o balanço anual do Disque 100 (Disque Direitos Humanos) referente ao tráfico de pessoas no Brasil. Em 2018, foram 159 denúncias, que resultaram em 170 violações. Entre os casos mais registrados, tráfico interno para fins de exploração sexual (16,9%). Veja tabelas de comparativo de cada mês do ano e os estados do país no ano de 2018:
Dessa forma, segundo a assessora para Assuntos sobre Refugiados do MMFDH, Cláudia Giovanetti, destaca que a divulgação dos dados é importante no âmbito da implementação de enfrentamento ao tráfico de pessoas, pois seguindo está corrente, quanto mais divulgação sobre o tema, mais a população irá denunciar, e menos pessoas irão cair na rede de exploração sexual.
Contudo, ainda nos dias de hoje a muito preconceito e também corrupção em relação à prática de prostituição, e por isso fica difícil à caracterização do tráfico de mulheres para essa finalidade, essas vítimas não se veem como tal, pois acreditam que essa prática não seja criminosa, e, acham que aceitando essas situações estão certas. Dessa forma, a evolução das leis, decretos, convenções conjuntamente com informações, denúncias e diretrizes são fundamentais para amparar legalmente as vítimas de tráfico de mulheres para fins de prostituição.
Com a introdução do decreto 5.017/04 no artigo 3º, alínea b, traz a definição que o consentimento dado pela vítima é irrelevante, portanto não será válido; pois é um consentimento que foi obtido através de fraude, engano e falsas promessas sobre o local de destino; é um consentimento que foi obtido a partir da situação de vulnerabilidade da vítima (BRASIL, 2012).
Como já mencionado é bom salientar que no Brasil não é proibida a prática de prostituição, desde que seja de forma livre e consensual (Brasil, 2011), mas é proibida a prostituição que explora outras pessoas para essa prática, basta que o MEIO utilizado tenha sido a “força ou outras formas de coação, o rapto, a fraude, o engano, o abuso de autoridade, situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios”, para que o CONSENTIMENTO seja irrelevante (BRASIL, 2012).
O consentimento da vítima utiliza-se da redação do Protocolo, mas a reduz, pois na redação da Convenção Internacional se fala em ação em que se recorre ao abuso de autoridade, à situação de vulnerabilidade, ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra (BRASIL, 2019, p. 77).
Assim, a 3ª Turma do TRF da 1ª Região, negou-se um pedido de apelação no qual o apelante pediu que o consentimento dado pela vítima fosse caracterizado como excludente ao crime de tráfico de pessoas. Assim ficou entendido: (Apelação Criminal 0001188-98.2011.4.01.3000/AC). “Ementa PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE SERES HUMANOS. EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MULHERES. ARTIGO 231 DO CÓDIGO PENAL. (ART. 239 DO ECA). CONSENTIMENTO DAS VÍTIMAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. 1. O consentimento da vítima em seguir viagem não exclui a culpabilidade do traficante ou do explorador, pois que o requisito central do tráfico é a presença do engano, da coerção, da dívida e do propósito de exploração. É comum que as mulheres, quando do deslocamento, tenham conhecimento de que irão exercer a prostituição, mas não têm elas consciência das condições em que, normalmente, se veem coagidas a atuar ao chegar no local de destino. Nisso está a fraude. 2. O crime de tráfico de pessoas – foi a Lei 11.106, de 28.03.2005, que alterou a redação do art. 231 do Código Penal, de tráfico de mulheres para tráfico internacional de pessoas – consuma-se com a entrada ou a saída da pessoa, homem ou mulher, seja ou não prostituída, do território nacional, independentemente do efetivo exercício da prostituição – basta o ir ou vir exercer a prostituição – , e ainda que conte com o consentimento da vítima. 3. O Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, que suplementa a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em novembro de 2000, trouxe a primeira definição internacionalmente aceita de tráfico de seres humanos: “a) ‘Tráfico de pessoas’ deve significar o recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração. Exploração inclui, no mínimo, a exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas análogas à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos; b) O consentimento de uma vítima de tráfico de pessoas para a desejada exploração definida no subparágrafo (a) deste artigo deve ser irrelevante onde qualquer um dos meios definidos no subparágrafo (a) tenham sido usados”. 4. “O tráfico pode envolver um indivíduo ou um grupo de indivíduos. O ilícito começa com o aliciamento e termina com a pessoa que explora a vítima (compra-a e a mantém em escravidão, ou submete a práticas similares à escravidão, ou ao trabalho forçado ou outras formas de servidão). O tráfico internacional não se refere apenas e tão-somente ao cruzamento das fronteiras entre países. Parte substancial do tráfico global reside em mover uma pessoa de uma região para outra, dentro dos limites de um único país, observando-se que o consentimento da vítima em seguir viagem não exclui a culpabilidade do traficante ou do explorador, nem limita o direito que ela tem à proteção oficial” (Damásio de Jesus, in Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças – Brasil, São Paulo: Saraiva, 2003, p. XXIV). 5. O crime disposto no art. 239 do ECA configura-se quando se promove ou auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro. 6. Materialidade e autoria comprovadas pelo conjunto probatório contido nos autos. (TRF-1 – ACR: 1188 AC 0001188-98.2011.4.01.3000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data de Julgamento: 26/03/2013, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.291 de 05/04/2013).”
Desse modo, quando há o tráfico de pessoas e consequentemente a vítima concorda com os aliciadores, esse consentimento não irá excluir a culpabilidade do agente, pois nesse sentido tem um abuso de poder, ou seja, a vítima fica vulnerável à exploração, pois vive com medo e ameaças. Por isso, vale ressaltar que qualquer indivíduo que submete à exploração mediante a força de trabalho em troca de remuneração (nela incluídos o uso do corpo, mente e tempo de vida) faz uma escolha economicamente orientada, pois não tem mais o sentido de escolha e sim de aceitar as condições que foi imposta (BRASIL, 2019, p. 78).
Dessa forma, será reconhecida a situação de tráfico de pessoas mesmo havendo o consentimento da vítima, partindo do entendimento de que a sua vontade foi desvirtuada (BRASIL, 2011).
Assim, quando ocorre alguma forma que impede a vítima de abandonar aquela situação de exploração, o consentimento é feito de forma involuntária.
Em outras formas, o consentimento dado pela vítima, tanto de forma involuntária quanto de forma voluntaria, não excluirá a culpabilidade daquele que optem lucro através da prostituição alheia, por isso que o consentimento da vítima é irrelevante, pois ela pode praticar a prostituição de forma livre, ou seja, de forma consciente, mas aquele que tira proveito ou vantagem dessa situação será punido pela exploração.
Portanto, é bom salientar que em caso de qualquer forma de exploração, seja no tráfico de mulheres para fins de prostituição, ou outro meio de exploração sexual, o consentimento será irrelevante, conforme art. 3º, alínea b do decreto 5.017/04.
Conclusão
Contudo, uns dos problemas do tráfico de mulheres para fins de prostituição, é que o tráfico se camufla na prostituição, justamente porque sua prática não é proibida no Brasil, por isso que muitas vezes essas vítimas não procuram ajuda, pois fica com medo das pessoas (ou até mesmo da família) não acreditar que elas sofreram essa violência. A mulher não se sente como vítima, e sim, sente-se culpada, envergonhada pela forma que ela foi enganada, pois o abalo psicológico e físico que ela sofre fica marcado pelo resto da vida. Por isso é importante à divulgação de informação, para que todos saibam caracterizar quando está ocorrendo o tráfico de mulheres para a prostituição.
Dessa forma, ao longo dos anos muitas medidas foram feitas para o combate ao tráfico de mulheres, e também há muito que fazer no Brasil, mas para continuar o combate ao tráfico de pessoas, é preciso informar a sociedade, por meio de políticas públicas, de investimentos em educação, informação, cultura para que não haja vítimas dessas organizações criminosas. Pois, a raiz do problema está justamente na desigualdade social, na falta de recurso, e na falta do poder público em investir em escolas de qualidades para atender a todos. Vale também ressaltar a importância da denúncia e da divulgação, de levar conhecimento a toda sociedade sobre o tráfico humano, pois por meio da denúncia, consegue haver a identificação de quem é a vítima e quem é o traficante.
O conhecimento deve ser levado principalmente ao público alvo, ou seja, mulheres jovens que sofrem essa violação, e também aos homens, pois o principal “cliente” da prostituição é do sexo masculino, por isso a informação deve chegar até ele, para que ele também saiba identificar uma mulher que está sendo traficada para a prostituição.
Por isso, que a introdução da Lei 13. 334/16, em seu artigo 14, traz o dia nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas, que é feito no dia 30 de julho, no qual são feitas campanhas e divulgações para a toda população, buscando conscientizar a sociedade que esse crime existe e deve ser combatido por todos.
Referência
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[1] Acadêmica da Faculdade de Direito pela UNIGRAN. E-mail: biancaaferreira16@gmail.com
[2] Mestre em Antropologia pela UFGD. Professor em Direito Constitucional e Direitos Humanos pela Unigran. Procurador do Ministério Público Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: marco.almeida@unigran.br
[3] Art. 5º da CF” Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se os brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes. […].
[4] Disponível em: http://sinus.org.br/2014/wp-content/uploads/2013/11/OIT-Protocolo-de-Palermo.pdf.
[5] Disponíveis em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5016.htm
[6] Quem tira proveito da prostituição alheia, participando, diretamente dos lucros
[7] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
[8] DOLCE, Júlia. Brasil Ainda é Negligente com a Exploração e o Tráfico de Mulheres. Brasil de fato, São Paulo, 2018.
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