Samuel Levi Rodrigues Lima[1]
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo expor os principais posicionamentos doutrinários acerca do instituto da tutela provisória, bem como apresentar os conceitos e normas trazidas pelo ordenamento jurídico a respeito do tema. Através de um levantamento bibliográfico e documental, com base na lei processual e na doutrina brasileira que trata sobre o assunto, foi possível chegar a uma compreensão aprofundada desse instituto e, com isso, sistematizar todo o conhecimento de maneira clara e objetiva. O tema se torna relevante pois, conforme será demonstrado, a tutela provisória é a principal saída frente a morosidade característica da tramitação do processo civil brasileiro, tendo grande importância para garantir que a prestação jurisdicional se dê próximo àquilo que é buscado nos Estados democráticos de direito. A pesquisa mostra-se significativa porquanto trata-se de um instituto jurídico de difícil compreensão acadêmica, uma vez que existem diversas classificações, conceitos, termos e entendimentos diferentes usados na doutrina.
Palavras-chave: Tutela provisória. Estabilização da tutela provisória. Regras processuais.
Abstract: This paper aims to expose the main doctrinal positions about the provisional tutelage institute, as well as to present the concepts and rules brought by the legal system regarding the theme. Through a bibliographic and documentary survey, based on the procedural law and the Brazilian doctrine that deals with the subject, it was possible to reach a deep understanding of this institute and, with that, systematize all knowledge in a clear and objective way. The theme becomes relevant because, as will be demonstrated, provisional protection is the main solution in view of the slow nature of the handling of Brazilian civil proceedings, having great importance in ensuring that the jurisdictional provision is close to what is sought in democratic states under the law . The research proves to be relevant because it is a legal institute of difficult academic understanding, since there are several different classifications, concepts, terms and understandings used in the doctrine.
Keywords: Temporary custody. Stabilization of provisional guardianship. Procedural rules.
Sumário: Introdução. 1. Conceituando tutela provisória. 2. Classificação das tutelas provisórias quanto ao fundamento e quanto ao momento. 3. Regras do CPC referentes às tutelas provisórias. 4. Estabilização da tutela provisória. 4.1 Discussões referentes à estabilização. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O instituto da tutela provisória é um dos mais importantes existentes dentro do processo civil brasileiro. Essa importância se dá principalmente diante da demora na prestação jurisdicional, quase sempre presente no judiciário nacional. Assim sendo, esse instituto funciona como uma válvula de escape a essa demora que, malgrado necessária para que o Estado possa prestar uma cognição verdadeiramente exauriente, termina por ferir o princípio da celeridade processual, previsto no art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal.
Apesar desse fator positivo, a tutela provisória é um lar de controvérsias doutrinárias. Faz-se importante, portanto, um debate acerca desses entendimentos diversos que, por muitas vezes, podem se tornar um convite à confusão e à dificuldade de entendimento a respeito do tema, principalmente no que tange à estabilização da tutela provisória.
Em virtude disso e partindo dessa problemática, o presente trabalho foi realizado. A elaboração se deu através de uma pesquisa bibliográfica e documental, trazendo os principais posicionamentos presentes entre os doutrinadores, bem como a própria lei processual. A partir daí, foi possível a formação de uma base sólida de conceitos e correlações capazes de esclarecer completamente esse instituto tão relevante para o processo civil..
Logo após a presente introdução, o tópico 2 conceituará as mais diversas espécies e subespécies de tutelas provisórias, de modo a permitir a compreensão do trabalho em geral. O tópico 3, por sua vez, irá dispor a respeito das regras trazidas pelo vigente Código de Processo Civil para a concessão das modalidades de tutelas provisórias.
Os tópicos 4 e 5 aprofundar-se-ão no debate doutrinário acerca das divergências existentes quanto ao tema, e disporão também a respeito das regras e conceitos no que tange à estabilização da tutela provisória. A conclusão, por sua vez, consubstanciará um posicionamento frente aos vários ensinamentos demonstrados ao longo do trabalho, de modo que sejam possíveis novas pesquisas a respeito do tema, ou possa servir de base para consolidação de ideias que caminhem no mesmo sentido.
Primeiramente, é importante conceituar o instituto da tutela provisória e trazer as classificações propostas pelos principais doutrinadores do processo civil brasileiro. Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves, trata-se do mecanismo processual através do qual o magistrado antecipa os efeitos da sentença ao requerente, com fundamento na urgência e na plausibilidade do pedido, ou apenas na plausibilidade do pedido:
“A concessão da tutela provisória é fundada em juízo de probabilidade, ou seja, não há certeza da existência do direito da parte, mas uma aparência de que esse direito exista. É consequência natural da cognição sumária realizada pelo juiz na concessão dessa espécie de tutela. Se ainda não teve acesso a todos os elementos de convicção, sua decisão não será fundada na certeza, mas na mera aparência – ou probabilidade – de o direito existir.” (NEVES, 2016, pg. 806).
Assim, segundo o ilustre mestre, quanto ao fundamento, as tutelas provisórias podem ser concedidas em virtude da urgência ou da evidência. Quando fundadas na urgência, têm como base o “periculum in mora” e a “fumus boni iuris”, ou seja, no perigo da demora e na fumaça do bom direito, respectivamente. Já a tutela provisória fundada na evidência tem por finalidade conceder um direito incontroverso da parte, portanto possui fundamento apenas no “fumus boni iuris”.
Nesse liame, propõe Daniel Amorim (2016) três espécies de tutela de urgência, quais sejam:
(a) tutela cautelar, genérica para assegurar a utilidade do resultado final;
(b) tutela antecipada, genérica para satisfazer faticamente o direito;
(c) tutela liminar, específica para satisfazer faticamente o direito.
Afirma ainda que a tutela antecipada é a generalização das liminares. Nesse sentido, se não houver previsão expressa de liminar no procedimento adotado, caberá tutela antecipada.
Outro ilustre mestre do processo civil brasileiro é Freddie Didier Júnior. Para que seja possível entender o conceito e as classificações por ele propostas, é necessário entender, antes de tudo, a tutela definitiva, a qual ele define da seguinte maneira:
“A tutela definitiva é aquela obtida com base em cognição exauriente, com profundo debate acerca do objeto da decisão, garantindo-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. É predisposta a produzir resultados imutáveis, cristalizados, pela coisa julgada. É espécie de tutela que prestigia, sobretudo, a segurança jurídica.“ (575)
Nesse contexto, afirma ele que a tutela definitiva pode ser satisfativa ou cautelar, sendo que:
“A tutela definitiva satisfativa é aquela que visa certificar e/ou efetivar o direito material. Predispõe-se à satisfação de um direito material com a entrega do bem da vida almejado. É a chamada tutela-padrão”
“A tutela cautelar não visa à satisfação de um direito (ressalvado, obviamente, o próprio direito à cautela), mas, sim, a assegurar a sua futura satisfação, protegendo-o. (…)É meio de preservação de outro direito, o direito acautela (o, objeto da tutela satisfativa). A tutela cautelar é, necessariamente, uma tutela que se refere a outro direito, distinto do direito à própria cautela. Há o direito à cautela e o direito que se acautela. O direito à cautela é o direito à tutela cautelar; o direito que se acautela, ou direito acautelado, é o direito sobre que recai a tutela cautelar. Essa referibilidade é essencial. “ (DIDER, 2016, pág. 576)
A necessidade de conceituar a tutela definitiva antes de classificar a tutela provisória decorre do fato de que, segundo o autor, qualquer tutela definitiva, e somente a tutela definitiva, pode ser concedida provisoriamente. As espécies de tutela definitiva seriam, por isso, as espécies de tutela provisória, uma vez que as tutelas provisórias são as tutelas definitivas, concedidas provisoriamente.
Seguindo com essa linha de raciocínio, a tutela provisória pode ser satisfativa ou cautelar. Pode-se, assim, antecipar provisoriamente a satisfação ou a cautela do direito afirmado. Com isso, o autor explica o conceito de tutela provisória satisfativa e de tutela provisória cautelar:
“A tutela provisória satisfativa antecipa os efeitos da tutela definitiva satisfativa, conferindo eficácia imediata ao direito afirmado. Adianta-se, assim, a satisfação do direito, com a atribuição do bem da vida. Esta é a espécie de tutela provisória que o legislador resolveu denominar de tutela antecipada” .
“A tutela provisória cautelar antecipa os efeitos de tutela definitiva não-satisfativa (cautelar), conferindo eficácia imediata ao direito à cautela. Adianta-se, assim, a cautela a determinado direito. Ela somente se justifica diante de uma situação de urgência do direito a ser acautelado, que exija sua preservação imediata, garantindo sua futura e eventual satisfação (arts. 294 e 300, CPC). A tutela provisória cautelar tem, assim, dupla função: é provisória por dar eficácia imediata à tutela definitiva não-satisfativa; e é cautelar por assegurar a futura eficácia da tutela definitiva satisfativa, na medida em que resguarda o direito a ser satisfeito, acautelando-o” (DIDER, 2016, pág.582-583)
Marcus Vinicius Rios Gonçalves também faz ponderações importantes acerca do instituto da tutela provisória. Segundo o autor:
A expressão “tutela provisória” passou a expressar, na atual sistemática, um conjunto de tutelas diferenciadas, que podem ser postuladas nos processos de conhecimento e de execução, e que abrangem tanto as medidas de natureza satisfativa quanto cautelar. Designa, portanto, o gênero, do qual a tutela satisfativa e a tutela cautelar são espécies.” (GONÇALVES, 2016, pág. 451)
O autor também traz as classificações da tutela provisória, seguindo uma linha de raciocínio semelhante à dos demais apresentados anteriormente.
“A tutela provisória pode ser classificada pela sua natureza, fundamentação ou momento em que requerida. Conforme a natureza, pode ser antecipada ou cautelar; quanto à fundamentação, de urgência ou de evidência; e quanto ao momento de concessão, antecedente ou incidental.” (GONÇALVES, 2016, pág. 455)
Diante de todos os conceitos e classificações apresentadas, é incontroverso na doutrina, portanto, que a tutela provisória pode fundamentar-se na urgência ou na evidência e que, quanto ao momento de concessão, pode ser antecedente ou incidental. As controvérsias ficam por conta da classificação geral das tutelas provisórias em cautelares e satisfativas, uma vez que, segundo a classificação de Daniel Amorim Assumpção Neves, a tutela cautelar é subespécia da tutela de urgência.
Malgrado isso, a classificação mais segura e condizente com a doutrina majoritária é, de fato, feita quando divide-se a tutela provisória, quanto a sua natureza, em cautelar e satisfativa. Essa classificação torna sólida todas as demais e não permite que haja uma confusão de terminologias, facilitando o estudo e sedimentando o conhecimento. Assim, resumidamente, quanto à natureza, a tutela provisória pode ser satisfativa, quando antecipa os efeitos da tutela definitiva, ou cautelar, quando assegura a prestação da tutela satisfativa.
Mostrados tais conceitos e dirimidas as dúvidas iniciais, é possível entender as demais classificações. É sabido que, quanto ao fundamento, podem as tutelas provisórias ser de urgência ou de evidência, sendo importante destacar, desde já, que a urgência pode servir de fundamento à tutela satisfativa ou à tutela cautelar. Já a evidência, nos termos do CPC, pode servir de fundamento apenas para as tutelas provisórias satisfativas.
A tutela provisória de urgência ocorre quando existem “elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo” (CPC, art. 300, caput). Assim, os requisitos são o fumus boni juris, ou seja, a probabilidade do direito, e o periculum in mora, que pode ser entendido como o risco que o requerente, diante da ausência de prestação, pode sofrer em razão de prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
Assim, as peças se encaixam. Uma vez que a natureza assecuratória da tutela cautelar pressupõe um perigo na demora da prestação jurisdicional e a probabilidade de a parte ter uma decisão a ela favorável, ela pode ser fundamentada na urgência ou na evidência. Enquanto isso, a natureza da tutela satisfativa pressupõe somente o “fumus boni iuris”, não havendo, nesse caso, perigo na demora, ou seja, não há urgência, razão pela qual somente pode ter como fundamento a evidência.
Esclarecidos esses pontos, é possível entender a classificação quanto ao momento da concessão, segundo a qual a tutela provisória pode se dar de maneira incidental ou de maneira antecedente.
A tutela provisória incidental ocorre quando, já estando em trâmite o processo de conhecimento ou de execução, apresenta a parte petição devidamente fundamentada pleiteando a concessão da tutela provisória cabível no caso concreto, porém antes da sentença final. Nesse sentido Fredie Didier: “A tutela provisória incidental é aquela requerida dentro do processo em que se pede ou já se pediu a tutela definitiva, no intuito de adiantar seus efeitos. […] É requerimento contemporâneo ou posterior à formulação do pedido definitivo” (DIDIER, 2017 p. 240).
Já a tutela requerida de maneira antecedente se dá anteriormente à formulação do pedido de tutela definitiva. Na lição de Humberto Theodoro Júnior:
“Considera-se antecedente toda medida urgente pleiteada antes da dedução em juízo do pedido principal, seja ela cautelar ou satisfativa. Em regra, ambas são programadas para dar seguimento a uma pretensão principal a ser aperfeiçoada nos próprios autos em que o provimento antecedente se consumou.” (THEODORO, 2016 p. 646).
É pacífico na doutrina que a tutela provisória de urgência pode ser requerida de maneira incidental ou antecedente. Entretanto, quando se trata de tutelas provisórias fundadas na evidência, ocorrem disparidades.
A tutela de evidência, quanto ao momento da concessão, segundo a doutrina majoritária e a própria lei (em virtude de ausência de disposição a respeito), somente pode ser concedida de maneira incidental. Partindo dessa premissa, visto que não existe o “periculum in mora”, não se faz necessário concedê-la antes de se ter um processo instaurado, em respeito ao contraditório e à ampla defesa. Em sentido contrário o mestre Daniel Amorim:
“Não concordo com a opinião doutrinária de que o legislador acertou porque o pedido de tutela provisória em caráter antecedente está condicionado a situações de urgência. Na realidade é plenamente justificável que um pedido de tutela de evidência se faça de forma antecedente, sem qualquer exigência de urgência” […] (NEVES, 2016 p. 809-810).
A questão torna-se relevante em virtude do fato de que, caso não possa ser requerida de maneira antecedente, a tutela de evidência também não poderá ser passível de estabilização, conforme demonstrados nos tópicos posteriores.
Como dito, a própria lei processual dispõe que a tutela de evidência só pode se dar de maneira incidental e, de fato, malgrado a opinião do mestre Daniel Amorim acima descrita, não há razão para que uma tutela de evidência, formulada com base em um pedido que não pressupõe perigo de demora ou risco ao resultado útil do processo, caso não seja desde logo concedido, seja adiantado por meio de uma tutela provisória.
Se assim acontecesse, a tutela provisória adiantaria o pedido, com base na evidência, antes mesmo da realização da contestação e da dedução do pedido principal, conforme os conceitos acima trazidos. Assim, tendo em vista os princípios do devido processo legal e do contraditório, os quais não podem ser completamente desconsiderados ante o princípio da celeridade processual, é plausível a opção do legislador que determinou que somente tutelas provisórias fundadas na urgência podem ser requeridas de maneira antecedente.
Segundo o art. 300 do CPC a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, ou seja, os anteriormente citados “periculum in mora” e “fumus bom iuris”.
O art. 303 do CPC traz os meios para efetivar a possibilidade da concessão da tutela de urgência de maneira antecedente, consubstanciando que a petição pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e, novamente, o perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo. O §4° e 5° do mesmo artigo indicam que o autor terá que indicar o valor da causa e que pretende valer-se do benefício trazido pela tutela de urgência antecedente.
O art. 311, por sua vez, versa a respeito da tutela provisória de evidência. Em seu caput afirma que ela será concedida independentemente do perigo de dano ou risco ou ao resultado útil do processo, ou seja, somente é requisito para a sua concessão a “fumus boni iuris”, que nesse caso deverá ser bem mais “densa”, visto que se trata de um requisito único. As hipóteses de cabimento da tutela de evidência são:
“I – Ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II – As alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – Se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – A petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
O parágrafo único do referido artigo afirma que nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.” (CPC, 2015)
É importante asseverar que trata-se de um rol exemplificativo, visto que, no plano material, diversas outras hipóteses nas quais seria possível o cabimento da tutela provisória de evidência podem surgir. Nesse sentido, Daniel Amorim:
“Já que o legislador criou um artigo para prever as hipóteses de tutela da evidência, deveria ter tido o cuidado de fazer uma enumeração mais ampla, ainda que limitada a situações previstas no Código de Processo Civil. Afinal, a liminar da ação possessória, mantida no Novo Código de Processo Civil, continua a ser espécie de tutela de evidência, bem como a concessão do mandado monitório e da liminar nos embargos de terceiro, e nenhuma delas está prevista no art. 311 do Novo CPC. A única conclusão possível é que o rol de tal dispositivo legal é exemplificativo.” (NEVES, 2016 p. 919).
Conforme dito anteriormente, o parágrafo único enumera que nas hipóteses dos incisos II e III o juiz poderá decidir liminarmente. Essa decisão liminar difere-se da concessão da tutela de maneira antecedente, visto que a primeira trata de uma hipótese na qual o juiz poderá proferir uma decisão no início de determinada fase processual, sendo que essa fase pode ser até mesmo a sentença final.
O procedimento de estabilização da tutela provisória se dá por meio de uma técnica monitória. Essa técnica materializa-se na concessão, pelo juiz, de um mandado “inaldita altera partes”, ou seja, que tem como pressuposto apenas as alegações feitas pelo autor, em virtude da probabilidade do seu pedido ser julgado procedente futuramente. Segundo Quintela:
“No processo monitório, o juiz determina, inaldita altera parte, a expedição do mandado contendo a ordem de pagamento de certa quantia ou de entrega de uma determinada quantidade de coisas fungíveis, ou entrega de coisa móvel determinada, fundando esse não na certeza do direito afirmado pelo autor, mas no reconhecimento da probabilidade de existência desse direito, emanada da prova documental escrita por ele apresentada” (QUINTELA, 2016).
Visto isso e recapitulando o tema anteriormente comentado, caso se faça uma interpretação literal da norma processual, no processo civil brasileiro somente é passível de estabilização a tutela provisória de urgência satisfativa (que o legislador denomina como antecipada), requerida em caráter antecedente. Isso se dá porque, nessa modalidade, o que se tem é uma antecipação dos efeitos da sentença definitiva, concedida antes mesmo da instauração formal do processo (antecedente).
O procedimento de estabilização é disciplinado no art. 304 do Código de Processo Civil, o qual afirma que a tutela antecipada torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso. Ainda de acordo com esse artigo, o §2° afirma que qualquer das partes poderá demandar a outra com intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada, visto que ainda não transitou em julgado. Mas, para que o autor poderia querer dar prosseguimento ao processo sendo que já obteve a tutela provisória estabilizada? Para entender, é mister a lição de Fredie Didier Jr.:
“É possível que o autor tenha interesse em obter mais do que isso. As tutelas declaratória e constitutiva, por exemplo, podem só servir ao jurisdicionado se concedidas em definitivo e com força de coisa julgada – […] – A segurança jurídica da coisa julgada pode revelar-se necessária para a satisfação das partes envolvidas na causa.” (DIDIER, 2017 p .270).
Um exemplo disso é o caso de uma ação de divórcio. Novas núpcias somente poderiam ser contraídas se uma sentença transitada em julgado concedesse a separação, visto que, conforme preceitua o próprio código de processo civil, a concessão de tutela provisória, ainda que estabilizada, não faz coisa julgada.
O §5° do art. 304 por sua vez versa que o citado anteriormente direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no também citado anteriormente §2° extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo.
4.1 DISCUSSÕES REFERENTES À ESTABILIZAÇÃO
Conforme foi mostrado anteriormente, caso seja feita uma interpretação literal da norma, somente a tutela satisfativa requerida de maneira antecedente é passível de estabilização. Em virtude disso, o § 5° do art. 303 do Código de Processo Civil diz que o autor deve indicar na petição inicial que está requerendo essa modalidade de tutela provisória. O que aconteceria, entretanto, se o autor indicasse outra modalidade, como por exemplo, uma tutela cautelar, tendo o seu pedido, porém, natureza de tutela satisfativa?
Prevendo o legislador essa hipótese, inseriu no parágrafo único do art. 305 redação que indica que, caso o juiz entenda que o pedido tem natureza antecipada (satisfativa), deverá observar o disposto no art. 303, o qual versa a respeito da tutela antecipada antecedente. Mas, e se o juiz entender que o pedido de uma tutela antecipada antecedente tem natureza cautelar?
Nesse caso não há previsão legislativa, o que deixa claro que o legislador falou menos do que deveria. É possível, portanto, que seja aplicada nessa hipótese o princípio da analogia. Ou seja, deverá o juiz observar o disposto no art. 305 do CPC, que versa a respeito da tutela cautelar antecedente.
Ocorre que, existe a possibilidade de ser requerida pelo autor uma tutela antecipada em caráter antecedente, com natureza cautelar, e não ser ela reconhecida pelo juiz como cautelar, processando-se como se antecipada fosse. Seria, portanto, essa tutela passível de se tornar estável, mesmo tendo fim tão somente de assegurar que não se frustre a sentença final.
Nesse caso, o melhor entendimento é que, apesar da aparente estabilização, não deve haver o prazo de dois anos (art. 304, §2° CPC) para rever a tutela estabilizada. Isso porque esse dispositivo foi previsto para tutelas de natureza antecipada (satisfativa), e não somente as denominadas antecipadas. Sendo assim, por meio de uma interpretação sistemática e teleológica do Código de Processo Civil, pode ser deduzido que, a qualquer tempo, a tutela requerida pelo autor, com natureza cautelar, porém denominada antecipada(satisfativa), seja passível de revisão pelas partes, até porque a concessão de tutelas provisórias não faz coisa julgada.
Importante também é a discussão acerca da possível estabilização da tutela provisória de evidência. Conforme dito anteriormente, somente as tutelas de urgência satisfativas requeridas em caráter antecedente são passíveis de estabilização nos termos do CPC. Essa regra pressupõe uma interpretação restritiva da legislação processual, visto que os arts. 303 e 304 do CPC, que versam sobre a estabilização de tutelas, tratam apenas da tutela provisória de urgência satisfativa (antecipada) requerida de maneira antecedente. Nesse sentido, ”é preciso que o autor tenha requerido a concessão de tutela provisória satisfativa (tutela antecipada) em caráter antecedente. Somente ela tem aptidão para estabilizar-se nos termos do art. 304 do CPC.” (DIDIER, 2017 p. 269).
Por seu turno, Daniel Amorim defende que a tutela de evidência, além de poder ser requerida também em caráter antecedente (conforme demonstrado no Item 1 do presente artigo), também seja passível de estabilização:
“O mesmo, entretanto, não se pode dizer da tutela provisória de evidência, que a exemplo da tutela antecipada tem natureza satisfativa. Nesse caso o legislador parece ter dito menos do que deveria, porque as mesmas razões que o levaram a criar a estabilização da tutela antecipada indiscutivelmente aplicam-se à tutela de evidência. “(NEVES. 2016 p. 865).
Apesar de plausível a afirmação do ilustre mestre Daniel Amorim, ao afirmar que a tutela fundada na evidência possui a mesma natureza da tutela de urgência satisfativa, sendo, portanto, aquela também passível de ser requerida de maneira antecedente, o melhor entendimento é que ela (a tutela fundada na evidência) não deve ser passível de estabilização.
Ora, devendo a tutela provisória fundada na evidência do pedido do autor ser julgada procedente na sentença final, não faz sentido extinguir o processo através da estabilização da tutela. Melhor nesse caso é justamente fazer o previsível, ou seja, conceder o juiz a tutela provisória enquanto não se dá a sentença final, até porque não existe o perigo na demora. Conceder a tutela de maneira antecedente já é suficiente para satisfazer o direito do autor. Ademais, permitir que essa tutela se estabilize seria privilegiar de maneira exagerada aquele que a requere.
CONCLUSÃO
A partir do levantamento bibliográfico feito, temos que a tutela provisória se trata de um tema bastante detalhista, no qual os conceitos, apesar de as vezes confusos, muito em virtude das diferentes denominações feitas pelos doutrinadores, são bastante relevantes, seja em virtude dos debates acadêmicos, seja em virtude dos resultados no plano material. Isso se dá, pois, conforme demonstrado, de acordo com o “tipo” de tutela provisória requerida, os resultados práticos podem ser os mais diversos.
Dos vários aspectos da tutela provisória mencionados ao longo do texto, destaca-se, primeiramente, o debate acerca da possibilidade de ser requerida uma tutela satisfativa de evidência de maneira antecedente. Conforme demonstrado, Daniel Amorim defende que seja possível, apesar da ausência de disposição legal nesse sentido.
O fundamento é bastante plausível, porque a tutela satisfativa de evidência possui a mesma natureza da tutela satisfativa de urgência, pois as duas irão apenas antecipar o futuro provimento jurisdicional, ainda que uma venha a assegurar o resultado útil do processo (urgência) ou a garantir um direito incontroverso da parte (evidência), sendo diferentes apenas os requisitos para sua concessão.
Em segundo lugar, destaca-se o debate acerca da possível estabilização da tutela de evidência requerida de maneira antecedente. Nesse ponto, defende Daniel Amorim que é possível sim que tal fato ocorra, em sentido contrário à doutrina majoritária. Fredie Didier, entretanto, caminha no mesmo sentido que a maioria dos doutrinadores, entendendo somente ser passível de estabilização somente a tutela satisfativa de urgência requerida em caráter antecedente.
Nesse ponto, conforme explicado no tópico anterior deste trabalho, o posicionamento do ilustre mestre Freie Didier é mais coerente, visto que a tutela provisória de evidência, quando concedida, por si só, já satisfaz o autor, e não há perigo na demora para justificar a mitigação do devido processo legal nesse sentido.
Por fim, destaca-se que os debates a respeito do instituto processual tutela provisória ainda são bastante vastos, e longe estão de estarem esgotados. Sendo assim, o presente trabalho poderá ser passível de debates em sentido contrário, ou pode servir como base teórica para aqueles que concordam com os posicionamentos nele trazidos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n.13.105, de março de 2015, Brasília – DF.
DIDIER, Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil – 12° edição. Ed. Juspodivm, Salvador, 2016.
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado® / Marcus Vinicius Rios Gonçalves ; coordenador Pedro Lenza. – 6. ed. – São Paulo :Saraiva, 2016. – (Coleção esquematizado®)
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – 8° edição. Ed. Juspodivm, Salvador, 2016.
QUINTELA, Eduardo. A ação monitória. Disponível em < https://eqffilho.jusbrasil.com.br/artigos/337376907/a-acao-monitoria >. Acesso em 03/06/2017.
THEODORO, Humberto Júnior. Curso de Direito Processual Civil – 56° edição. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2015.
[1] Bacharel em Direito e advogado inscrito na Ordem dos advogados do Brasil – PI , número 19.458
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