ECA

Uma análise panorâmica sobre as medidas socioeducativas

Eder Perfoll Marcelino[1], Gabriela Enelis Rengel Cota[2], Lucas Fachini[3], Luiza de Oliveira Burigo[4], Lucemar José Urbanek[5]

Resumo: O presente artigo científico tem como objeto apresentar as medidas socioeducativas previstas na Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente. Para tanto, averiguar-se-á o conceito e aplicação das medidas socioeducativas a fim de delimitar quais são suas espécies. Realizada esta primeira abordagem, o presente trabalho definirá e explicará, panoramicamente, cada espécie de medidas socioeducativa, especialmente para buscar as diferenças e as principais peculiaridades entre elas. O método de abordagem utilizado na elaboração desse trabalho foi o indutivo e o método de procedimento foi o monográfico. O levantamento de dados foi por meio da técnica da pesquisa bibliográfica. Por fim, a área do direito que será abordada no presente artigo será a que permeia o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Palavras-chave: Medidas Socioeducativas. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069/90.

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Abstract: The purpose of this scientific article is to present the socio-educational measures provided for in Law no. 8.069, of July 13, 1990, also known as the Child and Adolescent Statute. For that, the concept and application of socio-educational measures will be investigated in order to delimit which are their species. Having carried out this first approach, the present work will define and explain, in a panoramic way, each kind of socio-educational measures, especially to search for the differences and the main peculiarities between them. The method used in preparing this course of study was the inductive method and the procedure was the monographic. Data collection was through the technical literature. Finally, the area of law that will be addressed in this article will be the Statute of Children and Adolescents.

Keywords: Socio-educational measures. Child and Adolescent Statute. Law no. 8.069/90.

 

Sumário: Introdução. 1 Das medidas socioeducativas. 1.1 Da advertência. 1.2 Da obrigação de reparar o dano. 1.3 Da prestação de serviços à comunidade. 1.4 Da liberdade assistida. 1.5 Do regime de semiliberdade. 1.6 Da internação. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente Artigo Científico abordará as medidas socioeducativas, que são as providências tomadas em razão do cometimento de infrações por adolescentes, previstas na Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente.

O objetivo geral deste trabalho é analisar as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Já os objetivos específicos são os seguintes: a) conceituar as medidas socioeducativas; b) identificar as espécies de medidas socioeducativas; e c) diferenciar cada espécie de medidas socioeducativas.

Na delimitação do tema levanta-se o seguinte problema: O que são as medidas socioeducativas? E quais são suas espécies e suas respectivas diferenças entre elas?

Para equacionamento do problema levanta-se a seguinte hipótese: supõe-se que as medidas socioeducativas são meios sancionatórios aplicadas aos adolescentes que cometeram infrações. Pressupõe-se, também, que existem espécies de medidas socioeducativas e que elas se diferem entre si.

Embora no atual sistema jurídico brasileiro seja esperado o bom comportamento às crianças e aos adolescentes, nada os impedem de cometerem crimes ou contravenções penais, razão pela qual se faz necessária uma análise sobre quais são as eventuais sanções permitidas no caso de condenações.

Insta esclarecer que a motivação destas infrações ou quaisquer circunstâncias ou características estudadas pela criminologia não serão abordadas no presente artigo, mas tão somente os meios de combater estas infrações que estão previstas no Estatuto da Criança do e do Adolescente.

Para tanto, averiguar-se-á o conceito e aplicação das medidas socioeducativas a fim de delimitar quais são suas espécies. Realizada esta primeira abordagem, o presente trabalho definirá e explicará, panoramicamente, cada espécie de medida socioeducativa, especialmente para buscar as diferenças e as principais peculiaridades entre elas.

 

1. DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

As medidas socioeducativas são providências originadas de uma sentença judicial, de um processo de natureza educativa e sancionatória, como resposta ao ato do adolescente infrator. Não sendo aplicada à criança. Pode também ter natureza administrativa, resultante de uma homologação judicial (ISHIDA, 2015, p. 287).

 

Essas medidas estão dispostas no Capítulo IV do Estatuto da Criança e do Adolescente, mais especificamente no artigo 112, o qual apresenta o rol taxativo delas. As medidas, conforme o referido dispositivo, podem ser de advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou internação em estabelecimento educacional (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990).

 

Ainda, o artigo supracitado prescreve que poderá ser tomada, em caráter de medidas socioeducativas, quaisquer indicadores expostos no artigo 101, incisos I a VI (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990), do qual se extrai:

 

“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial”.

 

Para melhor entender as medidas socioeducativas, Guilherme de Souza Nucci (2018, p. 449) realiza uma comparação entre a punibilidade conferida aos adultos, os inimputáveis, as crianças e, finalmente e como foco deste trabalho, os adolescentes:

 

“O adulto, autor de crime ou contravenção, plenamente capaz de compreender o caráter ilícito de sua conduta e determinar-se conforme esse entendimento sofre o juízo de censura (culpabilidade), devendo, comprovada a sua culpa, receber a pena, cuja finalidade é multifacetada (reprimir e prevenir). O maior de 18, quando enfermo ou retardado mental, considerado inimputável, autor de um injusto penal (fato típico e ilícito), não pode sofrer o juízo de censura (culpabilidade), motivo pelo qual não comete crime e é absolvido; entretanto, como medida curativa, pretendendo protegê-lo e também a sociedade, aplica-se a medida de segurança, lastreada num juízo de periculosidade”.

 

E, mais:

 

“No caso das crianças, cometendo ato infracional, como já ventilado, merecem proteção, cuidado e tato educativo, razão pela qual se aplica a medida de proteção. Finalmente, considerando-se o cometimento de ato infracional pelo adolescente, não se realiza, igualmente, o juízo de censura (culpabilidade), porque ainda não atingiram o grau de amadurecimento indispensável para compreender integralmente o caráter ilícito de sua conduta, comportando-se conforme tal entendimento”.

 

Para aplicar uma medida socioeducativa, utilizam-se três critérios: capacidade de cumprimento, circunstância fática e gravidade da infração (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990, art. 112, § 1º). Nesses critérios o juiz verifica a primariedade ou não do adolescente e a vinculação com a família (ISHIDA, 2015, p. 293), o que, aliás, aquele é o único e exclusivo competente para sua aplicação, conforme a Súmula n. 108 do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 1994).

 

Ainda sobre sua aplicação, Gediel Claudino de Araujo Júnior (2019, p. 97) alerta:

 

“[…]a norma não indica qual medida socioeducativa é própria para cada caso em particular, cabendo ao juiz, após ouvir o representante do Ministério Público e a Defesa, estabelecer qual das medidas previstas neste artigo se mostra mais adequada ao caso em particular; salvo no caso de ‘internação’”.

 

Para que uma medida socioeducativa seja aplicada é necessário estar presente a prova da autoria e da materialidade, com exceção da advertência, que poderá ser aplicada com apenas indícios de autoria e prova de materialidade, consoante prescreve o artigo 114 e seu parágrafo único (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990).

 

Insta esclarecer, ainda, que a confissão não pode ser usada isolada como meio de prova para ensejar a decretação de medida socioeducativa, precisando ela ser confrontada com outras provas, ou, se ainda for o caso, produzi-las (ARAUJO JÚNIOR, 2019, p. 99). No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, Súmula n. 342, 2007) também considera nula a desistência da produção de outras provas com base em mera confissão do infrator quando determinando a aplicação de medida socioeducativa.

 

Realizada esta primeira parte conceitual, adentra-se, agora, em cada tipo de medidas socioeducativas, a fim de defini-las e demonstrar as suas singularidades.

 

1.1      DA ADVERTÊNCIA

A advertência está prevista no artigo 115 do Estatuto da Criança e do Adolescente e consiste em uma leitura do ato cometido e o comprometimento de que não se repetirá. A advertência esgota-se em si mesma, não havendo necessidade de acompanhamento posterior (ISHIDA, 2015, p. 294).

 

Sobre a advertência, Guilherme de Souza Nucci (2018, p. 458) explica: “é a mais branda das medidas socioeducativas, devendo ser reservada para os atos infracionais considerados leves, envolvendo a lesão a bens jurídicos de menor relevância, além de ser destinada aos adolescentes de primeira vez”.

 

Das leituras supracitadas, extrai-se que a advertência, além de não necessitar de prova concreta da autoria, é a medida socioeducativa mais branda, eis que somente conste em uma leitura do ato cometido e uma promessa de não reiteração.

 

1.2      DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO

Segundo o artigo 116 (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990), a autoridade poderá determinar que o adolescente compense o prejuízo da vítima, a restituição da coisa ou o ressarcimento do dano, quando o ato infracional ocasionar reflexos patrimoniais.

 

É importante considerar que o infrator é considerado relativamente incapaz, razão pela qual “[…] este deverá estar assistido pelos pais e/ou responsável legal em qualquer ato que tenha objetivo de eventual composição de dano envolvendo ato infracional; lembrando-se que a maioria da doutrina e da jurisprudência entende que os pais têm responsabilidade solidária” (ARAUJO JÚNIOR, 2019, p. 101).

 

Sobre a responsabilidade solidária com os pais, Guilherme de Souza Nucci (2018, p. 460) alerta:

 

“Por isso, provocando lesão a bem jurídico alheio, mais eficiente que a advertência, é a obrigação de reparar o dano, para que tenha a perfeita noção do que significa trabalhar e esforçar-se para sanar o seu próprio erro. Mas é fundamental que a obrigação de reparar o dano seja cumprimento diretamente pelo adolescente – e não pelos seus pais ou responsável. Muito fácil para o menor, ao lesar terceiro, que seus genitores arquem com o prejuízo, pois lição alguma fica disso. Aliás, nem precisaria haver procedimento na Vara da Infância e Juventude, bastando um processo de indenização em Vara Civil”.

 

Realizada a determinação, extingue-se a medida, visto que sua análise é verificada sobre o grifo do cumprimento da tarefa (ROSSATO, 2019, p. 395). Por outro lado, na impossibilidade de realizar a reparação do dano, esta medida será substituída por outra (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990, art. 116, parágrafo único).

 

1.3      DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

A prestação de serviços à comunidade, segundo o artigo 117, “consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais” (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990).

 

Essa medida busca estimular “[…] a reeducação pelos bons princípios do auxílio comunitário, fazendo o adolescente sentir um pouco da miséria ou dor alheia, de diferentes níveis, pois autuará junto a enfermos físicos (hospitais), pessoas em aprendizado (escolas) […] dentre outros […]” (NUCCI, 2018, p. 460).

 

A prestação de serviço comunitário, além de não poder exceder seis meses, não poderá possuir jornada superior a oito horas semanais, embora possam ser realizadas em todos os dias da semana, inclusive em feriados, mas sempre respeitado a frequência escolar ou a jornada de trabalho do infante (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990, art. 117, parágrafo único).

 

1.4      DA LIBERDADE ASSISTIDA

A liberdade assistida, segundo Mário Luiz Romidoff, acarreta melhores resultados na orientação humanitária e pedagógica do adolescente infrator, visto que ela compreende uma série de acompanhamento, auxílio e orientação deste (2012, p. 88).

 

Sobre este assunto, Gediel Claudino de Araujo Júnior simplifica a liberdade assistida: “[…] consiste, basicamente, no comparecimento periódico do adolescente a uma entrevista com o assistente social ou psicólogo do juízo, equivale […] à suspensão condicional do processo” (2019, p. 103).

 

É importante mencionar que no bojo da Lei n. 8.069/90 encontram-se os encargos prescritos para o orientador do infrator (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990, art. 119 e seus incisos), conforme:

 

“I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; II – supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula; III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho; IV – apresentar relatório do caso”.

 

Por fim, a liberdade assistida deverá ser fixada, no mínimo, no prazo de seis meses, a qual poderá ser revogada, prorrogada ou substituída a qualquer tempo (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990, art. 118, § 2º). Por outro lado, segundo o Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2017), sua prorrogação somente se dará no limite de três anos, utilizando-se o parâmetro da medida socioeducativa da internação, conforme o artigo 121, § 3º, do referido diploma legal.

 

1.5      DO REGIME DE SEMILIBERDADE

No regime de semiliberdade é incluso o adolescente infrator em unidade específica para recebê-lo durante o período noturno, autorizando-o seu estudo e trabalho fora, independente de autorização judicial, equivalente ao regime aberto para o sistema penal (NUCCI, 2018, p. 483).

 

Esta medida socioeducativa, ainda, é regulada pela Resolução nº 47, de 06 de dezembro de 1996, do CONANDA, a qual, em seu artigo 1º, estabelece sua principal função:

 

“O regime de semiliberdade […] deve ser executado de forma a ocupar o adolescente em atividades educativas, de profissionalização e de lazer, durante o período diurno, sob rigoroso acompanhamento e controle de equipe multidisciplinar especializada, e encaminhado ao convívio familiar no período noturno, sempre que possível”.

 

Sobre o seu ingresso, alerta Guilherme de Souza Nucci (2018, p. 484):

 

“Conforme a gravidade do ato infracional, pode o juiz determinar, na decisão do procedimento verificatório, o ingresso do jovem, desde o início, no sistema de semiliberdade; porém, é viável, ainda, destinar-se à progressão de quem vem do sistema penal, é o regime fechado. Deve o julgador trabalhar com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, atualmente muito utilizado no contexto penal e processual penal. Em particular neste último cenário, no tocante à prisão cautelar (necessidade e duração)”.

 

Por último, em relação ao prazo máximo para sua aplicação, utiliza-se o mesmo da internação, ou seja, três anos, conforme dispõe o artigo 120, § 2º, Lei n. 8.069/90, ou quando o infrator complementar vinte e um anos de idade, oportunidade em que deverá receber a liberdade obrigatória (ARAUJO JÚNIOR, 2019, p. 104).

 

1.6      DA INTERNAÇÃO

A internação é considerada a medida mais rigorosa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, eis que restringe a liberdade do adolescente por intermédio de uma institucionalização (ZAPATER, 2019, p. 203), regulamentada no artigo 121 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

Diante do seu caráter punitivo e por ser uma medida mais severa, a internação está pautada em três grandes princípios: da brevidade, da excepcionalidade e do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (ROSSATO, 2019, p. 401).

 

O caráter excepcional da medida socioeducativa de internação encontra-se no fato de que, por tratar-se da medida mais severa, somente é aplicada em últimos casos, quando não há alternativa que possa ser aplicada ao caso, que deve ocorrer apenas quando cessarem todos ou outros esforços à reeducação do infante (ISHIDA, 2015, p. 307).

 

A excepcionalidade da internação é, inclusive, pacificada por entendimento do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2013):

 

“AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO TRÁFICO DE DROGAS. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. AFASTAMENTO. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA APOIADA NA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL PACIFICADA. MOTIVAÇÃO DO RECURSO QUE NÃO ENCONTRA RESPALDO JURISPRUDENCIAL. PRINCÍPIO DA EXCEPCIONALIDADE. 1. Segundo o entendimento estabelecido no âmbito desta Corte, a medida socioeducativa de internação é de aplicação excepcional, de modo que somente pode ser imposta ou mantida nos casos taxativamente previstos no artigo 122 do ECA, o que não se evidencia na hipótese, razão pela qual se impõe a manutenção do decisum […]”.

 

No mais, a aplicação desta medida quando há outra adequada é, inclusive, vedada pelo Estatuto da Criança do Adolescente, conforme previsão do § 2º do artigo 122 deste Diploma legal: “em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada” (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990).

 

Em frente, o princípio da brevidade está relacionado ao limite cronológico que a internação pode alcançar, uma vez que esse tipo de medida não comporta um prazo determinado (ZAPATER, 2019, p 204). Devendo, contudo, observar o limite máximo de três anos ou o fato de o adolescente completar vinte e um anos, quando este deverá ser obrigatoriamente solto (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990, art. 121, § 3º, 4º e 5º). Neste ínterim, a cada seis meses, é imprescritível que o magistrado reavalie a medida adotada, mediante decisão fundamentada (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990, art. 121, § 2º).

 

Por sua vez, o princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento refere-se às hipóteses em que a internação pode ser aplicada, estas presentes no rol taxativo do artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente (CAVALCANTI, 2014, p. 183), sendo elas: “I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta” (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990, art. 122).

 

Na hipótese do inciso I, que prevê a internação quando o ato infracional é cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, o legislador tinha em mente atos graves e gravíssimos, como roubo, estupro e homicídio. Vale ressaltar, contudo, que alguns crimes em que há violência, não possuem gravidades, como a lesão em decorrência de uma briga (CAVALCANTI, 2014, p. 183).

 

Assim, “[…] para análise da incidência do inciso I, deve ser levado em consideração o próprio tipo penal a que se amolda o ato infracional […]” (ROSSATO, 2019, p. 403).

 

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2010) já decidiu sobre inaplicabilidade imediata da internação em casos de tráfico de drogas, visto que, embora tal crime apresente natureza hedionda, não enseja, por si só, a referida medida socioeducativa, visto que é despida de violência à pessoa e grave ameaça.

 

Sobre a reiteração no cometimento de outras infrações graves, hipótese do inciso II, houve grande divergência na doutrina e na jurisprudência para sua aplicação, visto que, anteriormente, o Superior Tribunal de Justiça somente permitia aplicar a internação em caso de cometimento de mais de três infrações, contudo, tal posição resultou superada, conforme explica Luciano Alves Rossato (2019, p. 405):

 

“[…] o exemplo poderá auxiliar no entendimento. Determinado adolescente praticou o delito de tráfico ilícito de entorpecentes, sendo-lhe aplicado medida de liberdade assistida. Posteriormente, o mesmo adolescente pratica nova infração, consistente também em tráfico. Ambos os casos não se enquadram no inciso I, pois não há violência ou grave ameaça à pessoa. Contudo, ocorreria reiteração no cometimento de infrações graves? […] A propósito do tema, após ampla discussão, inicialmente prevaleceu o entendimento de que a reiteração ocorreria com a prática de três ou mais atos infracionais e não se confundiria com a reincidência. Contudo, o próprio Superior Tribunal de Justiça alterou o seu entendimento, formando novo precedente a respeito do tema. De acordo com o atual entendimento, não há previsão legal para a exigência de prática de três atos infracionais, além do que competirá ao magistrado analisar as circunstâncias do caso concreto e as condições individuais do adolescente para melhor aplicação do direito. Assim, ficaria aberta a possibilidade de aplicação de medida de internação a adolescente que antes tenha cometido apenas uma outra infração grave”.

 

A última hipótese que autoriza a aplicação da medida de internação, o descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta, é chamada de internação-sanção e é a única em que a internação possui um período determinado (CAVALCANTI, 2014, p. 185), que esse não pode ultrapassar os três meses (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990, art. 122, § 1º).

 

Insta destacar que, independente da motivação da internação, faz-se necessária a análise da Súmula n. 265 do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2002), o qual estabelece que, antes de decretar-se a regressão da medida socioeducativa, é indispensável a oitiva do adolescente infrator.

 

Outrossim, o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda trouxe um rol de direitos aos infratores que forem internados, conforme os artigos 124 e 125 (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990):

 

“Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: I – entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; II – peticionar diretamente a qualquer autoridade; III – avistar-se reservadamente com seu defensor; IV – ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada; V – ser tratado com respeito e dignidade; VI – permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; VII – receber visitas, ao menos, semanalmente; VIII – corresponder-se com seus familiares e amigos; IX – ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; X – habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI – receber escolarização e profissionalização; XII – realizar atividades culturais, esportivas e de lazer: XIII – ter acesso aos meios de comunicação social”.

 

E mais:

 

“XIV – receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje; XV – manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade; XVI – receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade. § 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade. § 2º A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente.  Art. 125. É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”.

 

Tais direitos tentam garantir e preservar a integridade física e psicológica quando imposto ao adolescente uma drástica medida de internação.

 

Por último, a doutrina ainda divide a internação em três modalidades, possuindo cada um delas características únicas, sendo elas: a internação provisória, internação com prazo indeterminado e internação com prazo determinado (ROSSATO, 2019, p. 401).

 

A internação provisória ocorre no processo de conhecimento, antes da sentença, pelo prazo limitado de quarenta e cinco dias, conforme prescreve o artigo 108 do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990). Enquanto que a internação com prazo indeterminado é determinada pela sentença condenatória do processo de conhecimento, que corresponde ao disposto no art. 122, I e II, com prazo máximo de três anos (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990), consoante já aludido.

 

Apesar de a liberação imediata do adolescente ser a regra (ZAPATER, 2019, p. 183), Maíra Zapater (2019, p. 183) tece comentários sobre a internação provisória decorrente da prisão em flagrante:

 

“[…] embora o adolescente não seja submetido ao procedimento de lavratura de prisão em flagrante previsto no CPP, isso não significa ser proibida sua apreensão no momento da prática do ato infracional, mas apenas que a apreensão, realizada pela autoridade policial, de preferência especializada209, deverá seguir procedimento específico e atender às premissas do ECA, fundadas na doutrina da proteção integral”.

 

Além disso, “[…] quando o interno completar vinte e um anos: neste caso, a liberação será compulsória […]. Concomitantemente, haverá a extinção do próprio processo de execução, pois não é possível o acompanhamento socioeducativo de maiores de 21 anos” (ROSSATO, 2019, p. 408).

 

A internação com prazo determinado, por fim, corresponde ao disposto no artigo 122, III (BRASIL. Lei n. 8.069, 1990), já transcrito acima, a qual possui o prazo máximo de três meses (ROSSATO, 2019, p. 401). Nesse caso, “A internação-sanção tem escopo persuasivo que consiste em coagir o adolescente a aderir ao cumprimento de medida mais branda. Não tem natureza ressocializadora, propriedade das sanções em geral” (ALEXANDRE, 2017, on-line).

 

Por força disso, a internação é medida mais rigorosa aplicada ao adolescente infrator, razão pela qual existem três grandes princípios que o assegura de ser injustamente colocado lá, assim como vários direitos no caso de condenação.

 

CONCLUSÃO

No presente trabalho, verificou-se inicialmente o conceito das medidas socioeducativas, o que oportunizou entender que elas são providências originadas em decretos judiciais, possuindo uma natureza educativa e sancionatória ao adolescente infrator.

Tais medidas socioeducativas são reguladas pelos artigos 112 a 125 do Estatuto de Criança e do Adolescente, as quais estabelecem o rol taxativo das suas modalidades, quais sejam: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou internação em estabelecimento educacional.

Logo após, realizou-se uma análise panorâmica de cada medida socioeducativa, momento em que se observou que, exceto pela advertência, sua aplicação está condicionada à prova de autoria e materialidade.

Além disso, verificou-se que a advertência consiste na leitura do ato cometido e o comprometido oral da sua não repetição, enquanto a obrigação de reparar dano ocorrerá quando houver reflexos patrimoniais a fim de compensar a vítima, restituir a coisa ou ressarcir o dano causado.

A prestação de serviços à comunidade estabelece a possibilidade do adolescente infrator de realizar tarefas gratuitas de interesse gerais, a fim de sentir empatia com a situação realizada. Medida socioeducativa esta que não poderá exceder mais de seis meses, assim como não ultrapassar uma jornada de trabalho superior a oito horas semanais.

A liberdade assistida, considerada a mais efetiva, compreende uma série de acompanhamento, auxílio e orientação de um terceiro, que geralmente corresponde ao assistente social ou psicológico do juízo. Ela deve ser fixada no prazo mínimo de seis meses, havendo possibilidade de revogação, prorrogação ou substituição a qualquer tempo, mas sempre respeitado o limite máximo de três anos.

A liberdade assistida, por sua vez, consiste na permanência do adolescente no período noturno em unidade específica, podendo, contudo, sair para o estudo e o trabalho, independente de autorização, devendo ser aplicada no prazo máximo de três anos ou até o infrator completar vinte e um anos, quando sua libertação é obrigatória.

Por último, a internação, tida como a modalidade mais rigorosa, restringe a liberdade do adolescente por intermédio de uma institucionalização. Por conta disso, deve respeitar três princípios, quais sejam: da excepcionalidade, da brevidade e do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

O primeiro dele estabelece que esta medida socioeducativa somente pode ser aplicada em últimos casos em razão da sua medida mais severa, inclusive quando esgotadas todas as demais medidas. O segundo estabelece que a internação não pode ultrapassar o limite máximo de três anos ou depois do adolescente completar vinte e um anos.

O último princípio prescreve que, para sua aplicação, somente é possível quando uma das três hipóteses previstas no artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, quais sejam: ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; reiteração no cometimento de outras infrações graves; e descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

Além disso, averiguou-se que referidas hipóteses correspondem a duas das três modalidades de internação. As duas primeiras fazem ligação com a modalidade de internação por prazo indeterminado, enquanto a última sobre a internação com prazo determinado. A terceira e última modalidade refere-se à internação provisória, o que acontece antes da sentença e por prazo máximo de quarenta e cinco dias.

Em relação ao exposto, é possível constatar que o presente artigo cumpriu seu objetivo, pois foram analisadas e comentadas panoramicamente as medidas socioeducativas, inclusive conceituando-as e identificando suas espécies, bem como diferenciado estas, demonstrando as peculiaridades e singularidade inerente de cada, razão pela qual foi possível confirmar as hipóteses básicas do artigo.

 

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Márcio da Silva. A internação-sanção e o devido processo legal. 2017. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2018/a-internacao-sancao-e-o-devido-processo-legal-juiz-marcio-da-silva-alexandre#:~:text=Interna%C3%A7%C3%A3o%2Dsan%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20a%20medida,demais%20incisos%20do%20mesmo%20artigo. Acesso em: 17 out. 2020.

 

ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Prática no Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2019. Livro Digital.

 

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[1] Autor: Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI). E-mail: ederperfollmarcelino@unidavi.edu.br

[2] Autora: Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI). E-mail: gabriela.enelis@unidavi.edu.br

[3] Autor: Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI). E-mail: lucas.fachini@unidavi.edu.br

[4] Autora: Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI). E-mail: luizaburigo@unidavi.edu.br

[5] Orientador: Advogado, Mestre em Direito pela Unisinos/RS, Especializações em Didática e Metodologia do Ensino, pelas Faculdades Integradas do Vale do Ribeira e Professor da matéria de Direito da Criança e do Adolescente e do Idoso

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